Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 538/08.1BELRA |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/18/2018 |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EMBARGO ILEGAL HONORÁRIOS DOS ADVOGADOS DESPESAS BANCÁRIAS |
Sumário: | I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC. II. Verifica-se a ilicitude, se os atos jurídicos ou materiais ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051). III. Apurando-se a prática de um ato de embargo ilegal, anulado judicialmente por erro sobre os pressupostos quanto à localização do prédio em área pertencente ao domínio público, está em causa a imputação de um ato ilícito, porque violador das normas legais aplicáveis. IV. Apurando-se que foi o ato de embargo que obrigou à paragem da realização das obras de construção e que esta paragem veio a determinar a verificação dos danos sofridos pela Autora, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu. V. Os danos causados à Autora, promotora da realização da obra e responsável pela sua execução, são indemnizáveis. VI. Não sendo apurados quaisquer factos imputados aos proprietários do prédio ou à Autora, que tenham contribuído para o facto ilícito, apurando-se uma deficiente atuação dos serviços imputáveis ao Réu, Estado português, verifica-se a culpa inerente à atuação ilícita, além de o Réu não ter ilidido a presunção de culpa que sobre ele incidia nos termos do n.º 1 do artigo 493.º, VII. São indemnizáveis os danos patrimoniais sofridos pela destruição ou deterioração de parte da obra, com os custos da sua reparação, assim como os custos com a imagem da Autora. VIII. São indemnizáveis os custos com os honorários com os advogados e despesas com as custas judiciais, cujo valor não tem de se cingir ao previsto na tabela de custas judiciais, mas também não tem de indemnizar pela totalidade da despesa imputada, se a mesma não for considerada razoável, fixando-se o respetivo valor mediante o recurso a um juízo de equidade, que atenda às especificidades do caso concreto. IX. No respeitante ao nexo de causalidade importa saber se a concreta atuação ilícita decorrente do ato de embargo, que perdurou durante cerca de quatro anos, constitui causa direta e necessária da produção do resultado danoso ou, se pelo contrário, a prática do facto ilícito se mostrou de todo indiferente para a verificação do dano, tendo o dano sido provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto. X. Apurando-se que os danos sofridos e objecto de indemnização ocorreram em consequência e por causa da prática do ato de embargo, anulado judicialmente, é essa atuação comissiva do Réu causa adequada dos danos sofridos. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
O Estado português, representado pelo Ministério Público, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 15/10/2014, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de facto ilícito, instaurada por B…, Lda., julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Réu, Estado português, a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia de € 105.454,06, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento. A Autora, B..., Lda., veio interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida. * Formula o aqui Recorrente, Estado português, nas respetivas alegações (cfr. fls. 572 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. A sentença recorrida deu como verificados os pressupostos de responsabilidade civil previstos nos art. s 483 e ss. do C.C., da ilicitude do facto e da culpa, assente, quanto ao primeiro dos requisitos, na circunstância de o acto ter infringido o disposto no art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5 de Novembro, cuja “violação de lei, reconhecida no aresto anulatório, obriga a encarar o acto de embargo como uma actuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil”. E, no que respeita à culpa, o seu reconhecimento resultou como efeito directo e imediato ou como presunção derivada da ilicitude ao acto de embargo, à luz da regra de que o agente do Estado ao praticar facto ilícito não o devia fazer, e, por isso, não poderá deixar de escapar a um juízo negativo de censura, ou seja, na perfilhou-se a tese de que a culpa diluiu-se na ilicitude. 2. Perante tal conclusão e ilação nada, praticamente, foi dado como provado sobre as razões e circunstâncias que envolveram e levaram ao embargo e, por outro lado, a culpa não se mostra consubstanciada ou materializada e facto ou acto concreto, algum. 3. Ao contrário do que foi decidido, o acto de embargo não impôs à A., B..., Ldª, a suspensão da obra, já que, tal como consta do Auto de Embargo, tal ordem foi dada a A…, na qualidade de procurador do proprietário do conjunto habitacional em apreço. 4. Para se dar por verificado o requisito da ilicitude, exige o art. 2º/1 do DL 48 051, de 21/11, então vigente, que a ilegalidade resida na «ofensa de direitos de terceiros» ou na violação de normas que, nos termos do pedido, tutelem o direito cuja lesão se pretende ver reparada. 5. Na ilicitude que decorre da violação de um direito de outrem está em causa a violação de direitos subjectivos, principalmente os direitos absolutos (direitos reais, direitos de personalidade, direitos familiares e a propriedade intelectual), enquanto na segunda forma de ilicitude (violação da lei que protege interesses alheios), depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) Que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal; b) Que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma; c) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar. 6. Atendendo ao «concreto escopo de protecção da norma do art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5/11», que fundamentou o acto de embargo e em que a sentença recorrida sustentou a ilicitude desse mesmo acto é claro que a A., B..., Ldª, não pertence ao seu domínio subjectivo de aplicação, não estando, assim, incluída no círculo de pessoas que a norma abstractamente visa proteger, e, em concreto, não foi ofendido nenhum interesse dela, tutelado mediante a dita lei de protecção. 7. Com efeito, tendo a A. equacionado a pretensão indemnizatória como decorrente da violação do direito de propriedade quer sobre um imóvel que sobre bens móveis, é evidente que os valores inerentes a tal direito, de cariz meramente particular, nada têm a ver com aqueles que resultam da infracção de normas que regulam o domínio público híbrido, por visarem, estes, em primeira linha, prioritária, imediata e directamente a protecção de interesses públicos relativos à defesa da zona ou faixa de protecção marítima, relacionados com a necessidade de assegurar uma adequada gestão urbanística, protecção do ambiente e da natureza e da própria segurança das pessoas, e que só reflexa e indirectamente protegem interesses privados 8. Depois, não sendo, a A., titular de qualquer licenciamento, nem de direito de propriedade, posse, gozo, fruição ou outro sobre o imóvel embargado, é também claro que nenhum direito subjectivo seu pode ter sido violado em função da dita norma legal, nem do art. 10º/1 do DL nº 92/95, de 9/5, isto é, por ser estranha ao embargo não lhe cabe direito algum inerente ao mesmo. 9. O que também significa que a sua alegada lesão de interesses não corresponde à violação do citado art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, porquanto só um titular daqueles direitos merece a tutela jurídica aí consagrada, sendo que a A. não constituiu com os Serviços da Administração do Estado qualquer tipo de vínculo ou relação jurídica que lhe permitisse exigir do Estado a construção dentro ou fora da servidão “non edificandi” aí estatuída, ié, a protecção jurídica nele tutelada. 10. O mesmo é dizer que, em relação à A., a aludida violação não sucedeu, já que efectivamente não foram infringidos quaisquer preceitos constitucionais, legais, ou regulamentares, que visem directamente tutelar direitos subjectivos ou outras posições jurídicas subjectivas dela, pelos servidores do Estado, por ser terceiro em relação ao embargo, o qual apenas seria susceptível de lesar direitos daqueles que estabeleceram relações jurídicas com a administração pública, no processo de licenciamento - os proprietários e autores das obras – donde falham os pressupostos consagrados no art. 2º-1 do DL nº 48 051, de 21/11/67, para a responsabilização do Estado, pelos imputados prejuízos. 11. Depois, não basta a violação de normas jurídicas para se verificar a ilicitude já que esta não está centrada exclusivamente no resultado danoso – ilicitude de resultado – estando sempre também na dependência do desvalor de um determinado comportamento - ilicitude de conduta. 12. A este propósito importa ter presente os antecedentes do empreendimento urbanístico em análise, nomeadamente: - teve lugar sem que a cobertura de qualquer acto de deferimento expresso de licenciamento camarário ou de qualquer decisão ou parecer favorável das entidades responsáveis pela gestão do território, no caso, pela orla marítima. - no dia anterior ao embargo foi levantado um Auto pela entidade policial marítima, por violação da servidão marítima em causa; - Auto, esse, que deu origem a um processo contra-ordenacional em que os arguidos foram condenados, por sentença confirmada judicialmente, em 1ª instância; - A ilegalidade da obra foi atestada pela informação de 29/1/2002, na sequência de um levantamento topográfico efectuado no local, em 18/4/2001, por topógrafo especialista. - Não sendo despiciendo referir que a obra foi denominada como um atentado ambiental e efusivamente contestada pela população local e difundida pela comunicação social. 13. Ainda neste âmbito, há que ter presente a tese de “O facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer às exigências do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil”. 14. Neste contexto, se é incontroverso que o princípio da legalidade impõe à Administração uma actuação em obediência à lei não é menos verdade que o poder de embargar, como medida de tutela da legalidade urbanística e do planeamento do território, pelas Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (Ex-DRARN), cuja legitimidade foi reconhecida no aludido acórdão do STA de 21/4/05, indicado no ponto T) dos Factos Provados, é um poder-dever, porquanto a actuação do órgão administrativo assenta na nulidade de um acto supostamente nulo (52º-2 do DL 445/91, de 20/11). 15. E, perante a colisão entre valores e interesses inerentes ao direito público do urbanismo, do ordenamento território, das restrições e servidões administrativas e ao direito particular da propriedade, estes, como é sabido, devem ceder perante aqueles. 16. Impunha-se, na circunstância, dar uma resposta eficaz à comunidade no sentido de se prevenir uma hipotética agressão a um valor fundamental do ambiente, natureza e do urbanismo e planeamento do território, que como agora se veio a confirmar, com a aproximação do mar ao empreendimento em causa, o tempo veio dar razão aos servidores do Estado que determinaram o embargo. 17. “Não existindo, no domínio do Decreto-Lei nº 48 051, uma presunção legal de culpa relativamente a actos jurídicos ilícitos …Em todo o caso, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa”, pelo que dada a ausência de factos dados como provados que consubstanciem a culpa, não poderá haver lugar a responsabilidade civil por facto ilícitos. 18. No que concerne ao nexo causal entre o facto e o dano, seguindo -se a regra do art.º 563º do Código Civil, que consagrou, neste domínio, a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa proposta por ENNECERUS-LEHMAN: «a condição será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, é de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 861), temos que existem outras circunstâncias que contribuíram decisivamente para aos assinalados danos, ou pelo menos concorreram para eles. 19. Uma delas, atribui-se à própria A., por ter deixado ao abandono todas as suas máquinas e equipamento no local junto ao mar, sem cuidar da sua conservação e em local adequado. 20. Quanto à desvalorização do empreendimento é também incontroverso que só a ela se pode atribuir as correspondentes consequências por ter negociado com o seu cliente, na construção de um prédio localizado junto ao mar, que corre sério e real risco de poder vir a ser consumido pelo mar, tal tem sido o processo de acelerada aproximação deste daquele prédio. 21. Depois, demorando a Acção de recurso contencioso de anulação para ser decidida cerca de 2 anos e 8 meses, não poderá deixar de ser considerado um factor concorrente para os danos dados como provados. 22. No que tange aos danos reitera-se o que antes se argumentou, em particular, que nos referentes ao material objecto de selagem apenas poderão ser contabilizados aqueles dentro do período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem, e porque a actividade profissional da A., segundo ela, só esteve parada durante cerca de 7 meses. 23. Em suma, a procedência da presente acção implica, por um lado, que o Estado=Contribuintes tenha de pagar à A. o preço de uma construção que ele negociou com um seu cliente particular, além do valor correspondente à sua desvalorização, e, por outro, que o mesmo Estado=Contribuintes, corra o sério e real risco de ter que vir a pagar o preço para fazer desaparecer o mesmo prédio ou o seu entulho. 24. Nessa medida, a Mmª Juiz recorrida ao dar como verificados os requisitos da “ilicitude” e da “culpa”, fê-lo, a nosso ver, sem que a prova dada como provada pudesse sustentar tal decisão. Depois, omitiu factos relevantes, resultantes da produção da prova, que levariam a excluir esses requisitos Isso, porque interpretou aplicou erradamente os atinentes dispositivos legais, mormente, os art.s 2º/1 do DL 48 051, de 21/11, 483º do C.C., 10º/1 do DL nº 92/95, de 9/5, art. 14º 1 do DL 445/91, de 20/11, 468/75 e 1º, 3º e 5º do DL nº 468/71, de 5/11. 25. Pelo que, deve ser revogada a sentença recorrida e proferida outra que julgue a acção improcedente e absolva o Estado do pedido.”. * A Autora, ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Réu (cfr. fls. 596 e segs.), tendo aí concluído do seguinte modo: “1.ª São diversos os erros de raciocínio que inquinam o raciocínio trilhado pelo Recorrente em ordem a afastar a verificação, no caso concreto, de um facto ilícito, importando realçar, desde logo, que se afigura absolutamente irrelevante, para efeitos da aferição da responsabilidade civil do Estado pela prática do ato de embargo que veio a ser declarado ilegal, que a Recorrida não seja a proprietária do "imóvel embargado", porquanto tal embargo incidiu sobre a obra aí implantada, da qual esta era promotora. 2.ª Por outro lado, sempre haveria que ponderar que a Recorrida, na qualidade de promitentepermutante do imóvel em causa, teria, pelo menos, a expectativa de aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo, expectativa esta juridicamente tutelável pelo escopo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que só se poderia vir a concretizar se fosse levada a cabo a construção pretendida, o que não poderia ocorrer por força do embargo. 3.ª Equivoca-se, ainda, o Recorrente ao defender que nenhum ato praticado em ostensiva ofensa das normas de enquadramento urbanístico ou de proteção do ambiente ou dos recursos naturais será suscetível lesar os direitos dos particulares ou, pelo menos, de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil por força dos prejuízos causados com a ilegalidade da sua atuação. 4.ª Este entendimento afigura-se ostensivamente contrário aos princípios constitucionais que enformam a responsabilidade das entidades públicas e aos restantes direitos fundamentais que protegem os particulares, designadamente, no caso concreto, o direito à propriedade dos equipamentos e o direito à iniciativa económica privada. 5.ª É que a emissão de um ato de embargo em erro sobre os pressupostos de Direito que presidiram à sua emissão, com fundamento na aplicação de uma norma legal que não tinha a mínima aplicabilidade ao caso concreto, por se destinar a impedir a construção dentro dos limites do domínio público hídrico marítimo, quando não era o caso, viola necessariamente os direitos subjetivos do particular. 6.ª Com efeito, se a norma em causa, por via do seu âmbito positivo, estabelece que determinada zona se enquadra no domínio público hídrico marítimo, estabelece igualmente, por via de uma delimitação negativa, que as zonas excluídas de tal limite se situam fora da zona dominial, nelas se permitindo, nos termos gerais, a sua construção, protegendo assim, diretamente, os particulares contra a sua incidência fora da zona que aí se encontra expressamente delimitada. 7.ª Pelo que se afigura inquestionável que a atuação da Administração, no caso concreto, reveste-se da ilicitude que o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 exige para a verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de atos ilícitos, não merecendo qualquer censura a douta sentença recorrida que alcançou esta conclusão. 8.ª Não assiste razão ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público quando tenta excluir o elemento da culpa da atuação prosseguida pela Administração, afigurando-se que a culpa do funcionário não se dirige necessariamente a um comportamento doloso ou de culpa grave, podendo também consubstanciar-se numa culpa leve ou até numa atuação negligente. 9.ª O conceito de "homem médio", previsto no artigo 487.º do Código Civil, para o qual remete o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, deverá ter-se, segundo a jurisprudência dominante, como o do "funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres", que, portanto, não poderia deixar de ter um especial cuidado na apreciação da situação em presença, munindo-se de todos os elementos tendentes a sustentar a sua atuação e a afastar as suspeitas de ilicitude que impendiam sobre o embargo executado. 10.ª Ainda para mais quando se encontra provado nos presentes autos que a Recorrida alertou a Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território para a ilegalidade da sua atuação, designadamente para a violação da suspensão automática de eficácia do ato de embargo que, nessa altura, vigorava, o que sempre deveria ter alertado a Administração para a ilicitude da conduta prosseguida. 11.ª Não é possível justificar a conduta da Administração com o argumento de que o procedimento de licenciamento não foi precedido de qualquer parecer da entidade responsável pela orla marítima, uma vez que tal ocorreu, simplesmente, porque a obra em causa se situava fora do domínio protegido pelo Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, não prevendo a lei a necessidade de obter tal validação. 12.ª Note-se que é o próprio Supremo Tribunal Administrativo que vem admitir, no âmbito do apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a diluição na ilicitude do elemento culpa, por via da prática do ato ilegal, pelo que, no caso concreto, este pressuposto sempre estaria preenchido, nos termos em que o reconheceu a douta sentença recorrida. 13.ª Não merece, ademais, qualquer censura a sentença recorrida ao ter considerado verificada a existência de um nexo causal entre o facto ilícito e o dano provocado por tal atuação, porquanto, ao contrário do que invoca o Recorrente, existe uma causalidade direta e adequada entre o facto ilícito e os danos indicados pela Recorrida. 14.ª Afigura-se irrelevante, também neste conspecto, o facto de a Recorrida não ser titular do direito de propriedade do terreno em que se encontrava implantada a obra, já que esta se encontrava investida na qualidade de promotora da operação urbanística em causa e eram seus os bens e equipamentos aí presentes. 15.ª Não se pode, igualmente, invocar que a Recorrida votou os seus bens ao abandono, importando alertar para a forma com que todo o procedimento tendente ao embargo e à selagem da obra ocorreu, em absoluta violação de todos os direitos em presença e para a complexidade e os custos associados à desmontagem de um estaleiro de tal dimensão. 16.ª Atendendo ainda ao grau de hostilidade dos executores do embargo para com a Recorrida, qualquer tentativa de movimentação de equipamentos do local poderia ser confundida com uma iniciativa no sentido de prosseguir com a obra em causa e encarado como desobediência a uma ordem administrativa. 17.ª Não merece, por fim, qualquer censura, para além daquela que oportunamente se formulará no âmbito do recurso subordinado, a sentença recorrida, em relação aos danos cuja produção se considerou provada. 18.ª Afigura-se absolutamente irrelevante a contradição denunciada entre os pontos Q) e W) da matéria de facto provada, uma vez que esta matéria não foi impugnada pelo Recorrente e os factos constantes no ponto W) resultaram da livre apreciação pelo juiz da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, por parte de testemunhas que não apresentam qualquer interesse na presente demanda. 19.ª Não assiste também razão ao Recorrente quando refere que os prejuízos ocorridos apenas poderiam ter sido contabilizados entre os dias 4 e 21 de Julho, período durante o qual perdurou a selagem, porquanto, como já acima foi cabalmente demonstrado, os efeitos do ato ilegal de embargo na esfera jurídica da Autora prolongaram-se por um período de tempo muito superior ao que vem invocado pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público. 20.ª Por fim, cumpre referir que, no que toca ao empréstimo bancário no valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a verdade é que tal montante se destinou a suprir os prejuízos e os danos causados à Recorrida pelo ato de embargo ilegal, designadamente os encargos incorridos com a remuneração dos trabalhadores, com o pagamento aos fornecedores, com a manutenção do seu armazém e com os encargos assumidos com os advogados.”. Pede que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida. * A Autora, ora Recorrente veio interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões: “1.ª Afigurando-se por demais evidente, como foi reconhecido no âmbito da sentença recorrida, a efetivação da responsabilidade extracontratual do Estado pelos danos causados na esfera jurídica da Recorrida, não pode também deixar de ser reconhecido, que a prova dos prejuízos incorridos pela Recorrida é de difícil produção, já que, na sua maioria, estes se prendem com custos de financiamento, nomeadamente durante o tempo em que o embargo se manteve, mas também os custos decorrentes do relançamento da sua atividade que, naturalmente, foi dificultado pelos constrangimentos sofridos no âmbito da obra embargada. 2.ª Os efeitos do ato ilegal de embargo na esfera jurídica da Autora prolongaram-se por um período de tempo muito superior àquele que durou o embargo, ao contrário do que ressalta das conclusões alcançadas no âmbito da douta sentença recorrida, o que não poderá deixar de ser considerado para os efeitos previstos na presente ação. 3.ª Para além da afetação dos materiais e equipamentos ao local da obra durante todo o período em que vigorou o embargo - e não apenas durante o período da selagem - a Recorrente sofreu, posteriormente, por outro lado, fortes constrangimentos ao reinício da sua atividade em outras frentes, não só pela ausência de meios financeiros para o efeito, como também por força da devastação da sua reputação no mercado, ao nível comercial e financeiro. 4.ª Os empréstimos contraídos no valor total de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) o destinaram-se, numa primeira linha, a suprir os prejuízos e os danos causados à Recorrente pelo ato de embargo ilegal, designadamente os encargos incorridos com a remuneração dos trabalhadores, com o pagamento aos fornecedores, com a manutenção do seu armazém e com os encargos assumidos com os advogados. 5.ª Sendo certo que, numa segunda linha, o montante em causa se destinou a suportar as consequências da perda de clientes em consequência da comprovada devastação da sua reputação, que o privou de fundos próprios para o cumprimento das suas obrigações e para o relançamento da sua atividade. 6.ª Pelo que não pode deixar de se considerar que errou a sentença recorrida ao considerar que apenas as prestações amortizadas durante o período do empréstimo deveriam ser contabilizadas para efeitos de indemnização, afigurando-se claro que o caso em presença não exige menos que a formulação de um juízo de equidade, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, que permita a correção das injustiças, procurando para o problema aqui colocado uma solução baseada na justiça do caso concreto, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. 7.ª Assim sendo, deverá a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e, para além do montante já atribuído de € 105.454,06 (cento e cinco euros quatrocentos e cinquenta e quatro euros e seis cêntimos), atribuir ainda à Recorrente uma indemnização no montante de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a título de compensação pelos empréstimos contraídos para fazer face aos danos incorridos com a atuação ilícita da Administração. 8.ª Errou ainda a sentença recorrida ao considerar que as despesas incorridas pela Recorrente com o pagamento de honorários de advogados e com as custas de tribunal não seriam ressarcíveis no âmbito da presente ação, ao contrário do que entende a abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. 9.ª Vem-se entendendo que, quando sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas, o que é o caso, não se vislumbra razão para que as despesas de justiça, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, não sejam ressarcidas na íntegra, como os demais danos causados por essa atuação. 10.ª É que o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. 11.ª E estando as autoridades administrativas isentas de custas, a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objeto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da atuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização. 12.ª Pelo que, deverá a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e, para além do montante já atribuído de € 105.454,06 (cento e cinco euros quatrocentos e cinquenta e quatro euros e seis cêntimos), atribuir ainda à Recorrente uma indemnização no montante de € 17.814,07 (dezassete mil oitocentos e catorze euros e sete cêntimos), a título de compensação pelos encargos incorridos com despesas de advogados e de custas de tribunal, como resulta do facto provado na alínea UU) da factualidade assente em tal aresto. 13.ª Devendo, assim, em conclusão, o montante total a ser atribuído à ora Recorrente, cifrar-se em montante não inferior a € 473.268,13 (quatrocentos e setenta e três euros duzentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos).”. Pede a procedência do recurso subordinado, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, que julgue procedente o pedido, fixando o montante da indemnização em montante não inferior a € 473.268,13. * O Réu, Estado português, ora Recorrido, contra-alegou o recurso subordinado interposto pela Autora, em que concluiu do seguinte modo: “1. No que toca ao empréstimo de € 350 000,00, que a recorrente diz ter contraído para a custear despesas durante o período do embargo e o relançamento da sua actividade, nem da matéria de facto dada como provada nem da motivação dessa matéria, nada disso resulta, mas, tão só, que o mesmo quantitativo se destinou, a resolver problemas de tesouraria e a satisfazer compromissos com fornecedores. 2. Depois, dando a sentença como provados, nos pontos Z) a QQ) “dos Factos Provados”, todos os prejuízos provocados com a obra embargada e equipamento aí existente, atribuindo, àqueles que foram causa adequada do embargo, a indemnização no montante de € 105 454,06, a reportar-se o empréstimo aos mesmos prejuízos, como pretende a recorrente, equivaleria a ver-se, ela, ressarcida em dobro por despesas que foram comtempladas naquela indemnização, por outras arredadas pela sentença, como por exemplo a inutilização do equipamento, e de outras dadas como não provados. 3. Para além da pretensão da recorrente não ter a mínima cobertura na matéria dada como provada, há a realçar que todos os alegados gastos com o dinheiro do empréstimo, mormente em salários e despesas de armazenamento seriam perfeitamente discrimináveis e quantificáveis, por aplicação da “teoria da diferença” (art. 566º/2 do Cod. Civil), sem necessidade, por isso, recurso da reclamada norma subsidiária de repartição “por equidade” [(art.s 4º/a) e 566º/3 do Cod. Civil)], como não havia razão válida para que os mesmos gastos não pudessem ser comprovados, igualmente, através de suporte documental, à semelhança, de resto, como o fez em relação a múltiplas e discriminadas despesas, independentemente do seu valor, com a junção das respectivas facturas, (cfr. pontos Z a QQ dos Factos Provados). 4. Importa aqui salientar que, como se decidiu, “o embargo da obra apenas impedia a Autora de prosseguir com a execução dos trabalhos da mesma, mas não a impedia de requerer a autorização para retirar o equipamento que ali se encontrava, de molde a evitar a deterioração”, e que os pretensos prejuízos ocorridos com o acto de selagem apenas poderiam ser contabilizados dentro do período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem. (cfr. pontos Q e R dos Factos Provados). 5. Donde, tendo visto a sentença a negar-lhe o pedido indemnizatório pela deterioração de diverso material que ficou abandonado a céu aberto no local da obra embargada, vem agora, infundadamente, reclamar uma indemnização pelos custos de armazenamento do mesmo material, em local que não indica. 6. No que concerne aos reclamados encargos com honorários e custas judiciais, nas facturas constantes no doc. 25, junto à p.i [Ponto UU) dos Factos Provados], datadas de 28/3/2002, 23/8/2002, 19/11/2002, 10/7/2003, 21/7/2003, 26/1/2004 e de 26/5/2004, apenas constam as expressões, numas, “provisão para honorários”, noutras, “reforço de provisão para honorários” e, noutras, “despesas conforme anexo junto”, sem que constem os ditos “anexos” na presente acção, desconhecendo-se, por isso, o tipo de despesas. 7. Ou seja, dessas facturas não se extrai a necessária correspondência quanto à concreta aplicação dos indicados valores, sendo que “o pedido de condenação em honorários de advogado exige a invocação de factos concretos, designadamente, o tipo de intervenção desenvolvida e o quantitativo dispendido com os reclamados honorários, bem como a demonstração do nexo causal entre as despesas e o alegado responsável.” 8. Não obstante, a Mmª Juiz recorrida, seguiu a corrente jurisprudencial e doutrinal que preconiza que tais encargos apenas podem ser devidos no contexto da procuradoria judicial ou do atual regime das custas de parte, o que, também, se advoga. 9. Ou, então, “Os honorários de mandatário forense não podem qualificar-se como um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente do facto ilícito praticado pelo lesante, não podendo enquadrar- se no âmbito da obrigação de indemnizar a cargo deste.” 10. Como ainda: “O valor do dano requerido a título de honorários deve ater-se ao montante que o legislador fixou como o justo e adequado ao pagamento do patrono nomeado ou escolhido, isto é, aos valores que forem os fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário. IV - Apenas até estes montantes há obrigação de indemnização do lesante a título de honorários.” 11. Mas, mesmo seguindo-se a orientação oposta, no sentido de que as despesas resultantes de honorários de mandatários judiciais e custas judiciais são susceptíveis de pedido autónomo de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual dirigido contra o Estado, então deveria ter sido alegado e feita a prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, por facto ilícito, subjacente a tais despesas, ou seja, que as mesmas tiveram origem em conduta ilícita ou em ato/omissão ilegal, e da sentença isso, de todo, não resulta. 12. Daí que nenhuma censura merece, a nosso ver, a sentença, na parte sob recurso pela recorrente, já que aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, devendo a mesma, aí, ser mantida.”. * O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios, em relação a cada um dos recursos interpostos.
A. Recurso interposto pelo Réu, Estado português: Erro de julgamento quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, em violação dos artigos 2.º n.º 1 do D.L. n.º 48051, de 21/11, do artigo 483.º do CC, do artigo 10.º n.º 1 do D.L. n.º 92/95, de 09/05, do artigo 14.º n.º 1 do D.L. n.º 445/91, de 20/11 e dos artigos 1.º, 3.º e 5.º do D.L. n.º 468/71, de 05/11.
B. Recurso subordinado interposto pela Autora: Erro de julgamento quanto ao pressuposto do dano.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: (“texto integral no original; imagem”) - cfr. doc. nº 9, junto com a p.i.. M) A 5 de Abril de 2001, a Autora requereu a suspensão de eficácia do auto de embargo perante o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a qual veio a ser rejeitada por sentença proferida em 23/05/2001 por o acto impugnado “não emanar do dirigente máximo do serviço – Ministro do Ambiente, não é passível de recurso contencioso de anulação. Daqui resulta que a suspensão de eficácia não pode proceder por falta do requisito constante da al. C) do nº 1 do artº 76º da LPTA – fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso do acto, cuja suspensão aqui se aprecia, pois que esta só procede quando se verificarem, simultaneamente os requisitos estabelecidos no referido artº 76º nº 1 da LPTA” – cfr. doc. nº 10, junto com a p.i. e doc. nº 14, junto com o requerimento probatório do R.. N) Dessa sentença recorreu a Autora para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de 18/10/2001 negou provimento ao recurso sustentando que o acto recorrido não é verticalmente definitivo, sendo por isso irrecorrível nos termos do artº 25º da LPTA – cfr. doc. nº 15, junto com o requerimento probatório do R.. O) A 6 de Abril de 2001, a Autora apresentou junto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território recurso hierárquico do acto de embargo, assente nos vícios de violação de lei por violação de caso julgado material, incompetência, falta de base legal para o embargo da obra em causa e falta de fundamentação – cfr. doc. nº 11, junto com a p.i.. P) A 3 de Maio de 2001, a Autora apresentou Recurso Contencioso de Anulação do acto de embargo junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que veio a ser julgado improcedente com fundamento na falta de definitividade do acto impugnado – cfr. doc. nº 12, junto com a p.i./acordo. Q) A 4 de Julho de 2001, a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo procedeu à selagem da obra em curso, constando do respectivo auto de selagem o seguinte: (“texto integral no original; imagem”) - cfr. doc. nº 13, junto com a p.i.. R) Por despacho de 27/07/2001 da Directora Regional da Direcção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, exarado na informação nº 233/GJ/01, foi revogado o despacho de 04/07/2001 que determinou a selagem e ordenado o levantamento dos selos no dia 30/07/2001 - cfr. doc. nº 8 e 9, junto com o requerimento probatório do R., cujo teor se dá aqui por reproduzido. S) A 22 de Agosto de 2002, A..., A..., M... e a ora Autora B..., Lda. apresentaram no Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito, imputável ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, do recurso hierárquico interposto do acto de embargo da obra, imputando ao acto recorrido vícios de violação de caso julgado material, de incompetência, de falta de norma legal que preveja o poder administrativo de embargar a obra, violação do disposto no artº 3º, nº 2 e 6 do Decreto-Lei nº 468/71, de 05/11 e falta de fundamentação - cfr. doc. nº 14, junto com a p.i.. T) Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 21 de Abril de 2005, foi anulado o acto de embargo em causa, com a seguinte fundamentação: 1. Começam os recorrentes por alegar a nulidade do impugnado acto de indeferimento tácito, por ofensa de caso julgado, nos termos do art. 133°, n° 2, alínea h), do CPA. Reportam-se os recorrentes à sentença do TAC de Coimbra que intimou o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça a emitir o alvará de licença de construção dessa obra, pretendendo que aí se formou caso julgado material quanto à conformidade do licenciamento com as normas jurídicas em vigor. É manifesto que lhes não assiste razão, pois que essa decisão judicial, proferida em processo de intimação a que são de todo alheios o Ministro do Ambiente e a DRAOT, não é oponível à entidade recorrida, atenta a delimitação da eficácia subjectiva do caso julgado (arts. 498° e 671°, n° 1 do CPCivil, aplicáveis nos termos do art. Io da LPTA). Com efeito, como bem refere o Exmo magistrado do Ministério Público, não tendo a autoridade recorrida sido chamada a intervir naquele processo (sendo certo que era terceiro juridicamente interessado, dada a competência da Administração Central no licenciamento e fiscalização de construções levadas a cabo em zona classificada como "domínio público marítimo"), a decisão ali proferida não é para ela vinculativa, pelo que o impugnado indeferimento tácito não padece da apontada ilegalidade. Improcedem as conclusões 1 e 2 da alegação. 2. Alegam seguidamente os recorrentes a nulidade do acto recorrido, por incompetência absoluta (falta de atribuições) da DRAOT para ordenar o referido embargo, referindo que não está consagrada no Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Hídrico qualquer competência das DRAOT em tal matéria, pelo que a única entidade competente para o referido embargo seria o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça. Vejamos. O DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro (Estabelece o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico) dispõe que "a utilização privativa do domínio hídrico ... é titulada por licença ou por contrato de concessão", e que "a licença é atribuída pela respectiva direcção regional do ambiente e recursos naturais (DRARN)" (art. 1º, nºs 1 e 2). Na sua Secção VII (Construções), dispõe o art. 55°, n° 3 que "o licenciamento de construções em terrenos do domínio hídrico depende da obtenção de licença, que pode ser outorgada pelo prazo máximo de 10 anos, nos termos do artigo 6°…” E na parte final do diploma (Fiscalização), refere-se que as funções de fiscalização "competem ao INAG, às DRARN, às autoridades marítimas e às autarquias locais" (art. 85º). Das disposições legais transcritas resulta, sem sombra de dúvida, e contrariamente ao alegado, que está legalmente consagrada a competência das Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (ex-DRARN), quer para a atribuição da licença necessária à utilização privativa de terrenos do domínio público marítimo, quer para a respectiva fiscalização. Improcedem, assim, as conclusões 3 a 5 da alegação. 3. Alegam ainda os recorrentes que, de qualquer modo, não se trata, in casu, de terreno inserido no domínio público marítimo, tal como este é definido nos diplomas legais aplicáveis, pelo que o acto recorrido padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (errada qualificação do terreno em que está a ser executada a obra embargada), violando o disposto no art. 3 º, n°s 2 e 6 do DL n° 468/71, de 5 de Novembro, bem como o princípio da legalidade consagrado nos arts. 266°, n° 1 da CRP e 3o, n° 1 do CPA. E, nesta perspectiva, cremos que lhes assiste inteira razão. Importa, desde já, referir que o acto de embargo aqui em causa tem como único fundamento o de a obra embargada estar a ser executada em "área classificada como Domínio Público Marítimo", e sem licença da DRAOT-LVT, "em violação do DL n° 468/71, de 5 de Novembro, e DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro" (cfr. auto de embargo de fls. 24, ponto 6 da matéria de facto). O que vale por dizer que a legalidade do acto de embargo apenas terá que ser aferida por referência a esse fundamento legal. O DL n° 468/71, de 5 de Novembro (Revê, actualiza e unifica o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, no qual se incluem os leitos e as margens das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas) dispõe: Art. 1º: Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitas ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais. Art. 3º: 1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas. 2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m. (...) 5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza. 6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil." Art. 5º: 1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar..." Resulta dos normativos transcritos que a margem das águas do mar, integrante do domínio público marítimo ("faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas"), tem a largura de 50 metros, e que essa largura se conta a partir da linha limite do leito ou, se esta atingir arribas alcantiladas, a partir da crista do alcantil. Ora, dos documentos constantes dos autos (e não foram apresentados quaisquer outros que, de algum modo, os infirmassem), resulta que o local de implantação da obra se situa fora do limite do domínio público marítimo, tal como ele é definido nos apontados preceitos legais. Vê-se dos referidos documentos (fotografias, levantamento topográfico de fls. 96, e carta marítima do Instituto Hidrográfico de fls. 98) que a arriba existente não é alcantilada ("elevação íngreme de terreno áspero ou rocha abrupta talhada a pique - falésia" 1), mas sim em elevação progressiva, permitindo a acessibilidade à praia por caminhos rasgados na arriba. E, sendo assim, a margem de 50 metros delimitadora do domínio hídrico há-de contar-se "a partir da linha limite do leito" (que é a linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais), nos termos da 1ª parte do n° 6 do citado art. 3º, ficando o limite dessa margem sensivelmente a meio da arriba, ou seja, a mais de 40 metros da vedação da obra embargada. Aliás, e ainda que a arriba fosse alcantilada, sempre a referida obra estaria fora do domínio público marítimo, como referem os recorrentes, uma vez que, como se alcança dos aludidos documentos, a linha limite do leito, ou seja, a linha da máxima preia-mar, não atinge a base do talude da arriba (condição necessária para que os 50 metros se contassem da crista do alcantil, nos termos da 2 ª parte do referido preceito), havendo de permeio alguma extensão de praia ou areal. O que nos leva forçosamente à conclusão de que, em qualquer das situações referidas, a linha dos 50 metros delimitadora do domínio público marítimo sempre terá de ser contada a partir do areal, ficando claramente aquém da vedação da obra embargada. Esta obra não está, pois, incluída em área do domínio público marítimo, pelo que o acto silente recorrido (indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do acto de embargo) incorre em violação de lei por erro nos pressupostos de facto, violando os preceitos legais referidos pelos recorrentes.” – cfr. doc. nº 15, junto com a p.i.. U) O referido acórdão transitou em julgado em 9 de Maio de 2005 – cfr. doc. nº 16, junto com a p.i.. V) A referida obra localiza-se junto ao mar – acordo/fotografias juntas na audiência final. W) A obra foi selada conjuntamente com todo o material que a ela se encontrava afecto, nomeadamente: - 2 Betoneiras; - Uma Grua 315 Noé-Potain, sem translação, com 30 metros de alcance, incluindo um balde de abertura lateral 400 litros; - Uma Grua Soima City; - Material para execução de muros e placas; - Pilares e chapas zincadas para vedação; - Cabos eléctricos e ferramentas diversas – cfr. doc. nº 13, junto com a p.i., doc. nº 8, junto com o requerimento probatório do R. e depoimento das testemunhas A… e L…. X) A exposição prolongada à acção dos ventos de predominância Sudoeste e Noroeste, carregados de humidade salina, provocou a deterioração do material e maquinaria referida em W) – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento das testemunhas A…., L… e A…. Y) A grua 315 Noé-Potain ficou totalmente inutilizada devido à corrosão - cfr. Doc. n.º 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento da testemunha A…. Z) A grua 315 Noé-Potain foi adquirida pela A. pelo montante de € 28.596,08 - cfr. Doc. n.º 18, junto com a p.i.. AA) A grua Soima City foi objecto de reparações no montante de € 7.673,17 - cfr. Doc. n.º 19, junto com a p.i.. BB) As betoneiras ficaram totalmente inutilizadas – cfr. depoimento da testemunha A…. CC) A vedação que delimitava a propriedade, constituída por uma rede metálica (malha sol), ficou totalmente corroída – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i.. DD) O material aplicado para execução de muros e placas que em virtude do auto de selagem não chegaram a ser betonados foram objecto de furto durante o período de suspensão dos trabalhos – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento da testemunha A…. EE) No que respeita à estrutura de betão armado do edifício, todas as superfícies horizontais de betão, em que afloravam armaduras para betonagem em fase de sequência, nomeadamente na rampa das caves (corpo A e B), bem como nos pilares de varandas Norte, encontravam-se em total corrosão, mais evidente no contacto com o betão – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A…. FF) Esta corrosão teve reflexo até cerca de 8 a 10 cm abaixo desse plano de afloramento, o que produziu rebentamento do betão até essa cota, face ao aumento do volume das armaduras devido à corrosão – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A…. GG) Para reposição da situação descrita em EE) e FF) foi necessário efectuar: a) Demolição dos elementos referidos, até 15 cm abaixo da cota de afloramento, e corte dessas armaduras, verificando-se que estas, a esse nível se encontravam sem corrosão. b) Execução de furacões com 20 mm de diâmetro e 40 cm de profundidade, junto a cada armadura cortada, para aplicar empalem de novas armaduras, com resina poliéster. c) Retirada de todas as armaduras suspensas no corpo A, para colocação de novas. Na ligação do 5º volume a betonar, com o 4º volume, como já existia parte de viga betonada, referente ao apoio do 4º volume, foi necessário cortar a parte superior dos estribos que afloravam essa viga, efectuar 8 cm de demolição abaixo dessa cota e aplicar novos estribos com diâmetro de 12 mm – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L… e A…. HH) A existência de tacos de madeira nos topos das caixas pré fabricadas, para fixação das chumaceiras dos enroladores, constituíram um meio de absorção da humidade salina, que se transmitiu à armadura próxima, aplicada em pré-fabricação, produzindo a sua corrosão e rebentamento do elemento de topo – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... II) Tendo sido necessário proceder à substituição total das caixas de estore – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... JJ) A exposição continuada das paredes das fachadas, principalmente as viradas a Poente, ao serem fustigadas pelos ventos dominantes quer pelo exterior como pelo interior, apresentavam nítidas eflorescência salinas – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... KK) A possibilidade de pelo menos as paredes Poente se encontrarem totalmente contaminadas, aconselhou a sua demolição total interior e exterior, passando a executar nova, sob pena de a curto prazo os rebocos virem a ser afectados por esse efeito, não se conhecendo solução perfeitamente eficaz para anulação posterior desse inconveniente – cfr. doc. nº 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... LL) Os trabalhos de demolição e reposição atrás discriminados implicaram cerca de três meses de trabalho que decorreram durante o período de Abril de 2006 a Junho/Julho de 2006 – cfr. depoimento das testemunhas L...e A.... MM) Para o efeito, foi necessário proceder ao aluguer de um compressor, um gerador, uma máquina rectro e uma grua Potain 315 Torre – cfr. doc. nº 20 e depoimento das testemunhas L...e A.... NN) O que implicou um custo de € 5.765,65 – cfr. doc. nº 20, junto com a p.i.. OO) Durante o período referido em LL) foi ainda necessário contratar serviços de bombagem, o que implicou um custo de € 17.406,50 - cfr. Doc. n.º 21, junto com a p.i.. PP) Foi necessário proceder à substituição do material corroído e inutilizado, o que implicou um custo de € 43.031,91 - cfr. Doc. n.º 22, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... QQ) E foram executados novos trabalhos de cofragem, para substituição das cofragens danificadas, o que implicou um custo de € 39.250,00 - cfr. Doc. n.º 23, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e A.... RR) Em Março e Abril de 2002, a Autora contraiu empréstimos no montante global de € 350.000,00 - cfr. Doc. n.º 24, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas L...e L.... SS) A reputação da Autora no mercado ficou afectada, quer ao nível comercial quer financeiro – cfr. depoimento das testemunhas L…, J… e L.... TT) Os fornecedores deixaram de assegurar o fornecimento de material com receio de que a Autora não pudesse garantir o respectivo pagamento – cfr. depoimento da testemunha L…. UU) A Autora, tendo em vista a obtenção da anulação judicial do acto de embargo, despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal a quantia de € 17.814,07 - cfr. Doc. n.º 25, junto com a p.i.. VV) A Autora alertou a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo para a ilegalidade da sua actuação – cfr. doc. nº 26, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido. • II.2. FACTOS NÃO PROVADOS1. Que o volume da obra projectada implicava três anos de trabalho garantido – artº 58º, da p.i. 2. Que aquando do início da obra, a Autora tinha 30 inscrições para a venda de um total de 24 fracções – artº 65º, da p.i. 3. Que a Autora tem apenas garantida a venda de cerca de 40% da totalidade das fracções do edifício em causa – artº 67º, da p.i. 4. Que a inutilização das betoneiras implicou um custo de € 7.531,84 – artº 35º, da p.i. 5. Que a corrosão da vedação que delimitava a propriedade e do material aplicado para execução de muros e placas implicaram um custo de € 29.908,74 – cfr. artº 39º, da p.i. • II.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTOAlicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência final, bem como do teor dos documentos juntos aos autos e da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, como vem referido em cada uma das alíneas do probatório. Quanto à matéria das al. A), B), C), D), E), F), G), H), L), M), N), O), P), Q), R), S), T) e U) o Tribunal valorou o teor dos respectivos documentos, que não foram impugnados. A matéria das al. I) e J) não foi impugnada pelo R., pelo que se tem admitida por acordo. Quanto à matéria da al. K) o Tribunal valorou o depoimento da s testemunhas A… e J…., arroladas pela Autora, que confirmaram o que aí vem referido. Pela testemunha A… foi dito que a Autora canalizou todo o seu esforço naquela obra. Também a testemunha J… disse que a Autora não tinha capacidade para mais trabalhos. A matéria da al. V) não foi impugnada pelo R., sendo que tal comprovação também resulta das fotografias juntas na audiência final. Quanto à matéria da al. W) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 13, junto com a p.i., do doc. nº 8, junto com o requerimento probatório do R. e o depoimento das testemunhas A… e L…. Quanto ao número e modelo das betoneiras afectas à obra, apenas se apurou, tal como consta do auto de selagem, que em obra estavam 2 betoneiras. Resulta do auto de selagem que a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo procedeu à selagem “do estaleiro da obra e do seguinte equipamento: três quadros eléctricos em bom estado de conservação, duas betoneiras com duas rodas em razoável estado de conservação, três contentores metálicos em bom estado de conservação e os três acessos à obra.”. Pela testemunha A...foi dito que se tratava de uma obra de grande envergadura, preparada para avançar. Não esteve presente quando foi o embargo, mas viu o local selado. Mais disse que ali se encontravam duas gruas – uma maior e outra mais pequena -, betoneiras e vibradores. Também a testemunha L…, Director Técnico da empresa, que acompanhou a execução da obra, nomeadamente no âmbito da realização dos trabalhos de betonagem e cofragem, disse ter estado presente no dia da selagem, estando a preparar-se o trabalho das armaduras para cofragem, não tendo sido possível retirar quaisquer equipamentos ou materiais. Mais fez referência à existência de uma grua [o que se mostra também consentâneo com o teor do relatório por si elaborado, junto como doc. nº 17, em que se faz referência a uma grua com 30m de lança e 17m de altura] e da impossibilidade de se proceder de imediato à sua desmontagem. Por outro lado, conforme consta da informação nº 233/GJ/01 [onde foi exarado o despacho de 27/07/2001 da Directora Regional da Direcção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, que revogou o despacho de 04/07/2001 que determinou a selagem e ordenou o levantamento dos selos], junta como doc. nº 8, com o requerimento probatório do R., “Em virtude da interposição do recurso da decisão que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do embargo, a decisão de embargo encontrava -se provisoriamente suspensa. Ora, assim sendo, não estavam os particulares a violar a referida decisão ao prosseguir com a obra. (…) Sucede que só a 4/7/2001 é proferido despacho neste sentido, o qual é aposto na informação 96/POO. Assim, estando a decisão de embargo suspensa até 4/7/01, não estavam reunidos os requisitos legais para uma decisão de selagem, visto esta pressupor a violação da decisão de embargo, violação que só pod eria ocorrer após 4/7/01.” Da conjugação dos referidos elementos de prova formou o Tribunal a convicção da demonstração da factualidade ali referida, pois que quando a obra foi selada, a Autora estava a executar trabalhos em virtude da decisão de embargo se encontrar “provisoriamente suspensa”, pelo que, nela tinham necessariamente de se encontrar os meios materiais e equipamentos necessários à sua execução [como gruas e betoneiras e os materiais necessários à preparação de armaduras e cofragens]. Quanto à matéria da al. X) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i., e as fotografias juntas na audiência final [que permitem observar o estado de corrosão de equipamentos e materiais], e o depoimento das testemunhas L...e A..., que também confirmaram o que aí vem referido. Quanto à matéria da al. Y) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i., e as fotografias juntas na audiência final [que permitem observar o estado de corrosão da grua], e o depoimento da testemunha A…, industrial do ramo automóvel, e que dava assistência às viaturas da Autora. Por aquele foi dito que a grua ficou destruída, tratando-se de equipamento que exige manutenção regular. Quanto à matéria da al. Z) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 18, junto com a p.i., não impugnado pelo R.. Quanto à matéria da al. AA) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 19, junto com a p.i., não impugnado pelo R.. Quanto à matéria da al. BB) o Tribunal valorou o depoimento da testemunha A...que confirmou o que aí vem referido, justificando que “o ar do mar derrete tudo”. Quanto à matéria da al. CC) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i.. Quanto à matéria da al. DD) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i. e o depoimento da testemunha A... que fez referência ao roubo de material da obra. Quanto à matéria das al. EE), FF), GG), HH), II), JJ) e KK) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 17, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A.... A testemunha L...foi o autor do relatório técnico pericial junto como doc. nº 17, com a p.i., tendo confirmado o seu teor e explicitado ao Tribunal as consequências verificadas em obra no período da suspensão dos trabalhos, designadamente ao nível das estruturas de betão e armaduras, bem como os trabalhos de reposição necessários para a posterior prossecução da obra. Igualmente a testemunha A..., agente técnico de engenharia, que teve intervenção na obra depois do embargo, disse que o constante do relatório técnico pericial se mostrava correcto, tendo feito uma descrição pormenorizada do estado da obra depois do embargo e os trabalhos de reposição a realizar com vista a garantir a qualidade da obra. Cumpre referir, quanto à valoração do teor do relatório técnico pericial junto como doc. nº 17, com a p.i. que, não obstante o mesmo datar de 10/03/2006, no cotejo com o que foi referido pelas testemunhas L...e A..., ficou o Tribunal convencido que as ocorrências verificadas em obra [relatadas no relatório e confirmadas pelas testemunhas] respeitam ao período de suspensão dos trabalhos por força do embargo. Quanto à matéria da al. LL) o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas L...e A... que confirmaram o que aí vem referido. Quanto à matéria da al. MM) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 20, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A... que confirmaram o que aí vem referido. Quanto à matéria das al. NN) e OO), o Tribunal valorou o teor dos doc. nº 20 e 21, juntos com a p.i.. Quanto à matéria das al. PP) e QQ), o Tribunal valorou o teor do doc. nº 22, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e A..., remetendo-se para a fundamentação já expendida no âmbito das al. EE), FF), GG), HH), II), JJ) e KK). Quanto à matéria da al. RR) o Tribunal valorou o teor do doc. n.º 24, junto com a p.i. e o depoimento das testemunhas L...e L... que refeririam ter-se tratado de um reforço de tesouraria para fazer face a compromissos assumidos com fornecedores. Quanto à matéria da al. SS) o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas L…, J… e L.... Pela testemunha L...foi dito que a Autora era considerada um bom construtor do concelho. O embargo da obra foi notícia de jornal. Os potenciais clientes ficaram com receio de comprar e os fornecedores já diziam que “não vai para lá nada sem dinheiro”. Também a testemunha J… corroborou o que foi dito pela testemunha L…. A testemunha L... referiu que a Autora tinha boa reputação de construção, era considerada uma empresa com “garra” e boa financeiramente. Com o embargo da obra e a publicidade à volta daquele, a imagem da obra ficou desvalorizada. Quanto à matéria da al. TT) o Tribunal valorou o depoimento da testemunha L...que confirmou o que aí vem referido, remetendo-se para a fundamentação expendida a propósito da al. SS). Quanto à matéria da al. UU) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 25, junto com a p.i.. Quanto à matéria da al. VV) o Tribunal valorou o teor do doc. nº 26, junto com a p.i., nele constando um fax de 04/07/2001 subscrito pelo mandatário de A… e Á… B... [sócio-gerente da Autora], dirigido à Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, nele se invocando o vício de violação de caso julgado. • Quanto aos factos não provados o Tribunal deu como não provado o ponto 1, porquanto no mapa de trabalhos apresentado no processo de licenciamento da obra aqui em causa consta o prazo de execução de 24 meses, não tendo sido produzida qualquer outra prova que permita infirmar o que ali vem referido.Quanto aos pontos 2, 4 e 5 não foi feita qualquer prova que que permita sustentar o que aí vem alegado. Quanto ao ponto 3 resultou do depoimento das testemunhas inquiridas que as fracções do edifício foram já todas vendidas. • Quanto à restante matéria alegada, por se tratarem de meros juízos conclusivos, de valor ou considerações de direito não são os mesmos susceptíveis de ser objecto de juízo probatório (pese embora a sua pertinência nos respectivos articulados).”.
DE DIREITO Tendo presente o julgamento de facto antecedente, o qual não se mostra impugnado, importa atender aos fundamentos de cada um dos recursos jurisdicionais, segundo a enunciação das questões a decidir.
A. Recurso interposto pelo Réu, Estado português: Erro de julgamento quanto aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, em violação dos artigos 2.º n.º 1 do D.L. n.º 48051, de 21/11, do artigo 483.º do CC, do artigo 10.º n.º 1 do D.L. n.º 92/95, de 09/05, do artigo 14.º n.º 1 do D.L. nº 445/91, de 20/11 e dos artigos 1.º, 3.º e 5.º do D.L. n.º 468/71, de 05/11 A questão suscitada no presente recurso resume-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito do Estado português, decorrente da atuação imputável à Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, no tocante à indemnização pelos danos causados em consequência do ato de embargo, datado de 02/03/2001, por funcionários daquela Direção Regional, da obra de construção de um conjunto habitacional, ato de embargo esse que foi impugnado contenciosamente e anulado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 21/04/2005. Tendo a sentença recorrida julgado parcialmente procedente a ação, condenando o Réu, Estado português, a pagar à Autora a indemnização no valor de € 105.454,06, acrescida de juros legais, desde a citação, o ora Recorrente vem atacar a sentença recorrida em relação ao julgamento relativo aos pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e do dano. Nestes termos, delimitando o objeto do recurso jurisdicional, está em causa aferir do erro de julgamento da sentença, que condenou o demandado, o Estado português no pedido. Compulsada a sentença recorrida, dela decorre que foi julgado ter sido praticado um ato ilícito, correspondente ao ato de embargo, decretado em 02/03/2001 pelos funcionários da Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, cuja ilegalidade foi declarada e reconhecida por decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), em 21/04/2005, transitada em julgado. Foi decidido verificar-se, por isso, o pressuposto da ilicitude, com o fundamento de ser ilegal o fundamento constante do embargo, por o local de implementação da obra se situar fora do limite do domínio público marítimo, incorrendo o ato de embargo em violação do artigo 3.º n.º 2 do D.L. n.º 468/71, de 05/11. Com o fundamento de que nos termos da decisão judicial proferida pelo STA inexistir fundamento para o embargo da construção, a sentença recorrida julgou verificar-se o pressuposto de imputação de uma atuação ilícita ao Réu, Estado português. No julgamento constante da sentença recorrida resulta que além da ilicitude, verificam-se ainda os pressupostos da culpa, do dano e do nexo de causalidade, por se ter considerado que constituindo o ato de embargo uma conduta ilícita, assente na prática do ato jurídico ilícito, tem também de se considerar verificado o requisito da culpa. Constatando-se que a lei foi violada, deve recair sobre o ente público respetivo um juízo de censura em que a culpa se traduz. Do mesmo modo em relação à verificação dos danos, nos termos que resultam do julgamento de facto da sentença recorrida. No que respeita ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre da sentença sob recurso que a obra ficou parada entre a data de 02/03/2001, correspondente à data do embargo, até 09/05/2005, data do trânsito em julgado do acórdão do STA, ou seja, durante cerca de quatro anos, período em que parte dos trabalhos executados antes do embargo, nos termos descritos na sentença, ficaram inutilizados ou degradados por força da corrosão provocada pela proximidade da obra com o mar, exigindo a realização de trabalhos de demolição e de substituição ou de reparação, o que gerou danos. Por isso, conclui-se na sentença recorrida também pela verificação do nexo causal, entre a atuação ilícita e os danos. Explanados sumariamente os fundamentos de direito da sentença recorrida importa agora considerar as razões invocadas pelo Recorrente no presente recurso. No presente recurso está em causa apreciar do invocado erro de julgamento em relação aos pressupostos da responsabilidade civil da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, julgados verificados pela sentença recorrida. Porém, importa, antes de mais, atender à factualidade relevante, dada por assente na sentença recorrida, para com base nela proceder à aplicação do Direito. Em 02/03/2001 a obra de construção foi embargada por funcionários da Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo e em 04/07/2001 a mesma Direção Regional procedeu à selagem da obra em curso. Contra o ato de embargo foi requerida a providência de suspensão judicial de eficácia, que não foi decretada, mesmo após recurso para o Tribunal Central Administrativo, que manteve a decisão proferida em primeira instância. Contra o ato de embrago foi apresentado recurso hierárquico para o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e ainda, do indeferimento tácito do recurso hierárquico, foi interposto recurso contencioso de anulação para o STA. O ato de selagem da obra, datado de 04/07/2001, veio a ser revogado por despacho de 27/07/2001. O STA veio a decidir, em 21/04/2005, no sentido da ilegalidade do embargo, com fundamento no erro sobre os pressupostos de facto, por errada qualificação do terreno em que está a ser executada a obra embargada, em violação do artigo 3.º, n.ºs 2 e 6 do D.L. n.º 468/71, de 05/11 e do princípio da legalidade, previsto nos artigos 266.º n.º 1 da Constituição e do 3.º n.º 1 do CPA. Tal aresto do STA transitou em julgado em 09/05/2005. Mais se encontra demonstrado que a selagem da obra ocorreu com todo o material que a ela se encontrava afecto, nos termos descritos na alínea W) do julgamento de facto e que a exposição prolongada da obra inacabada à ação dos ventos, carregados de humidade salina, por a obra se localizar junto ao mar, provocou a deterioração do material e maquinaria referidos em W), para além dos demais danos que se encontram provados na seleção da matéria de facto assente, nas alíneas X) a QQ), implicando a realização dos trabalhos aí descritos ou a realização de outras despesas. Ficaram ainda demonstrados danos ao nível da imagem da Autora. A lei constitucional, no que respeita à responsabilidade das entidades públicas, consagra no artigo 22.º da Constituição o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas e a regra da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários ou agentes, por danos causados no exercício das suas funções, no sentido de o Estado servir como garante da reparação dos danos – a este respeito veja-se Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Parte IV, Direitos Fundamentais, pp. 286 e segs.. No que respeita à delimitação do direito aplicável, considerando a data dos factos, ocorridos em 02/03/2001, até ao trânsito em julgado do acórdão do STA, em 09/05/2005, tem aplicação o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública, aprovado pelo D.L. n.º 48.051, de 21/11/1967, por ser o vigente à data, sendo a Lei n.º 67/2007, de 31/12 posterior no tempo e, por isso, inaplicável. Prevê-se no artigo 1.º do D.L. n.º 48051 que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não seja previsto em leis especiais. Posto isto, importa analisar os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, que a sentença recorrida julgou se verificarem, mas em relação aos quais o ora Recorrente invoca o erro de julgamento. No domínio dos atos de gestão pública, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no artigo 483.º, n.º 1 do C.C., de verificação cumulativa, distintos e autónomos, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 510). Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano. 1.1. Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material. Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.º do CC. O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração. No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente e segundo a alegação da Autora, está em causa a atuação ilícita decorrente do ato de embargo e do ato de selagem da obra. Estabelece o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 48.051 sobre a responsabilidade das entidades públicas, no sentido de as mesmas responderem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. Sobre a responsabilidade dos titulares dos órgãos e agentes administrativos do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dispõe o n.º 1 do artigo 3,º do citado diploma legal, no sentido destes responderem civilmente perante terceiros pela prática de atos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente. Pelo que, não existem as menores dúvidas de estarmos perante uma atuação que é exigida e reclamada da Administração, através dos seus órgãos e dos respetivos funcionários ou agentes, no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, sendo no caso imputada uma atuação à Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo. 1.2. Concernente à ilicitude, o artigo 6.º do citado D.L. n.º 48.051 determina que para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração. * Nestes termos, estão demonstrados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Estado português, que determinam a sua condenação na obrigação de indemnizar, improcedendo totalmente o recurso interposto pelo Réu contra a sentença recorrida, mantendo-se a sentença recorrida, que condenou o Estado português ao pagamento à Autora de uma indemnização no valor de € 105.454,06, acrescida de juros legais, desde a citação, ocorrida em 15/05/2008, até efetivo pagamento.B. Recurso subordinado interposto pela Autora: Erro de julgamento quanto ao pressuposto do dano Segundo a alegação da Autora, ora Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em relação aos danos, reclamando uma indemnização cujo montante não seja inferior a € 473.268,13. Alega o erro de julgamento da sentença recorrida pela não valoração do dano produzido com a necessidade de contrair empréstimos no valor de € 350.000,00, assim como pela não consideração das despesas incorridas com os honorários de advogados e despesas de tribunal. Defende que resultou demonstrado que a Autora realizou os empréstimos bancários no montante global de € 350.000,00 e que o Tribunal se equivocou na valoração que fez deste facto. Alega que o montante dos empréstimos se destinou a suprir os prejuízos causados pelo ato de embargo e os encargos incorridos com trabalhadores, pagamento de fornecedores e a manutenção do seu armazém, assim como com os encargos assumidos com os advogados. Segundo a Recorrente teve de enfrentar os custos incorridos com o prolongamento no tempo do embargo ilegal, tendo os efeitos do embargo estendido os seus efeitos para além do período em que o embargo durou. Mais invoca a dificuldade em apresentar prova de que os empréstimos em causa se destinaram a suprir os danos ocorridos com a atuação ilícita da Administração, não sendo os mesmos facilmente documentados. Pede que, segundo um juízo de equidade, se reconheça que o montante em causa não é uma quantia desproporcionada para fazer face aos encargos e custos dados como provados, ao longo do período em que os danos persistiram. Vejamos. 1.1. Resulta da alínea RR) do julgamento de facto que em março e abril de 2002, a Autora contraiu empréstimos no montante de € 350.000,00. Sobre o destino de tal verba nada mais resultou provado, nada resultando do julgamento de facto que permita saber se esse dinheiro foi efetivamente gasto e em quê, por rigorosamente nada ser demonstrado em juízo. Incumbia à Autora alegar e demonstrar não só a necessidade de contrair tais empréstimos, como provar que os afetou a despesas decorrentes da paralisação da obra em questão, em consequência do embargo. Ao contrário do que a Autora alega, considerando a natureza dos prejuízos em causa, seja com pessoal ou em mão de obra, seja com materiais ou maquinaria, é inteira e totalmente possível a comprovação documental desses custos. A Autora não só não concretizou factualmente tais custos ou despesas, nem como sendo decorrentes do embargo das obras, como nada provou quanto à realização de quaisquer despesas imputando-as com os empréstimos bancários contraídos em 2002. De resto, nem sequer se está perante um caso de não prova de factos, pois também nada resulta não provado do elenco dos factos não provados a respeito dos empréstimos contraídos pela Autora, por nenhuns factos terem sido alegados pela Autora. Por outro lado, também não logra a Autora invocar qualquer erro de julgamento da sentença recorrida, antes admitindo a falta de alegação e de prova dos factos atinentes à imputação da quantia obtida com os empréstimos. Nestes termos, atenta a total ausência da alegação de factos e respectiva falta da sua demonstração, nem sequer há que analisar se os custos que a Autora, ora Recorrente alega agora em recurso, seriam ou não indemnizáveis como consequência do ato ilícito. Nestes termos, improcede totalmente o fundamento do recurso, no tocante ao erro de julgamento em relação à não valoração como dano indemnizável da quantia relativa aos empréstimos bancários contraídos pela Autora. 1.2. No que se refere ao erro de julgamento em relação à não valoração como dano das despesas incorridas com honorários de advogados e despesas de tribunal, defende a Recorrente que tais despesas não poderão deixar de ser indemnizáveis no âmbito da presente acção. Nesse sentido, pede a Recorrente que seja considerado no quantum da indemnização a quantia de € 17.814,07, a título de compensação pelos encargos incorridos com despesas de advogados e de custas no tribunal, como resulta provado na alínea UU) do julgamento de facto. Vejamos. Encontra-se demonstrado na citada alínea UU) do julgamento de facto da sentença recorrida, que a Autora despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal, a quantia de € 17.814,07. Quanto a esta matéria foi o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida, que ora se transcreve, com relevo para o fundamento do recurso: “Quanto ao peticionado pagamento de honorários de advogados e despesas de tribunal com vista à anulação judicial do acto de embargo, a questão não tem merecido uma apreciação uniforme por parte dos tribunais superiores, no cotejo da jurisprudência do STJ e do STA. Perfilhamos o entendimento de que as despesas com honorários do mandatário judicial podem ser devidos apenas no contexto da procuradoria ou das custas de parte. Na verdade, há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito de procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio com o patrocínio judiciário – cfr. Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado, 6.ª Edição, pág. 268. É certo que com o Regulamento das Custas Processuais e as alterações com ele conexas introduzidas no Código de Processo Civil, deixou de existir a figura da procuradoria, mas a solução agora consagrada é “de algum modo decalcada na antiga procuradoria (…) fixada por referência à taxa de justiça devida pela parte vencida, para o mesmo fim de compensação”, destinando-se “a cobrir tendencialmente as despesas da parte vencedora com honorários de mandatário judicial” – cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2011, 3.ª Edição, pág. 362. O legislador entendeu ser esta a fórmula a utilizar para indemnizar a parte vencedora, na medida do seu vencimento, pelas despesas que teve, por causa do processo, com os honorários do seu mandatário, não considerando, para o efeito, o valor que efectivamente possa ter sido suportado. As únicas excepções a esta regra são as dos artigos 543.º n.º 1, a) e 610.º, n.º 3, do CPC: a primeira relativa ao conteúdo da indemnização por litigância de má-fé, que engloba os honorários dos mandatários, e a segunda que manda o autor satisfazer os honorários do advogado do réu nos casos em que propõe acção sem haver litígio relativamente à existência da obrigação. Significa isto que quando o legislador pretendeu fazer incidir sobre qualquer das partes intervenientes na lide a obrigação referente à satisfação integral das despesas relativas a honorários, indicou expressamente as situações e a parte sobre a qual tal imposição impendia, e significa também que a regra é a do englobamento das despesas de patrocínio, nas custas de parte, como acima se referiu. O que tudo dito faz concluir que não houve, por parte do legislador, mesmo nas acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, qualquer intuito em considerar os honorários devidos ao advogado da parte vencedora como uma despesa directa e imediatamente decorrente da prática pelo agente de um facto ilícito danoso, sendo, por tal motivo, enquadráveis no quantitativo indemnizatório a satisfazer pelo lesante. O que tudo visto faz subentender que os honorários do advogado da parte lesada vencedora, como um factor colateral da causa de pedir na acção, e ressalvadas as supra apontadas excepções, se enquadram apenas no âmbito das custas do respectivo processo, não podendo revestir a natureza de despesas a englobar no domínio de qualquer indemnização que constitua objecto do pedido formulado em juízo.”. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC. II. Verifica-se a ilicitude, se os atos jurídicos ou materiais ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051). III. Apurando-se a prática de um ato de embargo ilegal, anulado judicialmente por erro sobre os pressupostos quanto à localização do prédio em área pertencente ao domínio público, está em causa a imputação de um ato ilícito, porque violador das normas legais aplicáveis. IV. Apurando-se que foi o ato de embargo que obrigou à paragem da realização das obras de construção e que esta paragem veio a determinar a verificação dos danos sofridos pela Autora, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em: 1. Negar provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, por não provado e, em consequência, manter a sentença recorrida, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu, Estado português ao pagamento à Autora da quantia, a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito no valor de € 105.454,06, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento; 2. Conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora e, em consequência, condenar o Réu Estado português ao pagamento da indemnização pelos honorários dos advogados e custas judiciais no valor de € 6.500,00 e, em consequência, fixar o valor global da indemnização pelos danos sofridos pela Autora, no valor de € 111.954,06, acrescida de juros legais, a contar da citação, ocorrida em 15/05/2008, até efetivo pagamento, e absolver o Estado português do demais peticionado pela Autora. Custas pelo Réu, Estado português e pela Autora, na proporção de 5/6 e de 1/6, respetivamente. Registe e Notifique.
(Ana Celeste Carvalho - Relatora)
(Helena Canelas)
(António Vasconcelos) |