Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1037/04.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
QUESTÃO NOVA
PROVISÕES CRÉDITOS COBRANÇA DUVIDOSA
PROVA DILIGÊNCIAS PARA RECEBIMENTO DOS CRÉDITOS
Sumário:I. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre.
II. Para efeitos de IRC, são custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, entre os quais as provisões (cfr. art. 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC).
III. Para que as provisões possam ser consideradas custos fiscais importa, não só que esteja apurado o risco de incobrabilidade, como também, que este risco de incobrabilidade se mostre devidamente justificado, que os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
IV. Não estabelecendo a alínea c), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC qualquer restrição quanto à prova das diligências para o recebimento dos créditos, significa que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito adequados a demonstrar a realização dessas diligências.
V. Ao contrário do entendimento da Administração Tributária, não é relevante para afastar a constituição da provisão a falta de interpelação do devedor por carta registada com aviso de recepção, por a alínea c) do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC não exigir qualquer requisito formal, sendo apenas relevante a realização de diligências adequadas à cobrança do crédito, e nada mais, de acordo com a citada norma legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO deduzida por F... A..., S.A, contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa, por si apresentada contra o acto de liquidação adicional de IRC n.º 1... referente ao exercício de 1994, no montante de € 187.085,93.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A - Pelo elenco de razões supra arroladas, ressalve-se melhor entendimento, visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente impugnação judicial, determinando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como a anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 1... e de juros compensatórios, condenando-se a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, com a qual não concordamos, uma vez que, afigura-se-nos existir erro de julgamento.

B - A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese «que foi efectuada a prova documental e testemunhal de terem sido efectuadas diligências com vista ao recebimento das quantias em dívida, importando assim a possibilidade de edução da provisão objecto de correcção e, em consequência a decisão da reclamação graciosa padece de erro nos pressupostos de facto e de direito devendo a liquidação objecto da reclamação ser parcialmente anulada em conformidade. Em consequência, determinar-se-á também a anulação da liquidação referente a juros compensatórios na proporção do pagamento efectuado», importa a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, mostrando-se procedente o pedido.

C - Consultados os autos verifica-se que após uma acção inspectiva levada a cabo à ora recorrida, relativamente ao exercício de 1994, verificaram os Serviços da AT, após consulta aos elementos de suporte contabilístico que, foram constituídas/ reforçadas provisões (o montante anual acumulado), contudo, não se encontravam documentadas as diligências efectuadas para que se pudessem considerar como custos à data dos factos.

D - Notificada para o efeito, não apresentaram quaisquer provas das diligências efectuadas para cobrança desses créditos, o que impossibilitou os Serviços da AT de estabelecerem um nexo de causalidade, entre os documentos de suporte contabilístico e, as diligências efectuadas, não lhes permitindo verificar da legalidade das provisões constituídas para efeitos de custos.

E - São aceites como custo fiscal as provisões para cobrança duvidosa que resultarem da actividade normal da empresa e cujos créditos estejam evidenciados na contabilidade e, tenham sido feitas todas as diligências para os recuperem.

F - Defende o tribunal "a quo", que o artigo 34.º , n.º 1, al. c) do CIRC não estabelece requisitos de forma quanto à prova das diligências em causa, pelo que se impõe concluir que são admissíveis todos os meios de prova em direito permitidos, posição à qual a Fazenda Pública adere sem reservas.

G - Contudo, no caso em apreço, a ora Recorrida, não exibiu qualquer meio de prova que comprove, irrefutavelmente, que o devedor tenha tido conhecimento das dívidas em mora, aliás, como lhe era exigido nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

H - No que se refere ao decidido pelo tribunal "a quo", mormente que foram efectuadas as diligências das quantias em dívida, importando assim a possibilidade da provisão, cumpre referir que, as facturas indicadas nos documentos, eventualmente, enviados à entidade devedora a solicitar o seu pagamento, não são as mesmas que integraram a provisão constituída, como se pode verificar a fls. 26 e seguintes da reclamação graciosa apensa ao PAT, outrossim, enviaram, uma cópia de uma hipotética carta datada de 16.JAN.1995, quando as provisões constituídas diziam respeito ao exercício de 1994.

I - Desta singela, mas preclara, observação, não se permite concluir que tenha existido interpelação aos devedores para pagamento das quantias consideradas como provisões de crédito de cobrança duvidosa, impostas pelo artigo 34.º, n.º 1, al. c) do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

3. A recorrida F... A..., S.A, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«a) Vem a Fazenda Nacional recorrer da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anulou a "decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 1... e de juros compensatórios."

b) Nenhuma razão assiste à Fazenda Nacional, porquanto, conforme resulta inequivocamente da prova produzida, bem como da aplicação do Direito aos factos provados, a Impugnante cumpriu escrupulosamente os requisitos legais para que as provisões dos créditos de cobrança duvidosa;

c) Contudo, sem prejuízo do que anteceder sempre se diga que, o Tribunal ad quem está impossibilitado de conhecer o presente recurso, porquanto, a apreciação por parte do Tribunal ad quem das questões que lhe foram colocadas pela Fazenda Nacional, depende essencialmente da reapreciação da matéria de facto provada, sendo que a Fazenda Nacional não recorreu da referida factualidade (nomeadamente, dos factos considerados provados nos pontos X) a DD) da factualidade provada);

d) Caso, porém, assim não se entenda, sempre se dirá que a Recorrida demonstrou à exaustão nos autos ter cumprido os requisitos previstos no artigo 34.º n.º 1 alínea c) do Código do IRC;

e) Diga-se, aliás, que a Fazenda Nacional aceita que os requisitos previstos no referido normativo foram cumpridos, com exceção da demonstração de que foram efetuadas diligências para o recebimento de tais créditos;

f) Ora, quanto a este quarto requisito, diga-se que, a Recorrente assume uma posição completamente autista face à prova produzida nos presentes autos, quer documental quer testemunhal - e que levou à prova dos factos elencados nas alíneas X) a AA) - assentando todos os seus argumentos apenas na prova produzida em sede de reclamação graciosa;

g) A Fazenda Nacional olvida-se que resultou demonstrado, quer do depoimento das testemunhas inquiridas quer da prova documental carreada para estes autos, que a Impugnante interpelou periodicamente, por carta, os seus clientes compelindo-os a regularizarem o valor das dívidas pendentes;

h) Da mesma forma, resultou provado que tais interpelações chegaram ao conheci mento do destinatário, porquanto, as mesmas eram enviadas por correio interno (estafeta) o qual entregava pessoalmente as cartas enviadas pela Impugnante, aqui Recorrida;

i) Assim, é forçoso concluir que, por via das diligências efetuadas e demonstradas nos au tos, a Recorrida deu conhecimento dos créditos vencidos às entidades devedoras, bem como comunicou a necessidade/obrigação destas entidades procederem ao seu pagamento;

j) A Fazenda Nacional entende que tais provas não comprovam, irrefutavelmente, que o devedor tenha tido conhecimento das dívidas em mora;

k) Em primeiro lugar, insista-se que a alínea c) do número 1 do artigo 34° do Código do IRC, em vigor à data dos factos, nada impunha quanto ao "tipo de prova" que o Credor teria que efetuar para preencher tal requisito, cabendo, assim, total liberdade aos sujeitos passivos para determinar/definir quais as diligências que, em cada momento, se afiguram adequadas à cobrança de tais créditos;

1) Não resulta do referido normativo estar o Tribunal obrigado apenas a aceitar que a prova seja realizada documentalmente;

m) Do mesmo modo, do referido preceito legal não resulta qualquer obrigação por parte da Impugnante de enviar às entidades devedoras cartas registadas com aviso de receção;

n) Salvo melhor opinião, a Recorrida entende que a "prova das diligências efetuadas " previstas no referido preceito legal, tem por fim, por um lado, garantir que a Impugnante interpelou as entidades devedoras para que estes procedessem à regularização dos créditos vencidos, bem como, garantir que tais interpelações chegaram, de facto, ao conhecimento do devedor;

o) E, quanto a tais provas, dúvidas não restam que a Impugnante carreou para o processo prova bastante das diligências de cobrança por si realizadas, bem como, as testemunha s inquiridas explicaram detalhadamente a forma como faziam chegar ao conhecimento dos devedores as interpelações com vista ao pagamento dos créditos vencidos há mais de seis meses;

p) Na verdade, não tendo o legislador determinado/limitado os meios de prova, sempre se deverá concluir que são admissíveis todos meios de prova em direito permitidos, cabendo posteriormente ao Tribunal determinar se a prova efetuada se revela suficiente para prova dos factos alegados;

q) Sublinhe-se, aliás, que tal entendimento foi partilhado (e bem!) pelo Tribunal a quo que entendeu que da prova produzida resultou demonstrado que a Impugnante efetuou um conjunto de diligências, as quais se destinavam a obter o pagamento voluntário por parte dos seus clientes;

r) Diga-se, ademais, que a posição assumida pela Fazenda Nacional, fazer referência a muitas outras cartas de interpelação datadas de 17/0211994, 15/03/1994, 19/0411994, 16/0511994, 14/06/ 1994, 18/07/1994, 19/09/ 1994, 17110/ 1994, 14111/1994 e 12/ 12/ 1994 e que comprovam a interpelação aos devedores;

s) Atento o acima exposto, resulta demonstrado que à ora Impugnante não é imputável qualquer tipo de responsabilidade pelo procedimento conducente à liquidação em apreço, razão pela qual deve ser ordenado o reembolso da impo1tância indevidamente paga pela Impugnante, e consequentemente, o seu ressarcimento , mediante o pagamento dos respetivos juro s indemnizatórios, devidos ao abrigo do disposto no número 6 do artigo 128º do Código do IRC e nos termos do artigo 43º da LGT.

Nestes temos, e nos mas de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, com todas as legais consequências.

Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi oferecido parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao declarar a ilegalidade parcial da liquidação adicional, na matéria respeitante à correcção inerente a provisões para créditos de cobrança duvidosa.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante tem como actividade principal a comercialização por grosso de automóveis, motociclos, bicicletas com e sem motor, integrando-se nas suas actividades secundárias a reparação de automóveis, o comércio a retalho de automóveis e o fabrico de componentes para automóveis - cf. Documento de fls. dos autos;

B) A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção em sede de IRC, de âmbito interno, tendo por objecto o exercício de 1994 – cf. documento de fls. 34;

C) Em 24/10/1996 a Impugnante foi notificada pelos serviços de Prevenção e Inspecção Tributária para prestar esclarecimentos diversos, entre os quais, relativamente à provisão para créditos de cobrança duvidosa foi-lhe solicitado o envio do balancete por antiguidade de saldos, com indicação do nome do cliente, saldo em dívida segundo o período de mora e provisão constituída, com vista a justificar o valor da coluna 10 do Mapa 30 – cf. documento de fls. 13 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

D) Foi ainda solicitado à Impugnante o envio dos documentos comprovativos das diligências efectuadas junto dos clientes no sentido do recebimento dos créditos - cf. documento de fls. 13 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

E) Em resposta ao solicitado, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa a Impugnante juntou, «por amostragem» 6 folhas de computador das 427 que constituem o total da listagem com a indicação dos dias em mora e os cálculos efectuados declarando que a entidade devedora em cerca de 90% dos créditos é a F... Distribuidora Portugal, Lda - cf. documento de fls. 16 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) A Impugnante juntou, no âmbito dos esclarecimentos solicitados, 11 cartas com timbre da sua Direcção Administrativa datadas de 17/2/1994, 15/3/1994, 19/4/1994, 16/5/1994, 14/6/1994, 18/7/1994, 19/9/1994, 17/10/1994, 14/11/1994 e 12/12/1994, bem como em 16/1/1995, mencionando em assunto «cobrança de facturas vencidas» destinada à «F... Distribuidora Portugal, Lda, solicitando-lhe a liquidação das facturas vencidas e ainda não pagas, remetendo para relação anexa referindo não existir motivo aparente para a referida falta de pagamento - cf. fls. 26, 33, 40, 47, 53, 59, 66, 70, 74 e 78 bem como de fls. 82 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

G) Da relação anexa aos documentos identificados na alínea anterior consta o número da factura e a respectiva data de vencimento que, relativamente a cada carta era sempre superior a 6 meses, desde 26/3/1993 a 3/6/1994 – cf. fls. 26 a 86 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

H) No Balanço apresentado pela Impugnante relativo ao exercício de 1994 foi registado, na conta 218 - Clientes de Cobrança Duvidosa, o montante de Esc. 863.464.054 – cf. documento de fls. 65 e sg dos autos e 142 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

I) Na nota 23 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados respeitante a Dívidas de Cobrança Duvidosa fez-se constar que «A Empresa classificou como contas a receber de cobrança duvidosa aqueles montantes que serviram de base para o cálculo da provisão para cobranças duvidosas – cf. documento de fls. 74 dos autos e 150 do processo de reclamação graciosa;

J) Juntou ainda a Impugnante a resposta que apresentou a pedidos de esclarecimentos solicitados pela Inspecção Tributária no âmbito da acções de inspecção efectuada à contabilidade relativa ao exercício de 1992 da qual se conclui que apresentou, por amostragem, 6 folhas de computador das 291 que constituíam o total da listagem com a indicação dos créditos em mora – cf. fls. 90 do processo de reclamação graciosa;

K) No âmbito da referida acção inspectiva os Serviços de Fiscalização Tributária efectuaram três correcções ao lucro tributável de IRC, numa delas, a Administração Tributária considerou «que a Impugnante deduziu «indevidamente como custo fiscal Provisões para Créditos de Cobrança Duvidosa no montante de 89.364.697$00 (…) por falta de apresentação de provas das diligências efectuadas para a cobrança destes créditos, contrariando o disposto na alínea c) do n.º 1 do artº 34º do CIRC, apesar de notificado para o efeito em 24/10/1996» - cf. documento de fls. 36 e 39 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

L) O valor da referida correcção foi de Esc. 89.364.697 $00 (oitenta e nove milhões, trezentos e sessenta e quatro, seiscentos e noventa e sete escudos), correspondente a Euros 445.749,23 (quatrocentos e quarenta e cinco mil, setecentos e quarenta e nove euros e vinte e três cêntimos) – cf. fls. 39 dos autos;

M) Em 13 de Maio de 1997 foram comunicados à Impugnante os fundamentos das correcções efectuadas – cf. fls. 34 dos autos;

N) As correcções efectuadas pela Inspecção Tributária deram origem à emissão da liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, identificada pelo documento de cobrança n.º 1... no valor total de Esc. 78.688.73 (setenta e oito mil, seiscentos e oitenta e oito mil setecentos e trinta escudos), correspondente a Euros 392.497,73 (trezentos e noventa e dois mil, quatrocentos e noventa e sete euros e setenta e três cêntimos) – cf. documento cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

O) Em 19 de Junho de 1997 a Impugnante procedeu ao pagamento do valor de Esc. 60.955.572$00 (sessenta milhões, novecentos e cinquenta e cinco mil, quinhentos e setenta e dois escudos) correspondente a Euros 304.045,11 (trezentos e quatro mil, quarenta e cinco euros e onze cêntimos), relativa à liquidação adicional de IRC (€ 286.869,22) e de juros compensatórios reduzidos a 20% no valor de € 17.176,78, por adesão ao regime excepcional de regularização de dívidas previsto no Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/8 - cf. documento de fls. 43 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

P) Da liquidação identificada em L) e M), a Impugnante deduziu reclamação graciosa em 25/9/1997 – cf. documento de fls. 46 dos autos e 2 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q) Em 29/4/2004 a Impugnante foi notificada do projecto de decisão propondo o indeferimento total da reclamação graciosa – cf. documento de fls. 52 dos autos e 109 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

R) A proposta de indeferimento baseou-se na informação prestada pelos serviços, que por sua vez, se fundou na falta de provas de terem sido efectuadas as diligências para serem recebidos os créditos provisionados, nos termos da al. c) do n. º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, através de registos comprovativos da efectivação das referidas diligências, manifestando a AT o entendimento de que a prova a que se refere aquela disposição legal se afere pela notificação do cliente com carta registada e aviso de recepção nos termos do Código de Processo Civil invocando o despacho do Subdirector Geral de 23/10/19 proferido na informação n.º 778/92 processo n.º 247/95 e a informação n.º 432/95 a que acresce a necessidade de contabilização dos créditos na conta 218- Clientes de Cobrança Duvidosa ou referido na Nota 23 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados – cf. fls. 55 dos autos e 111 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S) Notificada para o efeito, em 14/5/2004, a Impugnante pronunciou- se em sede de audição prévia invocando que reunia as condições substanciais e formais exigidas para que o custo associado à constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa, contabilizado no exercício de 1994, fosse considerado dedutível para efeitos de apuramento do seu lucro tributável em sede de IRC já que estavam autonomizados na contabilidade na conta 218 - Clientes de Cobrança Duvidosa bem como no Balanço e na nota 23 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados – cf. documento de fls. 115 a 128, 142 e 150 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

T) Em 8/6/2004, pelo Director de Finanças Adjunto foi proferido despacho de concordância com a proposta de indeferimento da reclamação graciosa fazendo seus os fundamentos invocados na informação dos serviços – cf. documento de fls. 174 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

U) Na informação que sustentou o despacho de indeferimento identificado em R) delimitou-se a questão à falta de prova das diligências necessárias ao recebimento dos créditos em mora não tendo a Impugnante então reclamante procedido à junção do documento 7 em que aludia às diligências de prova, mais referindo que a citação das informações internas serviram para explicitar o entendimento da Administração Tributária perante tais situações aplicando o regime do CPC tratando-a de forma semelhante à citação pelo correio efectuada pelos tribunais nos termos do artigo 228.º-A, com actual correspondência no artigo 233.º do CPC, considerando incontornável que a prova a que alude o artigo 35.º, n.º 1, alínea c) do CIRC só pode ser efectuada com o registo dos correios para comprovar que a correspondência foi efectivamente enviada ao seu destinatário – cf. fls. 174 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

V) Em 18/6/2004, a Impugnante foi notificada do Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa - cf. Fls. 180 e 181 do processo de reclamação graciosa;

W) Do referido acto de indeferimento a Impugnante deduziu a presente impugnação - cf. documento de fls. 2 dos autos;

X) Além dos documentos identificados na alínea F) e G) a Impugnante juntou aos autos uma carta com timbre da sua Direcção Administrativa datada de 17/8/1994 mencionando em assunto «cobrança de facturas vencidas» destinada à «F... Distribuidora Portugal, Lda, solicitando-lhe a liquidação das facturas vencidas e ainda não pagas, remetendo para relação anexa referindo não existir motivo aparente para a referida falta de pagamento - cf. fls. 123 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Y) Mensalmente eram extraídos extractos de conta enviados à sociedade F... Distribuidora Portugal, Lda identificadas na alínea F) e X), remetidos em mão por estafeta e era efectuada a conciliação de saldos entre a Impugnante e a empresa do grupo - cf. depoimento da testemunha M...;

Z) No momento da elaboração do pré balanço, em Outubro e Dezembro todos os anos, era efectuado novamente um pedido de pagamento designadamente com a F... Distribuidora Portugal, Lda, nos mesmos termos indicados em Y) – cf. depoimento da testemunha M...;

AA) Para clientes externos a Impugnante solicitava o pagamento das quantias em dívida através de carta registada – cf. depoimento da testemunha M...;

BB) Para as empresas devedoras do grupo, ainda que sediadas no exterior, era procedimento enviar cartas sem registo – cf. depoimento da testemunha M...;

CC) As listagens que indicam o cliente, o n.º da factura e datas de vencimento eram remetidas pelos serviços de Contabilidade Geral aos serviços administrativos ambos da Impugnante para comunicarem ao cliente a mora, verificação e posterior comunicação à Contabilidade Geral para constituição da respectiva provisão – cf. depoimento de A...;

DD) As empresas fornecedoras do grupo enviam o extracto ao cliente que analisa os extractos com base nos seus elementos e preenche um formulário assinado devolvendo-o ao remetente considerando- se que há acordo quanto à reconciliação, e é constituída a provisão, se houver divergências comunica ao remetente do extracto procedimento comum utilizado já em 1994 com a diferença quanto aos meios de comunicação utilizados, que passaram a ser o fax e o correio electrónico – cf. depoimento de A....


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Não se provou que a Impugnante tivesse enviado à sociedade devedora – F... Distribuidora Portugal. Lda; com periodicidade semestral relatório das dívidas por cobrar.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.


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A convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos constantes dos mesmos e do processo administrativo tributário apenso e do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.

O depoimento da testemunha M... mostrou-se convicto, revelando conhecimento directo dos factos a que depôs por trabalhar na área administrativa a quem incumbe a comunicação de cobrança dos créditos vencidos.

Quanto ao depoimento prestado pela testemunha A..., trabalhava na sociedade F... Distribuidora, Portugal, Lda desempenhando funções à data dos factos na área da gestão de concessionários, passando a trabalhar na reconciliação de saldos desde 2000 o seu depoimento não relevou para a determinação dos factos concretos contribuindo para o apuramento do procedimento de conciliação de saldos entre empresas do grupo que se manteve igual ao seguido em 1994 com a diferença quanto aos meios de comunicação utilizados, por revelar conhecimento directo desses factos.»


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2. DE DIREITO

2.1. A liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1994 impugnada resultou de correcção, em sede inspecção tributária, a provisões para Créditos de Cobrança Duvidosa, no montante de Esc. 89.364.697$00, por falta de apresentação de provas das diligências efectuadas para cobrança destes créditos, através de carta registada com aviso de recepção, comprovativo da efectivação das referidas diligências.

Tendo sido deduzida reclamação graciosa contra esta liquidação e do indeferimento desta impugnação judicial. O Tribunal Tributário de Lisboa na sentença recorrida considerou que o artigo 34.º, n.º 1, alínea c) do CIRC não estabelece requisitos de forma quanto à prova das diligências em causa, sendo, por isso, admissíveis todos os meios de prova em direito permitidos, e que a Impugnante logrou demonstrar, através de prova documental e testemunhal, terem sido efectuadas diligências com vista ao recebimento das quantias em dívida.

A Fazenda Pública, discorda do decidido, insistindo que a Recorrida não exibiu qualquer meio de prova que comprove, irrefutavelmente, que o devedor tenha tido conhecimento das dívidas em mora, como decidido pelo tribunal a quo.

Mais alega que «as facturas indicadas nos documentos, eventualmente, enviados à entidade devedora a solicitar o seu pagamento, não são as mesmas que integram a provisão constituída, como se pode verificar a fls. 26 e segs. da reclamação graciosa apensa ao PAT», e, ainda, que foi enviada uma cópia de uma hipotética carta datada de 16/01/1995 quando as provisões constituídas respeitam ao exercício de 1994 (conclusões G e H da alegação de Recurso).

Como resulta das conclusões de recurso, a questão que vem colocada é, no essencial, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na medida em que nela se decidiu que a Recorrente demonstrou terem sido efectuadas diligências com vista ao recebimento das quantias em dívida relativas à provisão por créditos de cobrança duvidosa constituída no ano de 1994.

A Recorrida não invoca expressamente erro de julgamento de facto, mas ao alegar que as facturas indicadas nos documentos de fls. 26 e segs da reclamação graciosa não são as mesmas que integram a provisão constituída, pretende de uma forma enviesada colocar em causa os factos vertidos nas alíneas F) e G) do probatório.

Vejamos.

Como se viu, a Recorrente alega que as facturas indicadas nos documentos de fls. 26 e segs. da reclamação graciosa e a cópia da carta datada de 16/01/1995 não dizem respeito ao exercício de 1994 (conclusão H) da alegação de recurso).

Porém, trata-se de uma questão nova, não contemplada na fundamentação da liquidação adicional, nem na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, conforme decorre das alíneas K) e R) do probatório, e que, por isso, também não foi objecto de apreciação pelo tribunal de 1.ª instância (cfr. alínea F), G) K), T e U do probatório).

Constitui entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, exceto se forem do conhecimento oficioso do Tribunal.

Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre.

De acordo com o preceituado no artigo 627.º, n.º 1, do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e, como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas (vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, áreas editora, 2007, Volume II, pág. 786).

Fica, assim, prejudicado a apreciação do alegado erro de julgamento da matéria de facto, que falecia em toda a linha por falta de cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto.

Não obstante, para que não restem dúvidas, afloremos a questão atinente à impugnação da matéria de facto, questão que foi suscitada pela Recorrida nas contra-alegações.

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

Como se extrai das conclusões e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não especifica concretamente quais os factos que considera incorrectamente julgados, o mesmo acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remetendo para documentos que, alias, foram apreciados, em sede de acção inspectiva e de procedimento de reclamação graciosa, sem que, diga-se, aí se tenham extraído a conclusão agora pretendida.

Assim, não preenchendo o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, por força do estatuído no n.º 1, do artigo 640.º do CPC, tal obstaria a que este Tribunal procedesse ao reexame de tal matéria de facto.

Acresce referir, que a Recorrente olvida completamente toda a matéria vertida nas alíneas X), Y, Z), BB), CC) e DD), esta com relevância para a decisão de procedência da impugnação.

Nesta conformidade, caso a questão em apreciação não se trata-se de uma questão nova, ter-se-ia que rejeitar o recurso nesta parte, não só por não se mostrar cumprido o ónus referido supra, mas também pela inutilidade de análise de factualidade que se mostra apresentada sem qualquer concretização.

Termos em que este Tribunal de recurso não pode conhecer da questão suscitada na conclusão H) das alegações de recurso, e consequentemente do erro de julgamento da matéria de facto, quanto ao presente segmento do presente recurso.

2.2. Apuremos, agora, se ocorreu o invocado erro de julgamento de direito por não se verificarem os requisitos previstos no artigo 34.º, n.º 1, alínea c) do CIRC.

A Recorrente alega que a Recorrida não demonstrou que tenha existido interpelação aos devedores para pagamento das quantias consideradas como provisão de crédito de cobrança duvidosa, impostas pelo artigo 34.º, n.º 1, alínea c) do CIRC.

Por sua vez, a Recorrida contra-alega referindo que a alínea c) do n.º 1, do artigo 34.° do CIRC, em vigor à data dos factos, nada impunha quanto ao "tipo de prova" que o Credor teria que efetuar para preencher tal requisito, cabendo, assim, total liberdade aos sujeitos passivos para determinar/definir quais as diligências que, em cada momento, se afiguram adequadas à cobrança de tais créditos.

Ora, como já se viu, a Recorrente não impugnou a matéria de facto constante dos pontos F), G), X) a DD).

Mantendo-se estabilizada a decisão da matéria de facto, a questão a apreciar é a de saber se inexiste prova de diligências para o recebimento dos valores em causa, por ser exigível que a interpelação ao devedor seja efectuada por carta registada com aviso de recepção.

Nos autos está em crise a liquidação adicional do ano de 1994.

Para efeitos de IRC, são custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, entre os quais as provisões (cfr. art. 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC).

Assim, as empresas podem constituir um fundo, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face aos prejuízos que esperam, mas que ainda não conhecem com precisão.

Entre as provisões que podem integrar custos fiscais, interessa-nos agora considerar as dívidas de cobrança duvidosa.

Há, pois, que ver qual o regime fiscal das provisões, para o que importam os artigos 33.º e 34.º (actuais 39.º e 41.º) do CIRC, para ver se assiste razão à Recorrente.

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º (à data dos factos) que podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

Por sua vez, a alínea c), do n.º 1 do artigo 34.º, preceitua: para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos: (…) c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligência para seu recebimento.

Claramente se extrai que para efeitos fiscais, o regime das provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico pois para além do requisito do “risco de cobrança”, mostram-se necessários outros pressupostos para a respectiva aceitação.

Como forma de prevenir a utilização abusiva da conta das provisões contabilísticas, permitida pelo uso do conceito indeterminado de “créditos de cobrança duvidosa” no artigo 34.º n.º 1 alínea a) do CIRC, o legislador efectivou uma delimitação desse conceito indeterminado, especificando nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 35.º, de aplicação disjuntiva, quais as provisões que no âmbito específico dos custos podem relevar fiscalmente.

Para que as provisões possam ser consideradas custos fiscais importa, não só que esteja apurado o risco de incobrabilidade, como também, que este risco de incobrabilidade se mostre devidamente justificado, que os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

Assim, no que respeita às diligências para o recebimento do crédito, o preceito apenas exige que “existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento”, não impondo qualquer requisito formal no que concerne a tal prova, designadamente, a exigência da notificação do devedor por carta registada com aviso de recepção.

Como se escreveu no Acórdão de 19/07/2006, processo n.º 1095/06, deste Tribunal Central Administrativo Sul, que com a devida vénia se transcreve, «a lei onera o contribuinte com a prova da ocorrência dos mesmos , em qualquer das suas vertentes (desde a prova da ocorrência de um dos condicionalismos elencados na al. a) do art.º 34.º do CIRC(12), até à diligenciação no sentido do recebimento do crédito), é, por outro lado, axiomático que, não estabelecendo a lei qualquer restrição em tal domínio, o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar , lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável «(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)» , designadamente , (...) por via testemunhal.»(13)..» (vide ainda, entre outros, Acs. do TCAS de 21/02/2006, proc. n.º 07016/12 e de 15/06/2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Não estabelecendo a alínea c), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC qualquer restrição quanto à prova das diligências para o recebimento dos créditos, significa que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito adequados a demonstrar a realização dessas diligências.

A sentença recorrida, com base na factualidade apurada, relativamente a esta questão tem o seguinte discurso fundamentador:

O artigo 34.° n.º 1 c) do CIRC não estabelece requisitos de forma quanto à prova das diligências em causa, pelo que se impõe concluir que são admissíveis todos os meios de prova em direito permitidos.

No caso dos autos, no âmbito da reclamação graciosa, a Impugnante juntou documentos dirigidos à sociedade «F... Distribuidora Portugal, Lda» que fazem alusão a uma relação de facturas vencidas e não pagas como seu anexo que a Fazenda não aceitou por não ter sido comprovado o seu envio através de carta registada com aviso de recepção, fundando a sua posição no facto de ser esse o seu entendimento nestes casos suportada por informações internas.

Sendo certo que o envio de carta registada com aviso de recepção configura um meio de garantir a sua recepção pelo destinatário, não é o único meio de efectuar a prova em causa.

Com efeito, decorre da prova documental apresentada, compaginada com o depoimento prestado pela testemunha M... que mensalmente eram enviadas cartas à sociedade devedora solicitando-lhe o pagamento dos créditos, que tais créditos eram conciliados pela sociedade destinatária, conforme resultou do depoimento de A... impondo-se concluir que a destinatária teve conhecimento das diligências destinadas à cobrança dos mesmos, não sendo necessárias quaisquer outras referências mais intimidatórias para que a diligência se possa considerar tendente à sua cobrança.

Assim sendo, impõe-se concluir que foi efectuada a prova documental e testemunhal de terem sido efectuadas diligências com vista ao recebimento das quantia em dívida, importando assim a possibilidade de dedução da provisão objecto de correcção e em consequência a decisão da reclamação graciosa parede de erro nos pressupostos de facto e de direito devendo a liquidação objecto da reclamação ser parcialmente anulada em conformidade.

Sufragamos o entendimento vertido na decisão da 1.ª instância, de que a Recorrida efectou diligências objectivas tendo em vista a cobrança dos créditos, dando assim cumprimento ao ónus da prova que lhe incumbia, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, conforme resulta da decisão da matéria de facto dada como provada.

Ao contrário do entendimento da Administração Tributária, não é relevante para afastar a constituição da provisão a falta de interpelação do devedor por carta registada com aviso de recepção, por a alínea c) do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC não exigir qualquer requisito formal, sendo apenas relevante a realização de diligências adequadas à cobrança do crédito, e nada mais, de acordo com a citada norma legal.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso interposto pela Fazenda Pública, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre.

II. Para efeitos de IRC, são custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, entre os quais as provisões (cfr. art. 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC).

III. Para que as provisões possam ser consideradas custos fiscais importa, não só que esteja apurado o risco de incobrabilidade, como também, que este risco de incobrabilidade se mostre devidamente justificado, que os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

IV. Não estabelecendo a alínea c), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC qualquer restrição quanto à prova das diligências para o recebimento dos créditos, significa que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito adequados a demonstrar a realização dessas diligências.

V. Ao contrário do entendimento da Administração Tributária, não é relevante para afastar a constituição da provisão a falta de interpelação do devedor por carta registada com aviso de recepção, por a alínea c) do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC não exigir qualquer requisito formal, sendo apenas relevante a realização de diligências adequadas à cobrança do crédito, e nada mais, de acordo com a citada norma legal.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, por delas a Fazenda Pública se encontrar isenta (artigo 3º, alínea a) do RCPT).

Notifique.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)