Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03542/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/26/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC
CUSTO FISCAL
PROJECTO DE FLORESTAÇÃO DE ESPÉCIES ARBÓREAS NÃO AMORTIZÁVEIS
Sumário:I) - A arborização integrante de um projecto de florestação de azinheiras e alfarrobeiras, subsidiado com fundos comunitários, constitui activo imobilizado da empresa.

II) -Os investimentos com a plantação de espécies arbóreas com vida útil normal igual ou superior a 100 anos não são reintegráveis ou amortizáveis - código 0040 da Tabela I anexa ao Decreto Regulamentar n° 2/90 de 12 de Janeiro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NESTE TRIBUNAL:

1. -A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida pelo Sr. Juiz do TAF de Beja, que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela A..., Ldª., contra a liquidação adicional de IRC relativo a 1999, dela recorreu para este Tribunal, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

“A Nos presentes autos estão em causa custos contabilizados pela impugnante, que se encontram directamente conexionados com a implementação de um projecto florestal -azinheiras e alfarrobeiras -, subsidiado com fundos comunitários.
B A arborização que integra o referido projecto de florestação constitui activo imobilizado da empresa.
C Os investimentos com a plantação de espécies arbóreas com vida útil normal igual ou superior a 100 anos não são reintegráveis ou amortizáveis - código 0040 da Tabela I anexa ao Decreto Regulamentar n° 2/90 de 12 de Janeiro.
D O critério de valorimetria do activo imobilizado "in casu" deverá ser o previsto no artigo 2° do sobredito Decreto Regulamentar.
E Ou seja, o activo imobilizado em causa deverá ser valorizado como um todo, considerando-se como um todo os bens e serviços que concorrem para a plantação florestal, designadamente despesas suportadas com piquetagens, valas e cômoros e com operações de retancha (sementes e mão-de-obra para a reposição de árvores que não vingaram).
F A douta sentença "a quo" dissociou os mencionados custos do respectivo projecto de investimento florestal ao qual estão inegavelmente associados, imputando-os ao terreno.
G E julgou a impugnação provada e procedente, anulando parcialmente a liquidação adicional de IRC de 1998, na parte relativa aos mencionados custos contabilizados pela impugnante nesse exercício, em nosso entender erradamente.
H Para considerar aceites os custos referentes às despesas suportadas com projecto de florestação, a douta decisão recorrida ancorou-se no Decreto Regulamentar n° 2/90, de 2 Janeiro - código 0130 da Tabela I anexa - e no artigo 23° do Código do IRC, disposições estas que, ressalvado o devido respeito, não se aplicam aos factos ora controvertidos.
I Verificando-se, em nosso entender, erro na subsunção dos factos a normas que não lhes são aplicáveis.
J No caso dos custos ora controvertidos, salvo melhor opinião, deverá ser aplicável o disposto artigo 2° do Decreto Regulamentar n°2/90 de 12/01, e no código 0040 da Tabela I que lhe está anexa.
L Não devendo tais custos serem fiscalmente aceites, porquanto são custos do imobilizado que não são reintegráveis ou amortizáveis.
Pelas razões acima expendidas
A representação da Fazenda Pública requer seja revogada a sentença recorrida,
E substituída por decisão que julgue a impugnação improcedente”

Houve contra -alegações em que a recorrida oferece o merecimento dos autos.

A EMMP pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. - A sentença recorrida deu como provadas as seguintes realidades e ocorrências:

1º- Em virtude de uma inspecção à contabilidade da impugnante, a administração fiscal não aceitou, entre outras correcções, "esc: 1.117.000SOO referente a trabalhos inerentes ao projecto de investimento, identificado no mapa de amortizações pelo código 0130 do Decreto - Regulamentar 2/90", nem esc: 2.502.761$00 referentes a "despesas de investimento contabilizadas como compras", o que determinou um acréscimo à matéria colectável de esc: 3.620.461$00 - doc. Fls. 21-A.
2°- Estas verbas reportam-se a primeira, a despesas com piquetagens, valas e cômoros, que a impugnante imputou como custos do activo imobilizado, amortizando-as pelo código 0130 do decreto-regulamentar 2/90 e, a segunda, reporta-se a retanchas que a impugnante imputou a custos do exercício, e correspondem todas elas, a despesas que a impugnante teve por causa da manutenção de um investimento florestal feito em anos anteriores - depoimento das testemunhas Joaquim Palma e José Caeiro, conjugado com o relatório da inspecção de fls. 18 e acordo das partes expresso nos articulados.
3°- Em consequência da acção inspectiva procedeu-se à liquidação adicional n° 2000 8310012631, de que resultou a matéria colectável de esc: 6.066.897$00, com o valor total a pagar de esc: 1.838.243$00 - doc. Fls. 29.
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Ao abrigo do artº 712º do CPC adita-se ao probatório a seguinte factualidade:
4º. – O investimento florestal referido em 2 consistiu, além do mais, na plantação de azinheira e alfarrobeiras e azinheiras.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos juntos aos autos.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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3. -A questão que se coloca é a da consideração das verbas contabilizadas pela impugnante como custos e que se encontram conexionadas com a implementação de um projecto florestal subsidiado com fundos comunitários.
Vejamos:
Para julgar procedente a impugnação, a sentença, depois de identificar como questões a resolver as de saber se as despesas com piquetagens, valas e cômoros podem ser amortizadas e se as despesas com retanchas podem ser contabilizadas como custos do exercício, considera, além do mais, o seguinte:
“4.1. O código 0130 da tabela I do Decreto Regulamentar 2/90 de 12/01, diz expressamente que são amortizáveis "ripagens e correcções do solo de efeito duradouro".
Provado que está que a impugnante procedeu a obras, denominadas como "piquetagens, valas e cômoros, "afigura-se-me que estas obras subsumem-se à previsão legal, pelo que deve permitir-se imputar estas obras como despesas dos terrenos e, não apenas da floresta. Logo, amortizáveis nos termos pretendidos, pelo que a amortização está bem feita.
4.2. Nos termos do art° 23 do CIRC, são custos "os que comprovadamente forem indispensáveis para (...) a manutenção da fonte produtiva". Assim sendo, as retanchas, porque necessárias para a manutenção da floresta, devem ser aceites como custo do exercício.
Logo, procede a acção.”
Vê-se, pois, que, pela sentença foram considerados como custos fiscais e como tal contabilizados pela impugnante no exercício de 1998, as despesas por ela suportadas com um projecto de florestação (amortizações e compras) e que foram desconsiderados pela Inspecção Tributária em procedimento inspectivo levado a efeito entre Maio e Julho de 2000.
O esteio fundamentador assentou nas disposições contidas no Decreto Regulamentar n° 2/90, de 2 Janeiro - código 0130 da Tabela I anexa - e no artigo 23° do Código do IRC, que entendeu aplicáveis à situação da impugnante.
A recorrente FªPª discorda desse enquadramento, sustentando que essas despesas se encontram directamente conexionados com a implementação de um projecto florestal - azinheiras e alfarrobeiras -, subsidiado com fundos comunitários e que tais custos respeitam a amortização praticada no valor de €5.575,06, referente aos trabalhos inerentes ao projecto de florestação, e a despesas de investimento no montante de €12.483,72 contabilizadas como compras.
Nesse conspecto, deverá ser aplicável o disposto artigo 2° do Decreto Regulamentar n°2/90 de 12/01, e no código 0040 da Tabela I que lhe está anexa, não devendo tais custos serem fiscalmente aceites, porquanto são custos do imobilizado que não são reintegráveis ou amortizáveis.
A EPGA está em sintonia com o ponto de vista da recorrente e também nós aderimos a tal entendimento.
Com efeito, o investimento florestal em causa integra o activo imobilizado da empresa e é como tal contabilizado havendo a sentença recorrida desconsiderado completamente o disposto no Decreto Regulamentar n° 2/90 de 12/01 no que respeita ao critério de valorimetria do activo imobilizado.
Com referência ao estatuído no artigo 2°, do Decreto Regulamentar n°2/90, na senda da recorrente, aquele activo imobilizado deverá ser valorizado como um todo, considerando-se como tal os bens e serviços que concorrem para a plantação florestal, designadamente despesas suportadas com piquetagens, valas e cômoros e com operações de retancha (sementes e mão-de-obra para a reposição de árvores que não vingaram).
Sendo assim, tais plantações inserem-se no código 0040, da Tabela I anexa do Dec. Regul. n°2/90, o qual é reportável às plantações de bosques e florestas constituídas por espécies arbóreas cuja vida útil normal é igual ou superior a 100 anos (como é o caso) as quais não são reintegráveis.
Essa solução é imposta pela natureza e materialidade das operações em causa.
É assim que os trabalhos de piquetagens, vales e cômoros destinam-se a receber a semente ou a planta e não têm outra finalidade que não esta e, nessa medida, são inerentes ao activo imobilizado "floresta".
Através da consulta de uma publicação do INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DE LISBOA - DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL, in www.dec.isel.ipl.pt, sob o item “TOPOGRAFIA APLICADA – Procedimento - Título: Perfis Longitudinais-Objectivo, podemos alcançar uma melhor compreensão sobre em que consistem os trabalhos de piquetagem.
Ali se expende:
“O presente trabalho consiste, em realizar um levantamento topográfico, por forma a definir uma directriz
1 – Introdução
Após o tratamento do levantamento topográfico pode-se definir a directriz utilizando um dos muitos programas específicos para essa operação. Com base nesses programas pode-se calcular as coordenadas dos pontos de 25 em 25 metros e todos os outros pontos notáveis da estrada (TE, EC, CE, ET), bem como os limites de taludes e expropriações, entre outros. Os pontos de 25 em 25 metros são importantes, pois é com base neles que se vai calcular os perfis transversais, muito importantes para os movimentos de terras.
A Piquetagem da directriz é a operação que materializa no terreno o posicionamento da estrada. Esta operação deve ser executada com grande rigor, para evitar problemas na determinação dos perfis transversais e nos limites de expropriação. A Piquetagem é efectuada com o auxílio de uma Estação Total, cravando no solo estacas pintadas com cores apropriadas tendo em conta o elemento a piquetar. Por exemplo, os pontos da directriz são identificados por estacas de cor vermelha contendo informação da diferença entre a rasante do arruamento e a cota do terreno. Na estaca está desenhada uma seta que indica se o volume de terras é a escavar ou a aterrar, dependendo do sentido da seta, respectivamente.” –sublinhados nossos.
Por outro lado, a retancha destina-se ao repovoamento das espécies arbóreas que não vingaram, de molde a que o projecto de florestação apresente uma densidade mínima de povoamento florestal, que é uma condição necessária para se manter o direito ao subsídio comunitário atribuído ao projecto de investimento - os depoimentos das testemunhas-arroladas assim o confirmam (fls 86 a 88 dos autos).
Destarte, a sentença recorrida, também a nosso ver indevidamente, dissociou os referidos custos que eram inerentes ao projecto de investimento florestal ao qual estão inegavelmente associados, imputando-os ao terreno, quando é certo que aqueles custos se integravam no custo inicial da implementação do projecto de florestação.
Por isso mesmo, têm de haver-se como custos do imobilizado, enquadráveis no Código 0040 da Tabela I anexa ao Dec. Regulamentar nº 2/90, de 12/01, e, consequentemente, não são reintegráveis.
E também não podem constituir custos do exercício nos termos dos dispositivos legais que ancoram a decisão recorrida pois, ainda em consonância com a recorrente FªPª, não se antolha a coerência da necessidade de proceder a trabalhos de piquetagem, valas e cômoros, os quais se destinam exclusivamente à plantação de espécies arbóreas, imputando-os apenas ao terreno, sem que neste se verifique a existência de um projecto de florestação associado.
Do que vem dito decorre que bem andou a AF ao não aceitar os custos relativos a "amortização" e a "despesas de investimento contabilizadas como compras", no âmbito de um projecto florestação de espécies arbóreas não amortizáveis, o que equivale a dizer-se que a sentença incorreu em erro na determinação das normas aplicáveis ao caso concreto tendo em conta a estatuição do artigo 2° do Decreto Regulamentar n° 2/90 de 12/01, e no código 0040 da Tabela I que lhe está anexa.
Pelo que, nesta medida, a sentença recorrida enferma do erro de julgamento invocado pela recorrente Fazenda Pública, devendo o recurso ser provido.
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4. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se a liquidação impugnada.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs..
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Lisboa, 26/01/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)