Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:536/14.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
CONVOLAÇÃO DOS AUTOS EM ACÇÃO ADMINISTRATIVA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:1) No caso de convolação de impugnação judicial instaurada com vista à anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que indeferiu o pedido de supressão da inscrição na matriz do aerogerador integrado no Parque Eólico do ... III, em acção administrativa com o mesmo objecto, o aproveitamento do processado na forma processual adequada implica a repetição dos actos posteriores à apresentação da petição inicial, incluindo a citação da entidade demandada nos autos.
2) Trata-se de acção administrativa que deve ser instaurada contra o Ministério das Finanças, dado que o órgão autor do acto integra a orgânica do referido Ministério, concretamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira e não contra a Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe o presente recurso jurisdicional contra o despacho proferido a fls. 209, que indeferiu o incidente da nulidade da citação deduzido a fls. 206/207, no âmbito da acção administrativa (inicialmente instaurada como impugnação, mas, posteriormente, convolada na forma processual actual, por despacho de fls. 146/149), interposta por “... – Parque Eólico de ..., Lda.”, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07.03.2014, que indeferiu o pedido de supressão da inscrição na matriz do aerogerador integrado no Parque Eólico do ... III.
Nas alegações de recurso de fls. 214/220, a recorrente formula as conclusões seguintes:

I - O presente recurso é interposto contra o douto despacho que indeferiu a arguição da nulidade, entendeu não anular todo o processado posterior à petição inicial e que a representação do Estado continuaria a ser assegurada pela Representação da Fazenda Pública de Leiria.

II - A convolação dos autos em acção administrativa especial, determina que a Fazenda Pública deixou de ter legitimidade passiva para representar os interesses da administração tributária, conforme decorre do disposto nos artigos 15º do CPPT e 11º do CPTA e artigo 53º do ETAF.

III - A entidade demandada nos autos passou a ser o Ministério das Finanças, nos termos do disposto no art.10º do CPTA, cuja representação em juízo cabe a licenciado em direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito ao abrigo do art. 11º do mesmo diploma legal.

IV - A entidade demandada nos autos não foi citada para apresentar a sua defesa, nos termos do disposto no art. 10º e art. 81º do CPTA.

V- De entre os actos que, na sequência desta convolação, não podem ser aproveitados conta-se a contestação da Fazenda Pública uma vez que esta não tem legitimidade passiva em sede de recurso contencioso, e entre os actos que se impõe praticar contam-se a citação da entidade com legitimidade para ser demandada a fim de esta poder exercer o seu direito de defesa, conforme nº 1 e nº 2 do art. 193º do CPC.

VI - O princípio da celeridade processual não pode sobrepor-se ao direito do Réu a apresentar defesa.

VII - O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 04-12-2012, no âmbito do processo n.º 0122/12 concluiu que: "O erro na forma de processo e a convolação efectuada deve determinar a anulação de todos os actos posteriores à petição se a contestação foi apresentada por quem não detinha competência para representar a administração tributária junto do tribunal tributário de 1a instância."

VIII - A necessidade de acautelar as garantias do Réu impõe que dos autos apenas será de aproveitar a petição inicial, anulando-se os restantes actos praticados, devendo a sentença ser declarada nula ou anulada, com fundamento em preterição do direito do Réu a apresentar defesa, para cujo efeito deverá ser citado nos competentes termos legais, nos termos da alínea a) do art. 187º do CPC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogado o despacho proferido pelo Tribunal "a quo", por errada interpretação e aplicação dos artigos 15º do CPPT e 11º do CPTA e artigo 53º do ETAF, com todas as legais consequências.


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Não há registo de contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

O Ministério Público junto do TCAS foi notificado (artigo 146.º/1, do CPTA).


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II- Fundamentação

2.1. De facto

Com vista à resolução da questão solvenda, os autos comprovam a vicissitudes processuais seguintes:
1) Por meio de despacho de fls. 146/149, o tribunal recorrido determinou a convolação dos presentes autos de impugnação nos de acção administrativa de impugnação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07.03.2014, que indeferiu o pedido de supressão da inscrição na matriz do aerogerador integrado no Parque Eólico do ... III.
2) Por meio de despacho de fls. 161, o tribunal recorrido, determinou o aproveitamento do processado (designadamente, petição inicial, contestação e documentos juntos) – fls. 161.
3) A fls. 165, o tribunal recorrido proferiu despacho saneador e considerando não haver questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, ordenou a notificação das partes para alegações, nos termos do artigo 91.º/4, do CPTA.
4) Por meio de requerimento de fls. 206/207, a Autoridade Tributária e Aduaneira/recorrente solicitou ao tribunal recorrido que «deve ser considerada nula a citação efectuada ao Representante da Fazenda Pública e ordenada a citação da requerente, com a consequente nulidade de todo o processado».
5) Por meio de despacho de fls. 209, o tribunal recorrido indeferiu a arguição de nulidade.
6) O despacho referido na alínea anterior tem o conteúdo seguinte:
«Através de requerimento que deu entrada em 22.02.2017, a Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira veio requerer a nulidade da citação efectuada ao Exmo. Representante da Fazenda Pública.
Apreciando:
Considerando que a Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada por lapso do requerimento de fls. 192 dos autos em Suponte físico (a que correspondem futuras referências sem indicação de origem) (cf Conclusão com informação que antecede).
Considerando que por despacho de 19.11.2015 foi determinada a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem quanto ao aproveitamento do processado anteriormente à convolação da petição inicial para o presente meio processual (cf fls. 154 dos autos).
Considerando que por despacho de 28.04.2016 foi além do mais, determinado o aproveitamento do processado e que a representação do Estado continuaria a ser assegurada pela Representação da Fazenda Pública de Leiria, tendo em conta os princípios da celeridade processual e da boa direção do processo (cf. fls. 161 dos autos), não tendo este despacho sido objeto de recurso.
Considerando que os pressupostos processuais se encontram perfeitamente estabilizados nos presentes autos, conforme resulta do teor do despacho saneador que foi proferido em 01.09.2016 (cf. fls. 165 dos autos).
Considerando ainda que não se vislumbra que o Estado tenha sido, de alguma forma, prejudicado na sua defesa, na aceção cominada no artigo 191.°, n° 4 do CPC, pela intervenção da Representação da Fazenda Pública de Leiria nos presentes autos, uma vez que esta foi citada e notificada dos atos processuais praticados, podendo, por isso, exercer os seus direitos processuais de defesa. Por outro lado, a Representação da Fazenda Pública de Leiria tem, precisamente, a função de representar em juízo o credor tributário, razão pela qual entendemos que o Estado, certamente, não ficou em nada prejudicado pela sua intervenção.
Assim sendo, indefiro o requerido, nos termos e com os fundamentos acima melhor explicitados».


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2.2.1. Nos presentes autos é sindicado o despacho que, na sequência da convolação do processado dos autos de impugnação judicial nos de acção administrativa, rejeitou o requerimento da recorrente que solicitava a determinação da anulação do processado posterior à petição inicial e a repetição da citação na sua pessoa.
2.2.2. Está em causa a pretensão impugnatória do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07.03.2014, que indeferiu o pedido de supressão da inscrição na matriz do aerogerador integrado no Parque Eólico do ... III.

A questão que se suscita consiste em saber se a convolação e o aproveitamento do processado na forma processual adequada implica ou não a repetição dos actos posteriores à apresentação da petição inicial, incluindo a citação da entidade demandada nos autos.

Estabelece o artigo 193.º (“Erro na forma do processo ou no meio processual”) do CPC, que «1. O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser praticados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. // 2. Não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição das garantias de defesa do réu».

No caso, verifica-se que a acção instaurada tem em vista a anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07.03.2014, que indeferiu o pedido de supressão da inscrição na matriz do aerogerador integrado no Parque Eólico do ... III.

Trata-se de acção administrativa que deve ser instaurada contra o Ministério das Finanças (artigo 10.º, n.º 2, do CPTA “Legitimidade passiva”), dado que o órgão autor do acto integra a orgânica do referido Ministério, concretamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 2.º/2/c), da Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira – Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro[1]).

Dentro do Ministério das Finanças, a Autoridade Tributária e Aduaneira é a entidade competente para representar o Ministério das Finanças em Juízo (artigo 14.º/2/i), da Lei Orgânica do Ministério das Finanças, Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de Dezembro[2] e artigo 2.º/2/c), da Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira – Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro).

De onde se extrai, como consequência, que o acto de citação da Fazenda Pública de Leiria (fls. 130/131) para os termos da presente acção, ao chamar aos autos entidade distinta daquela que assegura a legitimidade passiva nos mesmos (Autoridade Tributária e Aduaneira), não pode ser aproveitado, na sequência da convolação dos autos nos de acção administrativa, sem preterição da proibição de indefensão em que ficaria colocada a entidade titular da relação material controvertida pelo lado passivo da mesma (Autoridade Tributária e Aduaneira).

Em face do exposto, verifica-se que ocorre nulidade processual, por falta de citação da entidade demandada nos autos (artigo 188.º/1/a), do CPC), o que acarreta a nulidade do processado posterior à apresentação da petição inicial.

Ao julgar em sentido discrepante, o despacho recorrido deve ser substituído por decisão que determine a anulação do processado posterior à petição inicial, bem como a repetição da citação da Autoridade Tributária e Aduaneira, para os termos da acção, nos termos do disposto no artigo 82.º do CPTA (“Prazo da contestação e cominação”). O que se determinará no dispositivo.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto, revogar o despacho recorrido, ordenar a anulação do processado posterior à petição inicial, bem como a repetição da citação da Autoridade Tributária e Aduaneira, para os termos da acção, nos termos do disposto no artigo 82.º do CPTA.

Sem custas.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunta – Cristina Flora)

(2º. Adjunta – Ana Pinhol)



[1] Versão conferida pela Lei n.º 89/2017, de 21 de Agosto.
[2] Versão conferida pela Lei n.º 89/2017, de 21 de Agosto.