Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1172/05.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:SUBCAPITALIZAÇÃO.
CONTA “ACRÉSCIMOS E DIFERIMENTOS – ACRÉSCIMOS DE CUSTOS” (ACCRUAL).
ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS.
Sumário:1. A subcapitalização correspondente a um recurso excessivo a capitais de terceiros face aos capitais próprios como forma de financiamento das sociedades.
2. A subcapitalização tem sido crescentemente encarada como possível forma de evasão fiscal que a lei pretende limitar, dadas as suas consequências em termos de redução das receitas fiscais.
3. O artigo 57.º-C do Código do IRC, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 5/96, de 29 de janeiro, alterado pelo art.º 28º da Lei no 10-B/96, de 23 de Março – estabelecendo uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes no território português, para efeitos da dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade –, afronta nomeadamente os princípios da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais reconhecidos nos artigos 43.º e 56.º do Tratado da Comunidade Europeia.
4.  A conta 27.3 “Acréscimos e diferimentos – Acréscimos de custos” (accrual), diz respeito aos gastos a reconhecer no exercício mas que ainda não originaram despesas. De acordo com o POC “esta conta serve de contrapartida aos custos (gastos) a reconhecer no próprio exercício, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja despesa só venha a incorrer-se em exercício ou exercícios posteriores”.
5.  Esta conta não constitui um desvio, ou uma exceção, à regra da especialização dos exercícios. Pelo contrário, é uma forma da sua aplicação nas situações em que o Contribuinte já incorreu no custo - o serviço já foi prestado, por exemplo- mas ainda não tem qualquer documento comprovativo e a data do pagamento passa para o exercício económico seguinte.
6.  Estas situações ocorrem por via de regra no fim do exercício, pois é neste período  que mais facilmente se incorre num custo ainda não faturado, considerando o prazo geral para emissão de faturas regulado no art.º 36º do CIVA.
7.  Esta conta tem um caráter residual, onde se podem lançar uma diversidade de enorme de custos a imputar ao exercício económico corrente, que  apenas serão despesa no exercício económico seguinte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA
RECORRIDOS: I..........., S.A.
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida da liquidação de IRC do exercício de 2000, no valor de 184.829,88€, e condenou a Fazenda Pública no pedido de anulação da liquidação de IRC de 2000, na parte respeitante às correcções respeitantes à subcapitalização, aos custos não aceites e aos prejuízos fiscais relacionais com o triénio anterior.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«A. A sentença recorrida parte de erro nos pressupostos de facto e de direito, quando subsume a correcção ao excesso de endividamento da impugnante à violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no art.° 56° do Tratado UE, nos termos da interpretação consagrada por Acórdão do Tribunal de Justiça Europeu (processo n.° C-282/12).
B. Sendo certo que a impugnante veio suportar o pedido de anulações das referidas correcções fiscais suportando-se apenas na interpretação que retirava da disciplina contida no art.° 43° do Tratado UE, atinente ao ‘Direito de estabelecimento’ e jurisprudência comunitária a ele relativo e, subsidiariamente, na alegada violação do art.° 25° da CDT celebrada entre Portugal e França.
C. Sucede porém que o quadro jurídico em apreciação no Acórdão extensivamente invocado pela sentença impugnada se reporta aos artigos 58°, n.° 4 e 61° do Código do IRC, nas versões plasmadas pelo Decreto-Lei n.° 198/2001 e pela Lei 60-A/2005.
D. Disposições e redacções posteriores àquelas que estribaram a fundamentação da correcção feita in casu: a saber, o art.° 57°-C do Código do IRC, na versão em vigor em 2000, data da ocorrência dos factos tributários.
E. E sendo o fulcro daquela pronúncia do Tribunal de Justiça Europeu a existência de um regime jurídico fiscal discriminatório para os encargos decorrentes com a obtenção de crédito junto de uma entidade não residente, cotejado com os encargos do mesmo tipo contraídos junto de entidade residente, reputa-se que tal não tem aplicação face ao quadro legal nacional vigente no ano de 2000.
F. Com efeito, nesta data o art.° 57°-C do Código do IRC densificava, quanto ao endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente, as regras genéricas definidas para as correcções a efectuar em caso de serem detectadas “relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC”, levando a que “o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações“, como se postulava no art.° 57° do mesmo Código.
G. Âmbito de aplicação onde se incluíam as relações especiais mantidas com entidades residentes, como resultava da redacção dos n.os 1 e 4 do referido art.° 57° do Código do IRC, sendo defensável que o regime das correcções aí preconizadas era mais gravoso do que o consagrado no art.° 57°-C, pois não estava sujeito aos pressupostos de aplicação e limites objectivos estipulados nesta última norma.
H. Ficando evidenciado nos autos que a impugnante tinha um endividamento de 28,43 vezes o valor da participação no seu capital próprio da sociedade não residente, patente se torna a não aceitação para determinação do lucro tributável dos juros que contabilizou com o financiamento obtido junto desta, sem que por isso se possa apontar carácter discriminatório face ao Direito Comunitário ou violação da CDT celebrada entre Portugal e França.
I. O que dita o erro de julgamento da decisão aqui impugnada, na dupla medida em que não só não apreciou as pretensas ilegalidades neste conspecto peticionadas pela impugnante, como veio a ditar a anulação das correcções que resultaram da actuação estritamente vinculada da AT, em obediência à disciplina contida no art.° 57°-C do Código do IRC, suportando-se em apreciação incidente sobre normas legais entradas posteriormente em vigor.
J. Aponta-se défice probatório e erro de julgamento na sentença proferida pelo Tribunal quando aprecia a legalidade dos custos não aceites fiscalmente, a título de funcionamento dos órgãos sociais, honorários, seguros de acidentes de trabalho e indemnizações por despedimento, pois não foi levado ao probatório o teor da concreta fundamentação usada pela AT para suportar tais correcções como se fez, e bem, nas sentenças proferidas nos processos n.° 23/04.0BELRA e n.° 844/04.4BELRA.
K. A ter-se cumprido tal desiderato, ficaria evidenciado que a impugnante fez a contabilização dos referidos custos nas sub-contas da Conta 62 do POC (‘Fornecimentos e serviços externos’), suportando-se em documentos internos com as menções “valor estimado para custo dos órgãos sociais”, “provisões para custos do advogado”, “provisões para seguros de acidentes de trabalho” e “provisões para indemnizações por despedimento”.
L. Donde, nem a correcção da Inspecção Tributária incidiu sobre os valores contabilizados na sub-conta 2739 do POC (‘Outros acréscimos de custos’), nem a própria qualificação feita pela impugnante destes custos (“provisões” ou “valores estimados”) permitiria à AT valorá-los como outra coisa que não provisões não aceites fiscalmente, por falta de enquadramento no numerus clausus do art.° 33° do Código do IRC.
M. Do mesmo modo, nunca seriam enquadráveis como custos na cláusula aberta que era a al. h), do n.° 1 do art.° 23° do mesmo diploma os “valores estimados”, porquanto não preenchem o requisito essencial vertido no corpo desse n.°1: “serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou manutenção da fonte produtora”.
N. Parecendo assim que, menos avisadamente, se confundiu na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal a admissibilidade das provisões e estimativas de valores espelhados no relato contabilístico do sujeito passivo, com a sua aceitação como provisões constituídas segundo as normas fiscais e, assim, com relevância para o apuramento do lucro tributável.
O. Adicionalmente, a pronúncia do Tribunal a quo sobre a correcção incidente sobre o valor dos prejuízos fiscais passíveis de serem deduzidos pela contribuinte no exercício de 2000, pecará por excesso e por omissão de pronúncia, cominados com nulidade, de acordo com o estatuído no art.° 125°, n.° 1 do CPPT.
P. Por excesso, na medida em que se estava a solução a dar a esta questão dependente da resolução de impugnações judiciais interpostas pela firma recorrida, as quais contendiam com as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1997, 1998 e 1999, então deveria ter sido decretada a suspensão da instância, por existência de causa(s) prejudicial(is), nos termos dos artigos 269°, n.° 1, al. c), 272°, n.° 1 e 276°, n.° 1, al. c) do CPC.
Q. Por omissão, pois é dado por assente no aresto objecto de recurso que as impugnações respeitantes ao IRC de 1997 e de 1999 já foram decididas e transitaram em julgado, logo nada obstaria a que se quantificasse com rigor o valor de prejuízos fiscais que o Tribunal de 1a instância ajuíza poderem ser deduzidos pela recorrida.
R. Quantificação essa tanto mais necessária pois, mais não fora, permitiria à Fazenda Pública conformar-se ou reagir contra a condenação na integralidade das custas do processo, vista a latitude de indeterminação que a esse propósito grassa na sentença sob recurso onde, não obstante, veio a obter um vago ganho de causa parcial.
S. Sendo porém certo que a impugnante, quanto ao IRC de 1999, não viu reconhecida a sua pretensão nesta causa de pedir e só foi a Fazenda Pública condenada em 25% das custas do respectivo processo.
T. Tudo razões que se ponderam suficientes para conduzir à prolação de um juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida, na parte que se mostre desfavorável à entidade recorrente, condenando a final em custas a pessoa colectiva recorrida e, correspectivamente, confirmando-se a validade do acto tributário objecto de impugnação e menos avisadamente anulado parcialmente pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos demais que esse Insigne Tribunal por bem entender suprir, defende a Fazenda Pública que se dê provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença ora impugnada, com o que se fará a sempre pretendida
Justiça!»

CONCLUSÕES DAS CONTRA-ALEGAÇÕES DA:

« a) Na Douta Sentença sob recurso veio a considerar-se, e bem, que o regime jurídico da subcapitalização, previsto no art.º 61º, n.º 1 do Código do IRC, não é compatível com o regime de livre circulação de capitais, consagrado no art.º 56º do Tratado da União Europeia (Tratado UE), pelo que não deve ser aplicada a norma legal nacional, em obediência ao primado do Direito Convencional Internacional, imposto pelo art.º 8º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), decisão esta que nenhum reparo merece.

b) No domínio dos custos incorridos pela impugnante e desconsiderados pela Administração Tributária, conclui-se, mais uma vez bem, que os mesmos não correspondiam a provisões mas antes a outros acréscimos de custos, dando assim expressão ao princípio contabilístico da especialização do exercício, decisão esta que pelo seu acerto, também ela nenhum reparo merece.

c) Finalmente, e no que respeita aos prejuízos fiscais dedutíveis no exercício de 2000 pela impugnante, dado que os actos de liquidação de IRC de 1997 e de 1999 foram igualmente impugnados pela I..........., SA (nos processos n.º 23/04.0BELRA e n.º 844/04.4BELRA, respectivamente), vindo aí a obter procedência parcial os seus pedidos anulatórios, terá, nessa estrita medida, tal resultado de ser reflectido no quantitativo dos prejuízos fiscais a deduzir no ano de 2000, sendo que, também nesta sede nenhum reparo merecer a Douta Sentença sob recurso.

TERMOS EM QUE, 

Deve o recurso da recorrente ser julgado de não provado e improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida sem qualquer alteração, assim se fazendo

JUSTIÇA.»

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação com fundamento em ilegalidade das correções efetuadas ao abrigo do disposto no art.º 57-C do CIRC (na redação aplicável), ilegalidade das correções aos custos e da dedução de prejuízos fiscais. Adicionalmente, saber se a sentença enferma de nulidade por omissão e excesso de pronúncia.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Em 19/9/1986, foi constituída a sociedade Impugnante, com o objecto de construção e montagem de veículos pesados e outras matérias, respectivas peças e acessórios, comercialização e exportação dos mesmos, com um capital de PTE 63.500.000$00, estando enquadrada em IRC no regime geral de tributação, com o CAE 34100 e em IVA no regime normal de periocidade mensal - cfr. fls. 95 e ss. do Processo Administrativo (PA) apensos aos Autos ;

B) Em 15/9/1993 foi efectuado um reforço de capital da sociedade e a sua transformação em sociedade anónima. O reforço foi de PTE 112.000.000$00 passando o capital social para PTE 175.500.000$00 estando assim repartido entre a “L..........., SA”, com 51% do capital social), “J...........” com 22% do capital social, “E...........” com 18,4% do Capital social, “C...........” com 20 acções nominativas e “R...........” F........... com 8,58% do capital social - cfr. fls. 95 e ss. do Processo Administrativo (PA) apensos aos Autos;

C) Em 3/8/1998, verificou-se um aumento de capital social em PTE 91.800.000$00 mediante a emissão de 91.800 acções ao portador realizado na íntegra pela “L........... SA” que passou a deter 63,83% do capital - cfr. fls. 95 e ss. do Processo Administrativo (PA) apensos aos Autos;

D) Em 29/1/1999, verificou-se um novo reforço de capital passando a L........... SA a deter 97,8894% do capital social - cfr. fls. 95 e ss. do Processo Administrativo (PA) apensos aos Autos;

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI24508, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém da DGCI, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 2000, em sede de IRC, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável no montante de 438.680,25€ com recurso a correcções meramente aritméticas - cfr. fls. 89 e 90 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) Em 17/08/2004, foi elaborado o relatório de fiscalização junto aos autos a fls. 67 a fls. 88 a 146 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções de 2000, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (...)

2. Descrição sucinta das correcções da acção de inspecção

Os valores constantes do quadro apresentado na página anterior têm por base as seguintes correcções:

- € 35.237,69 (7.064.523$00), referente ao excesso de endividamento da I........... para com a entidade não residente LHOR, nos termos do n.° 1 do artigo 5 7-C° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.1. do capitulo III, deste Relatório;

- € 3.032,35 (607.932$00), referente a IRC em falta por retenção na fonte a uma taxa incorrecta devido ao facto de não ter sido accionada a convenção entre Portugal e a Republica Francesa - cfr. ponto 1, subponto 1.2. do capitulo III, deste Relatório;

- € 462,21 (92.665$00), referente a IRC em falta por não retenção na fome à taxa de 20%, nos termos da alínea d) do n° 2 do artigo 69° do Código do IRC, sobre os «juros » vencidos - cfr. ponto 1, subponto 1.2. do capitulo III, deste Relatório;

- € 12.972,65 (2.600.783$00), referente a IRC em falta por não retenção na fonte à taxa de 15% sobre prestações de serviços pagos à entidade Francesa não residente “L........... Industrie” », nos termos da alínea f) do n° 2 do artigo 69° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1 .3. do capitulo III, deste Relatório;

- € 1.829,39 (366.760$00), referente a IRC em falta por não retenção na fonte à taxa de 15% sobre os rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico - « ... Redevances annuelle pour la mise à disposition et la maintenance de 2 licences UNIGRAPHICS SOLUTIONS FRANCE... ” a favor da entidade francesa não residente L........... Holding Industriei, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 69° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.4. do capitulo III, deste Relatório;

- € 11.088,542 (2.223.053$00), referente a despesas de exercícios anteriores previsíveis e manifestamente conhecidos à data de encerramento das contas do exercício de 1999, não sendo aceites como custos para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do n. ° 2 do artigo 18° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 15.419,095 (3.091.251$00), referente a despesas indevidamente documentadas, não sendo aceites como custos para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos da alínea h) do n. ° 1 do artigo 41 ° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 1.306,167 (261.863$00), referente a despesas não documentadas, não sendo aceites como custos para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos da alínea h) do n. ° 1 do artigo 41 ° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 417,97 (83.795$00), referente à tributação autónoma taxa de 32%, sobre o montante das despesas não documentadas, nos termos do n.° 1 do artigo 4° do decreto- lei n.° 192190, de 09.06. cfr. ponto 1, subponto 1. 5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 79.277,31 (15.893.673$00), referente a provisões para custos com órgãos sociais que caiem fora do âmbito das provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 18.995,51 (3.808.257$00), referente a provisões para custos do advogado que caiem fora do âmbito das provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 13.537,95 (2.714.116$00), referente a provisões para seguros de Acidentes de Trabalho que caiem fora do âmbito das provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 13.467,54 (2.700.000$00), referente a provisões para indemnizações p or despedimento que caiem fora do âmbito das provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33° do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 3.114,37 (624.385$00), relativo a custos ou perdas do exercício indevidamente documentados, não sendo aceites como custos para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos da alínea h) do n, o 1 do artigo 410 do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.5. do capitulo III, deste Relatório;

- € 29.749,30 (5.964.198$00), referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa para as quais não foi possível determinar o risco de incobrabilidade, não foram apresentadas provas de terem sido efectuadas as diligências para o seu recebimento, nos termos do corpo do n°1 do artigo 34°e alínea c) do n° 1 do mesmo artigo, ambos do Código do IRC, e caiem fora do âmbito das provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33°do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.6. do capitulo III, deste Relatório;

- €32.040,28 (6.423.500$00), referente a redução de provisões para depreciação de existências para os quais não foi devidamente provado o seu acréscimo ao lucro tributável, no exercício da constituição - cfr. ponto 1, subponto 1.7. do capitulo III, deste Relatório;

- € 185.446,50 (37.178.685$00), referente a correcções efectuadas aos prejuízos fiscais de exercícios anteriores, nos termos do n° 4 do artigo 460 do Código do IRC - cfr. ponto 1, subponto 1.8. do capitulo III, deste Relatório;

- € 17.923,78 (3.593.395$00), referente a dedução de IVA indevidamente, motivado por rectificações para menos do imposto sem terem na sua posse prova que o adquirente tomou conhecimento darectificação, nos termos do n° 5 do artigo 710 do C1 VA, do oficio-circulado n°33.129, de 02.04.1993 do SIVA e do Despacho de 12.04.93 - cfr. ponto 2, subponto 2.1. do capitulo III, deste Relatório;

- € 180,30 (36.147$00), referente IVA não liquidado sobre a Transmissões Intracomunitárias para as quais não foram reunidas as condições de isenção das

transmissões intracomunitárias de bens, ao abrigo da alínea a) do artigo 140 do RITI. Estando sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado nos termos da alínea a) do n01 do artigo 10 do Código do IVA - cfr. ponto 2, subponto 2.2. cc capitulo III, deste Relatório;

- €4.078,02 (817.570$00), referente a IVA não liquidado de prestações de serviços sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado nos termos da alínea a) do n°1 do artigo 10 do Código do IVA - cfr. ponto 2, subponto 2.3. do capitulo III, deste Relatório; (...) (…)»;

G) Em 16/03/2005, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Rio Maior a reclamação graciosa referente ao IRC de 2000 - cfr. fls. 116 dos Autos e fls. 148 do PA, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

H) A Impugnante juntou aos Autos o documento que aqui se dá por integralmente reproduzido, que é uma cópia do extracto da conta 62.2.3.6.1.3 - cfr. fls. 118 dos Autos;

I) Em 27/02/2001, a L........... Industrie emitiu a factura n.° 101.02, em nome da Impugnante, no valor de 93.351,55€, referente aos encargos gerais de gestão e prestação de serviços - cfr. fls. 120 dos Autos cujo conteúdo se dá por reproduzido;

J) A Impugnante juntou aos Autos, o documento que aqui se dá por integralmente reproduzido, que é uma cópia do extracto da conta 62.2.2.9.1.1 - cfr. fls. 122 dos Autos;

K) A Impugnante juntou aos Autos, o documento que aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de Nota de Despesas e Honorários - cfr. fls. 124 a 129 dos Autos;

L) Em 21/11/2000, foi emitida pela Axa Seguros, em nome da Impugnante o aviso recibo constante a fls. 133 dos Autos cujo conteúdo se dá por reproduzido, no montante de 3.899,82€, referente a acerto de salários e prémios;

M) A PI deu entrada neste Tribunal a 15/12/2005 - cfr. fls. 3 dos Autos.

Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos autos e no Processo Administrativo apenso aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:

Por estar devidamente documentado nos autos a fls. 137 e segs. a que corresponde os documentos n.º 12 e 13, ao abrigo do disposto no art. 662/1 CPC aditam-se os seguintes factos:

N) Com data de 29/3/2000 foi celebrado entre a Impugnante e A........... o contrato de “revogação do contrato de trabalho”, constando da sua cláusula 4ª que a Impugnante pagará a quantia líquida de Esc. 2.595.000$00

O) Esta quantia foi paga por cheque n.º……….., debitado em 10/4/2000.



IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A Impugnante deduziu impugnação judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa contra a liquidação IRC referente ao exercício de 2000, alegando, em síntese, que a aplicação do art. 57º-C do CIRC constitui uma norma anti abuso e que a sua aplicação depende da abertura de procedimento próprio que a AT não fez, tornando ilegal a correção em sede de subcaptilização.

Além disso, a referida norma padece de manifesto vício de lei por se mostrar contrária ao Acordo sobre Dupla Tributação celebrado entre Portugal e França, bem como ao direito de estabelecimento e do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrados no Tratado da Comunidade Europeia e dupla tributação do mesmo rendimento.

Depois, a decisão quanto aos custos não aceites é ilegal, na medida em que a se trata da contabilização de acréscimo de custos, “accrual” devendo ainda ser aceites os prejuízos fiscais deduzidos neste exercício


Começando pela primeira questão, a AT não aceitou como custos os juros suportados pela Impugnante pelo financiamento contraído junto da L..........., SA sociedade de direito francês e sua principal acionista à data dos factos, ao abrigo do art. 57º-C do CIRC, na redação vigente em 2000.
O Impugnante defende ser esta uma norma anti abuso e que deveria ter sido cumprido o disposto no art. 63º CPPT, que a AT omitiu, gerando assim a anulação do procedimento de liquidação subsequente e a coerção efetuada.
Além disso, a norma padece no caso concerto de manifesto vício de violação de lei por se mostrar contrária ao ADT celebrado entre Portugal e França.  
O MMº juiz julgou procedente esta parte da impugnação com o seguinte fundamento:
“...O Acórdão do Tribunal de Justiça de 3/10/2013, no âmbito do processo C- 282/12, em sede de reenvio a título prejudicial, analisou o quadro jurídico português, designadamente o regime da “subcapitalização” previsto no art. 61.° e 58.°, n.° 4 do CIRC, na versão resultante do Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho de 2001, conforme alterado pela Lei n.° 60-A/2005, de 30 de Dezembro de 2005, à luz da liberdade de livre circulação de capitais.
O Tribunal de Justiça conclui que no âmbito deste regime, estando em causa um endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mas esses juros já são dedutíveis quando a sociedade mutuante reside no território português ou noutro Estado-Membro.
Deste modo, constatou que o regime da “subcapitalização” português implica um tratamento fiscal menos favorável quando a sociedade mutuante reside ou tem sede num país terceiro, o que constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, uma vez que esse tratamento menos favorável é susceptível de dissuadir uma sociedade residente de se endividar de uma maneira que é considerada excessiva para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais.
O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 56° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objectivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.
 
O regime jurídico da “subcapitalização” previsto no art. 61.° n.° 1 do CIRC não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais prevista no art. 56.° do CE, e nessa medida deve este normativo ser afastado por força do princípio do primado consagrado no art.° 8.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa, devendo a parte da liquidação que assenta na aplicação daquela legislação ser anulada”.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública sustenta que a sentença se fundamenta no acórdão do TJ proferido no processo n.º C-282/12 o qual se reporta aos artigos 58º n.º 4 e 61º do CIRC, nas versões dadas pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e pela Lei n.º 60-A/2005, as quais são posteriores àquelas que suportam a fundamentação e que respeitam ao IRC na versão vigente em 2000, pelo que são inaplicáveis ao caso “sub judice”.
Vejamos então.

Entende-se que uma sociedade comercial está numa situação de capitalização ótima quando o capital disponível for o adequado à prossecução do seu objecto social. Encontra-se descapitalizada ou sub capitalizada nas situações em que o seu capital não se mostra adequado ao cumprimento do seu objecto social (subcapitalização material) ou quando a desproporção se manifesta entre o capital próprio e o capital alheio ao seu dispor, significando que os sócios tomaram a decisão de financiar a sociedade através do recurso a capitais alheios, nomeadamente empresas com as quais existem relações especiais, provocando uma desproporção entre os capitais próprios e alheios à disposição da sociedade - sub capitalização nominal.

Para efeitos de análise, é esta modalidade de subcapitalização que interessa averiguar por ser a que apresenta situações de potencial elisão fiscal e erosão ilegal das receitas fiscais[1], o que levou as autoridades fiscais a darem, mais atenção a este fenómeno.
 
Foi neste contexto que se deu a intervenção do legislador através de normas cautelares, visando garantir o efetivo respeito pelos princípios internacionais da distribuição de poder tributário entre os Estados.

A primeira norma legal relativa à subcapitalização surgiu com o art. 57º-C do CIRC, e veio limitar, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o montante de endividamento incorrido pelas empresas que daria origem à dedutibilidade de juros.

O preceito foi aditado pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 5/96, de 29 de janeiro, com a seguinte redação:
“Artigo 57.º-C
Subcapitalização
1 - Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente em território português com a qual existam relações especiais, nos termos definidos neste artigo, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.
2 - Considera-se que existem relações especiais entre o sujeito passivo e uma entidade não residente quando:
a) A entidade não residente detenha uma participação directa ou indirecta no capital do sujeito passivo de, pelo menos, 25%;
b) A entidade não residente, sem atingir esse nível de participação, exerça, de facto, uma influência significativa na gestão;
c) A entidade não residente e o sujeito passivo estejam sob o controlo da mesma entidade, nomeadamente em virtude de por esta serem participados directa ou indirectamente.
3 - É equiparada à existência de relações especiais para efeitos da aplicação do n.º 1 a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro não residente em território português, em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no número anterior.
4 - Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas no n.º 2, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo.
5 - Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pelas entidades mencionadas no n.º 2, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais, quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento.
6 - Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial.»

Como vemos, a norma consagra que o montante de juros que se encontrasse para além do limite estabelecido (o chamado ‘’juro em excesso’’) não seria considerado dedutível, para efeitos de tributação.

Esta regra da subcapitalização tinha a particularidade de restringir o recurso ao financiamento de sociedades residentes, apenas através de sociedades não residentes, com as quais existissem relações especiais.

Isto significa que havia diferença de tratamento entre sócios nacionais e estrangeiros. Tal como podemos ler do preâmbulo do DL nº 5/96 ‘’É reconhecida a necessidade de adopção de regras que evitem uma das práticas hoje correntes de evasão fiscal internacional e que consiste no endividamento excessivo das sociedades em relação a entidades com as quais têm relações especiais, de modo a considerar os juros correspondentes a esse endividamento como dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável dessas sociedades, utilizando assim de modo abusivo a diferença de tratamento fiscal entre juros e lucros distribuídos.”

Tendo em conta os resultados insatisfatórios que poderiam advir deste novo regime, o legislador veio acrescentar ao dispositivo legal os nºs 7 e 8 pela Lei nº 10-B/96, de 23 de Março a chamada cláusula de salvaguarda.

Esta cláusula permitia que, excedido o coeficiente legal previsto no nº1, este não se aplicaria desde que os contribuintes fizessem prova (dentro de 30 dias após o termo do período de tributação) de que ‘’tendo em conta o tipo de atividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as  quais tem relações especiais’’ e que podia ter obtido o mesmo endividamento em condições similares de uma entidade com a qual não estabelecesse tais ligações, ou seja, uma entidade independente.


Posteriormente este preceito foi alterado pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que procedeu à exclusão das definições próprias de relações especiais, passando a remeter para o regime constante do n.º 4 do art. 57º relativo a preços de transferência.

O exposto evidencia que este regime da subcapitalização recém nascido no nosso ordenamento jurídico-fiscal, discriminava claramente entre os empréstimos concedidos por residentes e por não residentes.

Assim, tornou-se usual questionar se esta diferença de tratamento estaria em colisão com o Direito da União Europeia (então Direito Comunitário), nomeadamente disposições relativas ao Direito de Estabelecimento (art. 43º do Tratado de Roma, atual art. 49º do TFUE) e prestação de serviços (art. 49º do TCE, atual art. 56º do TFUE).

Como Portugal não era o único país onde esta questão se colocava, o TJCE proferiu  o Ac. L........... Gmbh de 12 de Dezembro de 2002 (processo C-324/00), reiterando (já se tinha pronunciado no mesmo sentido) a sua doutrina sobre a matéria, não deixando quaisquer dúvidas relativamente às normas de subcapitalização dos vários ordenamentos jurídicos dos EM’s.

Neste processo estava em causa uma norma do regime fiscal da subcapitalização alemã (§8, nº1, segundo parágrafo KStG), e a interpretação e compatibilização com o Princípio da Liberdade de Estabelecimento previsto no art. 43º do TCE, opondo a sociedade L........... Gmb com sede na Alemanha e a Administração Fiscal Alemã.

O TJUE veio a considerar que o art. 43º do Tratado da CE se opunha a uma norma
com o teor do preceito alemão, uma vez que, primeiramente, só aos não residentes e às pessoas coletivas era aplicável o regime da subcapitalização, verificando-se, assim, uma diferença de tratamento entre filiais residentes consoante a sua sociedade-mãe tivesse ou não sede na Alemanha.

Como consequência, esta situação tornava menos atraente o exercício da Liberdade de Estabelecimento pelas sociedades estabelecidas noutros  EM’s, uma vez, que os juros de capitais externos provenientes de sócio não residente seriam tributados como dividendos.

Posto isto, a norma de subcapitalização alemã demonstrava-se como claramente
discriminatória e incompatível com a Liberdade de Estabelecimento.

Esta liberdade fundamental implica que os legisladores dos diversos EM’s promovam as mesmas condições e o mesmo tratamento, em termos de plena igualdade, tanto com empresas nacionais como com empresas não residentes, abstendo-se de colocar qualquer entrave a esta liberdade fundamental[2].

Relativamente ao caso português, o TJ foi chamado a pronunciar-se na sequência de reenvio prejudicial formulado por este TCA, com referência ao artigo 61º do CIRC, na versão resultante do DecretoLei n.º 198/2001, de 3 de julho de 2001, e alterado pela Lei n.º 60A/2005, de 30 de dezembro de 2005 com a epígrafe «Subcapitalização».

A questão que foi colocada consistia, no essencial, em saber “... se o artigo 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, para efeitos de determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações”.

E o TJ respondeu:

“...resulta do artigo 61.º, n.º 1, do CIRC que, quando o endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais na aceção do artigo 58.º, n.º 4, do CIRC, for considerado excessivo no sentido do n.º 3 do referido artigo 61.º, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade residente.

Em contrapartida, resulta também do artigo 61.º, n.º 1, do CIRC que esses juros são dedutíveis quando a sociedade mutuante reside no território português ou noutro EstadoMembro.

Como reconhece o Governo português, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a situação em questão no processo principal se enquadra na livre circulação de capitais, esta situação implica um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro EstadoMembro.

Esse tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir uma sociedade residente de se endividar de uma maneira que é considerada excessiva para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção da legislação em causa no processo principal. Consequentemente, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE.

(...)

Neste caso, é certo, por um lado, que o artigo 61.º, n.º 6, do CIRC prevê que, com exceção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável, a sociedade residente que contraiu um endividamento considerado excessivo para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais, pode demonstrar que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento, em condições análogas, de uma entidade independente. Por outro lado, por força do artigo 61.º, n.º 1, do CIRC, apenas os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis.

Todavia, uma legislação como a que está em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para alcançar o seu objetivo.

(...)

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite a deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação”.

Do exposto parece-nos resultar claro que quer o art. 61º (na renumeração atribuída pelo DL nº 189/2001, de 3 de Julho)  quer o antigo art. 57º-C aditado pelo Decreto-Lei n.º 5/96, de 29 de janeiro, (e redações posteriores) aplicável apenas nos casos de endividamento perante entidades não residentes, resultavam numa discriminação em razão da nacionalidade do sujeito, que punha em causa a Liberdade de Estabelecimento protegida pelo art. 43º TCE[3]

Posteriormente, como referimos, o art.º 57-C na redação original foi alterado pelo art.º 28º da Lei no 10-B/96, de 23 de Março, aditando-lhe os números 6 e 7,  com a seguinte redação:

7 - Não será aplicável o disposto no n.º 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.º 4, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão das empresas e outros critérios pertinentes, que podia ter obtido o mesmo nível do endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.

8 - A prova a que se refere o número anterior deverá ser apresentada dentro de 30 dias após o termo do período de tributação em causa.»

Embora este aditamento tenha tentado “minimizar” os efeitos controversos da redação precedente, a verdade é que, mesmo assim, continua a criar dificuldades acrescidas para as empresas não residentes que as residentes não suportam.

Aliás, com esta redação o art.º 57-C ficou praticamente igual ao posterior artigo 61º na revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 junho, acerca do qual o TJ e o STA se pronunciaram negativamente nos termos supra referidos, bem como o STA[4].

 

Entendemos, por isso, que a doutrina dos acs acima referidos são inteiramente aplicáveis ao caso, confirmando-se a sentença recorrida, nesta parte.

Prosseguindo, o Impugnante contestou  o facto de a AT não ter aceite as correções a título de custos no montante total de € 125.278,31 por considerar que os mesmos se referem a provisões e estimativas que não tem enquadramento fiscal. Todavia, demonstra não saber distinguir entre uma provisão e um acréscimo de custos- conta de “accrual” (80º e segs) e prejuízos fiscais (107º e segs).
Com efeito, alegou na pi que os “custos de gestão e funcionamento dos órgãos sociais” (79.277,31); “Honorários de advogados” (18.9995,51); “Seguros de acidentes de trabalho” (13.537,95) e “indemnização por despedimento” (13.467,54) foram registadas contabilisticamente numa rubrica de acréscimo de custo (conta 2739 POC) por contrapartida das respetivas contas de custo, razão por que a AT ao qualificá-las como “provisões e estimativas que não têm enquadramento fiscal” está a fazer uma qualificação errada.
Errada porque ao contrário do que sucede com as provisões, na conta de acréscimo de custos  não há dúvida quanto à ocorrência do evento, havendo, por conseguinte, que registar a perda no exercício a que a mesma se reporta independentemente de o respetivo montante ser determinado ou determinável (art. 84)º. 

O MMº juiz decidiu a questão do seguinte modo:
“...a Impugnante alega que os encargos financeiros suportados preencheram os requisitos da indispensabilidade para a geração dos proveitos tributáveis, tal como o preceituado no n.°1 do art. 23° do CIRC.
Quanto a este ponto, a Fazenda Pública alega que a Impugnante constituiu provisões relativamente a custos dos órgãos sociais, com advogados, com a indemnização por despedimento e ainda com seguro de acidentes de trabalho, porém, nenhum destes casos se verifica a subsunção ao disposto no n.° 1 do art. 33° do CIRC.
Apreciemos.
Estabelece o art. 33° do CIRC, com a redacção à data dos factos, o seguinte: «
1- Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; (...)».
Com efeito, pretendeu o legislador fiscal que a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo.
Mas neste ponto tem razão a Impugnante.
A contabilização efectuada pela Impugnante ao ter registado estes valores na conta #2739 do POC - outros acréscimos de custos, não merece censura.
Com efeito, esta conta serve de contrapartida aos custos a reconhecer no próprio exercício, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja despesa só venha a obter-se em exercício ou exercícios posteriores.
E assim sendo, o acréscimo de custos visa dar cumprimento ao princípio da especialização de exercício, sendo este o princípio que está na génese desta regra, bem distinto do princípio da prudência que norteia o conceito de provisão.
Logo, no caso dos Autos a Impugnante não reconheceu uma mera probabilidade ocorrência de encargos futuros, mas sim registou responsabilidades certas e assumidas para o exercício de 2000.
Por este motivo, nenhuma censura merece a actuação da Impugnante e por isso a Impugnação tem que proceder quanto a este ponto.
A AT discorda, com base nos seguintes argumentos:
Devem ser aditados à matéria de facto o teor da concreta fundamentação usada pela AT para suportar as correções de custos não aceites fiscalmente com funcionamento dos órgãos sociais, honorários, seguros de acidentes de trabalho e indemnizações por despedimento.
A correção não incidiu sobre os valores contabilizados na sub-conta 2739 do POC (Outros Acréscimos de Custos), nem nunca teriam as estimativas de custos aptidão para serem enquadráveis no numerus apertus que era a alínea h) do n.º 1 do art. 23º do CIRC, porquanto não preencheriam o requisito essencial de serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou manutenção da fonte produtora.
Nas contra alegações o Recorrido reitera que cumpriu o princípio da especialização dos exercícios e que os gastos em questão não constituem provisões, porque, ao contrário destas, não se verifica qualquer dúvida quanto à certeza da ocorrência de um evento, havendo, por conseguinte, que registar a perda no exercício a que se reporta, independentemente de o respetivo montante ser determinado ou determinável.
Ou seja, a AT confundiu  “provisão” com uma conta de acréscimo de custos (accrual).
Sintetizados os termos do litígio, passemos à sua análise empreendendo, para já, uma apreciação genérica das constas de acréscimo de custos e das provisões, à luz do POC e do princípio da especialização dos exercícios.
Como salienta Rui Duarte Morais[5] os “...custos deverão contabilizados no exercício em que ocorreu o seu facto gerador, em obediência ao princípio da especialização dos exercícios. Assim acontece, por ex., com as despesas com pessoal, incluindo os subsídios de férias, as indemnizações  por despedimento, as gratificações de balaço, etc, independentemente de o seu pagamento ocorrer após o fim desse exercício.
A contabilização como custos noutro exercício que não aquele em que aconteceu o respectivo facto gerador apenas poderá acontecer quando, no exercício a que digam respeito, tais obrigações sejam imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”   

A relevância do princípio da especialização dos exercícios “...manifesta-se quando não há coincidência entre a contabilização das componentes positivas ou negativas do lucro tributável e a sua efetiva concretização ou materialização, ou seja, quando rendimentos e gastos são, respetivamente, suportados e recebidos num período diferente daquele em que haviam sido contabilizados.

No fundo, visa-se tributar a riqueza gerada em cada período (princípio da tributação do rendimento real), consagrando-se o regime de acréscimo como critério de determinação do lucro tributável, tal como surge consagrado na Estrutura Conceptual, referente a um dos pressupostos subjacentes das demonstrações financeiras. Relevando-se o momento em que tem lugar o facto que está na génese dos rendimentos ou gastos.

Daqui resulta que a imputação de um rendimento ou de um gasto a um determinado período obedece a um critério económico e não a um critério financeiro (ou, tão pouco, de oportunidade, na disponibilidade do sujeito passivo).”[6]

Sabendo-se que os custos devem ser contabilizados quando incorridos, a questão agora está em saber quando são “incorridos” e o que isso significa.

A resposta, na parte que aqui interessa averiguar, é dada pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 18º CIRC:

Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;
Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, exceto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução.

Do exposto resulta que a contabilização dos gastos de acordo com o princípio da especialização dos exercícios não serve para registar responsabilidades certas e assumidas para o exercício (como alega a Impugnante no art.º 88º da douta petição inicial), mas sim quando ocorre o facto gerador da sua contabilização.
Poder-se-á argumentar que uma “responsabilidade certa e assumida”, é igual aos critérios legais transcritos traduzindo realidades intermutáveis. Mas não. 
Para “...efeitos de aplicação deste regime do acréscimo pode haver necessidade de efetuar estimativas na mensuração do gasto ou do rendimento a reconhecer. Se foi feita uma aquisição ou outra operação, mas à data da elaboração das demonstrações financeiras ainda não é conhecido exatamente o valor total do gasto (ou do rendimento), o registo será feito por um valor que seja estimado, com base nos dados disponíveis. No período em que o montante final é conhecido, será feita a respetiva correção a tal estimativa[7].
Portanto, para respeitar o princípio da especialização dos exercícios  contabilização de um gasto (ou rédito), não é indispensável que seja certo.
Neste contexto interpretativo, aproximemo-nos agora das questões de um ponto de vista mais prático, tal como nos são colocadas para julgamento.
Assim, sabemos que:
Na conta 62.23613 “Trabalhos especializados-outros” o Impugnante contabilizou desde 30/4/2000, até 30/11/2000 diversas verbas. Duas com a descrição “valor considerado como custos dos órgãos sociais”, e as restantes como “valor estimado para custos dos órgãos sociais”, tudo no montante de € 79.277,31.
A AT considerou que esta contabilização respeitava a “provisões para custos dos órgãos sociais que não têm enquadramento fiscal”.
O Impugnante alega que se trata de um accrual quanto aos custos de gestão e funcionamento dos órgãos sociais, estimado com base nos encargos gerais de gestão facturados pela sociedade L........... SA no exercício de 1999. Apenas em 27 de Fevereiro de 2001 a sociedade L..........., SA emitiu a correspondente fatura referente aos encargos gerais de gestão e prestação de serviços, no montante total de € 93.351,55  o que evidencia ter procedido corretamente ao contabilizar um acréscimo de custo elativo à gestão e funcionamento dos órgãos sociais inclusive num valor inferior ao que efetivamente se veio a verificar, pelo que o mesmo não pode ser desconsiderado pela Administração Tributária (arts 94º a 97 da douta petição inicial).   
Todavia, decorre do alegado que o princípio da especialização dos exercícios ou da periodização do lucro tributável não foi cumprido em conformidade com a alínea b) do n.º 3 do art.º 18º do CIRC que expressamente identifica como gerador do custo a data em que o serviço é concluído, exceto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução.
No caso, a contabilização não ocorreu na data em que o serviço foi concluído nem constitui imputação proporcional à sua execução.
A Impugnante diz tratar-se de um accrual, o que demanda a densificação deste conceito para dele as necessárias consequências jurídicas.
Assim, a conta 27.3 “Acréscimos e diferimentos – Acréscimos de custos” diz respeito aos gastos a reconhecer no exercício mas que ainda não originaram despesas. De acordo com o POC “esta conta serve de contrapartida aos custos (gastos) a reconhecer no próprio exercício, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja despesa só venha a incorrer-se em exercício ou exercícios posteriores”.
Com efeito, embora os registos contabilísticos devam ter sempre documentos de suporte adequado, ao abrigo deste regime do acréscimo não pode deixar de se contabilizar uma dada operação por falta, por exemplo, da fatura. O prazo genérico de cinco dias úteis para emitir uma fatura, ou quando esta é emitida fora do prazo, não pode determinar que o rendimento, ou o gasto, seja reconhecido em período diferente daquele em que a operação ocorreu.
Um rendimento obtido de uma venda ou de uma prestação de serviços realizada nos últimos dias de 2017 deve ser reconhecido como respeitante ao período de 2017, ainda que a fatura seja emitida apenas em 2018 (dentro do prazo de emissão ou fora desse prazo). O mesmo princípio deve ser seguido para o reconhecimento de gastos, ainda que devam ser capitalizados[8].
Como exemplo desta conta, apontam-se os pagamentos de férias, subsídios de férias e correspondentes encargos sociais a pagar no exercício seguinte; juros a liquidar; eletricidade a liquidar, comunicações (telefone, fax, etc.) a liquidar; seguros a liquidar etc.
De notar que o passivo se refere aos gastos incorridos no final de um ano mas que só serão pagos no ano seguinte[9]
Ou seja, esta conta não constitui um desvio, ou uma exceção, à regra da especialização dos exercícios. Pelo contrário, é uma forma da sua aplicação nas situações em que o Contribuinte já incorreu no custo - o serviço já foi prestado, por exemplo- mas ainda não tem qualquer documento comprovativo e a data do pagamento passa para o exercício económico seguinte.
Estas situações ocorrem por via de regra no fim do exercício, pois é neste período  que mais facilmente se incorre num custo ainda não faturado, considerando o prazo geral para emissão de faturas regulado no art.º 36º do CIVA.
Esta conta tem um caráter residual, onde se podem lançar uma diversidade de enorme de custos a imputar ao exercício económico corrente, que  apenas serão despesa no exercício económico seguinte.
Ora a Impugnante/Recorrida não movimentou esta conta, como seria devido se pretendesse, efetivamente, cumprir as regras do “acréscimo”.
Depois, a Impugnante/Recorrida também não demonstrou que os respetivos custos tivessem sido incorridos no exercício analisado. Pelo contrário, ao alegar que a fatura foi emitida em 27 de Fevereiro de 2001 - admitindo que foram respeitados os prazos legais de emissão-, revela que o custo não foi incorrido em 2000.
Assim, bem andou a AT ao não aceitar tal contabilização como custo do exercício e a sentença não se pode manter, nesta parte.
Quanto aos honorários pagos a advogado, foi movimentada a conta 62.22911 com lançamentos mensais com a descrição “provisões para custos do advogado”.
Quanto a esta conta não há dúvidas. A Impugnante movimentou-a como “provisões para custos do advogado”, pelo que não poderiam ter sido aceites como custos por não terem apoio legal no art.º 33º do CIRC, na redação aplicável.
A Impugnante reitera que se trata de um “accrual” e que tais custos só viriam a ser objeto de uma nota de despesas e honorários apresentados à Impugnante no montante total de € 34.360,79 em 18 de abril de 2001. Pelo que, defende, limitou-se a contabilizar os custos respeitantes aos honorários e despesas em causa – inclusive, e uma vez mais, num valor inferior ao que efetivamente se veio a confirmar- em obediência ao princípio da especialização dos exercícios... (arts. 110º e segs. da douta petição inicial).
É totalmente transponível para este caso a reflexão que fizemos  para os custos de gestão e funcionamento dos órgãos sociais, com a agravante de que a Impugnante assume, na contabilização, tratar-se de “provisões”.
Naturalmente, não só não respeita o princípio da especialização dos exercícios como a constituição de provisões não respeita o disposto no art. 33º CIRC.
Assim, a AT procedeu corretamente não aceitando tais custos.
No que respeita à conta 64.61 – Seguros de Acidentes de trabalho, a Impugnante registou o documento interno n.º 70.651, de 31/2/2000, no montante de € 13.537,95 referindo-se a “provisões para seguros de acidentes de trabalho” 
Ao contrário do que alega para a contabilização seguinte, não invoca qualquer erro de contabilização. Contudo, é evidente que a lei não permite constituição de provisões para acidentes de trabalho, pelo que a respetiva contabilização não pode ser aceite, por manifesta falta de requisitos legais para o efeito (art. 33º do CIRC, na redação aplicável)
Quanto à conta 64.82 – Indemnização por despedimento.
Esta conta foi movimentada pela |Impugnante com o registo de um documento interno n.º 70.111 de 31/03.2000 no montante de € 13.467,54 referindo-se a “provisões para indemnizações por despedimento” que a AT não aceitou por não cumprir o disposto no art.º 33º/1 do CIRC.
A Impugnante reconhece que esta contabilização resultou de “manifesto lapso”. Contabilizou como acréscimo de custos quando se tratou efetivamente de um custo incorrido e pago durante o exercício de 2000 respeitante ao pagamento de uma indemnização por um despedimento pago a um colaborador (artigos 104º e seguintes da douta petição inicial), como prova com os documentos 12º e 13º.
Da documentação junta e cujo conteúdo oficiosamente se aditou aos factos provados, podemos concluir que no documento “revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo”, datado de 29 de março de 2000, a Impugnante obrigou-se a  pagar ao trabalhador a quantia de Esc. 2.595 000$00, quantia que foi efetivamente debitada pelo cheque B........... n.º ...........
Assim, embora erradamente contabilizado como  “provisão para indemnização por despedimento” demonstra-se que este custo foi incorrido no exercício de 2000, justificando-se a sua aceitação nos termos do art. do art.º 23º/2-d) CIRC, na redação aplicável.
Assim, nos termos expostos a sentença que julgou procedente a impugnação com fundamento na correta contabilização como “acréscimo de custos” da totalidade dos gastos acima referidos não se poderá manter integralmente.
Persiste, no entanto, a anulação parcial da liquidação na parte relativa à indemnização paga, mas com a presente fundamentação.

Prosseguindo, o Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda do facto de a sentença ter concedido procedência ao pedido de anulação das correções fiscais como consequência do resultado das impugnações das liquidações de 1997 e 1999.

Com efeito, o MMº juiz considerou que por aquelas liquidações terem sido impugnadas  nos processo de impugnação n.º 23/04.0BELRA e 844/04.4BELRA e  terem sido julgadas parcialmente procedentes, as mesmas, na estrita medida em que os actos de liquidação  de 1997 e 1999 foram anulados, irão necessariamente afetar o montante da dedução de prejuízos fiscais reportados ao ano de 2000.
E deste modo, a Impugnação tem que proceder com base neste fundamento, mas apenas na estrita medida em que os actos de liquidação de 1997 e 1999 foram anulados”.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública argumenta que a sentença excedeu pronúncia na medida em que se dá solução a uma questão dependente da resolução das impugnações judiciais. E como estas contendiam com as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1997, 1998 e 1999, então dever-se-ia ter ordenado a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, nos termos dos artigos 269º/1-c, 272º/1 e 276º/-c) do CPC.

Por outro lado, defende que também omitiu pronúncia pois é dado por assente que as impugnações  referidas já foram decididas e transitaram em julgado. E assim sendo, nada obstaria a que se quantificasse com rigor o valor dos prejuízos fiscais que o Tribunal de 1ª instância ajuíza poderem ser deduzidos pela recorrida. “Quantificação essa tanto mais necessária pois, mais não fora, permitiria à Fazenda Pública conformar-se ou reagir contra a condenação na integralidade das custas do processo, vista a latitude de indeterminação que a esse propósito grassa na sentença sob recurso onde, não obstante, veio a obter um vago ganho de causa parcial.
Sendo porém certo que a impugnante, quanto ao IRC de 1999, não viu reconhecida a sua pretensão nesta causa de pedir e só foi a Fazenda Pública condenada em 25% das custas do respetivo processo” (Conclusões O) a S).

O Exmo. Representante da Fazenda Pública insurge-se, assim, com a sentença recorrida na parte em que a anulação parcial dos atos de liquidação de 1997 e 1999 afetam o montante da dedução de prejuízos fiscais reportados ao ano de 2000.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública não diz que as sentenças não transitaram em julgado, o que seria uma defesa relevante, na medida em que não seria possível alterar o montante dos prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 2000 com base em sentenças não transitadas.

Mas o conteúdo da sentença tem pertinência, e não vemos que mereça a censura que lhe é feita.
 
Com efeito, no RIT diz-se que a Impugnante “...deduziu indevidamente à matéria colectável o montante de € 185.446,50 (37.178.685$00) relativo a correções efetuadas nos prejuízos fiscais de exercícios anteriores, nos termos do n.º do artigo 46º do CIRC” e que foi “...efetuada a correção aos prejuízos fiscais dedutíveis neste exercício...”

Na petição inicial a Impugnante alegou (artigos 107º e segs) que a AT tinha corrigido “...a dedução de prejuízos fiscais no montante de € 185.446,50 uma vez que por força das correções efetuadas aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 não ficaram prejuízos por deduzir”. E que as liquidações de 1997 e 1999 foram impugnadas e correm seus termos sob os n.ºs 23/04.0BELRA e 844/04.4 BELRA.
E quanto à liquidação de 1998, a impugnante deduziu um processo de intimação judicial para um comportamento, que correu termos sob º n.º 547/04 tendo o pedido da ora impugnante sido deferido por sentença transitada em julgado em 29/10/2004, estando nesta data a correr um processo de execução de sentença por incumprimento voluntário da sentença.”

Como na data em que foi proferida a sentença o MMº juiz estava em condições  conhecer o resultado de tais impugnações, por serem suscetíveis de influenciar o cálculo dos prejuízos fiscais a reportar, ao abrigo do art. 663º CPC (atual art.º 611º do mesmo código),   determinou a anulação da liquidação na estrita medida em que os atos de liquidação de 1997 e 1999 foram anulados.

Visto os fundamentos da correção efetuada pela AT e a causa de pedir alegada, resulta claro que não houve excesso de pronúncia.

Tão pouco padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter ordenado a suspensão da instância por existência de causa prejudicial. Na verdade, não só a suspensão seria inútil, uma vez que a questão já tinha sido decidida, como também a falta desse despacho não configuraria omissão de pronúncia. Tal matéria nem sequer foi invocada pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública na sua contestação, pelo que não constitui, sequer, “questão” acerca da qual recaia o dever pronúncia por parte do tribunal. (cfr. art.º 615º/1-d) CPC).

Por outro lado, o facto de não se ter quantificado com rigor “o valor dos prejuízos fiscais que o Tribunal de 1ª instância ajuíza poderem ser deduzidos pela recorrida”, que o Exmo. Representante da Fazenda Pública diz ser necessário para permitir à Fazenda Pública conformar-se ou reagir contra a condenação na integralidade das custas” não constitui  qualquer ilegalidade pois o pedido da Impugnante também só contempla a anulação parcial da liquidação de IRC de 2000 por anulação da correção referente a prejuízos fiscais.
Ou seja, a Impugnante não ficou vencida com a decisão pelo que a condenação da AT em custas também não merece censura.

Todavia, esta questão deixa de ter oportunidade uma vez que em função do decidido neste acórdão a questão das custas sofre alteração na sua repartição (cfr. art.º 527º/2 do CPC).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:

a) Revogar a sentença na parte em que considerou procedente a impugnação no capítulo identificado no seu ponto “ii) Custos não aceites” com exceção dos custos com a indemnização por despedimento, correspondente a 2.595. 000$00, que se mantêm, com outra fundamentação.

b) No mais, julgar improcedente o recurso.

 

Custas em ambas as instâncias por Recorrente e Recorrida, na proporção do respectivo decaimento, solicitando-se, se houver dúvidas quanto a este, informação ao SF.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

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[1] Pedro Neto Rodrigues “O Regime Jurídico-Fiscal da Subcapitalização: do seu âmbito e Alcance”, Fiscalidade n.º 21 (Janeiro-Março 2005), pp. 21 e segs.

[2] Seguimos de perto Adriana Pinho Soares Sardão in “Dedutibilidade de Juros em Sede de IRC: Algumas Questões”, pp. 20 e segs. consultável em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16418/1/Dedutibilidade%20de%20Juros.pdf.
[3] Como expressamente decidiu o STA no seu acórdão n.º 0281/08 de 12-11-2008 Relator: JORGE LINO
Sumário:         I – A subcapitalização correspondente a um recurso excessivo a capitais de terceiros face aos capitais próprios como forma de financiamento das sociedades.
II – A subcapitalização tem sido crescentemente encarada como possível forma de evasão fiscal que a lei pretende limitar, dadas as suas consequências em termos de redução das receitas fiscais.
III – O artigo 57.º-C do Código do IRC, na redacção da Lei n.º 5/96, de 29 de Janeiro – estabelecendo uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes no território português, para efeitos da dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade –, afronta nomeadamente os princípios da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais reconhecidos nos artigos 43.º e 56.º do Tratado da Comunidade Europeia.
IV – Como assim, o despacho administrativo fundamentado na redacção do dito artigo 57.º-C do Código do IRC padece de ilegalidade determinante da sua anulação.
[4] Ac. n.º 0770/14 de 08-11-2017 - Relator:               FONSECA CARVALHO  
Sumário:              I - A subcapitalização corresponde a um recurso excessivo a capitais de terceiros como forma de financiamento das sociedades.
II - A subcapitalização ou “Thin capitalization” é sob o ponto de vista fiscal uma forma de utilização de endividamento junto de entidades não residentes com vista à redução artificial do lucro tributável das empresas para efeitos de IRC.
III - O artigo 61 do CIRC sendo uma medida antiabuso que estabelece uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade viola o princípio de livre circulação de capitais que o artigo 63 do TSFUE garante bem como o artigo 8º nº4 da CRP.

[5] “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2007, pp.91 e segs.
[6] Rui Marques in “Código do IRC Anotado”, Almedina 2019, pp.163.
[7] Ana Cristina Silva, op. cit
[8] Ana Cristina Silva in “Jornal de Negócios” consultável em  https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/detalhe/o-regime-do-acrescimo
[9] Carlos Baptista da Costa e Gabriel Correia Alves in “Contabilidade Financeira”, 5ª edição, pp. 307. Negrito nosso.