Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:538/08.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
EMBARGO ILEGAL
HONORÁRIOS DOS ADVOGADOS
DESPESAS BANCÁRIAS
Sumário:I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.
II. Verifica-se a ilicitude, se os atos jurídicos ou materiais ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).
III. Apurando-se a prática de um ato de embargo ilegal, anulado judicialmente por erro sobre os pressupostos quanto à localização do prédio em área pertencente ao domínio público, está em causa a imputação de um ato ilícito, porque violador das normas legais aplicáveis.
IV. Apurando-se que foi o ato de embargo que obrigou à paragem da realização das obras de construção e que esta paragem veio a determinar a verificação dos danos sofridos pela Autora, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu.
V. Os danos causados à Autora, promotora da realização da obra e responsável pela sua execução, são indemnizáveis.
VI. Não sendo apurados quaisquer factos imputados aos proprietários do prédio ou à Autora, que tenham contribuído para o facto ilícito, apurando-se uma deficiente atuação dos serviços imputáveis ao Réu, Estado português, verifica-se a culpa inerente à atuação ilícita, além de o Réu não ter ilidido a presunção de culpa que sobre ele incidia nos termos do n.º 1 do artigo 493.º,
VII. São indemnizáveis os danos patrimoniais sofridos pela destruição ou deterioração de parte da obra, com os custos da sua reparação, assim como os custos com a imagem da Autora.
VIII. São indemnizáveis os custos com os honorários com os advogados e despesas com as custas judiciais, cujo valor não tem de se cingir ao previsto na tabela de custas judiciais, mas também não tem de indemnizar pela totalidade da despesa imputada, se a mesma não for considerada razoável, fixando-se o respetivo valor mediante o recurso a um juízo de equidade, que atenda às especificidades do caso concreto.
IX. No respeitante ao nexo de causalidade importa saber se a concreta atuação ilícita decorrente do ato de embargo, que perdurou durante cerca de quatro anos, constitui causa direta e necessária da produção do resultado danoso ou, se pelo contrário, a prática do facto ilícito se mostrou de todo indiferente para a verificação do dano, tendo o dano sido provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto.
X. Apurando-se que os danos sofridos e objecto de indemnização ocorreram em consequência e por causa da prática do ato de embargo, anulado judicialmente, é essa atuação comissiva do Réu causa adequada dos danos sofridos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

O Estado português, representado pelo Ministério Público, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 15/10/2014, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de facto ilícito, instaurada por B…, Lda., julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Réu, Estado português, a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia de € 105.454,06, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

A Autora, B..., Lda., veio interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida.


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Formula o aqui Recorrente, Estado português, nas respetivas alegações (cfr. fls. 572 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. A sentença recorrida deu como verificados os pressupostos de responsabilidade civil previstos nos art. s 483 e ss. do C.C., da ilicitude do facto e da culpa, assente, quanto ao primeiro dos requisitos, na circunstância de o acto ter infringido o disposto no art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5 de Novembro, cuja “violação de lei, reconhecida no aresto anulatório, obriga a encarar o acto de embargo como uma actuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil”.

E, no que respeita à culpa, o seu reconhecimento resultou como efeito directo e imediato ou como presunção derivada da ilicitude ao acto de embargo, à luz da regra de que o agente do Estado ao praticar facto ilícito não o devia fazer, e, por isso, não poderá deixar de escapar a um juízo negativo de censura, ou seja, na perfilhou-se a tese de que a culpa diluiu-se na ilicitude.

2. Perante tal conclusão e ilação nada, praticamente, foi dado como provado sobre as razões e circunstâncias que envolveram e levaram ao embargo e, por outro lado, a culpa não se mostra consubstanciada ou materializada e facto ou acto concreto, algum.

3. Ao contrário do que foi decidido, o acto de embargo não impôs à A., B..., Ldª, a suspensão da obra, já que, tal como consta do Auto de Embargo, tal ordem foi dada a A…, na qualidade de procurador do proprietário do conjunto habitacional em apreço.

4. Para se dar por verificado o requisito da ilicitude, exige o art. 2º/1 do DL 48 051, de 21/11, então vigente, que a ilegalidade resida na «ofensa de direitos de terceiros» ou na violação de normas que, nos termos do pedido, tutelem o direito cuja lesão se pretende ver reparada.

5. Na ilicitude que decorre da violação de um direito de outrem está em causa a violação de direitos subjectivos, principalmente os direitos absolutos (direitos reais, direitos de personalidade, direitos familiares e a propriedade intelectual), enquanto na segunda forma de ilicitude (violação da lei que protege interesses alheios), depende da verificação dos seguintes pressupostos:

a) Que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal;

b) Que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma;

c) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

6. Atendendo ao «concreto escopo de protecção da norma do art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5/11», que fundamentou o acto de embargo e em que a sentença recorrida sustentou a ilicitude desse mesmo acto é claro que a A., B..., Ldª, não pertence ao seu domínio subjectivo de aplicação, não estando, assim, incluída no círculo de pessoas que a norma abstractamente visa proteger, e, em concreto, não foi ofendido nenhum interesse dela, tutelado mediante a dita lei de protecção.

7. Com efeito, tendo a A. equacionado a pretensão indemnizatória como decorrente da violação do direito de propriedade quer sobre um imóvel que sobre bens móveis, é evidente que os valores inerentes a tal direito, de cariz meramente particular, nada têm a ver com aqueles que resultam da infracção de normas que regulam o domínio público híbrido, por visarem, estes, em primeira linha, prioritária, imediata e directamente a protecção de interesses públicos relativos à defesa da zona ou faixa de protecção marítima, relacionados com a necessidade de assegurar uma adequada gestão urbanística, protecção do ambiente e da natureza e da própria segurança das pessoas, e que só reflexa e indirectamente protegem interesses privados

8. Depois, não sendo, a A., titular de qualquer licenciamento, nem de direito de propriedade, posse, gozo, fruição ou outro sobre o imóvel embargado, é também claro que nenhum direito subjectivo seu pode ter sido violado em função da dita norma legal, nem do art. 10º/1 do DL nº 92/95, de 9/5, isto é, por ser estranha ao embargo não lhe cabe direito algum inerente ao mesmo.

9. O que também significa que a sua alegada lesão de interesses não corresponde à violação do citado art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, porquanto só um titular daqueles direitos merece a tutela jurídica aí consagrada, sendo que a A. não constituiu com os Serviços da Administração do Estado qualquer tipo de vínculo ou relação jurídica que lhe permitisse exigir do Estado a construção dentro ou fora da servidão “non edificandi” aí estatuída, , a protecção jurídica nele tutelada.

10. O mesmo é dizer que, em relação à A., a aludida violação não sucedeu, já que efectivamente não foram infringidos quaisquer preceitos constitucionais, legais, ou regulamentares, que visem directamente tutelar direitos subjectivos ou outras posições jurídicas subjectivas dela, pelos servidores do Estado, por ser terceiro em relação ao embargo, o qual apenas seria susceptível de lesar direitos daqueles que estabeleceram relações jurídicas com a administração pública, no processo de licenciamento - os proprietários e autores das obras – donde falham os pressupostos consagrados no art. 2º-1 do DL nº 48 051, de 21/11/67, para a responsabilização do Estado, pelos imputados prejuízos.

11. Depois, não basta a violação de normas jurídicas para se verificar a ilicitude já que esta não está centrada exclusivamente no resultado danoso – ilicitude de resultado – estando sempre também na dependência do desvalor de um determinado comportamento - ilicitude de conduta.

12. A este propósito importa ter presente os antecedentes do empreendimento urbanístico em análise, nomeadamente:

- teve lugar sem que a cobertura de qualquer acto de deferimento expresso de licenciamento camarário ou de qualquer decisão ou parecer favorável das entidades responsáveis pela gestão do território, no caso, pela orla marítima.

- no dia anterior ao embargo foi levantado um Auto pela entidade policial marítima, por violação da servidão marítima em causa;

- Auto, esse, que deu origem a um processo contra-ordenacional em que os arguidos foram condenados, por sentença confirmada judicialmente, em 1ª instância;

- A ilegalidade da obra foi atestada pela informação de 29/1/2002, na sequência de um levantamento topográfico efectuado no local, em 18/4/2001, por topógrafo especialista.

- Não sendo despiciendo referir que a obra foi denominada como um atentado ambiental e efusivamente contestada pela população local e difundida pela comunicação social.

13. Ainda neste âmbito, há que ter presente a tese de “O facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer às exigências do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil”.

14. Neste contexto, se é incontroverso que o princípio da legalidade impõe à Administração uma actuação em obediência à lei não é menos verdade que o poder de embargar, como medida de tutela da legalidade urbanística e do planeamento do território, pelas Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (Ex-DRARN), cuja legitimidade foi reconhecida no aludido acórdão do STA de 21/4/05, indicado no ponto T) dos Factos Provados, é um poder-dever, porquanto a actuação do órgão administrativo assenta na nulidade de um acto supostamente nulo (52º-2 do DL 445/91, de 20/11).

15. E, perante a colisão entre valores e interesses inerentes ao direito público do urbanismo, do ordenamento território, das restrições e servidões administrativas e ao direito particular da propriedade, estes, como é sabido, devem ceder perante aqueles.

16. Impunha-se, na circunstância, dar uma resposta eficaz à comunidade no sentido de se prevenir uma hipotética agressão a um valor fundamental do ambiente, natureza e do urbanismo e planeamento do território, que como agora se veio a confirmar, com a aproximação do mar ao empreendimento em causa, o tempo veio dar razão aos servidores do Estado que determinaram o embargo.

17. “Não existindo, no domínio do Decreto-Lei nº 48 051, uma presunção legal de culpa relativamente a actos jurídicos ilícitos …Em todo o caso, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa”, pelo que dada a ausência de factos dados como provados que consubstanciem a culpa, não poderá haver lugar a responsabilidade civil por facto ilícitos.

18. No que concerne ao nexo causal entre o facto e o dano, seguindo -se a regra do art.º 563º do Código Civil, que consagrou, neste domínio, a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa proposta por ENNECERUS-LEHMAN: «a condição será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, é de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 861), temos que existem outras circunstâncias que contribuíram decisivamente para aos assinalados danos, ou pelo menos concorreram para eles.

19. Uma delas, atribui-se à própria A., por ter deixado ao abandono todas as suas máquinas e equipamento no local junto ao mar, sem cuidar da sua conservação e em local adequado.

20. Quanto à desvalorização do empreendimento é também incontroverso que só a ela se pode atribuir as correspondentes consequências por ter negociado com o seu cliente, na construção de um prédio localizado junto ao mar, que corre sério e real risco de poder vir a ser consumido pelo mar, tal tem sido o processo de acelerada aproximação deste daquele prédio.

21. Depois, demorando a Acção de recurso contencioso de anulação para ser decidida cerca de 2 anos e 8 meses, não poderá deixar de ser considerado um factor concorrente para os danos dados como provados.

22. No que tange aos danos reitera-se o que antes se argumentou, em particular, que nos referentes ao material objecto de selagem apenas poderão ser contabilizados aqueles dentro do período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem, e porque a actividade profissional da A., segundo ela, só esteve parada durante cerca de 7 meses.

23. Em suma, a procedência da presente acção implica, por um lado, que o Estado=Contribuintes tenha de pagar à A. o preço de uma construção que ele negociou com um seu cliente particular, além do valor correspondente à sua desvalorização, e, por outro, que o mesmo Estado=Contribuintes, corra o sério e real risco de ter que vir a pagar o preço para fazer desaparecer o mesmo prédio ou o seu entulho.

24. Nessa medida, a Mmª Juiz recorrida ao dar como verificados os requisitos da “ilicitude” e da “culpa”, fê-lo, a nosso ver, sem que a prova dada como provada pudesse sustentar tal decisão.

Depois, omitiu factos relevantes, resultantes da produção da prova, que levariam a excluir esses requisitos

Isso, porque interpretou aplicou erradamente os atinentes dispositivos legais, mormente, os art.s 2º/1 do DL 48 051, de 21/11, 483º do C.C., 10º/1 do DL nº 92/95, de 9/5, art. 14º 1 do DL 445/91, de 20/11, 468/75 e 1º, 3º e 5º do DL nº 468/71, de 5/11.

25. Pelo que, deve ser revogada a sentença recorrida e proferida outra que julgue a acção improcedente e absolva o Estado do pedido.”.


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A Autora, ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Réu (cfr. fls. 596 e segs.), tendo aí concluído do seguinte modo:

1.ª São diversos os erros de raciocínio que inquinam o raciocínio trilhado pelo Recorrente em ordem a afastar a verificação, no caso concreto, de um facto ilícito, importando realçar, desde logo, que se afigura absolutamente irrelevante, para efeitos da aferição da responsabilidade civil do Estado pela prática do ato de embargo que veio a ser declarado ilegal, que a Recorrida não seja a proprietária do "imóvel embargado", porquanto tal embargo incidiu sobre a obra aí implantada, da qual esta era promotora.

2.ª Por outro lado, sempre haveria que ponderar que a Recorrida, na qualidade de promitente­permutante do imóvel em causa, teria, pelo menos, a expectativa de aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo, expectativa esta juridicamente tutelável pelo escopo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que só se poderia vir a concretizar se fosse levada a cabo a construção pretendida, o que não poderia ocorrer por força do embargo.

3.ª Equivoca-se, ainda, o Recorrente ao defender que nenhum ato praticado em ostensiva ofensa das normas de enquadramento urbanístico ou de proteção do ambiente ou dos recursos naturais será suscetível lesar os direitos dos particulares ou, pelo menos, de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil por força dos prejuízos causados com a ilegalidade da sua atuação.

4.ª Este entendimento afigura-se ostensivamente contrário aos princípios constitucionais que enformam a responsabilidade das entidades públicas e aos restantes direitos fundamentais que protegem os particulares, designadamente, no caso concreto, o direito à propriedade dos equipamentos e o direito à iniciativa económica privada.

5.ª É que a emissão de um ato de embargo em erro sobre os pressupostos de Direito que presidiram à sua emissão, com fundamento na aplicação de uma norma legal que não tinha a mínima aplicabilidade ao caso concreto, por se destinar a impedir a construção dentro dos limites do domínio público hídrico marítimo, quando não era o caso, viola necessariamente os direitos subjetivos do particular.

6.ª Com efeito, se a norma em causa, por via do seu âmbito positivo, estabelece que determinada zona se enquadra no domínio público hídrico marítimo, estabelece igualmente, por via de uma delimitação negativa, que as zonas excluídas de tal limite se situam fora da zona dominial, nelas se permitindo, nos termos gerais, a sua construção, protegendo assim, diretamente, os particulares contra a sua incidência fora da zona que aí se encontra expressamente delimitada.

7.ª Pelo que se afigura inquestionável que a atuação da Administração, no caso concreto, reveste-se da ilicitude que o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 exige para a verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de atos ilícitos, não merecendo qualquer censura a douta sentença recorrida que alcançou esta conclusão.

8.ª Não assiste razão ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público quando tenta excluir o elemento da culpa da atuação prosseguida pela Administração, afigurando-se que a culpa do funcionário não se dirige necessariamente a um comportamento doloso ou de culpa grave, podendo também consubstanciar-se numa culpa leve ou até numa atuação negligente.

9.ª O conceito de "homem médio", previsto no artigo 487.º do Código Civil, para o qual remete o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, deverá ter-se, segundo a jurisprudência dominante, como o do "funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres", que, portanto, não poderia deixar de ter um especial cuidado na apreciação da situação em presença, munindo-se de todos os elementos tendentes a sustentar a sua atuação e a afastar as suspeitas de ilicitude que impendiam sobre o embargo executado.

10.ª Ainda para mais quando se encontra provado nos presentes autos que a Recorrida alertou a Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território para a ilegalidade da sua atuação, designadamente para a violação da suspensão automática de eficácia do ato de embargo que, nessa altura, vigorava, o que sempre deveria ter alertado a Administração para a ilicitude da conduta prosseguida.

11.ª Não é possível justificar a conduta da Administração com o argumento de que o procedimento de licenciamento não foi precedido de qualquer parecer da entidade responsável pela orla marítima, uma vez que tal ocorreu, simplesmente, porque a obra em causa se situava fora do domínio protegido pelo Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, não prevendo a lei a necessidade de obter tal validação.

12.ª Note-se que é o próprio Supremo Tribunal Administrativo que vem admitir, no âmbito do apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a diluição na ilicitude do elemento culpa, por via da prática do ato ilegal, pelo que, no caso concreto, este pressuposto sempre estaria preenchido, nos termos em que o reconheceu a douta sentença recorrida.

13.ª Não merece, ademais, qualquer censura a sentença recorrida ao ter considerado verificada a existência de um nexo causal entre o facto ilícito e o dano provocado por tal atuação, porquanto, ao contrário do que invoca o Recorrente, existe uma causalidade direta e adequada entre o facto ilícito e os danos indicados pela Recorrida.

14.ª Afigura-se irrelevante, também neste conspecto, o facto de a Recorrida não ser titular do direito de propriedade do terreno em que se encontrava implantada a obra, já que esta se encontrava investida na qualidade de promotora da operação urbanística em causa e eram seus os bens e equipamentos aí presentes.

15.ª Não se pode, igualmente, invocar que a Recorrida votou os seus bens ao abandono, importando alertar para a forma com que todo o procedimento tendente ao embargo e à selagem da obra ocorreu, em absoluta violação de todos os direitos em presença e para a complexidade e os custos associados à desmontagem de um estaleiro de tal dimensão.

16.ª Atendendo ainda ao grau de hostilidade dos executores do embargo para com a Recorrida, qualquer tentativa de movimentação de equipamentos do local poderia ser confundida com uma iniciativa no sentido de prosseguir com a obra em causa e encarado como desobediência a uma ordem administrativa.

17.ª Não merece, por fim, qualquer censura, para além daquela que oportunamente se formulará no âmbito do recurso subordinado, a sentença recorrida, em relação aos danos cuja produção se considerou provada.

18.ª Afigura-se absolutamente irrelevante a contradição denunciada entre os pontos Q) e W) da matéria de facto provada, uma vez que esta matéria não foi impugnada pelo Recorrente e os factos constantes no ponto W) resultaram da livre apreciação pelo juiz da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, por parte de testemunhas que não apresentam qualquer interesse na presente demanda.

19.ª Não assiste também razão ao Recorrente quando refere que os prejuízos ocorridos apenas poderiam ter sido contabilizados entre os dias 4 e 21 de Julho, período durante o qual perdurou a selagem, porquanto, como já acima foi cabalmente demonstrado, os efeitos do ato ilegal de embargo na esfera jurídica da Autora prolongaram-se por um período de tempo muito superior ao que vem invocado pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público.

20.ª Por fim, cumpre referir que, no que toca ao empréstimo bancário no valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a verdade é que tal montante se destinou a suprir os prejuízos e os danos causados à Recorrida pelo ato de embargo ilegal, designadamente os encargos incorridos com a remuneração dos trabalhadores, com o pagamento aos fornecedores, com a manutenção do seu armazém e com os encargos assumidos com os advogados.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida.


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A Autora, ora Recorrente veio interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:

1.ª Afigurando-se por demais evidente, como foi reconhecido no âmbito da sentença recorrida, a efetivação da responsabilidade extracontratual do Estado pelos danos causados na esfera jurídica da Recorrida, não pode também deixar de ser reconhecido, que a prova dos prejuízos incorridos pela Recorrida é de difícil produção, já que, na sua maioria, estes se prendem com custos de financiamento, nomeadamente durante o tempo em que o embargo se manteve, mas também os custos decorrentes do relançamento da sua atividade que, naturalmente, foi dificultado pelos constrangimentos sofridos no âmbito da obra embargada.

2.ª Os efeitos do ato ilegal de embargo na esfera jurídica da Autora prolongaram-se por um período de tempo muito superior àquele que durou o embargo, ao contrário do que ressalta das conclusões alcançadas no âmbito da douta sentença recorrida, o que não poderá deixar de ser considerado para os efeitos previstos na presente ação.

3.ª Para além da afetação dos materiais e equipamentos ao local da obra durante todo o período em que vigorou o embargo - e não apenas durante o período da selagem - a Recorrente sofreu, posteriormente, por outro lado, fortes constrangimentos ao reinício da sua atividade em outras frentes, não só pela ausência de meios financeiros para o efeito, como também por força da devastação da sua reputação no mercado, ao nível comercial e financeiro.

4.ª Os empréstimos contraídos no valor total de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) o destinaram-se, numa primeira linha, a suprir os prejuízos e os danos causados à Recorrente pelo ato de embargo ilegal, designadamente os encargos incorridos com a remuneração dos trabalhadores, com o pagamento aos fornecedores, com a manutenção do seu armazém e com os encargos assumidos com os advogados.

5.ª Sendo certo que, numa segunda linha, o montante em causa se destinou a suportar as consequências da perda de clientes em consequência da comprovada devastação da sua reputação, que o privou de fundos próprios para o cumprimento das suas obrigações e para o relançamento da sua atividade.

6.ª Pelo que não pode deixar de se considerar que errou a sentença recorrida ao considerar que apenas as prestações amortizadas durante o período do empréstimo deveriam ser contabilizadas para efeitos de indemnização, afigurando-se claro que o caso em presença não exige menos que a formulação de um juízo de equidade, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, que permita a correção das injustiças, procurando para o problema aqui colocado uma solução baseada na justiça do caso concreto, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.

7.ª Assim sendo, deverá a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e, para além do montante já atribuído de € 105.454,06 (cento e cinco euros quatrocentos e cinquenta e quatro euros e seis cêntimos), atribuir ainda à Recorrente uma indemnização no montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a título de compensação pelos empréstimos contraídos para fazer face aos danos incorridos com a atuação ilícita da Administração.

8.ª Errou ainda a sentença recorrida ao considerar que as despesas incorridas pela Recorrente com o pagamento de honorários de advogados e com as custas de tribunal não seriam ressarcíveis no âmbito da presente ação, ao contrário do que entende a abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

9.ª Vem-se entendendo que, quando sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas, o que é o caso, não se vislumbra razão para que as despesas de justiça, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, não sejam ressarcidas na íntegra, como os demais danos causados por essa atuação.

10.ª É que o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

11.ª E estando as autoridades administrativas isentas de custas, a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objeto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da atuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização.

12.ª Pelo que, deverá a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e, para além do montante já atribuído de € 105.454,06 (cento e cinco euros quatrocentos e cinquenta e quatro euros e seis cêntimos), atribuir ainda à Recorrente uma indemnização no montante de € 17.814,07 (dezassete mil oitocentos e catorze euros e sete cêntimos), a título de compensação pelos encargos incorridos com despesas de advogados e de custas de tribunal, como resulta do facto provado na alínea UU) da factualidade assente em tal aresto.

13.ª Devendo, assim, em conclusão, o montante total a ser atribuído à ora Recorrente, cifrar-se em montante não inferior a € 473.268,13 (quatrocentos e setenta e três euros duzentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos).”.

Pede a procedência do recurso subordinado, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, que julgue procedente o pedido, fixando o montante da indemnização em montante não inferior a € 473.268,13.


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O Réu, Estado português, ora Recorrido, contra-alegou o recurso subordinado interposto pela Autora, em que concluiu do seguinte modo:

1. No que toca ao empréstimo de € 350 000,00, que a recorrente diz ter contraído para a custear despesas durante o período do embargo e o relançamento da sua actividade, nem da matéria de facto dada como provada nem da motivação dessa matéria, nada disso resulta, mas, tão só, que o mesmo quantitativo se destinou, a resolver problemas de tesouraria e a satisfazer compromissos com fornecedores.

2. Depois, dando a sentença como provados, nos pontos Z) a QQ) “dos Factos Provados”, todos os prejuízos provocados com a obra embargada e equipamento aí existente, atribuindo, àqueles que foram causa adequada do embargo, a indemnização no montante de € 105 454,06, a reportar-se o empréstimo aos mesmos prejuízos, como pretende a recorrente, equivaleria a ver-se, ela, ressarcida em dobro por despesas que foram comtempladas naquela indemnização, por outras arredadas pela sentença, como por exemplo a inutilização do equipamento, e de outras dadas como não provados.

3. Para além da pretensão da recorrente não ter a mínima cobertura na matéria dada como provada, há a realçar que todos os alegados gastos com o dinheiro do empréstimo, mormente em salários e despesas de armazenamento seriam perfeitamente discrimináveis e quantificáveis, por aplicação da “teoria da diferença” (art. 566º/2 do Cod. Civil), sem necessidade, por isso, recurso da reclamada norma subsidiária de repartição “por equidade” [(art.s 4º/a) e 566º/3 do Cod. Civil)], como não havia razão válida para que os mesmos gastos não pudessem ser comprovados, igualmente, através de suporte documental, à semelhança, de resto, como o fez em relação a múltiplas e discriminadas despesas, independentemente do seu valor, com a junção das respectivas facturas, (cfr. pontos Z a QQ dos Factos Provados).

4. Importa aqui salientar que, como se decidiu, “o embargo da obra apenas impedia a Autora de prosseguir com a execução dos trabalhos da mesma, mas não a impedia de requerer a autorização para retirar o equipamento que ali se encontrava, de molde a evitar a deterioração”, e que os pretensos prejuízos ocorridos com o acto de selagem apenas poderiam ser contabilizados dentro do período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem. (cfr. pontos Q e R dos Factos Provados).

5. Donde, tendo visto a sentença a negar-lhe o pedido indemnizatório pela deterioração de diverso material que ficou abandonado a céu aberto no local da obra embargada, vem agora, infundadamente, reclamar uma indemnização pelos custos de armazenamento do mesmo material, em local que não indica.

6. No que concerne aos reclamados encargos com honorários e custas judiciais, nas facturas constantes no doc. 25, junto à p.i [Ponto UU) dos Factos Provados], datadas de 28/3/2002, 23/8/2002, 19/11/2002, 10/7/2003, 21/7/2003, 26/1/2004 e de 26/5/2004, apenas constam as expressões, numas, “provisão para honorários”, noutras, “reforço de provisão para honorários” e, noutras, “despesas conforme anexo junto”, sem que constem os ditos “anexos” na presente acção, desconhecendo-se, por isso, o tipo de despesas.

7. Ou seja, dessas facturas não se extrai a necessária correspondência quanto à concreta aplicação dos indicados valores, sendo que “o pedido de condenação em honorários de advogado exige a invocação de factos concretos, designadamente, o tipo de intervenção desenvolvida e o quantitativo dispendido com os reclamados honorários, bem como a demonstração do nexo causal entre as despesas e o alegado responsável.

8. Não obstante, a Mmª Juiz recorrida, seguiu a corrente jurisprudencial e doutrinal que preconiza que tais encargos apenas podem ser devidos no contexto da procuradoria judicial ou do atual regime das custas de parte, o que, também, se advoga.

9. Ou, então, “Os honorários de mandatário forense não podem qualificar-se como um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente do facto ilícito praticado pelo lesante, não podendo enquadrar- se no âmbito da obrigação de indemnizar a cargo deste.

10. Como ainda: “O valor do dano requerido a título de honorários deve ater-se ao montante que o legislador fixou como o justo e adequado ao pagamento do patrono nomeado ou escolhido, isto é, aos valores que forem os fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário.

IV - Apenas até estes montantes há obrigação de indemnização do lesante a título de honorários.

11. Mas, mesmo seguindo-se a orientação oposta, no sentido de que as despesas resultantes de honorários de mandatários judiciais e custas judiciais são susceptíveis de pedido autónomo de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual dirigido contra o Estado, então deveria ter sido alegado e feita a prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, por facto ilícito, subjacente a tais despesas, ou seja, que as mesmas tiveram origem em conduta ilícita ou em ato/omissão ilegal, e da sentença isso, de todo, não resulta.

12. Daí que nenhuma censura merece, a nosso ver, a sentença, na parte sob recurso pela recorrente, já que aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, devendo a mesma, aí, ser mantida.”.


*

O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios, em relação a cada um dos recursos interpostos.

A. Recurso interposto pelo Réu, Estado português:

Erro de julgamento quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, em violação dos artigos 2.º n.º 1 do D.L. n.º 48051, de 21/11, do artigo 483.º do CC, do artigo 10.º n.º 1 do D.L. n.º 92/95, de 09/05, do artigo 14.º n.º 1 do D.L. n.º 445/91, de 20/11 e dos artigos 1.º, 3.º e 5.º do D.L. n.º 468/71, de 05/11.

B. Recurso subordinado interposto pela Autora:

Erro de julgamento quanto ao pressuposto do dano.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A) A Autora B..., LDA é uma sociedade comercial que tem por objecto “a exploração da indústria de construção civil” – cfr. doc. 1, junto com a p.i..
B) A 8 de Agosto de 1986 a Autora assinou um contrato-promessa de permuta do prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º 11…, sito na A…, freguesia de P…, concelho de Alcobaça, com A… em representação de sua mãe M… B...– cfr. doc. 2, junto com a p.i..
C) De acordo com o referido contrato-promessa a Autora ficava obrigada à construção de um conjunto habitacional no terreno identificado e permuta da propriedade do terreno pela propriedade de seis vivendas com garagem a construir no mesmo – cfr. doc. 2, junto com a p.i..
D) Tendo em vista a construção de tal conjunto habitacional, em 14 de Julho de 1998 foi apresentado por A…, A… e M…, na qualidade de proprietários do prédio acima referido, um projecto de arquitectura na Câmara Municipal de Alcobaça, dando origem ao processo camarário nº 9…./08 – cfr. doc. 3, junto com a p.i..
E) Consta da estimativa orçamental apresentada no processo de licenciamento o valor de 107 095 800$00 [€ 534.191,60] para a construção do conjunto habitacional em apreço – cfr. doc. nº 1, junto com a contestação.
F) Consta do mapa de trabalhos apresentado no processo de licenciamento o prazo de execução de 24 meses para a construção do conjunto habitacional em apreço – cfr. doc. nº 2, junto com a contestação.
G) A 10 de Março de 2000, A..., A... e M... requereram no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra a intimação da Câmara Municipal para passagem do Alvará de licença de construção do conjunto habitacional no prédio referido [processo camarário n.º 911/98], que correu termos sob o nº 179/00 – cfr. doc. nº 4, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido.
H) Em 20 de Novembro de 2000, o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra proferiu sentença favorável aos Requerentes A..., A... e M..., intimando o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça a proceder à emissão do alvará de construção referente ao processo n.º 9…/98, no prazo legal de 45 dias – cfr. doc. nº 5, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) O referido alvará de construção foi emitido – acordo.
J) Perante a emissão do alvará, a Autora enquanto promotora da construção do conjunto habitacional licenciado iniciou a construção da mesma - acordo.
K) Essa construção era a única “frente de obra” da Autora, tendo investido todos os seus meios financeiros e humanos na prossecução da mesma – cfr. depoimento da testemunha A… e J….
L) Em 2 de Março de 2001, a referida obra foi embargada por funcionários da Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, constando do respectivo auto de embargo o seguinte:

(“texto integral no original; imagem”)

- cfr. doc. nº 9, junto com a p.i..
M) A 5 de Abril de 2001, a Autora requereu a suspensão de eficácia do auto de embargo perante o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a qual veio a ser rejeitada por sentença proferida em 23/05/2001 por o acto impugnado “não emanar do dirigente máximo do serviço – Ministro do Ambiente, não é passível de recurso contencioso de anulação. Daqui resulta que a suspensão de eficácia não pode proceder por falta do requisito constante da al. C) do nº 1 do artº 76º da LPTA – fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso do acto, cuja suspensão aqui se aprecia, pois que esta só procede quando se verificarem, simultaneamente os requisitos estabelecidos no referido artº 76º nº 1 da LPTA” – cfr. doc. nº 10, junto com a p.i. e doc. nº 14, junto com o requerimento probatório do R..
N) Dessa sentença recorreu a Autora para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de 18/10/2001 negou provimento ao recurso sustentando que o acto recorrido não é verticalmente definitivo, sendo por isso irrecorrível nos termos do artº 25º da LPTA – cfr. doc. nº 15, junto com o requerimento probatório do R..
O) A 6 de Abril de 2001, a Autora apresentou junto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território recurso hierárquico do acto de embargo, assente nos vícios de violação de lei por violação de caso julgado material, incompetência, falta de base legal para o embargo da obra em causa e falta de fundamentação – cfr. doc. nº 11, junto com a p.i..
P) A 3 de Maio de 2001, a Autora apresentou Recurso Contencioso de Anulação do acto de embargo junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que veio a ser julgado improcedente com fundamento na falta de definitividade do acto impugnado – cfr. doc. nº 12, junto com a p.i./acordo.
Q) A 4 de Julho de 2001, a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo procedeu à selagem da obra em curso, constando do respectivo auto de selagem o seguinte:
(“texto integral no original; imagem”)

- cfr. doc. nº 13, junto com a p.i..
R) Por despacho de 27/07/2001 da Directora Regional da Direcção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, exarado na informação nº 233/GJ/01, foi revogado o despacho de 04/07/2001 que determinou a selagem e ordenado o levantamento dos selos no dia 30/07/2001 - cfr. doc. nº 8 e 9, junto com o requerimento probatório do R., cujo teor se dá aqui por reproduzido.
S) A 22 de Agosto de 2002, A..., A..., M... e a ora Autora B..., Lda. apresentaram no Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito, imputável ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, do recurso hierárquico interposto do acto de embargo da obra, imputando ao acto recorrido vícios de violação de caso julgado material, de incompetência, de falta de norma legal que preveja o poder administrativo de embargar a obra, violação do disposto no artº 3º, nº 2 e 6 do Decreto-Lei nº 468/71, de 05/11 e falta de fundamentação - cfr. doc. nº 14, junto com a p.i..
T) Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 21 de Abril de 2005, foi anulado o acto de embargo em causa, com a seguinte fundamentação:
1. Começam os recorrentes por alegar a nulidade do impugnado acto de indeferimento tácito, por ofensa de caso julgado, nos termos do art. 133°, n° 2, alínea h), do CPA.
Reportam-se os recorrentes à sentença do TAC de Coimbra que intimou o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça a emitir o alvará de licença de construção dessa obra, pretendendo que aí se formou caso julgado material quanto à conformidade do licenciamento com as normas jurídicas em vigor.
É manifesto que lhes não assiste razão, pois que essa decisão judicial, proferida em processo de intimação a que são de todo alheios o Ministro do Ambiente e a DRAOT, não é oponível à entidade recorrida, atenta a delimitação da eficácia subjectiva do caso julgado (arts. 498° e 671°, n° 1 do CPCivil, aplicáveis nos termos do art. Io da LPTA).
Com efeito, como bem refere o Exmo magistrado do Ministério Público, não tendo a autoridade recorrida sido chamada a intervir naquele processo (sendo certo que era terceiro juridicamente interessado, dada a competência da Administração Central no licenciamento e fiscalização de construções levadas a cabo em zona classificada como "domínio público marítimo"), a decisão ali proferida não é para ela vinculativa, pelo que o impugnado indeferimento tácito não padece da apontada ilegalidade.
Improcedem as conclusões 1 e 2 da alegação.
2. Alegam seguidamente os recorrentes a nulidade do acto recorrido, por incompetência absoluta (falta de atribuições) da DRAOT para ordenar o referido embargo, referindo que não está consagrada no Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Hídrico qualquer competência das DRAOT em tal matéria, pelo que a única entidade competente para o referido embargo seria o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça.
Vejamos.
O DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro (Estabelece o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico) dispõe que "a utilização privativa do domínio hídrico ... é titulada por licença ou por contrato de concessão", e que "a licença é atribuída pela respectiva direcção regional do ambiente e recursos naturais (DRARN)" (art. 1º, nºs 1 e 2).
Na sua Secção VII (Construções), dispõe o art. 55°, n° 3 que "o licenciamento de construções em terrenos do domínio hídrico depende da obtenção de licença, que pode ser outorgada pelo prazo máximo de 10 anos, nos termos do artigo 6°…”
E na parte final do diploma (Fiscalização), refere-se que as funções de fiscalização "competem ao INAG, às DRARN, às autoridades marítimas e às autarquias locais" (art. 85º).
Das disposições legais transcritas resulta, sem sombra de dúvida, e contrariamente ao alegado, que está legalmente consagrada a competência das Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (ex-DRARN), quer para a atribuição da licença necessária à utilização privativa de terrenos do domínio público marítimo, quer para a respectiva fiscalização.
Improcedem, assim, as conclusões 3 a 5 da alegação.
3. Alegam ainda os recorrentes que, de qualquer modo, não se trata, in casu, de terreno inserido no domínio público marítimo, tal como este é definido nos diplomas legais aplicáveis, pelo que o acto recorrido padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (errada qualificação do terreno em que está a ser executada a obra embargada), violando o disposto no art. 3 º, n°s 2 e 6 do DL n° 468/71, de 5 de Novembro, bem como o princípio da legalidade consagrado nos arts. 266°, n° 1 da CRP e 3o, n° 1 do CPA.
E, nesta perspectiva, cremos que lhes assiste inteira razão.
Importa, desde já, referir que o acto de embargo aqui em causa tem como único fundamento o de a obra embargada estar a ser executada em "área classificada como Domínio Público Marítimo", e sem licença da DRAOT-LVT, "em violação do DL n° 468/71, de 5 de Novembro, e DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro" (cfr. auto de embargo de fls. 24, ponto 6 da matéria de facto).
O que vale por dizer que a legalidade do acto de embargo apenas terá que ser aferida por referência a esse fundamento legal.
O DL n° 468/71, de 5 de Novembro (Revê, actualiza e unifica o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, no qual se incluem os leitos e as margens das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas) dispõe:
Art. 1º:
Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitas ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais.
Art. 3º:
1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m.
(...)
5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil."
Art. 5º:
1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar..."
Resulta dos normativos transcritos que a margem das águas do mar, integrante do domínio público marítimo ("faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas"), tem a largura de 50 metros, e que essa largura se conta a partir da linha limite do leito ou, se esta atingir arribas alcantiladas, a partir da crista do alcantil.
Ora, dos documentos constantes dos autos (e não foram apresentados quaisquer outros que, de algum modo, os infirmassem), resulta que o local de implantação da obra se situa fora do limite do domínio público marítimo, tal como ele é definido nos apontados preceitos legais.
Vê-se dos referidos documentos (fotografias, levantamento topográfico de fls. 96, e carta marítima do Instituto Hidrográfico de fls. 98) que a arriba existente não é alcantilada ("elevação íngreme de terreno áspero ou rocha abrupta talhada a pique - falésia" 1), mas sim em elevação progressiva, permitindo a acessibilidade à praia por caminhos rasgados na arriba.
E, sendo assim, a margem de 50 metros delimitadora do domínio hídrico há-de contar-se "a partir da linha limite do leito" (que é a linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais), nos termos da 1ª parte do n° 6 do citado art. 3º, ficando o limite dessa margem sensivelmente a meio da arriba, ou seja, a mais de 40 metros da vedação da obra embargada.
Aliás, e ainda que a arriba fosse alcantilada, sempre a referida obra estaria fora do domínio público marítimo, como referem os recorrentes, uma vez que, como se alcança dos aludidos documentos, a linha limite do leito, ou seja, a linha da máxima preia-mar, não atinge a base do talude da arriba (condição necessária para que os 50 metros se contassem da crista do alcantil, nos termos da 2 ª parte do referido preceito), havendo de permeio alguma extensão de praia ou areal.
O que nos leva forçosamente à conclusão de que, em qualquer das situações referidas, a linha dos 50 metros delimitadora do domínio público marítimo sempre terá de ser contada a partir do areal, ficando claramente aquém da vedação da obra embargada.
Esta obra não está, pois, incluída em área do domínio público marítimo, pelo que o acto silente recorrido (indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do acto de embargo) incorre em violação de lei por erro nos pressupostos de facto, violando os preceitos legais referidos pelos recorrentes.” – cfr. doc. nº 15, junto com a p.i..
U) O referido acórdão transitou em julgado em 9 de Maio de 2005 – cfr. doc. nº 16, junto com a p.i..
V) A referida obra localiza-se junto ao mar – acordo/fotografias juntas na audiência final.
W) A obra foi selada conjuntamente com todo o material que a ela se encontrava afecto, nomeadamente:
- 2 Betoneiras;
- Uma Grua 315 Noé-Potain, sem translação, com 30 metros de alcance, incluindo um balde de abertura lateral 400 litros;
- Uma Grua Soima City;
- Material para execução de muros e placas;
- Pilares e chapas zincadas para vedação;
- Cabos eléctricos e ferramentas diversas – cfr. doc. nº 13, junto com a p.i., doc. nº 8, junto com o requerimento probatório do R. e depoimento das testemunhas A… e L….
X) A exposição prolongada à acção dos ventos de predominância Sudoeste e Noroeste, carregados de humidade salina, provocou a deterioração do material e maquinaria referida em W) – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento das testemunhas A…., L… e A….
Y) A grua 315 Noé-Potain ficou totalmente inutilizada devido à corrosão - cfr. Doc. n.º 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento da testemunha A….
Z) A grua 315 Noé-Potain foi adquirida pela A. pelo montante de € 28.596,08 - cfr. Doc. n.º 18, junto com a p.i..
AA) A grua Soima City foi objecto de reparações no montante de € 7.673,17 - cfr. Doc. n.º 19, junto com a p.i..
BB) As betoneiras ficaram totalmente inutilizadas – cfr. depoimento da testemunha A….
CC) A vedação que delimitava a propriedade, constituída por uma rede metálica (malha sol), ficou totalmente corroída – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i..
DD) O material aplicado para execução de muros e placas que em virtude do auto de selagem não chegaram a ser betonados foram objecto de furto durante o período de suspensão dos trabalhos – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento da testemunha A….
EE) No que respeita à estrutura de betão armado do edifício, todas as superfícies horizontais de betão, em que afloravam armaduras para betonagem em fase de sequência, nomeadamente na rampa das caves (corpo A e B), bem como nos pilares de varandas Norte, encontravam-se em total corrosão, mais evidente no contacto com o betão – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A….
FF) Esta corrosão teve reflexo até cerca de 8 a 10 cm abaixo desse plano de afloramento, o que produziu rebentamento do betão até essa cota, face ao aumento do volume das armaduras devido à corrosão – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A….
GG) Para reposição da situação descrita em EE) e FF) foi necessário efectuar:
a) Demolição dos elementos referidos, até 15 cm abaixo da cota de afloramento, e corte dessas armaduras, verificando-se que estas, a esse nível se encontravam sem corrosão.
b) Execução de furacões com 20 mm de diâmetro e 40 cm de profundidade, junto a cada armadura cortada, para aplicar empalem de novas armaduras, com resina poliéster.
c) Retirada de todas as armaduras suspensas no corpo A, para colocação de novas. Na ligação do 5º volume a betonar, com o 4º volume, como já existia parte de viga betonada, referente ao apoio do 4º volume, foi necessário cortar a parte superior dos estribos que afloravam essa viga, efectuar 8 cm de demolição abaixo dessa cota e aplicar novos estribos com diâmetro de 12 mm – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A….
HH) A existência de tacos de madeira nos topos das caixas pré fabricadas, para fixação das chumaceiras dos enroladores, constituíram um meio de absorção da humidade salina, que se transmitiu à armadura próxima, aplicada em pré-fabricação, produzindo a sua corrosão e rebentamento do elemento de topo – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
II) Tendo sido necessário proceder à substituição total das caixas de estore – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
JJ) A exposição continuada das paredes das fachadas, principalmente as viradas a Poente, ao serem fustigadas pelos ventos dominantes quer pelo exterior como pelo interior, apresentavam nítidas eflorescência salinas – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
KK) A possibilidade de pelo menos as paredes Poente se encontrarem totalmente contaminadas, aconselhou a sua demolição total interior e exterior, passando a executar nova, sob pena de a curto prazo os rebocos virem a ser afectados por esse efeito, não se conhecendo solução perfeitamente eficaz para anulação posterior desse inconveniente – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
LL) Os trabalhos de demolição e reposição atrás discriminados implicaram cerca de três meses de trabalho que decorreram durante o período de Abril de 2006 a Junho/Julho de 2006 – cfr. depoimento das testemunhas L...e A....
MM) Para o efeito, foi necessário proceder ao aluguer de um compressor, um gerador, uma máquina rectro e uma grua Potain 315 Torre – cfr. doc. nº 20 e depoimento das testemunhas L...e A....
NN) O que implicou um custo de € 5.765,65 – cfr. doc. nº 20, junto com a p.i..
OO) Durante o período referido em LL) foi ainda necessário contratar serviços de bombagem, o que implicou um custo de € 17.406,50 - cfr. Doc. n.º 21, junto com a p.i..
PP) Foi necessário proceder à substituição do material corroído e inutilizado, o que implicou um custo de € 43.031,91 - cfr. Doc. n.º 22, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
QQ) E foram executados novos trabalhos de cofragem, para substituição das cofragens danificadas, o que implicou um custo de € 39.250,00 - cfr. Doc. n.º 23, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A....
RR) Em Março e Abril de 2002, a Autora contraiu empréstimos no montante global de € 350.000,00 - cfr. Doc. n.º 24, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e L....
SS) A reputação da Autora no mercado ficou afectada, quer ao nível comercial quer financeiro – cfr. depoimento das testemunhas L…, J… e L....
TT) Os fornecedores deixaram de assegurar o fornecimento de material com receio de que a Autora não pudesse garantir o respectivo pagamento – cfr. depoimento da testemunha L….
UU) A Autora, tendo em vista a obtenção da anulação judicial do acto de embargo, despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal a quantia de € 17.814,07 - cfr. Doc. n.º 25, junto com a p.i..
VV) A Autora alertou a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo para a ilegalidade da sua actuação – cfr. doc. nº 26, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido.
II.2. FACTOS NÃO PROVADOS
1. Que o volume da obra projectada implicava três anos de trabalho garantido – artº 58º, da p.i.
2. Que aquando do início da obra, a Autora tinha 30 inscrições para a venda de um total de 24 fracções – artº 65º, da p.i.
3. Que a Autora tem apenas garantida a venda de cerca de 40% da totalidade das fracções do edifício em causa – artº 67º, da p.i.
4. Que a inutilização das betoneiras implicou um custo de € 7.531,84 – artº 35º, da p.i.
5. Que a corrosão da vedação que delimitava a propriedade e do material aplicado para execução de muros e placas implicaram um custo de € 29.908,74 – cfr. artº
39º, da p.i.
II.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência final, bem como do teor dos documentos juntos aos autos e da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, como vem referido em cada uma das alíneas do probatório.
Quanto à matéria das al. A), B), C), D), E), F), G), H), L), M), N), O), P), Q), R), S), T) e U) o Tribunal valorou o teor dos respectivos documentos, que não foram impugnados.
A matéria das al. I) e J) não foi impugnada pelo R., pelo que se tem admitida por acordo.
Quanto à matéria da al. K) o Tribunal valorou o depoimento da s testemunhas A… e J…., arroladas pela Autora, que confirmaram o que aí vem referido. Pela testemunha A… foi dito que a Autora canalizou todo o seu esforço naquela obra. Também a testemunha J… disse que a Autora não tinha capacidade para mais trabalhos.
A matéria da al. V) não foi impugnada pelo R., sendo que tal comprovação também resulta das fotografias juntas na audiência final.
Quanto à matéria da al. W) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 13, junto com a p.i., do doc. nº 8, junto com o requerimento probatório do R. e o depoimento das testemunhas A… e L…. Quanto ao número e modelo das betoneiras afectas à obra, apenas se apurou, tal como consta do auto de selagem, que em obra estavam 2 betoneiras.
Resulta do auto de selagem que a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo procedeu à selagem “do estaleiro da obra e do seguinte equipamento: três quadros eléctricos em bom estado de conservação, duas betoneiras com duas rodas em razoável estado de conservação, três contentores metálicos em bom estado de conservação e os três acessos à obra.”.
Pela testemunha A...foi dito que se tratava de uma obra de grande envergadura, preparada para avançar. Não esteve presente quando foi o embargo, mas viu o local selado. Mais disse que ali se encontravam duas gruas – uma maior e outra mais pequena -, betoneiras e vibradores.
Também a testemunha L…, Director Técnico da empresa, que acompanhou a execução da obra, nomeadamente no âmbito da realização dos trabalhos de betonagem e cofragem, disse ter estado presente no dia da selagem, estando a preparar-se o trabalho das armaduras para cofragem, não tendo sido possível retirar quaisquer equipamentos ou materiais. Mais fez referência à existência de uma grua [o que se mostra também consentâneo com o teor do relatório por si elaborado, junto como doc. nº 17, em que se faz referência a uma grua com 30m de lança e 17m de altura] e da impossibilidade de se proceder de imediato à sua desmontagem.
Por outro lado, conforme consta da informação nº 233/GJ/01 [onde foi exarado o despacho de 27/07/2001 da Directora Regional da Direcção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, que revogou o despacho de 04/07/2001 que determinou a selagem e ordenou o levantamento dos selos], junta como doc. nº 8, com o requerimento probatório do R., “Em virtude da interposição do recurso da decisão que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do embargo, a decisão de embargo encontrava -se provisoriamente suspensa. Ora, assim sendo, não estavam os particulares a violar a referida decisão ao prosseguir com a obra. (…) Sucede que só a 4/7/2001 é proferido despacho neste sentido, o qual é aposto na informação 96/POO.
Assim, estando a decisão de embargo suspensa até 4/7/01, não estavam reunidos os requisitos legais para uma decisão de selagem, visto esta pressupor a violação da decisão de embargo, violação que só pod eria ocorrer após 4/7/01.
Da conjugação dos referidos elementos de prova formou o Tribunal a convicção da demonstração da factualidade ali referida, pois que quando a obra foi selada, a Autora estava a executar trabalhos em virtude da decisão de embargo se encontrar “provisoriamente suspensa”, pelo que, nela tinham necessariamente de se encontrar os meios materiais e equipamentos necessários à sua execução [como gruas e betoneiras e os materiais necessários à preparação de armaduras e cofragens].
Quanto à matéria da al. X) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i., e as fotografias juntas na audiência final [que permitem observar o estado de corrosão de equipamentos e materiais], e o depoimento das testemunhas L...e A..., que também confirmaram o que aí vem referido.
Quanto à matéria da al. Y) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i., e as fotografias juntas na audiência final [que permitem observar o estado de corrosão da grua], e o depoimento da testemunha A…, industrial do ramo automóvel, e que dava assistência às viaturas da Autora. Por aquele foi dito que a grua ficou destruída, tratando-se de equipamento que exige manutenção regular.
Quanto à matéria da al. Z) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 18, junto com a p.i., não impugnado pelo R..
Quanto à matéria da al. AA) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 19, junto com a p.i., não impugnado pelo R..
Quanto à matéria da al. BB) o Tribunal valorou o depoimento da testemunha A...que confirmou o que aí vem referido, justificando que “o ar do mar derrete tudo”.
Quanto à matéria da al. CC) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i.. Quanto à matéria da al. DD) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i. e o depoimento da testemunha A... que fez referência ao roubo de material da obra.
Quanto à matéria das al. EE), FF), GG), HH), II), JJ) e KK) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A.... A testemunha L...foi o autor do relatório técnico pericial junto como doc. nº 17, com a p.i., tendo confirmado o seu teor e explicitado ao Tribunal as consequências verificadas em obra no período da suspensão dos trabalhos, designadamente ao nível das estruturas de betão e armaduras, bem como os trabalhos de reposição necessários para a posterior prossecução da obra. Igualmente a testemunha A..., agente técnico de engenharia, que teve intervenção na obra depois do embargo, disse que o constante do relatório técnico pericial se mostrava correcto, tendo feito uma descrição pormenorizada do estado da obra depois do embargo e os trabalhos de reposição a realizar com vista a garantir a qualidade da obra.
Cumpre referir, quanto à valoração do teor do relatório técnico pericial junto como doc. nº 17, com a p.i. que, não obstante o mesmo datar de 10/03/2006, no cotejo com o que foi referido pelas testemunhas L...e A..., ficou o Tribunal convencido que as ocorrências verificadas em obra [relatadas no relatório e confirmadas pelas testemunhas] respeitam ao período de suspensão dos trabalhos por força do embargo.
Quanto à matéria da al. LL) o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas L...e A... que confirmaram o que aí vem referido. Quanto à matéria da al. MM) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 20, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A... que confirmaram o que aí vem referido.
Quanto à matéria das al. NN) e OO), o Tribunal valorou o teor dos doc. nº 20 e 21, juntos com a p.i..
Quanto à matéria das al. PP) e QQ), o Tribunal valorou o teor do doc. nº 22, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A..., remetendo-se para a fundamentação já expendida no âmbito das al. EE), FF), GG), HH), II), JJ) e KK).
Quanto à matéria da al. RR) o Tribunal valorou o teor do doc. n.º 24, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e L... que refeririam ter-se tratado de um reforço de tesouraria para fazer face a compromissos assumidos com fornecedores.
Quanto à matéria da al. SS) o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas L…, J… e L.... Pela testemunha L...foi dito que a Autora era considerada um bom construtor do concelho. O embargo da obra foi notícia de jornal. Os potenciais clientes ficaram com receio de comprar e os fornecedores já diziam que “não vai para lá nada sem dinheiro”. Também a testemunha J… corroborou o que foi dito pela testemunha L…. A testemunha L... referiu que a Autora tinha boa reputação de construção, era considerada uma empresa com “garra” e boa financeiramente. Com o embargo da obra e a publicidade à volta daquele, a imagem da obra ficou desvalorizada.
Quanto à matéria da al. TT) o Tribunal valorou o depoimento da testemunha L...que confirmou o que aí vem referido, remetendo-se para a fundamentação expendida a propósito da al. SS).
Quanto à matéria da al. UU) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 25, junto com a p.i.. Quanto à matéria da al. VV) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 26, junto com a p.i., nele constando um fax de 04/07/2001 subscrito pelo mandatário de A… e Á… B... [sócio-gerente da Autora], dirigido à Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, nele se invocando o vício de violação de caso julgado.
Quanto aos factos não provados o Tribunal deu como não provado o ponto 1, porquanto no mapa de trabalhos apresentado no processo de licenciamento da obra aqui em causa consta o prazo de execução de 24 meses, não tendo sido produzida qualquer outra prova que permita infirmar o que ali vem referido.
Quanto aos pontos 2, 4 e 5 não foi feita qualquer prova que que permita sustentar o que aí vem alegado.
Quanto ao ponto 3 resultou do depoimento das testemunhas inquiridas que as fracções do edifício foram já todas vendidas.
Quanto à restante matéria alegada, por se tratarem de meros juízos conclusivos, de valor ou considerações de direito não são os mesmos susceptíveis de ser objecto de juízo probatório (pese embora a sua pertinência nos respectivos articulados).”.

DE DIREITO

Tendo presente o julgamento de facto antecedente, o qual não se mostra impugnado, importa atender aos fundamentos de cada um dos recursos jurisdicionais, segundo a enunciação das questões a decidir.

A. Recurso interposto pelo Réu, Estado português:

Erro de julgamento quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, em violação dos artigos 2.º n.º 1 do D.L. n.º 48051, de 21/11, do artigo 483.º do CC, do artigo 10.º n.º 1 do D.L. n.º 92/95, de 09/05, do artigo 14.º n.º 1 do D.L. nº 445/91, de 20/11 e dos artigos 1.º, 3.º e 5.º do D.L. n.º 468/71, de 05/11

A questão suscitada no presente recurso resume-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito do Estado português, decorrente da atuação imputável à Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, no tocante à indemnização pelos danos causados em consequência do ato de embargo, datado de 02/03/2001, por funcionários daquela Direção Regional, da obra de construção de um conjunto habitacional, ato de embargo esse que foi impugnado contenciosamente e anulado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 21/04/2005.

Tendo a sentença recorrida julgado parcialmente procedente a ação, condenando o Réu, Estado português, a pagar à Autora a indemnização no valor de € 105.454,06, acrescida de juros legais, desde a citação, o ora Recorrente vem atacar a sentença recorrida em relação ao julgamento relativo aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e do dano.

Nestes termos, delimitando o objeto do recurso jurisdicional, está em causa aferir do erro de julgamento da sentença, que condenou o demandado, o Estado português no pedido.

Compulsada a sentença recorrida, dela decorre que foi julgado ter sido praticado um ato ilícito, correspondente ao ato de embargo, decretado em 02/03/2001 pelos funcionários da Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, cuja ilegalidade foi declarada e reconhecida por decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), em 21/04/2005, transitada em julgado.

Foi decidido verificar-se, por isso, o pressuposto da ilicitude, com o fundamento de ser ilegal o fundamento constante do embargo, por o local de implementação da obra se situar fora do limite do domínio público marítimo, incorrendo o ato de embargo em violação do artigo 3.º n.º 2 do D.L. n.º 468/71, de 05/11.

Com o fundamento de que nos termos da decisão judicial proferida pelo STA inexistir fundamento para o embargo da construção, a sentença recorrida julgou verificar-se o pressuposto de imputação de uma atuação ilícita ao Réu, Estado português.

No julgamento constante da sentença recorrida resulta que além da ilicitude, verificam-se ainda os pressupostos da culpa, do dano e do nexo de causalidade, por se ter considerado que constituindo o ato de embargo uma conduta ilícita, assente na prática do ato jurídico ilícito, tem também de se considerar verificado o requisito da culpa.

Constatando-se que a lei foi violada, deve recair sobre o ente público respetivo um juízo de censura em que a culpa se traduz.

Do mesmo modo em relação à verificação dos danos, nos termos que resultam do julgamento de facto da sentença recorrida.

No que respeita ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre da sentença sob recurso que a obra ficou parada entre a data de 02/03/2001, correspondente à data do embargo, até 09/05/2005, data do trânsito em julgado do acórdão do STA, ou seja, durante cerca de quatro anos, período em que parte dos trabalhos executados antes do embargo, nos termos descritos na sentença, ficaram inutilizados ou degradados por força da corrosão provocada pela proximidade da obra com o mar, exigindo a realização de trabalhos de demolição e de substituição ou de reparação, o que gerou danos.

Por isso, conclui-se na sentença recorrida também pela verificação do nexo causal, entre a atuação ilícita e os danos.

Explanados sumariamente os fundamentos de direito da sentença recorrida importa agora considerar as razões invocadas pelo Recorrente no presente recurso.

No presente recurso está em causa apreciar do invocado erro de julgamento em relação aos pressupostos da responsabilidade civil da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, julgados verificados pela sentença recorrida.

Porém, importa, antes de mais, atender à factualidade relevante, dada por assente na sentença recorrida, para com base nela proceder à aplicação do Direito.

Em 02/03/2001 a obra de construção foi embargada por funcionários da Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo e em 04/07/2001 a mesma Direção Regional procedeu à selagem da obra em curso.

Contra o ato de embargo foi requerida a providência de suspensão judicial de eficácia, que não foi decretada, mesmo após recurso para o Tribunal Central Administrativo, que manteve a decisão proferida em primeira instância.

Contra o ato de embrago foi apresentado recurso hierárquico para o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e ainda, do indeferimento tácito do recurso hierárquico, foi interposto recurso contencioso de anulação para o STA.

O ato de selagem da obra, datado de 04/07/2001, veio a ser revogado por despacho de 27/07/2001.

O STA veio a decidir, em 21/04/2005, no sentido da ilegalidade do embargo, com fundamento no erro sobre os pressupostos de facto, por errada qualificação do terreno em que está a ser executada a obra embargada, em violação do artigo 3.º, n.ºs 2 e 6 do D.L. n.º 468/71, de 05/11 e do princípio da legalidade, previsto nos artigos 266.º n.º 1 da Constituição e do 3.º n.º 1 do CPA.

Tal aresto do STA transitou em julgado em 09/05/2005.

Mais se encontra demonstrado que a selagem da obra ocorreu com todo o material que a ela se encontrava afecto, nos termos descritos na alínea W) do julgamento de facto e que a exposição prolongada da obra inacabada à ação dos ventos, carregados de humidade salina, por a obra se localizar junto ao mar, provocou a deterioração do material e maquinaria referidos em W), para além dos demais danos que se encontram provados na seleção da matéria de facto assente, nas alíneas X) a QQ), implicando a realização dos trabalhos aí descritos ou a realização de outras despesas.

Ficaram ainda demonstrados danos ao nível da imagem da Autora.
Explanados os factos essenciais importa agora proceder à aplicação do Direito, no sentido de aferir do alegado erro de julgamento em relação aos pressupostos da responsabilidade civil, ora impugnados no presente recurso.
1. Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor, vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 473 e segs..

A lei constitucional, no que respeita à responsabilidade das entidades públicas, consagra no artigo 22.º da Constituição o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas e a regra da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários ou agentes, por danos causados no exercício das suas funções, no sentido de o Estado servir como garante da reparação dos danos – a este respeito veja-se Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Parte IV, Direitos Fundamentais, pp. 286 e segs..

No que respeita à delimitação do direito aplicável, considerando a data dos factos, ocorridos em 02/03/2001, até ao trânsito em julgado do acórdão do STA, em 09/05/2005, tem aplicação o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública, aprovado pelo D.L. n.º 48.051, de 21/11/1967, por ser o vigente à data, sendo a Lei n.º 67/2007, de 31/12 posterior no tempo e, por isso, inaplicável.

Prevê-se no artigo 1.º do D.L. n.º 48051 que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não seja previsto em leis especiais.

Posto isto, importa analisar os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, que a sentença recorrida julgou se verificarem, mas em relação aos quais o ora Recorrente invoca o erro de julgamento.

No domínio dos atos de gestão pública, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no artigo 483.º, n.º 1 do C.C., de verificação cumulativa, distintos e autónomos, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 510).
A este respeito é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 17/01/2002, proc. nº 44476; de 06/03/2002, proc. nº 48155; de 28/06/2002, proc. nº 47263 e de 09/07/2002, proc. nº 46385.

Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

1.1. Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.

Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.º do CC.

O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração.
Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente e segundo a alegação da Autora, está em causa a atuação ilícita decorrente do ato de embargo e do ato de selagem da obra.

Estabelece o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 48.051 sobre a responsabilidade das entidades públicas, no sentido de as mesmas responderem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Sobre a responsabilidade dos titulares dos órgãos e agentes administrativos do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dispõe o n.º 1 do artigo 3,º do citado diploma legal, no sentido destes responderem civilmente perante terceiros pela prática de atos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.

Pelo que, não existem as menores dúvidas de estarmos perante uma atuação que é exigida e reclamada da Administração, através dos seus órgãos e dos respetivos funcionários ou agentes, no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, sendo no caso imputada uma atuação à Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo.

1.2. Concernente à ilicitude, o artigo 6.º do citado D.L. n.º 48.051 determina que para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Nos termos do probatório assente e conforme a antecedente explanação da matéria de facto, resulta apurado que foi declarada judicialmente, por decisão do Supremo Tribunal Administrativo, a ilegalidade do ato de embargo, assim como foi revogado o ato de selagem.
Encontra-se ainda demonstrado em juízo que foi a interrupção durante cerca de quatro anos na execução das obras, em consequência do ato de embargo, que vieram a determinar os prejuízos causados à Autora.
Impugna o Recorrente este julgamento com base na alegação de que o âmbito de protecção da norma a que se refere a artigo 3.º, n.ºs 2 e 6 do D.L. n.º 468/71, de 05/11, que fundamentou o ato de embargo e que segundo a sentença recorrida fundamenta a ilicitude da atuação administrativa, não pertence ao domínio subjetivo da ora Autora, não integrando a Autora o círculo de pessoas que a norma abstratamente visa proteger, nem no caso foi violado o âmbito de proteção da norma.
Sustenta o Estado português que as normas que regulam o domínio público hídrico visam em primeira linha a defesa de interesses públicos relativos à zona ou faixa de proteção marítima, relacionados com a necessidade de assegurar uma adequada gestão urbanística, proteção do ambiente e da natureza e da própria segurança das pessoas e só reflexamente protegem interesses privados, pelo que não tutelam os valores decorrentes da violação do direito de propriedade, quer sobre um imóvel, quer sobre bens móveis.
Mais alega o Recorrente que a Autora não é titular de qualquer licenciamento, nem direito de propriedade, posse, gozo ou outro sobre o imóvel embargado, pelo que nenhum direito subjetivo pode ter sido violado em face do artigo 10.º, n.º 1 do D.L. n.º 92/95, de 09/05, nem a alegada lesão de direitos corresponde à violação do artigo 3.º, n.ºs 2 e 6 do D.L. n.º 468/71.
Nesse sentido, segundo o Recorrente o ato de embargo não ofendeu qualquer direito da Autora, sendo esta um terceiro em relação a esse ato.
Sem razão.
Encontra-se demonstrado nos autos a celebração do contrato promessa de permuta do prédio rústico entre a ora Autora e Recorrida e os repetivos proprietários, através do qual a Autora se vinculou à construção de um conjunto habitacional no terreno e a permuta da propriedade do terreno pela propriedade de seis vivendas com garagem a construir no terreno em causa.
Embora o projeto de arquitectura tenha sido apresentado pelos proprietários do prédio e o respetivo licenciamento da construção tenha sido emitido a favor dos proprietários e não a favor da Autora, é esta a promotora da construção do conjunto habitacional e quem se encontrava a executar as obras, nos termos da alínea J) do julgamento de facto.
No demais, encontra-se também demonstrado que foi a Autora quem requereu a providência de suspensão judicial de eficácia do ato de embargo, quem recorreu para o Tribunal Central Administrativo, quem apresentou recurso hierárquico e quem recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo, assim como, conjuntamente com os proprietários do prédio, requereu ao STA a anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico.
Encontrando-se demonstrado que é a Autora a promotora da obra de construção em causa, não existem dúvidas quanto a ser pessoal e directamente afetada pela prática do ato de embargo, assim como quanto à prática do ato de selagem da obra.
A Autora é, pois, titular de direitos, patrimoniais e não patrimoniais, que foram lesados pela prática dos citados atos.
Carece, por isso, totalmente de fundamento, a alegação do Recorrente sobre a falta de âmbito de proteção da norma, pois ao contrário do alegado, a ora Recorrida é titular de direitos que foram lesados pela prática do ato de embargo, declarado ilegal e anulado pelo STA, direitos esses que são juridicamente relevantes e merecem a tutela do direito.
A relação jurídica administrativa que se estabeleceu com os proprietários do prédio, decorrentes do ato de licenciamento, não esgota o universo das relações jurídicas, sendo tanto merecedoreas as relações jurídicas regidas pelo direito público, como as regidas pelo direito privado, sendo que no caso existiu o embargo das obras que estavam a ser executadas pela Autora, embora em prédio que não era da sua propriedade, por ser apenas promitente adquirente das moradias que viessem a ser edificadas na sequência do contrato promessa de permuta, com os proprietários do terreno.
Sendo decretado o embargo e a selagem da obra que estava a ser executada pela Autora, o que constituem factos incontrovertidos nos autos, não podem existir dúvidas quanto à relevância do facto ilícito na esfera jurídica da Autora, sendo mesmo o sujeito sobre quem se projectam diretamente os efeitos jurídicos do embargo.
Sem a prática de tais atos ilícitos – o que o Recorrente não logra contestar no presente recurso, não pondo em crise que o ato de embargo constitui um facto ilícito – não se teriam produzido os danos na esfera jurídica da Autora que se encontram demonstrados em juízo, pelo que foi a prática de tais atos ilícitos a fonte geradora dos danos e, consequentemente, da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Estado português.
Independentemente da projeção dos efeitos do ato de embargo na esfera jurídica dos proprietários do terreno, o facto ilícito projecta os seus legais efeitos sobre a Autora, enquanto promotora e responsável pela execução das obras, pelo que constitui um facto ilícito em relação a si.
Assim, ao contrário do alegado pelo Recorrente, a prática do ato de embargo constitui um facto ilícito que projecta os seus efeitos não apenas sobre os proprietários do prédio, mas também sobre todos os que sobre o mesmo detém direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, como no caso da Autora, na sequência do contrato que celebrou com os proprietários do imóvel.
Com efeito, como decorre do artigo 6.º do D.L. n.º 48.051 a ilicitude consiste na violação de regras legais ou regulamentares ou ainda na violação de regras de ordem técnica e de prudência comum que deveriam ser tidas em conta, apurando-se que o ato de embargo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo ilegal, não devendo a Administração desconhecer a legalidade aplicável.
Impendia sobre os serviços da Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo certificar-se sobre a exata localização do prédio antes de embargar a obra, abstendo-se da prática de atos ilegais.
Tratando-se da prática de um ato fortemente lesivo dos direitos dos particulares, impunha-se que os serviços em causa se assegurassem da verificação dos pressupostos da sua atuação, não incorrendo na violação das normas e princípios gerais da actividade administrativa, como se verificou no presente caso.
Reputa-se por via disso uma atuação ilícita nos termos do disposto no artigo 6.º do D.L. nº 48.051, que estipula que se consideram ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios jurídicos aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, que se projeta quanto aos seus efeitos na esfera jurídica da Autora.
Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, pp. 578 e 579, propõe que a ilicitude considera a conduta objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.
Nestes termos, improcede o fundamento do recurso a respeito do pressuposto da ilicitude, sendo de manter o julgamento constante da sentença recorrida, por verificação de uma atuação ilícita imputável ao Réu, Estado português.
1.3. No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor (Antunes Varela, obra cit., pp. 559).
Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do D.L. nº 48.051 que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º do CC, ou seja, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).
No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.
Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerado atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, proc. nº 41297.
Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.
A jurisprudência e a doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável apenas às entidades públicas, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar dos serviços, na pressuposição de que funcionam normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização (Margarida Cortez, obra cit., pp. 96).
Para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.
Conforme jurisprudência consolidada, à responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 1 do CC. – cfr. Acórdãos do STA, de 01/06/2000, proc. nº 46068; do Pleno de 25/10/2000, proc. 37510; de 20/03/2002, proc. nº 45831 e de 03/10/2002, proc. nº 45621.
Com efeito, a remissão contida no n.º 1, do artigo 4.º, do D.L. nº 48.051 abrange também o n.º 1, do artigo 487º, do C.C. e daí a admissão de presunções legais de culpa nos termos do n.º 1, do artigo 493º, do C.C., por parte das entidades públicas.
Pelo que, beneficiando a Autora da presunção de culpa do Réu, sobre quem recaía a obrigação de praticar atos que não enfermem de erro quanto aos seus pressupostos, à Autora lesada apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu a presunção de culpa, por não provar uma qualquer situação justificativa do erro em que incorreu quanto à localização do prédio, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.
Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre o Réu uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liquet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção – neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, proc. nº 320/04.
No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados a respeito da culpa da Autora ou sequer dos proprietários do imóvel, nem tão pouco logrou o Réu demonstrar que procedeu às necessárias e adequadas diligências de instrução, destinadas a aferir da correta localização do prédio.
Pelo que, é inequívoca a culpa inerente à atuação administrativa, no sentido de não ter conseguido o Réu ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia nos termos do n.º 1 do artigo 493.º, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma atuação culposa, quer em função da presunção legal de culpa, quer em função de se encontrar provada a sua culpa, nos termos gerais, pois deveria ter existido determinada atuação quanto à aferição da correta localização do prédio que não houve, sendo por isso ilícita a violação do dever funcional que lhe era exigível de aferir dos corretos pressupostos factuais e legais da sua atuação.
O Réu apenas afastaria a ilicitude da sua atuação se tivesse provado qualquer facto donde decorresse que tinha cumprido o seu dever de aferir a correta localização do prédio, isto é, que a atuação ilícita não decorreu da sua falta de organização e diligência, o que nos autos não logrou acontecer, de forma se poder afastar a ilicitude da sua omissão.
Assim, o comportamento comissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pela Autora, é também ele culposo, sendo censurável no plano ético, porquanto uma Administração zelosa e cumpridora teria atuado em conformidade com as normas legais aplicáveis.
Em suma, não estando demonstrado que existiu um qualquer comportamento dos proprietários ou sequer da Autora que contribuíssem para o erro sobre os pressupostos do ato de embargo, temos de aceitar que o mesmo se deveu ao facto de os agentes do Réu terem praticado um ato em desconformidade com os factos e com o direito aplicável.
Sendo, em princípio, ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre a Autora que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.
Beneficiando dessa presunção, a Autora não precisa de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa do Réu (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes ao Réu ilidir essa presunção, o que não logrou fazer.
Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.
Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela verificação do pressuposto da culpa em relação ao Réu, Estado português.
1.4. No que respeita ao pressuposto do dano, quanto a saber quais os prejuízos indemnizáveis, diz expressamente o artigo 563.º do CC que a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ou seja a indemnização terá de se reportar aos danos derivados do facto ilícito que obriga à reparação, adotando-se para o efeito a “doutrina da causalidade adequada” na sua formulação negativa reiteradamente afirmada no STA, (cfr. a título de exemplo os de 27.06.2001, rec. n.º 37410, 06.03.2002, rec. n.º 48155, 27.6.2002, rec. n.º 479-02 e de 29.10.2002, rec. n.º 177-02), segundo a qual “parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária” (ac. Ac. do STA, de 02/11/2003, rec. 323/02).
Perante os factos dados como demonstrados, é patente que se produziram danos ou prejuízos que advieram da prática do ato ilícito, imputável aos respetivos serviços, estando em causa o ressarcimento dos danos patrimoniais.
Sustenta o Recorrente que existe uma contradição entre os factos que se dão como provados nas alíneas Q) e W) do julgamento de facto.
Porém, não logra o Recorrente impugnar o julgamento de facto, pelo que, não estão verificados os legais pressupostos para pôr em crise a factualidade que se dá como provada na sentença recorrida.
Do mesmo modo em relação ao demais alegado pelo Recorrente a respeito do pressuposto do dano, pois pretende que seja considerada factualidade diferente daquela que resulta do julgamento de facto, sem impugnar o julgamento de facto, sem lograr identificar as concretas alíneas do probatório que estão em causa e sem indicar quais os meios de prova em que se baseia para abalar a prova dos factos que foram dados por provados na sentença sob recurso.
Toda a alegação do Recorrente a respeito do pressuposto do dano é pouco concretizada e sem estar fundamentada em meios de prova que demonstrem a versão dos factos que se apresenta alegada, pelo que carece de fundamento legal.
Quanto muito poderá o Recorrente invocar tal alegação no âmbito da fixação do quantum da indemnização, sobre a relevância e não relevância dos danos apurados e julgados provados, mas sem que assuma relevo para o julgamento do pressuposto do dano, que se encontra demonstrado, tal como decidido na sentença recorrida.
No demais, não só o Recorrente não impugna qualquer ponto concreto do julgamento de facto em relação aos danos que são dados como provados, não pedindo a sua eliminação ou alteração ou sequer o seu aditamento, como não procede a uma correta valoração do julgamento de direito da sentença recorrida.
Pelo exposto, improcede o alegado pelo Recorrente sobre o pressuposto do dano, por não provado.
1.5. Por último, em relação ao nexo de causalidade, resulta da sentença recorrida que o mesmo foi julgado verificado, decisão com a qual o Recorrente não concorda.
Alega o Recorrente na sua alegação de recurso que não existe uma causalidade direta, nem adequada entre o facto ilícito e os danos, pelo facto de o embargo não ter sido ordenado à Autora e não ter sido lesado nenhum direito da Autora, sendo o Estado alheio às relações estabelecidas entre os proprietários do terreno e a Autora.
Mais sustenta que foi a Autora quem deixou ao abandono todas as suas máquinas e equipamento no local junto ao mar, sem cuidar da sua conservação e em local adequado.
Mais invoca que a delonga do recurso contencioso, em cerca de 2 anos e 8 meses, não poderá deixar de ser um factor concorrente para o dano.
Vejamos.
Ao contrário do alegado pelo Recorrente apresenta-se inequívoco o estabelecimento do nexo causal entre a prática do ato ilícito, traduzido na prática do ato de embargo enfermado de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e anulado judicialmente pelo STA e a ocorrência dos danos descritos no julgamento de facto, segundo a valoração feita no âmbito da fixação do quantum da indemnização.
Tal como decidido na sentença sob recurso foi a concreta atuação ilícita a constituir causa direta e necessária da produção do resultado danoso, sendo de recusar que tal atuação se tenha mostrado de todo indiferente para a verificação do dano.
Os danos ocorridos, não foram, pois, provocados em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto.
In casu resulta da matéria de facto provada que foi em consequência do embargo da obra e também do ato de selagem da obra, que a Autora ficou impedida de continuar a executar os trabalhos de construção, sendo obrigada à imediata paralisação da realização dos trabalhos e também, por um período curto de tempo, da retirada dos bens e maquinaria que se encontrava na obra.
Não se apurou qualquer outra causa direta ou indireta para a produção dos danos.
Consagra o artigo 563.º do CPC, a teoria da causalidade adequada, adotando-se a sua formulação negativa proposta por Enneccerus-Lehman, nos termos da qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto, convergindo a jurisprudência e a doutrina na sua adoção – cfr. a título meramente exemplificativo os Acórdãos de 06/03/2002, proc. nº 48 155; de 27/06/2001, proc. nº 37410 e de 22/10/2003, proc. nº 534/03.
De acordo com as regras de experiência comum, em abstrato, o ato de embargo e o ato de selagem, têm a aptidão de, por si só, provocarem os danos que resultam demonstrados em juízo, pelo que, não existindo quaisquer outras circunstâncias que o justifiquem, é a atuação do Réu causa adequada dos danos ocorridos, verificando-se assim também o pressuposto do nexo de causalidade da responsabilidade civil do Réu.
Deste modo, não incorre a sentença recorrida em erro de julgamento de direito ao julgar verificado o pressuposto do nexo de causalidade, improcedendo as conclusões do presente recurso.

*
Nestes termos, estão demonstrados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Estado português, que determinam a sua condenação na obrigação de indemnizar, improcedendo totalmente o recurso interposto pelo Réu contra a sentença recorrida, mantendo-se a sentença recorrida, que condenou o Estado português ao pagamento à Autora de uma indemnização no valor de € 105.454,06, acrescida de juros legais, desde a citação, ocorrida em 15/05/2008, até efetivo pagamento.

B. Recurso subordinado interposto pela Autora:

Erro de julgamento quanto ao pressuposto do dano

Segundo a alegação da Autora, ora Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em relação aos danos, reclamando uma indemnização cujo montante não seja inferior a € 473.268,13.

Alega o erro de julgamento da sentença recorrida pela não valoração do dano produzido com a necessidade de contrair empréstimos no valor de € 350.000,00, assim como pela não consideração das despesas incorridas com os honorários de advogados e despesas de tribunal.

Defende que resultou demonstrado que a Autora realizou os empréstimos bancários no montante global de € 350.000,00 e que o Tribunal se equivocou na valoração que fez deste facto.

Alega que o montante dos empréstimos se destinou a suprir os prejuízos causados pelo ato de embargo e os encargos incorridos com trabalhadores, pagamento de fornecedores e a manutenção do seu armazém, assim como com os encargos assumidos com os advogados.

Segundo a Recorrente teve de enfrentar os custos incorridos com o prolongamento no tempo do embargo ilegal, tendo os efeitos do embargo estendido os seus efeitos para além do período em que o embargo durou.

Mais invoca a dificuldade em apresentar prova de que os empréstimos em causa se destinaram a suprir os danos ocorridos com a atuação ilícita da Administração, não sendo os mesmos facilmente documentados.

Pede que, segundo um juízo de equidade, se reconheça que o montante em causa não é uma quantia desproporcionada para fazer face aos encargos e custos dados como provados, ao longo do período em que os danos persistiram.

Vejamos.

1.1. Resulta da alínea RR) do julgamento de facto que em março e abril de 2002, a Autora contraiu empréstimos no montante de € 350.000,00.

Sobre o destino de tal verba nada mais resultou provado, nada resultando do julgamento de facto que permita saber se esse dinheiro foi efetivamente gasto e em quê, por rigorosamente nada ser demonstrado em juízo.

Incumbia à Autora alegar e demonstrar não só a necessidade de contrair tais empréstimos, como provar que os afetou a despesas decorrentes da paralisação da obra em questão, em consequência do embargo.

Ao contrário do que a Autora alega, considerando a natureza dos prejuízos em causa, seja com pessoal ou em mão de obra, seja com materiais ou maquinaria, é inteira e totalmente possível a comprovação documental desses custos.

A Autora não só não concretizou factualmente tais custos ou despesas, nem como sendo decorrentes do embargo das obras, como nada provou quanto à realização de quaisquer despesas imputando-as com os empréstimos bancários contraídos em 2002.

De resto, nem sequer se está perante um caso de não prova de factos, pois também nada resulta não provado do elenco dos factos não provados a respeito dos empréstimos contraídos pela Autora, por nenhuns factos terem sido alegados pela Autora.

Por outro lado, também não logra a Autora invocar qualquer erro de julgamento da sentença recorrida, antes admitindo a falta de alegação e de prova dos factos atinentes à imputação da quantia obtida com os empréstimos.

Nestes termos, atenta a total ausência da alegação de factos e respectiva falta da sua demonstração, nem sequer há que analisar se os custos que a Autora, ora Recorrente alega agora em recurso, seriam ou não indemnizáveis como consequência do ato ilícito.

Nestes termos, improcede totalmente o fundamento do recurso, no tocante ao erro de julgamento em relação à não valoração como dano indemnizável da quantia relativa aos empréstimos bancários contraídos pela Autora.

1.2. No que se refere ao erro de julgamento em relação à não valoração como dano das despesas incorridas com honorários de advogados e despesas de tribunal, defende a Recorrente que tais despesas não poderão deixar de ser indemnizáveis no âmbito da presente acção.

Nesse sentido, pede a Recorrente que seja considerado no quantum da indemnização a quantia de € 17.814,07, a título de compensação pelos encargos incorridos com despesas de advogados e de custas no tribunal, como resulta provado na alínea UU) do julgamento de facto.

Vejamos.

Encontra-se demonstrado na citada alínea UU) do julgamento de facto da sentença recorrida, que a Autora despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal, a quantia de € 17.814,07.

Quanto a esta matéria foi o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida, que ora se transcreve, com relevo para o fundamento do recurso:

Quanto ao peticionado pagamento de honorários de advogados e despesas de tribunal com vista à anulação judicial do acto de embargo, a questão não tem merecido uma apreciação uniforme por parte dos tribunais superiores, no cotejo da jurisprudência do STJ e do STA. Perfilhamos o entendimento de que as despesas com honorários do mandatário judicial podem ser devidos apenas no contexto da procuradoria ou das custas de parte.

Na verdade, há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito de procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio com o patrocínio judiciário – cfr. Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado, 6.ª Edição, pág. 268. É certo que com o Regulamento das Custas Processuais e as alterações com ele conexas introduzidas no Código de Processo Civil, deixou de existir a figura da procuradoria, mas a solução agora consagrada é “de algum modo decalcada na antiga procuradoria (…) fixada por referência à taxa de justiça devida pela parte vencida, para o mesmo fim de compensação”, destinando-se “a cobrir tendencialmente as despesas da parte vencedora com honorários de mandatário judicial” – cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2011, 3.ª Edição, pág. 362.

O legislador entendeu ser esta a fórmula a utilizar para indemnizar a parte vencedora, na medida do seu vencimento, pelas despesas que teve, por causa do processo, com os honorários do seu mandatário, não considerando, para o efeito, o valor que efectivamente possa ter sido suportado.

As únicas excepções a esta regra são as dos artigos 543.º n.º 1, a) e 610.º, n.º 3, do CPC: a primeira relativa ao conteúdo da indemnização por litigância de má-fé, que engloba os honorários dos mandatários, e a segunda que manda o autor satisfazer os honorários do advogado do réu nos casos em que propõe acção sem haver litígio relativamente à existência da obrigação.

Significa isto que quando o legislador pretendeu fazer incidir sobre qualquer das partes intervenientes na lide a obrigação referente à satisfação integral das despesas relativas a honorários, indicou expressamente as situações e a parte sobre a qual tal imposição impendia, e significa também que a regra é a do englobamento das despesas de patrocínio, nas custas de parte, como acima se referiu.

O que tudo dito faz concluir que não houve, por parte do legislador, mesmo nas acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, qualquer intuito em considerar os honorários devidos ao advogado da parte vencedora como uma despesa directa e imediatamente decorrente da prática pelo agente de um facto ilícito danoso, sendo, por tal motivo, enquadráveis no quantitativo indemnizatório a satisfazer pelo lesante.

O que tudo visto faz subentender que os honorários do advogado da parte lesada vencedora, como um factor colateral da causa de pedir na acção, e ressalvadas as supra apontadas excepções, se enquadram apenas no âmbito das custas do respectivo processo, não podendo revestir a natureza de despesas a englobar no domínio de qualquer indemnização que constitua objecto do pedido formulado em juízo.”.
O julgamento antecedente não se pode manter, não traduzindo uma correta aplicação os factos e do direito, tendo a jurisprudência administrativa evoluído no sentido de admitir o ressarcimento das despesas efetivamente realizadas e devidamente comprovadas com os honorários com advogados e despesas judiciais, em relação a processos judiciais em que o mandato seja obrigatório, como no presente caso.
Neste sentido, vide, entre outros o Acórdão do STA, datado de 20/06/2017, Proc. n.º 0247/15, nos termos do qual se decidiu:
Quanto aos honorários devidos aos mandatários judiciais constituídos no presente processo e nos identificados nos pontos 21) e 22) da matéria de facto considerada provada, a sentença entendeu que, não se provando qualquer facto que permitisse identificar o advogado ou advogados que tinham intervindo nos processos nºs. 32596 e 32780 e desconhecendo-se o conteúdo exacto destes, nada havia que ressarcir a esse título.
Porém, sendo o mandato judicial obrigatório no contencioso administrativo, a jurisprudência deste STA tem considerado que as despesas com honorários de advogados, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis, uma vez que constitui princípio do direito processual civil que a necessidade de recorrer a juízo não ocasione dano à parte que tem razão, sob pena de se deslocar irremediável e definitivamente para esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante (cf., entre outros, os Acs. de 8/3/2005 – Proc. n.º 39934-A, de 4/3/2009 – Proc. n.º 754/08 e de 20/6/2012 – Proc. n.º 266/11).
Assim, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, as despesas resultantes dos honorários dos advogados são danos indemnizáveis, podendo o seu “quantum” ser relegado para liquidação posterior (cf. artºs. 565.º do C. Civil e 609.º, n.º 2, do CPC).
Nestes termos, estando provado que a A. requereu a suspensão de eficácia e recorreu contenciosamente do despacho que decretou o embargo (…), processos sujeitos a mandato obrigatório e adequados e necessários a evitar a produção de efeitos pelo acto ilícito, tem de se concluir que as despesas respeitantes aos honorários dos advogados que a representaram nesses e no presente processo constituem um dano indemnizável que é de imputar ao acto ilícito.
Quanto ao montante desse dano, ainda que se considere que não há uma obrigação de satisfação integral dos honorários forenses, é do valor convencionado entre o lesado e os seus mandatários judiciais que se tem de partir para a fixação do quantitativo dos honorários a indemnizar (cf., neste sentido, o Ac. do STA de 19/5/2016 – Proc. n.º 0314/13), pelo que, desconhecendo-se esse valor, terá o quantitativo devido de ser relegado para posterior liquidação.” (sublinhados nossos).
Com relevo para o fundamento do recurso, importa também considerar a doutrina que emana do Acórdão do STA, datado de 19/05/2016, Proc. n.º 0314/13, nos termos do qual se decidiu o seguinte, que ora se transcreve, por facilidade e economia de meios e por existir uma identidade entre as questões de direito controvertidas:
Num acórdão recentemente prolatado neste STA estava envolvida uma questão em tudo idêntica à dos presentes autos, relacionada, portanto, com a existência ou não de um limiar máximo inultrapassável no que respeita à indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual pelos danos derivados do pagamento, pela parte lesada vencedora, das despesas suportadas com os honorários de mandatário judicial. Não está em causa saber se os honorários forenses constituem dano ressarcível, mas, tão-somente, a questão da existência de eventuais limites ao seu quantum. Nesse aresto – Ac. do STA de 14.04.16, Proc. n.º 1635/15 –, porém, este Supremo Tribunal considerou “que não existem nos autos elementos concretos para apurar o quantum que a Autora irá despender com os honorários do seu Mandatário, também o é que essa quantificação não deverá ficar, desde já, cerceada por padrões que, neste momento, não é possível dizer se são os mais justos. Daí que essa quantificação deva ser relegada para ser liquidada de acordo com previsto no art.º 358.º/2 do CPC. Só que, ao invés do que se decidiu no Acórdão recorrido, não cumpre, agora, fixar um limite ou um padrão para o apuramento do montante devido por o mesmo dever ser livremente apurado naquele incidente, impondo-se, por isso, conceder total liberdade ao Tribunal que irá proceder a essa liquidação”. No caso dos presentes autos, pelo contrário, considerou-se no acórdão recorrido que o montante dos honorários do mandatário judicial já se encontra computado no valor de € 80.873,04. Pelo que caberá agora concretizar o que significará essa “total liberdade”? Equivalerá ela a dizer que não existem limites à fixação do montante a pagar a título de indemnização pelos danos materializados no pagamento das despesas com advogados, nomeadamente limites máximos?
Julgamos que a resposta a esta questão não se encontra totalmente resolvida no aresto em questão. O que parece certo é que a orientação nele fixada vai de encontro ao decidido no acórdão recorrido, na medida em que no acórdão de 14.04.16 se afirma claramente que a indemnização atribuível pelas despesas feitas com o pagamento de honorários não há-de ser limitada pelos valores fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário, nesse sentido, podendo, pois, ser livremente fixada. Em nosso entender, porém – e esta questão acabou por não ser esmiuçada no acórdão de 14.04.16, – uma tal livre fixação não pode significar que qualquer montante pago a título de honorários devidos a advogado possa ser integralmente ressarcível. Ou seja, concordamos que a indemnização nestes casos não deve ficar limitada por aquele patamar traçado pelo acórdão recorrido (relembre-se, os valores fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário), mas entendemos que o quantum da indemnização não tem que corresponder necessária e exactamente aos montantes alegadamente cobrados pelos advogados a título de honorários. É conveniente não esquecer que nesta tarefa de fixação da indemnização não podem deixar de ser consideradas, entre outras, as normas relacionadas com a obrigação de indemnizar. Mas vejamos.
O artigo 563.º (Nexo de causalidade) do CC estipula que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Trata-se de um preceito que, segundo a generalidade da doutrina, não exprimirá correctamente o critério da causalidade adequada que o legislador quis estabelecer. Ora, a ideia subjacente à doutrina da causalidade adequada mais aceite pelos doutrinadores portugueses e pela jurisprudência é a de que só são indemnizáveis os danos que sejam consequência adequada do facto constitutivo de responsabilidade civil, devendo entender-se por consequência adequada os danos que sejam consequência normal, típica, previsível, provável, natural do facto lesivo.
Da leitura deste dispositivo resulta que se pode entender que um montante de honorários que seja considerado excessivo ou exorbitante quebra o nexo de causalidade, que constitui um dos pressupostos da responsabilidade civil. Sucede que neste domínio não existem propriamente tarifas profissionais normais, podendo essas tarifas variar bastante. Deste modo, para efeitos de fixação da justa indemnização deverá o julgador recorrer aos juízos de equidade nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC.
Na fixação da indemnização a ser feita com base nesses juízos de equidade deverão ser ponderados, fundamentalmente, três aspectos.
Assim, e em primeiro lugar, deverão ser tidos em consideração os artigos 542.º (Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé) e 610.º (Julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação) do CPC, os quais prevêem as duas únicas excepções expressamente previstas naquele código à regra segundo a qual os honorários forenses estão englobados nas despesas judiciais comuns a todos os processos (salvo nos casos de isenção legal), pelo que, à partida, fica afastada a possibilidade de ressarcimento autónomo daqueles honorários – vale por dizer, de um ressarcimento à margem das normais despesas judiciais. Interessa-nos, em especial, o artigo 456.º (actual artigo 542.º), que respeita ao conteúdo da indemnização por litigância de má-fé (que engloba os honorários dos mandatários), preceito este que deve ser conjugado com o seguinte, artigo 457.º (actual artigo 543.º – Conteúdo da indemnização). Não lidamos, no caso dos autos, com a situação de litigância de má-fé. Ainda assim, a consideração destes preceitos afigura-se-nos essencial à solução final a adoptar na presente lide. Vejamos.
Em anotação ao artigo 466.º do CPC de 1939, perfeitamente transponível para o momento presente, Alberto dos Reis afirmava que havia duas modalidades de indemnização nas situações em que se verificava litigância de má-fé. Uma simples ou limitada, que se materializaria no reembolso das despesas a que a má-fé obrigou a parte contrária, nela se inserindo os honorários dos mandatários e dos técnicos. A outra, plena ou agravada, que abrangeria o reembolso das despesas e ainda a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte lesada, a título de danos emergentes e de lucros cessantes. Apesar da sua diferença, em ambos os casos a indemnização não poderia exceder o âmbito processual em que a má-fé operou (cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pp. 276-9). No caso em análise, uma vez que apenas se discute o pagamento dos honorários apresentados pelo mandatário (rectius, o exacto montante a ressarcir), não poderemos deixar de estar perante a figura da indemnização simples ou limitada.
Centrando agora a nossa atenção no artigo 457.º do CPC, aí se diz, no seu n.º 1, que: “A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé”; c) “O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa”. Da leitura destes preceitos pode retirar-se que, pese embora a indemnização inclua o ressarcimento dos honorários do mandatário, não é obrigatório que o seu montante seja igual ao efectivamente despendido a esse título. Mais ainda, cabe ao juiz uma certa margem de manobra na fixação do exacto quantitativo da indemnização, a qual será orientada por uma ideia de razoabilidade e adequação.
Feito este brevíssimo excurso pelo tema da indemnização devida nos casos de litigância de má-fé – a qual inclui os honorários forenses –, cabe agora estabelecer a sua ligação ao caso dos autos. E esta é clara e linear: se nas situações de litigância de má-fé o lesante não está obrigado à satisfação integral das despesas relativas a honorários forenses, então, por maioria de razão, não o estará nos casos em que o lesante não litigou de má-fé.
Dito isto, passemos ao segundo aspecto a ter em atenção na fixação da indemnização.
Assim, deverão ter-se em conta os valores fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário, que deverão funcionar como um valor indiciário do que seja um serviço minimamente adequado para alcançar a defesa pretendida (o equivalente a uma “procuradoria condigna”).
Finalmente, e em terceiro lugar, pode considerar-se que as despesas desnecessárias ou puramente “voluptuárias” violam o ónus do lesado de não contribuir para a produção ou agravamento dos danos (art. 570.º, n.º 1 – a doutrina tende a entender que a expressão “culpa” neste preceito deve ser entendida de forma ampla, como qualquer tipo de comportamento censurável. Não sendo observado este ónus, poderá determinar-se uma redução ou, inclusivamente, uma exclusão da indemnização. Nas palavras de PAULO MOTA PINTO, “uma forma de actuação culposa do lesado que deverá ser considerada para a quantificação da indemnização que pode reclamar consiste, justamente, na realização de despesas não justificadas, ou excessivamente elevadas, em violação do ónus de não contribuir para a produção ou agravamento dos danos (artigo 570.º, n.º 1). A indemnização pelas despesas desaproveitadas poderá, pois, nestes casos, ser reduzida na medida da referida violação (o que pode levar mesmo, no limite, a que seja excluída)” (cfr. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra, p. 1087). Ao trazer à colação estes ensinamentos, no fundo o que se pretendeu foi sublinhar que, em certa medida, a opção por um mandatário judicial que cobra honorários elevados constitui uma opção consciente e calculada, em que, certamente, se tem noção do acréscimo de custos que isso acarreta para quem contrata um tal mandatário, e ainda da possibilidade de solicitar os serviços de um advogado que cobre honorários mais moderados, sendo certo, igualmente, que um advogado que cobra mais não é necessariamente um advogado melhor (basta pensar num advogado competente que ainda não tenha o seu nome firmado “na praça”), nem pode garantir um resultado favorável às pretensões dos AA./recorrentes. Se a isto se acrescentar a circunstância de o legislador ter elaborado uma tabela (a tabela relativa ao apoio judiciário) em que fixou determinados valores que tem como adequados a uma procuradoria condigna, pode concluir-se, sem se incorrer em qualquer injustiça, que as despesas acrescidas que resultam da contratação de um mandatário judicial que cobra honorários elevados não podem ser tidas, em bom rigor, e pelos motivos expostos, como despesas absolutamente necessárias. Pelo que, lançando mão, com as devidas adaptações, do espírito do artigo 570.º, n.º 1, do CC, pode afirmar-se que, ao arbitrar-se o montante ressarcível das despesas com honorários forenses, há que ter na devida conta que o constituinte, com a sua opção, agravou as suas despesas, não devendo, pois, contar com o seu integral ressarcimento.
A ideia de que, no domínio da indemnização por danos causados pelo pagamento dos honorários de advogados, não é qualquer montante que é ressarcível está patente no Acórdão deste STA de 20.06.12, Proc. n.º 266/11. Aí se pode ler o seguinte:
“Por outro lado, é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse montante se reparte (…) só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor a este título é o ressarcimento das despesas com o advogado no processo respectivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência (…).
Estando as autoridades administrativas isentas de custas (…) a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objecto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da actuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização (…).
Uma tal solução, deslocando irremediavelmente e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, seria contrária ao disposto no art. 22º da Constituição que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos que causem prejuízo a outrem (…).
Nenhuma razão se vislumbra para que as despesas de justiça (…), desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica o acto administrativo lesivo, não sejam ressarcidas como os demais prejuízos causados pelo acto.
Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 390). Segundo CHIOVENDA, citado por ANDRADE (op. cit., pág. 393), “a administração da justiça faltaria à sua missão e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida se o mecanismo instituído para actuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão” (…)».
Assim, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, as despesas judiciais e os honorários do advogado são danos indemnizáveis, podendo o seu quantum ser relegado para execução de sentença, atento o disposto nos artº 659º do CC e artº 661º do CPC”.
2.3. Além dos três aspectos já mencionados, não será de todo desadequado fazer uma breve referência aos critérios que deverão orientar o advogado na quantificação dos respectivos honorários, não obstante esta ser uma questão que, no caso vertente, está já ultrapassada. Assim, no que concerne especificamente ao mandato forense, deve atender-se ao artigo 105.º (anteriormente, art. 100.º) do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA – Lei n.º 15/2005, de 26.01, com as sucessivas revisões) quando este dispõe, no seu n.º 3, que “Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”. Por comparação com o artigo 65.º do anterior Estatuto, desapareceu a referência às posses dos interessados (sendo certo que se deve entender que este específico elemento está integrado nos “demais usos profissionais”), e fora acrescentados dois novos critérios: o grau de criatividade intelectual da sua prestação e as responsabilidades por ele [advogado] assumidas. De salientar, ainda, o n.º 1 do mesmo preceito, no qual se determina que “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa” (negrito nosso). Em certa medida, a expressão “adequada” poderá ser vista como um sucedâneo da ideia de moderação presente no anterior EOA. Ainda assim, como afirma António Arnaut, a “moderação, apesar de não plasmada, agora, na lei, continua a funcionar como factor de ponderação, por conduzir à justeza e adequação ao caso concreto, a um correcto ponto de equilíbrio, de modo que os honorários não sejam tão baixos que pareçam ridículos, nem tão altos que possam classificar-se de especulativos” (cfr. ANTÓNIO ARNAUT, Iniciação à Advocacia, 10.ª ed., Coimbra, p. 151).
2.4. Em face de todo o exposto, deve concluir-se que procede, em parte, o pedido da recorrente. Com efeito, o cálculo do valor da indemnização a atribuir pelos danos causados com o pagamento dos honorários dos mandatários judiciais não deve ter como limite máximo os valores fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário. Mas, a verdade é que, pelos motivos atrás expostos, também não se pode aceitar que na delimitação do dano indemnizável para este efeito caibam quaisquer valores que tenham sido livremente convencionados ou fixados entre a parte lesada e o seu mandatário judicial.
Foi dito alhures que a tabela de honorários no âmbito de protecção jurídica deve funcionar como um valor indiciário do que seja um serviço minimamente adequado para alcançar a defesa pretendida. Avançando um pouco mais, poderá afirmar-se que é possível admitir que a conjugação de uma multiplicidade de factores – como sejam, entre outros, a maior disponibilidade de um advogado que beneficia do apoio de outros advogados e técnicos que com ele trabalham, os melhores recursos técnicos de certos escritórios de advogados ou de sociedades de advogados, a melhor preparação em termos jurídicos de quem litiga há mais tempo –, poderá proporcionar uma defesa, pelo menos à partida, mais sólida. Acresce a isso que, por exemplo, se tomarmos em conta que a defesa levada a cabo pelo mandatário judicial implica deslocações a outros pontos do país, o que pode igualmente implicar a necessidade de alojamento, facilmente se conclui que os valores padronizados na referida tabela se tornam desfasados dos gastos efectivamente realizados. Assim sendo, não pode deixar de aceitar-se que as situações concretas da vida real que chegam aos tribunais, pela sua enorme diversidade, não se enquadram com uma precisão matemática nos valores estabelecidos na tabela em apreço. Além de que sempre poderão considerar-se, na fixação do montante ressarcível a título de indemnização por despesas com honorários, aspectos como o valor da causa e o resultado obtido (se foi, ou não, favorável à pretensão da parte lesada). Seja como for, julgamos possível estabelecer uma série de tópicos que devem guiar a fixação do quantitativo dos honorários que poderá ser objecto de ressarcimento, nunca esquecendo, porém, que tais critérios orientadores apenas servem como parâmetros e pontos de partida, e, ainda, como pontos de referência explicativos do raciocínio do julgador. Recapitulemos os referidos critérios ou tópicos orientadores.
Antes de mais, não há qualquer obrigação de satisfação integral dos honorários forenses.
Acresce a isso que a tabela de honorários para apoio judiciário deve funcionar como um valor indiciário do que seja um serviço minimamente adequado para alcançar a defesa pretendida.
Finalmente, cabe ao juiz da causa adaptar todos estes tópicos orientadores ao caso concreto dos autos (às suas peculiaridades), e, de acordo com um juízo equitativo, arbitrar o montante que deve ser ressarcido a título de indemnização por despesas com honorários forenses.
E é, justamente, isso que cabe agora fazer. Assim, e por um lado, tendo em consideração, sobretudo, o trabalho desenvolvido no processo – tendo sido contabilizadas 600 horas de trabalho forense prestadas, que o laudo da OA não considerou irrazoáveis, e que a decisão recorrida não deixou de dar como provadas –, a complexidade do tema tratado, o valor da causa, o resultado obtido (uma indemnização de 170.779.594$00 acrescida de juros), considera-se que os valores estabelecidos na tabela de honorários para apoio judiciário estão desfasados em relação ao trabalho efectivamente prestado pelo mandatário judicial. Mas, por outro lado, tendo em conta que o mandatário não acompanhou o processo desde o seu início, tendo intervindo apenas a partir da audiência de julgamento, julgamos ser coerente, ajustado e adequado o montante de € 10.000,00 a ser pago a título de indemnização pelo valor dos honorários que a A./recorrente pagou ao advogado constituído.” (sublinhados nossos).
Aqui chegados, acolhendo a fundamentação de direito antecedente, importa reverter a doutrina dos ditados arestos do STA para o caso dos autos.
Como resulta do teor da alínea UU) do julgamento de facto, a Autora despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal, para a anulação judicial do ato de embargo, a quantia de € 17.814,07.
Como resulta do julgamento de facto está unicamente em causa o ressarcimento das despesas relativas ao processo judicial de anulação do ato de embargo e não de qualquer outro processo judicial.
O citado processo foi instaurado pela ora Autora em coligação com os proprietários do imóvel em 22/08/2002, não sendo, por isso, a ora Recorrente a sua única autora, e foi decidido por acórdão proferido em 21/04/2005.
Considerando a natureza do processo, a sua delonga, que não chegou a três anos, assim como à circunstância de a ora Recorrente não ter sido a única autora do processo, além de tal despesa ter sido realizada e ser reportada temporalmente a factos que ocorreram há mais de treze anos, importando atender aos valores praticados à data e não atualmente, mediante o recurso a um julgamento de equidade, fixam-se tais honorários e despesas judiciais em € 6.500,00.
Em consequência, procede parcialmente o recurso subordinado interposto pela Autora contra a sentença recorrida, devendo ser considerado como dano indemnizável as despesas com o honorários dos advogados e despesas judiciais, cujo quantitativo se fixa segundo um critério de equidade, que considere as circunstâncias envoltas do caso concreto, em € 6.500,00, o qual deve ser aditado ao valor de indemnização fixado na sentença recorrida.
Pelo que, em consequência, deve o Réu, Estado português ser condenado ao pagamento à Autora de uma indemnização global no valor de € 111.954,06, acrescidos de juros legais, desde a citação até efectivo pagamento.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.

II. Verifica-se a ilicitude, se os atos jurídicos ou materiais ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).

III. Apurando-se a prática de um ato de embargo ilegal, anulado judicialmente por erro sobre os pressupostos quanto à localização do prédio em área pertencente ao domínio público, está em causa a imputação de um ato ilícito, porque violador das normas legais aplicáveis.

IV. Apurando-se que foi o ato de embargo que obrigou à paragem da realização das obras de construção e que esta paragem veio a determinar a verificação dos danos sofridos pela Autora, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu.
V. Os danos causados à Autora, promotora da realização da obra e responsável pela sua execução, são indemnizáveis.
VI. Não sendo apurados quaisquer factos imputados aos proprietários do prédio ou à Autora, que tenham contribuído para o facto ilícito, apurando-se uma deficiente atuação dos serviços imputáveis ao Réu, Estado português, verifica-se a culpa inerente à atuação ilícita, além de o Réu não ter ilidido a presunção de culpa que sobre ele incidia nos termos do n.º 1 do artigo 493.º,
VII. São indemnizáveis os danos patrimoniais sofridos pela destruição ou deterioração de parte da obra, com os custos da sua reparação, assim como os custos com a imagem da Autora.
VIII. São indemnizáveis os custos com os honorários com os advogados e despesas com as custas judiciais, cujo valor não tem de se cingir ao previsto na tabela de custas judiciais, mas também não tem de indemnizar pela totalidade da despesa imputada, se a mesma não for considerada razoável, fixando-se o respetivo valor mediante o recurso a um juízo de equidade, que atenda às especificidades do caso concreto.
IX. No respeitante ao nexo de causalidade importa saber se a concreta atuação ilícita decorrente do ato de embargo, que perdurou durante cerca de quatro anos, constitui causa direta e necessária da produção do resultado danoso ou, se pelo contrário, a prática do facto ilícito se mostrou de todo indiferente para a verificação do dano, tendo o dano sido provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto.
X. Apurando-se que os danos sofridos e objecto de indemnização ocorreram em consequência e por causa da prática do ato de embargo, anulado judicialmente, é essa atuação comissiva do Réu causa adequada dos danos sofridos.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Negar provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, por não provado e, em consequência, manter a sentença recorrida, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu, Estado português ao pagamento à Autora da quantia, a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito no valor de € 105.454,06, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento;

2. Conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora e, em consequência, condenar o Réu Estado português ao pagamento da indemnização pelos honorários dos advogados e custas judiciais no valor de € 6.500,00 e, em consequência, fixar o valor global da indemnização pelos danos sofridos pela Autora, no valor de € 111.954,06, acrescida de juros legais, a contar da citação, ocorrida em 15/05/2008, até efetivo pagamento, e absolver o Estado português do demais peticionado pela Autora.

Custas pelo Réu, Estado português e pela Autora, na proporção de 5/6 e de 1/6, respetivamente.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Helena Canelas)

(António Vasconcelos)