Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:566/13.5BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
INQUÉRITO CRIME
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
Sumário:
I. A aplicação do disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT pressupõe que a instauração do inquérito criminal ocorra quando o prazo de caducidade do direito à liquidação ainda não se esgotou.

II. A interpretação em sentido distinto atenta contra o princípio da proteção da confiança.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

H….., SA (doravante Recorrente ou Impugnante ou H…..) veio apresentar recurso da sentença proferida a 27.10.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o ato do Diretor da Unidade de Fiscalização do Algarve do Instituto da Segurança Social, IP, de 18 de abril de 2013, que lhe liquidou adicionalmente contribuições devidas à Segurança Social, relativas aos períodos compreendidos entre agosto de 2006 e setembro de 2012.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“                                                                             1.ª

À declaração dos factos assentes feita na sentença recorrida deve ser aditado o seguinte facto: “O inquérito criminal que corre termos com o número 30/2014.PTMCC no DIAP de Portimão, Comarca de Faro (2.ª Secção), teve início em 19 de Julho de 2013”.


2.ª

O qual resulta do documento autêntico de fls. 209 (fls. 248 dos autos no SITAF), que dele faz prova plena, não tendo sido arguida a respectiva falsidade, e assume relevância para a decisão da causa, segundo solução plausível da questão de Direito.

3.ª

A liquidação oficiosa impugnada nos autos respeita a contribuições e quotizações previdenciais devidas pelo pagamento a determinados trabalhadores da Apelante de alegado trabalho suplementar, sob a aparência de remuneração de trabalho independente, entre Agosto de 2006 e Dezembro de 2010.

4.ª

Aquela liquidação foi notificada à Apelante em Abril de 2013, data na qual já haviam decorrido mais de quatro anos sobre a verificação dos factos tributários ocorridos entre Agosto de 2006 e Abril de 2009.

5.ª

Pelo que se encontrava extinto, por caducidade, o direito de o Apelado liquidar contribuições e quotizações devidas pela remuneração paga a trabalhadores da Recorrente, pelo menos, entre Agosto de 2006 e Abril de 2009.

6.ª

A caducidade do direito à liquidação oficiosa não é impedida pela pendência de inquérito criminal para apuramento de factos coincidentes com o objecto dos presentes autos, pois na data da instauração deste – 19 de Julho de 2013 –, o referido prazo de caducidade, de quatro anos, já havia decorrido.

7.ª

Nos mesmos termos em que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, igualmente apenas pode ser alargado o prazo de caducidade que se encontre em curso.

8.ª

Ao declarar a improcedência da impugnação judicial, na parte objecto do presente recurso, a sentença recorrida infringiu as normas do n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil e n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se procedente a impugnação judicial deduzida, na parte objecto do presente recurso”.

O Instituto de Segurança Social, IP (doravante Recorrido ou ISS) contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

A- O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal “ a quo” que julgou, com exceção das dívidas contributivas apuradas com relação a L….., julgou improcedente a impugnação judicial proposta, e nessa medida, manteve os atos de apuramento e liquidação oficiosa de contribuições praticados pelo aqui Recorrido.

B- Para tanto, a Recorrente invoca que que o Tribunal a quo decidiu de modo incorreto o litígio submetido à sua apreciação, ao não declarar extinto, por caducidade, o direito à liquidação oficiosa e cobrança de contribuições e quotizações devidas ao aqui Recorrido, relativas a factos tributários ocorridos entre Agosto de 2006 e Abril de 2009.

C- Pedindo “in fine” que seja dado “provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se procedente a impugnação judicial deduzida, na parte objeto do presente recurso”.

D- No entanto, sem razão, como se verá de seguida.

E- Ora, ao contrário do que a Recorrente pretende demonstrar a sentença é bastante clara na apreciação dos factos quer quanto à solução da questão de Direito.

F- De facto, o tribunal “a quo”, na nossa opinião corretamente, analisou bem os factos ao considerar que não está em causa qualquer caducidade do direito de liquidação.

G- Assim, o tribunal a “quo” não decidiu de forma errada, uma vez que considerou e bem que as contribuições para a Segurança Social são impostos (ou, pelo menos, tributos a este equiparáveis).

H- Ora, por norma as contribuições para a Segurança Social, aqui Recorrido, resultam da apresentação de declarações de remunerações pelo contribuinte, aqui pela Recorrente, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

I- No entanto, há casos, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração, aqui Recorrido, em suprimento das obrigações dos contribuintes.

J- Com efeito, o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 8-B/2002, sob a epígrafe «Suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes», dispunha que – n.º 1 – “Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações”, sendo que – n.º 2 - ”A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção”.

K- No mesmo sentido, dispõe, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a falta ou insuficiência das declarações previstas nos números anteriores podem ser supridas oficiosamente pela instituição de segurança social competente, designadamente por recurso aos dados de que disponha no seu sistema de informação, no sistema de informação fiscal ou decorrente de acção de fiscalização” – artigo 40.º, n.º 3.

L- Ora, quer isto dizer que antes quer depois de 1 de Janeiro de 2011, a Segurança Social pode, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, suprir a falta ou insuficiência das declarações, procedendo à respetiva inscrição e, consequentemente, ao apuramento das contribuições, rectius à liquidação dos tributos, que se mostrem devidos.

M- Nessa senda, é-lhe aplicável o regime estatuído no artigo 45º, n.º 1 da LGT.

N- De acordo com este regime, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, se a lei não fixar outro” – artigo 45.º, n.º 1, da LGT -, contados, nos tributos de obrigação única (como é o caso das contribuições para a Segurança Social), a partir da data em que o facto tributário ocorreu – n.º 4.

O- No entanto, cumpre chamar à colação a exceção prevista no artigo 45º, n.º5 da LGT – “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo referido no n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano” – mesmo artigo 45.º, n.º 5.

P- Ora, os factos tributários que deram origem às liquidações de contribuições impugnadas nos presentes autos, e objeto do presente recurso de apelação, são, o início de funções, em que o Recorrido qualificou como sendo de trabalho dependente, de diversos funcionários da aqui Recorrente.

Q- Face ao exposto, e uma vez que a Recorrente pautou pela ausência de pagamento de tais contribuições, foi instaurado inquérito criminal, que corre termos com o número 30/2014.PTMCC no DIAP de Portimão, Comarca de Faro (2.ª secção), e se encontra suspenso por força da interposição da presente Impugnação Judicial – de acordo com o ponto 45 da matéria de facto dada como provada.

R- Facto esse que motivou que o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45º da LGT fosse alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

S- No entanto, e ao contrário do alegado pela Recorrente, factos esses que ainda não ocorreram, por força da predita suspensão.

T- E, assim sendo, não estando sequer estabilizado o prazo de caducidade, é manifesto que quando ocorreu a notificação, em Abril de 2013 – de acordo com o ponto 8 da matéria de facto dada como provada-, não tinha ainda caducado o direito à liquidação.

U- Pelo que, não assiste, de todo razão à Recorrente!

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V.Exas.,

As presentes alegações de recurso devem ser julgadas improcedentes, por não provadas e, em consequência, manter-se a douta sentença recorrida, mantendo-se assim, o ato impugnado ‘qua tale’”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Há erro de julgamento no tocante à caducidade do direito à liquidação, relativamente às liquidações respeitantes aos meses compreendidos entre agosto de 2006 e abril de 2009?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“QUANTO AO ACTO IMPUGNADO:

1. No dia 6 de Janeiro de 2010, na sequência de visita inspectiva efectuada ao H….., SA ….. (…..), a Autoridade para as Condições do Trabalho comunicou à Unidade de Fiscalização do Algarve do Instituto da Segurança Social, IP, a existência de 6 enfermeiros em situação irregular contributiva perante a Segurança Social, por terem celebrado um contrato individual de trabalho mas serem também pagos como prestadores de serviços, a título de trabalhadores independentes, pelo trabalho suplementar prestado (o que excedia as 40 horas semanais) – cfr. fls. 5-6 do processo de averiguações (Vol. I).

2. Esta denúncia deu origem, em 21 de Setembro de 2010, ao Processo de Averiguações n.º …..– cfr. fls. 1 e 4 do processo de averiguações (Vol. I).

3. No dia 26 de Outubro de 2012, no âmbito do Processo de Averiguações n.º ….., foi elaborado o Projecto de Relatório de fls. 3.705-3.740 do processo de averiguações (Vol. IX), que aqui se dá por integralmente reproduzido, e no qual foram formuladas as seguintes conclusões: “(…) – Conclusões Após a apreciação de todo o processo e na posse da informação colhida no decorrer do mesmo, foram verificados os factos apurados relativamente à  subordinação jurídico-temporal de um grande conjunto de trabalhadores da EE [Entidade Empregadora, o H…..]. Desse grande conjunto de trabalhadores, salientam-se pela relevância que revestem, os seguintes factores comuns entre eles: - Todos celebraram contrato de trabalho com a EE e foram devidamente vinculados como trabalhadores por conta de outrem com a devida comunicação de admissão perante a Segurança Social, apresentando rendimentos de Categoria A – Trabalho Dependente, em sede de declaração de IRS anual; - Em simultâneo, estes mesmos trabalhadores apresentaram rendimentos da Categoria B – Trabalho Independente, declarados em sede de IRS anual, para a sua entidade empregadora enquanto laboravam nas mesmas funções. Sendo evidente que a dependência jurídico-laboral se mantém no decurso do trabalho executado, os recibos verdes surgiram como um artifício utilizado pela EE com vista a dissimular o trabalho suplementar realizado pelos próprios trabalhadores da EE. Considerando ainda o facto de existir um limite anual de n.º de horas laboradas em trabalho suplementar (vide cláusula 25.º das Convenções Colectivas para o Sector da Hospitalização Privada), o recurso à figura do prestador de serviço, ou seja, do trabalho pago contra recibo verde poderia colmatar aquela restrição para além da óbvia poupança gerada para a Entidade Empregadora que deste modo não teria encargos contributivos perante a Segurança Social relativamente àquelas horas de laboração. Por tudo o que é exposto, pela prova recolhida e pelos factos apurados, ao abrigo do direito aplicável, foi registada a ocorrência das seguintes irregularidades: A) Indicação, na folha de remunerações, de valores diferentes dos legalmente considerados como base de incidência: A EE não declarou perante a Segurança Social, como legalmente estava obrigada, as importâncias que foram processadas e pagas aos seus trabalhadores a título de remuneração por trabalho suplementar, em laboração ocorrida entre Agosto do ano 2006 e Dezembro do ano 2010, tendo ocorrido a entrega de DRs sem que aquelas parcelas de remuneração fossem contempladas. (…) A partir de Janeiro de 2011, verifica-se a ocorrência da mesma irregularidade, mas por motivo diferente: a EE não procedeu, como era seu dever, à declaração perante a Segurança Social da totalidade do valor do prémio de chefia que tem vindo a processar a um conjunto de trabalhadores (…); B) Não inclusão de trabalhadores nas DRs: A EE não incluiu, conforme estava legalmente obrigada, alguns dos seus trabalhadores na DR referente ao mês de Outubro do ano de 2010, tendo esta conduta violado (…) Resulta desta forma a elaboração dos mapas de apuramento que se encontram juntos ao presente relatório, em que constam os valores pagos aos trabalhadores a título de remunerações, entre Agosto do ano de 2006 e Setembro do ano de 2012, no montante de 1.484.884,92 €, a que correspondem contribuições no valor de 489.672,20€ (…)”.

4. …..exerceu o seu direito de audição prévia, reconhecendo as irregularidades relativas à não inclusão de alguns trabalhadores na declaração de remunerações de Outubro de 2010 e aos prémios de chefia – cfr. fls. 3.752-3.785 do processo de averiguações (Vol. IX).

5. Os fundamentos apresentados na audição prévia foram parcialmente admitidos, quanto a P….. e J….., no relatório de fls. 3.807-3.838 do processo de averiguações (Vol. IX).

6. Consequentemente, foram apuradas as remunerações que constam dos mapas de fls. 3.791-3.800 do processo de averiguações (Vol. IX), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e o respectivo montante global de € 463.304,40 de contribuições em falta – cfr. fls. 3.838 do processo de averiguações (Vol. IX).

7. No Relatório referido no ponto 5. foi exarado o despacho do Director da Unidade de Fiscalização do Algarve do Instituto de Segurança Social, IP, – acto impugnado - que concordou com as suas conclusões e propostas – cfr. fls. 3.805-3.806 do processo de averiguações (Vol. IX).

8. Em 18 de Abril de 2013, este despacho e o respectivo relatório foram remetidos, através de correio registado com aviso de recepção, para o Conselho de Administração do H….. e seus mandatários, tendo sido recepcionados por ambos no dia seguinte - cfr. fls. 3.801-3.803 do processo de averiguações.

QUANTO AOS ENFERMEIROS DO BLOCO OPERATÓRIO:

9. Os enfermeiros identificados no Processo de Averiguações n.º ….. que exerciam actividade no bloco operatório: a) Celebraram contrato de trabalho com H….. para o desempenho das funções inerentes à respectiva profissão – facto admitido por acordo; b) Estes contratos não impunham qualquer obrigação de exclusividade – cfr. o depoimento de L….. e os contratos constantes do processo de averiguações; c) Tinham os horários de trabalho elaborados de forma a assegurar o funcionamento dos blocos operatórios das 08:00 às 00:00 horas, em equipas de cirurgia completas e aptas a assegurar o serviço que se encontrava marcado – cfr. os depoimentos de L….. e de C…...

10. Das 00:00 às 08:00 horas, os blocos operatórios funcionavam para a realização de intervenções cirúrgicas urgentes, sendo preparados durante o dia – cfr. os depoimentos de L….. e de C….. e a declaração de M….. (a fls. 111 do processo de averiguações, Vol. I).

11. Nestas situações de carácter imprevisto, o cirurgião chamado à urgência contactava directamente, ou pedia a funcionários administrativos do H….. para contactar, outros elementos (assistentes, instrumentistas, anestesistas, enfermeiros…) para formar a equipa de cirurgia – cfr. o depoimento de L….. e as declarações de S….. (fls. 115 do processo de averiguações, Vol. I), de S….. (fls. 116 do processo de averiguações, Vol. I) e de T….. (fls. 917 do processo de averiguações, Vol. II).

12. Para fazer face às potenciais situações de urgência que pudessem surgir, os enfermeiros manifestavam mensalmente a sua disponibilidade para estar de chamada em determinadas noites, entre 8 a 10 por mês, sendo que pelo menos duas teriam que ser noites de fins de semana – cfr. o depoimento de C…...

13. Estas disponibilidades eram registadas num ficheiro Excel que era entregue à recepção principal do Hospital – cfr. os depoimentos de C….. e de J…...

14. O enfermeiro responsável pelo registo das disponibilidades variava periodicamente – cfr. os depoimentos de C….. e de J…...

15. Os enfermeiros que manifestavam a sua disponibilidade para integrar as equipas de cirurgia em situações de urgência eram remunerados através de igual montante, independentemente de serem, ou não, chamados nas noites em que estavam de prevenção, ou, no caso de serem chamados, independentemente do tipo de cirurgia efectuado – cfr. os depoimentos de C….. e de J…...

16. Apesar de estar de prevenção, determinado enfermeiro poderia não ser chamado para integrar a equipa se o médico cirurgião optasse por outra pessoa, facto de que o informava – cfr. os depoimentos de L….., C….. e J….. (parte final).

17. Também nas cirurgias realizadas no período compreendido entre as 08:00 e as 00:00 horas, o médico cirurgião podia recusar um enfermeiro que se encontrasse de serviço – cfr. o depoimento de L….., em contra-instância.

18. H….. disponibilizava um valor mensal, que orçamentou e correspondia ao custo médio das cirurgias habitualmente realizadas, para pagamento aos enfermeiros que estavam disponíveis para as cirurgias de urgência – cfr. o depoimento de L…...

19. Os responsáveis pela lista de disponibilidades comunicavam ao H….. quais eram os enfermeiros que, no mês a que respeitava o pagamento, deveriam ser pagos – cfr. os depoimentos de L….. e de C…...

20. Em data que não foi possível apurar, os enfermeiros propuseram ao H….. um aumento das suas remunerações por ter aumentado o número de cirurgias de urgência – cfr. os depoimentos de C….. e de L…...

21. J….. e C….. foram responsáveis pela lista de disponibilidades – cfr. o depoimento de L….. e C…...

22. J….. era enfermeiro coordenador/director, sendo superior hierárquico dos restantes enfermeiros, cujos horários geria – cfr. o depoimento de J….. (costumes) e as declarações de M….. (fls. 111 do processo de averiguações, Vol. I), de S….. (fls. 114 do processo de averiguações, Vol. I), de S….. (fls. 116 do processo de averiguações, Vol. I) e de T….. (fls. 917 do processo de averiguações, Vol. I).

23. É prática habitual os enfermeiros que trabalham na região do Algarve fazerem “duplos”, isto é, trabalhar fora do seu horário normal de trabalho, para outra entidade que não o seu empregador – cfr. o depoimento de J…...

QUANTO AOS AUXILIARES DE ACÇÃO MÉDICA E AOS ENFERMEIROS QUE NÃO EXERCEM FUNÇÕES NO BLOCO OPERATÓRIO:

24. L….., enfermeiro responsável pela gestão de camas, de equipas e materiais do internamento hospitalar do H…..: a) Desempenhava as suas por estas em regime de prestação de serviços – cfr. fls. 94, 97- 101 do proc. de averiguações (Vol. I).

25. De 1996 a 2009, M….. foi assistente de análises clínicas no H….. nos seguintes termos: a) De segunda a sexta-feira, das 09:00 às 18:00 horas, com funções de colheita de sangue e análise em laboratório, recebendo instruções de E….., a Directora Técnica de Análises; b) Trabalhou também de forma regular depois das 18:00 horas, e também aos sábados, ficando de prevenção por vezes até segunda-feira de manhã, havendo trabalho de análise em laboratório para fazer quase todas as noites; c) Para esta actividade realizada após as 18:00 horas, era contactada telefonicamente pelo serviço de urgências ou pelos pisos hospitalares, nunca recusando estas chamadas pela responsabilidade do trabalho; d) Até 2003, o valor pago pela actividade realizada após as 18:00 horas constava do recibo de vencimento sob a rúbrica «outras remunerações»; e) Em 2003, os serviços de contabilidade do H….. informaram-na que não podiam continuar a pagar aquelas «outras remunerações» e que teria de se colectar e passar recibos verdes para receber tais verbas, o que fez – cfr. fls. 926-927 do proc. de averiguações (Vol. II)

26. T….. foi, desde 2006 até 28 de Julho de 2010 e a partir de 31 de Janeiro de 2011, enfermeiro responsável pelos pisos de internamento no H…..: a) Sempre a recibo verde, até Outubro de 2010, recebendo uma média mensal entre € 2.500,00 e € 3.000,00, sendo que recebia um valor à semana e outro, superior, ao fim de semana; b) Trabalhava por turnos, num total de 40 horas semanais, e fazia horas extra; c) Recebia a sua remuneração dos turnos normais por transferência bancária e a das horas extraordinárias por cheque, passando dois recibos verdes por mês; d) Em Outubro de 2010, celebrou um contrato de trabalho a termo certo, por 12 meses; e) A partir de Outubro de 2010, passou a passar apenas um recibo verde ao H….. por mês, relativo apenas às horas extra; f) Em 1 de Janeiro de 2011, por indicação do enfermeiro J….., passou a emitir o recibo verde em nome de M….., SA; g) A actividade desenvolvida ao abrigo do contrato de trabalho era exactamente a mesma que desenvolvia quando passava recibo verde, consistindo em elaborar horários e fazer a gestão do serviço, controlar o trabalho do pessoal de enfermagem, responder a reclamações, recebendo sempre orientações da mesma chefia – cfr. fls. 1.135-1.136 do processo de averiguações (Vol. III).

27. F….., auxiliar de acção médica no H…..: a) Tem contrato de trabalho desde 2001 para trabalhar por turnos 40 horas semanais, sendo funções suas auxiliar os utentes, colaborar com o pessoal de enfermagem nos cuidados a prestar, fazer higiene de utentes e a limpeza e desinfecção dos quartos; b) Dirige-se, no início de cada mês, aos Recursos Humanos do Hospital e escolhe os turnos extra que deseja fazer; c) Recebe por trabalho realizado fora do horário de contrato um valor que é pago contra recibo verde; d) Desempenha o mesmo trabalho de auxiliar de acção médica, no mesmo serviço de internamento de cirurgia, quer nos turnos normais quer nas horas extra; e) Nos turnos normais recebe orientações da sua chefia; f) Nas horas extra, se tiver dúvidas ou problema a reportar, fá-lo ao enfermeiro responsável de turno; g) Abriu actividade nas Finanças porque precisava de trabalho extra para ganhar mais e sabia que o Hospital precisava de mais pessoas para fazer turnos; h) Considera que trabalhava de forma autónoma nas horas extra, sem receber orientações de ninguém – cfr. fls. 1.151-1.152 do processo de averiguações (Vol. III).

28. F….., auxiliar de acção médica no H…..: a) Tem contrato de trabalho desde 1999 para trabalhar por turnos 40 horas semanais, sendo funções suas encaminhar pacientes para os consultórios e outros serviços, colaborar com o pessoal de enfermagem, fazer a higiene de utentes e limpar as áreas necessárias; b) Informava a sua chefia acerca da sua disponibilidade para realizar turnos extra que lhe fossem convenientes de acordo com o seu próprio horário normal de trabalho; c) Recebe por trabalho realizado fora do horário de contrato um valor que é pago contra recibo verde; d) Desempenha o mesmo trabalho de auxiliar de acção médica quer nos turnos normais quer nas horas extra; e) Nos turnos normais recebe orientações da sua chefia; f) Nas horas extra, se tiver dúvidas ou problema a reportar, contacta a sua chefia caso esta se encontre ao serviço ou o enfermeiro responsável de turno; g) Disponibilizou-se para trabalhar a recibo verde porque sabia que o Hospital precisava de mais pessoas para fazer turnos; h) Considera que trabalhava de forma autónoma nas horas extra – cfr. fls. 1.158-1.159 do processo de averiguações (Vol. III).

29. P….., fisioterapeuta no H….. entre 2007 e 2009: a) Celebrou um contrato de trabalho a termo certo com o Hospital; b) Era remunerado com € 750,00 mensais a que acresciam comissões de 30% sobre cada tratamento efectuado a doente de ambulatório; c) Trabalhava também ao fim de semana, dias em que não recebia comissões por não serem atendidos doentes externos; d) Fazia 40 horas semanais e se tivesse dúvidas ou problemas a reportar contactava a Enfermeira Chefe; e) Recebeu a sua retribuição sempre mediante entrega de recibo verde – cfr. fls. 1.165-1.166 (Vol. III) e 1.477-1.479 (Vol. IV) do processo de averiguações.

30. M….., auxiliar de acção médica no H…..: a) Tem contrato de trabalho desde 1999 para trabalhar por turnos 40 horas semanais, sendo funções suas prestar auxílio aos doentes, colaborar com o pessoal de enfermagem nos cuidados a prestar, fazer a higiene dos utentes e limpar os quartos; b) Para trabalhar nos turnos extra, ou se disponibilizava ou a chefia informava da necessidade para suprir faltas de pessoal (situação em que os auxiliares se organizavam e depois informavam a sua chefia acerca da sua disponibilidade para realizar turnos extra que lhe fossem convenientes de acordo com o seu próprio horário normal de trabalho), fazendo normalmente 10 turnos extra por mês; c) Recebe pelos turnos extra um valor que é pago contra recibo verde; d) Desempenha o mesmo trabalho de auxiliar de acção médica quer nos turnos normais quer nas horas extra; e) Nos turnos normais recebe orientações da sua chefia; f) Nas horas extra, se tiver dúvidas ou problema a reportar, contacta a sua chefia caso esta se encontre ao serviço ou o enfermeiro responsável de turno – cfr. fls. 1.175-1.177 do processo de averiguações (Vol. III).

31. E….., empregada de enfermaria reclassificada para auxiliar de acção médica no H…..: a) Tem contrato de trabalho desde 2001 para trabalhar por turnos 40 horas semanais, sendo funções suas prestar auxílio aos doentes, colaborar com o pessoal de enfermagem nos cuidados a prestar, fazer a higiene dos utentes e desinfectar as salas de urgência; b) Dirigiu-se aos Recursos Humanos do Hospital para comunicar a sua disponibilidade para fazer mais turnos para além das 40 horas contratadas por semana, passando a comunicar, no final de cada mês, à sua chefia a sua disponibilidade para fazer turnos extra no mês seguinte; c) Recebe pelos turnos extra um valor que é pago contra recibo verde; d) Desempenha o mesmo trabalho de auxiliar de acção médica quer nos turnos normais quer nos extra, inexistindo qualquer diferença de funções ou tarefas, sendo a chefia também a mesma – L…..; e) Nos turnos normais recebe orientações da sua chefia; f) Nos turnos extra, se a sua chefia não se encontrar ao serviço nesse horário, reporta à equipa de enfermagem que esteja em funções – cfr. fls. 1.861-1.862 do processo de averiguações (Vol. V).

QUANTO A L…..:

32. Desde 1999, L….. exerce, 8 horas por dia e 40 por semana, as funções de Director Administrativo e Financeiro do H….. – facto admitido por acordo.

33. Estas funções incluíam entregar até ao dia 15 de cada mês a análise da actividade do mês anterior ao Presidente do Conselho de Administração do H….. e, sob orientação e instrução deste, controlar a efectivação numa base de amostragem de contagens de caixa; elaborar os mapas mensais de custos de stocks; gerir a tabela de facturação; coordenar e elaborar processos de leasing; elaborar mensalmente o mapa de divisão de facturação por centros de custo; gerir o quadro de pessoal do departamento administrativo e financeiro – cfr. o depoimento de L…...

34. Em 2006, L….. obrigou-se perante o H….. a prestar serviços de técnico de contas, do mesmo modo que prestava a outras entidades através do seu gabinete de contabilidade – cfr. o depoimento de L…...

QUANTO A E…..:

35. E….. exerceu, 8 horas por dia e 40 por semana, as funções de Directora Técnica de Análises do H….. – facto admitido por acordo.

36. Estas funções incluíam controlar as tarefas do laboratório, verificar a qualidade das colheitas e elaborar os relatórios respectivos, reportando directamente ao Conselho de Administração do H….., de quem recebia ordens e instruções quanto ao modo de exercício das suas funções – facto admitido por acordo.

37. Em 2005, E….. obrigou-se perante o H….. a exercer actividade laboral como Directora Técnica da Farmácia do Hospital – facto admitido por acordo.

38. Neste âmbito, competia-lhe supervisionar o funcionamento da farmácia hospitalar, assim como toda a medicação disponibilizada para internamento e urgência - cfr. as declarações de E….. a fls. 946 do processo de averiguações (Vol. II).

39. Quer no exercício das funções de Directora Técnica de Análises, quer no da de Directora Técnica da Farmácia do Hospital, E….. reportava sempre ao Conselho de Administração do H….., dividindo-se entre as duas funções durante o horário normal de trabalho – cfr. as declarações de E….. a fls. 945 do processo de averiguações (Vol. II).

QUANTO A L…..:

40. L….. exerceu, 8 horas por dia e 40 por semana, as funções de técnica de Optometria no H….. – facto admitido por acordo.

41. Estas funções incluíam efectuar análises da parte refractiva da consulta de oftalmologia, dar apoio pré e pós-operatório à consulta de oftalmologia, realizar alguns exames oftalmológicos e gerir o stock de consumíveis – cfr. o depoimento de L…...

42. Em 28 de Setembro de 2005, L….. celebrou com a Impugnante (Primeira Outorgante) um acordo que reduziu a escrito sob a designação «Contrato de trabalho a termo certo», na qual esta a admitiu ao seu serviço com a categoria profissional de Optometrista e cuja cláusula quarta tinha o seguinte teor: “A primeira outorgante poderá encarregar a segunda outorgante de desempenhar outras funções para as quais esta tenha aptidões e qualificação profissional e que tenham afinidade com aquelas para que foi contratada” – cfr. fls. 1364 a 1366 do proc. de averiguações (Vol. IV).

43. Em Setembro de 2008, L….. obrigou-se perante o H….. a exercer actividade laboral como auxiliar do cirurgião C….. – facto admitido por acordo.

44. As remunerações apuradas no processo de averiguações respeitam ao período compreendido entre Agosto de 2006 e Junho de 2008 – cfr. fls. 3839 a 3841 do processo de averiguações (Vol. IX).

QUANTO AO MAIS:

45. O H….. oferece ao público em geral um serviço de Atendimento Permanente, 24 horas por dia, 365 dias por ano, podendo dar resposta em caso de urgência a situações cirúrgicas através da sua equipa médica e de enfermagem – cfr. o depoimento de J….. e http://www. …...

46. O H….. criou condições para os seus enfermeiros do quadro receberem formação para estarem aptos a integrar as equipas de cirurgia – cfr. o depoimento de J…...

47. Entre 2006 e 2012, o H….. não contabilizou «trabalho suplementar» a nenhum dos seus funcionários – cfr. fls. 1.581-1.885 do processo de averiguações (Vol.V).

48. Foi instaurado inquérito criminal, que corre termos com o número 30/2014.PTMCC no DIAP de Portimão, Comarca de Faro (2.ª secção), e se encontra suspenso por força da interposição da presente Impugnação Judicial – cfr. fls. 209 dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provou que:


A.

H….. não controlasse a actividade desenvolvida por enfermeiros e auxiliares de acção médica.

B.

Os enfermeiros e auxiliares de acção médica se disponibilizassem, por sua livre iniciativa, para a realização de trabalho urgente e imprevisível fora do respectivo período normal de trabalho.

C.

E….. exercesse a função de Directora Técnica da farmácia hospitalar fora do seu horário de trabalho”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade. Foram assim valoradas as declarações que constam do processo de averiguações, sendo que quer estas quer os depoimentos prestados na diligência de inquirição de testemunhas contribuíram para a formação da convicção do Tribunal.

No entanto, em determinados segmentos, umas não foram totalmente recebidas e outras foram mesmo desconsideradas. Por exemplo, quanto à actividade desenvolvida por E….., o depoimento de L….. foi preterido pelas declarações da própria por o seu conhecimento ser mais directo. Por outro lado, o Tribunal valorou mais a versão de L….. e de C….. que a de J….., por este ter prestado depoimento sem circunstanciar, no tempo e no espaço, o modo de funcionamento do grupo de enfermeiros, apesar de ser evidente que deveria saber mais do que aquilo que disse, uma vez que já trabalhava no Hospital antes do grupo ter sido formado, foi seu porta-voz junto da Administração do Hospital na renegociação do valor pago pelos turnos extra e era superior hierárquico dos restantes enfermeiros (cfr., por exemplo, as divergências quanto ao teor da folha Excel).

O facto de J….. não ter levantado a carta registada que lhe foi remetida para prestar declarações no processo de averiguações – cfr. fls. 777-778 do processo de averiguações (Vol. II) – e a declaração de T….., no sentido de em 2010 ter recebido um telefonema daquele, de quem recebia orientações no exercício das suas funções de enfermeiro responsável pelos pisos de internamento, no contexto das mesmas notificações enviadas pela Segurança Social, no qual J….. lhe teria solicitado que transmitisse ao seu pessoal que não tinham permissão, por parte da Administração do Hospital, para falar sobre o modo como trabalhavam, com a Segurança Social – cfr. fls. 1.135 do processo de averiguações (Vol. III) -, não foram valorados pelo Tribunal: aquele por se desconhecer o motivo e os instrutores não terem repetido a notificação; esta por o declarante ter sido suspenso em Julho de 2011, no âmbito de um procedimento disciplinar cujo objecto se desconhece e não ter sido recolhido qualquer outro indício no mesmo sentido na instrução dos autos.

Ao invés, o Tribunal atendeu especialmente às declarações de M….. e de E….. por estas já não exercerem funções na Impugnante quando prestaram as suas declarações, não haver qualquer indício de um litígio com o Hospital (a segunda foi, até, arrolada como testemunha pela Impugnante) e, por isso, terem condições para depor de forma absolutamente livre – cfr. o facto C dado por não provado.

Quanto ao facto A, alegado no artigo 184.º da Petição Inicial, foi dado por não provado por a única prova produzida ter sido documental e apesar de, como alegado, alguns trabalhadores terem declarado que durante o turno extra consideravam que trabalhavam de forma autónoma – cfr. pontos 26.h) e 27.h) do probatório -, os mesmos declararam também que, nesses turnos extra, surgindo dúvidas ou problemas a reportar, entrariam em contacto com a sua chefia se esta se encontrasse ao serviço ou ao enfermeiro responsável de turno – pontos 26.f) e 27.f); o mesmo tendo sido declarado por outros auxiliares de acção médica – pontos 29.f) e 30.f) – sem que, todavia, estes tivessem, declarado que trabalhavam de forma autónoma.

Quanto ao facto B, alegado no artigo 185.º do articulado inicial, foi dado por não provado por a única prova produzida ter sido documental e daí resultar que o trabalho a fazer não era imprevisível, sendo, antes, efectuado de forma regular e também aos sábados, por haver trabalho para fazer quase todas as noites, no caso de M….. – cfr. ponto 24.b) -, ou os turnos serem escolhidos no início ou no final do mês – pontos 26.b) e 30.b) -, havendo quem fizesse normalmente 10 turnos extra por mês – ponto 29.b).

O depoimento dos inspectores foi valorado na medida em que contextualizaram a decisão final do processo de averiguações, nos termos do artigo 393.º do Código Civil.

A morada (URL) indicada no ponto 45 foi visitada no dia de hoje, tendo a informação aí divulgada considerada pelo Tribunal por o domínio …...com corresponder à designação da Impugnante e não haver razão para presumir que a informação foi criada ou alterada por terceiros, tanto mais que o teor da página é convergente com o depoimento testemunhal prestado”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

49. No âmbito do procedimento de averiguações mencionado em 2., foram realizadas, designadamente, as seguintes diligências:
¾ A 23.09.2010: pedido de informações à Autoridade para as Condições do Trabalho;
¾ A 12.10.2010: notificação a trabalhadores da Impugnante;
¾ Entre 22.10.2010 e 28.10.2010, audição de trabalhadores da Impugnante;
¾ A 15.04.2011, deslocação ao H…..;
¾ A 28.04.2011, pedido elementos ao H…..;
¾ A 20.05.2011, juntada de diversos elementos enviados pelo H…..;
¾ A 16.08.2011, pedido elementos ao H….. e notificações a trabalhadores;
¾ A 23.08.2011, juntada de diversos elementos enviados pelo H…..;
¾ A 26.08.2011, audição de trabalhadores;
¾ A 01.09.2011, notificações a trabalhadores;
¾ A 15.09.2011, audição de trabalhadores;
¾ A 16.09.2011 e a 20.09.2011, juntada de diversos elementos enviados pelo H…..;
¾ A 07.07.2012, pedido de elementos ao H…..;
¾ A 13.07.2012 e 16.07.2012, juntada de diversos elementos enviados pelo H….. (cfr. fls. 84 a 3703 do processo administrativo).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considera, desde logo, o Recorrente que à decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser aditado o seguinte facto:

a) O inquérito criminal que corre termos com o número 30/2014.PTMCC no DIAP de Portimão, Comarca de Faro (2.ª Secção), teve início em 19 de Julho de 2013.

Socorre-se, para o efeito, do teor do documento autêntico de fls. 209 (fls. 248 dos autos no SITAF), que dele faz prova plena, não tendo sido arguida a respetiva falsidade.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ]cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, motivo pelo qual se passa à apreciação do requerido.

Assim, como referido, considera o Recorrente ser de aditar facto atinente à data de início do inquérito criminal n.º 30/2014.PTMCC no DIAP de Portimão, Comarca de Faro (2.ª Secção).

Analisado o documento referido pelo Recorrente, considera-se que, de facto, do mesmo se pode extrair uma data aproximada da sua instauração, mas não nos termos alegados. Com efeito, a data mencionada no citado documento (19.07.2013) tem a ver com a data do início da causa de suspensão, coincidente com a data da propositura da presente impugnação.

No entanto, atenta a numeração do processo de inquérito, o mesmo foi instaurado em 2014.

Aliás, do relatório mencionado em 5. do probatório e, bem assim, do despacho mencionado em 7. resulta claro que seria dado o necessário andamento ulterior para efeitos criminais.

Como tal, defere-se parcialmente o requerido, aditando-se facto com o seguinte teor:

50. O inquérito criminal mencionado em 48. foi instaurado em data não concretamente apurada do ano de 2014 (cfr. documento a fls. 248).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação

Alega o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que se verifica caducidade do direito à liquidação, quanto às liquidações atinentes aos meses compreendidos entre agosto de 2006 e abril de 2009, em consonância com o alegado na sua petição inicial.

Está, pois, em causa apenas a parte da sentença em que não foi dado provimento à pretensão do Recorrente quanto à questão da caducidade, questão essa que é exclusivamente relativa aos meses referidos supra.

Vejamos então.

O direito de o ISS liquidar oficiosamente contribuições ou quotizações não pode ser exercido a todo o tempo, estando limitado pelo respetivo prazo de caducidade.

Como referido por Saldanha Sanches[3], “[o] principal limite temporal para a exigibilidade das obrigações fiscais e para a atribuição de responsabilidade ao contribuinte coincide com o fim do poder de aplicação da lei a um certo facto tributário: a caducidade do poder de liquidar”.

Estamos, como referido, perante liquidações oficiosas de contribuições e quotizações à segurança social, conforme decorre do relatório mencionado em 8. do probatório, rececionadas pelo Recorrente a 19.04.2013, como o próprio refere [cfr. conclusão 4.ª].

É, in casu, aplicável o regime previsto na Lei Geral Tributária (LGT).

Com efeito, a este propósito, colocou-se já perante os nossos tribunais superiores a questão da aplicabilidade ou não aplicabilidade do mencionado regime da caducidade do direito à liquidação previsto na LGT, em casos, como o dos autos, de liquidações oficiosas emitidas pelo ISS. A resposta dada é afirmativa.

Assim, a este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2014 (Processo: 01481/13), no qual se refere:

“[D]outrinária e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pag. 322.).

Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pag. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte : «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional ; 2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal ; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1 .º do CPPT e os arts. 1 .º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107 .º do RGIT)”

Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).

E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.

Temos pois por seguro que, em temos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).

(…) Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração em suprimento das obrigações dos contribuintes.

Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:

«1 — Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.

2 — A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.»

Como se constata do probatório (…) [t]rata-se (…) de uma liquidação oficiosa por iniciativa do Instituto da Segurança Social, efectuada em suprimento das obrigações dos contribuintes, e que constitui, por isso, um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública.

Na (…) liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário , por via de uma retrodatação de efeitos. (Mas não retroactividade de efeitos -cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pag. 325 ).

Ora dúvidas não há, atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8 B/2002, que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação.

Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.

Com efeito, tratando-se, como se trata, de um acto de liquidação de tributos, está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários nos termos do disposto nos artigos 36º nº1 do CPPT e 77º nº6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária” (cfr., igualmente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.11.2016 – Processo: 01622/13).

Sedimentada que está a aplicação do disposto no art.º 45.º da LGT, cumpre aferir se ocorreu caducidade do direito à liquidação no tocante às liquidações relativas aos meses compreendidos até abril de 2009.

Vejamos.

Nos termos do art.º 45.º da LGT:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(…)

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

É aplicável, in casu, o prazo de 4 anos, previsto no n.º 1, desta disposição legal.

Atendendo ao n.º 4 do art.º 45.º, da LGT, o prazo de caducidade conta-se, para os impostos de obrigação única (ressalvada a situação do IVA e a das retenções a título definitivo), a partir da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. a este respeito o DL n.º 103/80, de 9 de maio). Com efeito, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.05.2014 (Processo: 0766/13), em casos de liquidações oficiosas como a dos autos, “estamos perante um verdadeiro acto administrativo – tributário de liquidação de um tributo, um verdadeiro imposto de obrigação única”.

In casu, sendo objeto do recurso os períodos compreendidos entre agosto de 2006 e abril de 2009, temos que o termo inicial da contagem do prazo de caducidade se situa “no primeiro dia ao mês seguinte àquele a que respeita a primeira das contribuições por liquidar (…) e no primeiro dia dos meses sucessivos” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.11.2016 (Processo: 01622/13); v. igualmente o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26.02.2014 (Processo: 01481/13)].

Ou seja, caso não haja quaisquer causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, o já mencionado prazo de 4 anos completar-se-ia:
a) Para a situação mais antiga (agosto de 2006), a 31.08.2010;
b) Para a situação mais recente (abril de 2009), a 30.04.2013.

Quanto à liquidação mais recente, atinente ao mês de abril de 2009, há que referir que a notificação ocorreu em 19 de abril de 2013, ou seja, antes de decorridos os 4 anos sobre a ocorrência do facto tributário, que se situa no final do mencionado mês de abril, dado que estes tributos são liquidados numa base mensal. Logo, no caso da liquidação oficiosa relativa a este mês em concreto, não se verifica caducidade do direito à liquidação, embora com a presente fundamentação.

Cumpre, no entanto, aferir se o mesmo ocorre com as demais liquidações, ou seja, as relativas aos meses compreendidos entre agosto de 2006 e março de 2009.

Entendeu o Tribunal a quo que não se verificava a caducidade do direito à liquidação, porquanto, atento o disposto no art.º 45.º, n.º 5, da LGT, o mencionado prazo estava suspenso em virtude de ter sido instaurado processo de inquérito criminal respeitante aos factos subjacentes às liquidações, situação em que o prazo a que se refere o n.º 1 do mesmo art.º 45.º é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. Portanto, na perspetiva do Tribunal a quo, a circunstância de o inquérito criminal ter sido instaurado já depois de liquidados os tributos em causa é irrelevante.

Desde já se adiante que não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo.

Antes de mais, sublinhe-se que não decorre dos autos que tenha ocorrido qualquer causa de suspensão das previstas no art.º 46.º da LGT. Assim, cumpre apenas apreciar o efeito da instauração do inquérito criminal.

In casu, como resulta provado, tal inquérito criminal foi instaurado em 2014, já depois de terminada a atuação inspetiva do Recorrido. Aliás, como já referimos, do relatório mencionado em 5.do probatório e do despacho mencionado em 7. resulta claro que seria dado o necessário andamento ulterior para efeitos criminais. Ou seja, a instauração do inquérito criminal foi uma consequência destes atos.

Por outro lado, há que atentar na ratio do mencionado n.º 5 do art.º 45.º da LGT.

Este n.º 5 foi aditado ao art.º 45.º pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (lei do orçamento do estado para 2006).

O objetivo subjacente a este aditamento prende-se com a necessidade de salvaguardar situações em que está pendente inquérito criminal sobre os mesmos factos, permitindo-se, nestes casos, que se aguarde pelo arquivamento ou pelo trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida, dispondo a administração, a partir desse momento, do prazo de um ano para proceder à liquidação do tributo.

Como referido por José Maria Pires e outros[4], “[o] n.º 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.12.2017 (Processo: 073/16), onde se refere:

“[A] norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão” [no mesmo sentido, vejam-se, v.g., o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 05.09.2018 (Processo: 0777/18), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.05.2020 (Processo: 666/10.3BELRA)].

Ainda que se possa admitir que este alargamento do prazo de caducidade abranja situações em que o processo de inquérito seja instaurado quando esse o prazo de caducidade esteja em decurso, mesmo que a liquidação já tenha sido emitida [cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.10.2016 (Processo: 00090/12.3BECBR)], tal não é o caso dos autos.

Com efeito, em relação aos períodos compreendidos entre agosto de 2006 e março de 2009 e inexistindo qualquer outra causa de suspensão do prazo de caducidade, claramente à data da instauração do inquérito criminal já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação no caso dos períodos em análise.

Interpretação distinta atentaria contra o princípio da proteção da confiança, porquanto permitiria, depois de um determinado prazo já ter decorrido integralmente (gerando, legitimamente, uma expetativa na esfera jurídica do administrado), um renascimento de um prazo já expirado e sua extensão.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “o princípio do Estado de direito, exprime, de forma global, a ideia de uma «ordem de paz» estadualmente garantida através do direito, mas é também referido como vocábulo designante de vários subprincípios concretizadores com ele conexionados (princípio da juridicidade, princípio da constitucionalidade, princípio da legalidade da administração, princípio da protecção da confiança, princípio da divisão de poderes, entre outros)”[5].

Concretamente sobre o princípio da proteção da confiança, chama-se à colação o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 862/2013, de 19.12.2013, onde se refere:

“A proteção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes.

Sustentado no princípio do “Estado de direito democrático”, o seu conteúdo tem sido construído pela jurisprudência, em avaliações e ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto. Quando aplicado ao poder legislativo, o Tribunal Constitucional densificou o princípio através de uma fórmula que, desde o já referido Acórdão n.º 287/90, tem vindo ser aplicada em sucessiva jurisprudência.

Entre inúmera jurisprudência, explicita-se a referida fórmula no Acórdão n.º 128/2009, nos seguintes termos:

“De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela cons­tantes não possam contar; e ainda

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da propor­­cionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção””.

Ora, uma interpretação no sentido de que qualquer instauração de inquérito criminal feita depois de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação o faria renascer e suspender-se, como sucedeu in casu, atenta contra a proteção da confiança, desde logo, pelas legítimas expetativas que põe em causa, como já referimos.

Por outro lado, tal interpretação também não encontra acolhimento no princípio da proporcionalidade.

Com efeito, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso parte da existência de vários interesses conflituantes, cuja relação é preciso determinar. Esta relação conflituante implica que haja sacrifícios a suportar por parte de um dos titulares dos interesses em causa. O princípio da proporcionalidade surge assim como princípio conformador desses vários interesses conflituantes[6].

É definido por referência aos três sub-princípios que nele se podem discernir: o da proporcionalidade em sentido estrito, o da necessidade e o da adequação.

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito tem a ver com a ponderação das desvantagens decorrentes da adoção de determinado meio e das vantagens conferidas pela prossecução do fim visado.

No que respeita ao princípio da necessidade ou da exigibilidade ou da menor ingerência possível, implica ele que o interesse que seja sacrificado o seja da menor forma possível.

Finalmente, o princípio da adequação ou da conformidade ou da idoneidade determina que, para a prossecução do interesse público, sejam adotadas medidas apropriadas aos fins visados. Terá, pois, de haver adequação dos meios utilizados aos fins a alcançar.

Ora, de modo algum se consegue percecionar como tal renascimento do prazo se afigura proporcional, sobretudo quando estamos a falar de atos cuja prática no tempo tem um prazo razoável, cabendo à administração atuar no sentido do seu respeito. Interpretar a lei no sentido de fazer renascer uma situação já consolidada é, pois, desproporcional.

Como tal, não há que apelar ao disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT, porquanto a sua aplicação pressupõe que o prazo de caducidade ainda não tenha decorrido. Interpretação em sentido contrário, admitindo que o prazo retomasse, ainda que o inquérito fosse instaurado já depois de decorrido o prazo de caducidade, geraria uma situação de insegurança jurídica que justamente o instituto da caducidade do direito à liquidação visa, por definição, evitar.

Aliás, o n.º 2 do art.º 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (diploma que, como referimos, aditou este n.º 5 ao art.º 45.º da LGT), determinava que esta nova disposição só seria aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor. Portanto, o próprio legislador evidenciou o entendimento no sentido de que a aplicação deste alargamento pressupõe que o prazo de caducidade não se tenha esgotado em momento anterior, pressupõe que ele esteja em curso.

Assim, in casu, tendo o inquérito sido instaurado em 2014 (aliás, e como referimos, na sequência da elaboração do relatório do qual resultaram as liquidações oficiosas) e estando nós perante situações cujos prazos de caducidade terminaram entre 31.08.2010 e 31.03.2013, resulta de forma clara que não é de aplicar o n.º 5 do art.º 45.º da LGT e que, à data da notificação das liquidações (19.04.2013), já estava caducado o direito à liquidação.

Em suma, assiste razão à Recorrente, exceto no tocante à liquidação oficiosa relativa ao mês de abril de 2009.

Atenta a circunstância de ser apenas uma questão em causa nos presentes autos e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa às liquidações compreendidas entre agosto de 2006 e março de 2009, julgando nessa parte a impugnação procedente;
b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 3% pelo Recorrente e 97% pelo Recorrido, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de fevereiro de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 259.
[4] José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 412.
[5] Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 191.
[6] Vitalino Canas, «Princípio da Proporcionalidade», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, 1994, pp. 591 e ss. e 610 e ss.