Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07002/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:OPOSIÇÃO A DIVERSAS EXECUÇÕES FISCAIS; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, CUSTAS; RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA; GERENTE DE FACTO; GERENTE DE DIREITO; ÓNUS DA PROVA
Sumário:i) A extinção da execução é causa de inutilidade superveniente da lide, sendo o seu conhecimento oficioso.

ii) Extinto um dos processos de execução, nada obsta ao prosseguimento dos autos para conhecer do pedido de oposição que haja sido inicialmente formulado referente à execução sobrante, ainda que distinta daquela, pois que não se coloca já a questão da existência da excepção dilatória inominada de dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas.

iii) Nos termos do n.º 3 do art. 450.º do CPC, na redacção então vigente (actualmente o art. 527.º), nos casos em que a inutilidade superveniente da lide resulte de circunstâncias que não as referidas nos dois primeiros números desse artigo, paga as custas o autor, a menos que a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, caso em que este responde pelas custas; ou seja, nesses casos, o autor é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for objectivamente imputável.

iv)Para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram a gerência de modo efectivo ou de facto.

v) É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência, não existindo qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Miguel …………….., não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, no âmbito da oposição por si deduzida a dois processos de execução fiscal com os n.ºs …………….. e n.º …………….., no montante de, respectivamente, EUR 794,55 e de EUR 11.853,52, julgou procedente a excepção dilatória inominada de dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas e absolveu a Fazenda Pública da instância, dela veio interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:


I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou [im]procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, a qual considerou que ocorreu uma excepção dilatória inominada, tendo absolvido da instância a Fazenda Pública, ficando prejudicados os demais fundamentos da oposição, porquanto o oponente deduziu oposição a dois processos de execução fiscal com os n.ºs ………………. e n.º ……………….., no montante de € 794,55 e de € 11.853,52, sendo que os mesmos não se encontravam apensos nem foi solicitado a sua apensação.

II. Acresce mencionar que, o processo de execução fiscal n.º ………………., no montante de € 794,55, foi extinto pelo Serviço de Finanças de Lisboa 1, razão pela qual o oponente requereu o prosseguimento da acção quanto ao processo executivo com o n.º ……………….

III. Nestes termos, ao ter absolvido a Fazenda da instância e condenar em custas o oponente, ocorreu erro de julgamento.

IV. Na douta sentença foi dado como provado que:

"1. Foi instaurado o processo executivo com o n.º …………….. por divida de coima e encargos em processos de contra-ordenação (cfr., processo apenso);

2. O processo referido no ponto anterior foi extinto centralmente "por morte do infractor" (fl, 166 verso do apenso);

3. Em 01/10/2010000 o Oponente procedeu à cessação da devedora originária em sede de IVA com efeitos à data de 23/12/2003 e os processos com origem em IVA foram anulados em 03/11/010 (fl. 167);

4. Subsistem ainda em dívida o processo n.º ……………… e o seu apenso n.º …………………..com origem na dívida de IRC de 2003 e 2004 sendo que o Oponente nunca foi notificado no direito de audição nem citado quanto às dívidas de IRC dos exercícios de 2005 e 2006 (fl. 167);

5. A quantia exequenda dos autos reporta-se à soma da dívida dos processos ……………, …………… e ……………. no total de 794,55 (fl. 52);

6. O processo n.º ……………….. não está apenso ao processo principal ……………….., fl. 104 e seguintes.

7. O processo de execução fiscal ………………. e seus apensos, foi extinto no montante total de € 794,55, (fl. 40)."

V. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA (SÍNTESE)

Na sequência da douta sentença, na causa decidendi aquilatou que “(…) A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório."

No enquadramento jurídico consta que "A Oposição tem a particularidade de dar entrada no órgão de execução e aí ser autuada respeitando os art.ºs 206.º e 208.º do CPPT.

“Desses normativos resulta como refere e bem, o DMMP, que quem tem competências para apensar os processos de execução e instruir os processos é o órgão da execução, não é o contribuinte nem o juiz.

Assim ocorre uma excepção dilatória inominada. E absolvo a Fazenda Pública da instância.

Ficam assim prejudicados os demais fundamentos da presente oposição.

São devidas custas nos termos Regulamento das Custas Judiciais."

Na decisão foi proferido que "Absolvo a Fazenda Pública da instância”.

Condena-se Oponente em custas."

VI. CONTRA A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA CONSTITUÍMOS A SEGUINTE ARGUMENTAÇÃO:

VII. O oponente deduziu oposição relativamente a dois processos de execução fiscal distintos e não apensos.

VIII. Na resposta à contestação apresentada pela Fazenda Pública e, constatando o facto mencionado no ponto anterior, requereu, em virtude de o processo de execução fiscal com o n.º …………….. ter sido extinto, que os autos prosseguissem quanto ao processo de execução fiscal com o n.º ………………….., bem como o aperfeiçoamento da oposição atendendo ao princípio da adequação formal, da cooperação e estabilidade da instância, nos termos dos art.ºs 265.º, n.º 2, 265.º A, 266.º, 268.º 288.º, n.º 1 e 3 e 508.º n.º 1 al. a) e b), todos do CPC, aplicáveis ex vi art.º 2.º al. e) do CPT.

IX. Em face de tal pedido, a sentença do Tribunal ad quo não o considerou, uma vez que não se pronunciou sobre o mesmo.

X. Quanto a este aspecto a anotação 3 do art.º 508.º do CPC menciona que "A preocupação da lei com a realização da função processual, mediante a pronúncia de decisão de mérito, leva a estabelecer o dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais (ver o n.º 2 da anotação ao art.º 288) que seja sanável (ver o n.º 2 da anotação ao art.º 265).

XI. O preceito refere o "suprimento de excepções dilatórias", mas aplica-se também quando a falta verificada, por respeitar ao réu, não constitui excepção dilatória nem, consequentemente, conduz à absolvição da instância, sendo apenas causa de nulidade da contestação (e - ou - de outros actos praticados pelo reu ou em seu nome), por falta dum pressupostos específico desta (ou desses outros actos). Assim acontece nos casos de falta de autorização ou deliberação que o réu deva obter (art. 4794 -d a contrario), falta de constituição de advogado pelo réu, quando o patrocínio é obrigatório, e falta, insuficiência ou irregularidade de procuração a favor do mandatário que por ele contestou ou em nome dele interveio no processo (art. 494 -h a contrario). Ver também o n.º 1 da anotação ao art. 25 e o n.º 3 das anotações aos arts. 33 e 40.

XII. A lei é expressa quanto à sanabilidade da falta de determinado pressuposto e ao modo de a sanar. É o que acontece com a falta de personalidade judiciária em certos casos (art. 8), com a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação (art. 23), com a falta de autorização ou deliberação (art. 25), com a falta do consentimento com jugal (art. 28-A-2), com a ilegalidade da coligação (art. 31-A), com a falta de constituição de advogado (art. 33), com a falta, insuficiência e irregularidade do mandato (art. 40) e com a falta de litisconsórcio necessário (art. 269). Mas a norma geral do art. 265-2 não se limita a remeter para estas e outras disposições específicas abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por sua natureza, ser sanada (sem que tal necessariamente implique a inutilidade de tudo o que se tiver processado), pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos os impedimentos à decisão de mérito que possam sê-lo. Assim, por exemplo, a solução do art. 31-A (escolha pelo autor do pedido com o qual o processo deve prosseguir, em caso de coligação ilegal) deve ser estendido à cumulação simples de pedidos do art. 470; mas já a ilegitimidade singular da parte, a ineptidão da petição inicial, a falta de personalidade judiciária, fora dos casos do art. 8, ou a incompetência absoluta do tribunal devem ser consideradas insanáveis.

(…)

E há casos em que, por estar em causa a conformação, subjectiva ou objectiva, da instância, o juiz mais não pode fazer do que convidar a parte a determiná-la; não tendo sido constituído o litisconsórcio necessário, o autor é convidado a fazer o chamamento à intervenção principal da pessoa em falta (art. 269-1); sendo ilegal a coligação - ou a cumulação simples de pedidos -, tem de ser o autor a dizer qual o pedido que deve ser apreciado na acção (art. 31-A), sem prejuízo de, quando se verifique alguma das conexões do art. 30 - ou, no caso da cumulação simples de pedidos, quando neles sejam compatíveis -, mas ocorrer algum dos obstáculos do art. 31 (incompetência absoluta do tribunal ou diversidade de formas processuais), o processo prosseguir, sem necessidade de escolha, quanto ao pedido para o qual o tribunal seja competente ou ao qual corresponda a forma de processo utilizada." - (bold e sublinhado nosso) - vide Freitas. José Lebre de. Código de Processo Civil, anotado, Vol. 2.º, anotação 3 ao art.º 508, pp 377 e 378

XIII. Em face do supra exposto, o Tribunal ad quo errou no seu julgamento, na aplicação de custas ao oponente quando foi a Fazenda Pública que deu causa àquele processo pelo que, se se considerar que o processo de execução fiscal n.º …………………. foi o atendido, então as custas serão pela Fazenda e não pelo oponente.

XIV. No caso de assim se não entender, em virtude daquele processo estar extinto, então o processo de execução fiscal com o n.º ………………….. o Tribunal ad quo nem se pronunciou sobre o mesmo, pelo que foi violado o art.º 508.º do CPC, uma vez que foi requerido o aperfeiçoamento da petição inicial.

XV. Ora, tendo sido requerido o aperfeiçoamento e não se tendo obtido qualquer resposta, deverá o Tribunal ad quem pronunciar-se sobre o mesmo, podendo o oponente apresentar nova oposição fiscal relativa ao processo executivo n.º …………….., valendo a data de apresentação a da primeira oposição, nos termos dos art.ºs 476.º e 234.º-A, do CPC.

XVI. Neste mesmo sentido se pronunciou o STA, o qual se transcreve pois a situação fáctica é idêntica, o qual tem aplicação no caso em apreço.

XVII. O Ac. do STA pronunciou-se no sentido de " (…) 3.1. A sentença considerou que a apresentação de uma única petição inicial de oposição para os dois processos de execução fiscal constitui excepção dilatória insuprível inominada que obsta ao conhecimento do mérito de qualquer uma delas e dá lugar à absolvição da instância (arts. 89°, nº 1, do CPTA, 288°, nº 1, al. e), 493º nºs. 1 e 2, e 495°, do CPC, ex vi art. 2°, als. c) e e), do CPPT).

O recorrente entende, porém, que a decisão, além de violar o princípio da economia processual, também erra na determinação das normas aplicáveis pois que, por um lado, também é aplicável o art. 179º do CPPT (que legitima a apensação dos processos que se encontrem na mesma fase processual, condição que no caso se verifica, dado que todos os processos de execução fiscal que tramitam contra a executada originária estão na fase de reversão para os responsáveis subsidiários e ele recorrente poderá até ser convidado a requerer a apensação de todos os processos de execução fiscal, por se encontrarem na mesma fase) e, por outro lado, é também aplicável o disposto nos arts. 476º e 234º-A do CPC (o que legitima que o autor possa vir a ser convidado a apresentar uma oposição fiscal para cada um dos processos de execução fiscal principal e apensos, valendo a data de apresentação da primeira oposição).

Vejamos.

4.1. Decorrente do preceituado no art. 173º do CPC, o princípio da economia processual reconduz-se, na sua expressão máxima, à proibição da prática de actos inúteis.

XVIII. Ora, se até a prolação de despachos de indeferimento liminar se insere em tal princípio, dada a aludida proibição da prática de actos inúteis constante do normativo citado (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, Vol. I, anotação 3 ao art. 110º, pag. 796), a mesma razão de ser se aplica à regra da absolvição da instância, nos casos em que a lei o determina, sendo que também a própria regra da apensação das execuções que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase (art. 179º do CPPT) se «justifica essencialmente por razões de economia processual, que podem incrementar a celeridade da globalidade das execuções», e «por ser esta a razão de ser da apensação é concedido ao órgão da execução fiscal a possibilidade de não a efectuar quando ela se mostrar inconveniente por prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por qualquer outro motivo, haver possibilidade de comprometer a eficácia da execução.» (Ibidem, Vol. II, Anotação 2 ao art. 179º, pag. 225).

XIX. No caso, o recorrente deduz oposição aos processos de execução fiscal nºs. ……………… e ……………… e respectivos apensos de cada um deles (invocando como fundamento de oposição a sua ilegitimidade, por inexistência dos pressupostos de responsabilidade subsidiária – al. b) do nº 1 do art. 204° do CPPT).

XX. Mas os dois processos de execução não estão, por sua vez, apensados entre si (cfr. Probatório), nem o recorrente requereu a respectiva apensação.

Ora, apesar de ter tramitação processual autónoma, a oposição à execução fiscal caracteriza-se como contestação a esta. Por isso, «a oposição a dois processos de execução fiscal distintos não pode ser concretizada através de uma única oposição, mesmo considerando a circunstância de a fundamentação de facto e de direito poder ser idêntica relativamente às duas oposições» (neste sentido, cfr. os acs. deste STA, de 5/12/2007 e 9/9/2009, nos recs. nºs. 795/07 e 0521/09, respectivamente).

XXI. E sendo certo, todavia, que é legalmente permitida a apensação de processos de execução, nos termos do art. 179º do CPPT (desde que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase), essa decisão de apensação inscreve-se na competência do órgão da execução fiscal [ao qual compete, não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal (nº 1 do art. 103º da LGT), praticar neste processo os actos de natureza não jurisdicional, designadamente os relativos à apensação de execuções fiscais (arts. 151º e 179º do CPPT), apreciando a conveniência e oportunidade da apensação e devendo fazê-lo se as execuções se encontrarem na mesma fase (nºs. 1 e 2 do art. 179° do CPPT)].

XXII. Assim, não tendo o recorrente requerido a apensação das duas execuções em causa, não se verifica a alegada violação do princípio da economia processual e também não cabia ao Tribunal recorrido (contrariamente ao alegado nas Conclusões E a I), verificar os pressupostos e decidir a apensação dos processos executivos em causa, ou convidar o recorrente a requerer a apensação de todos os processos de execução fiscal.

XXIII. E daí que também não se aceite a alegação do MP no sentido de que a solução adoptada na decisão recorrida viola o invocado princípio da economia processual e da limitação dos actos (obrigando o autor à apresentação de nova e idêntica petição no prazo de um mês dias contado da notificação da decisão, com data retroagida à apresentação da primeira petição) e viola o direito de contestação do executado, perante a acção executiva da administração tributária.

É que a dedução da oposição a duas execuções fiscais que não estão apensadas constitui «razão obstativa do conhecimento do mérito daquela e, por isso, uma excepção dilatória inominada, nos termos do artigo 493º do CPC, excepção dilatória inominada, porque não consta do elenco meramente exemplificativo do artigo 494º do mesmo CPC e que, evidentemente, determina o indeferimento liminar da oposição, nos termos do artigo 234º-A do CPC.» (citado acórdão do STA, de 5/12/2007).

XXIV. Improcedem, pois, as Conclusões A a J.

XXV. 4.2. O recorrente sustenta, ainda, que são aplicáveis os arts. 476º e 234º - A do CPC., o que legitimará a apresentação de uma oposição fiscal para cada um dos processos de execução fiscal principal e apensos, valendo a data de apresentação da primeira oposição.

XXVI. Esta é, porém, questão que se situa para além da decisão recorrida.

De todo o modo, a circunstância de a sentença considerar que a apresentação de uma única petição inicial de oposição, relativamente aos dois questionados processos de execução fiscal, constitui a referida excepção dilatória insuprível inominada que obsta ao conhecimento do mérito de qualquer uma delas e dá lugar à absolvição da instância (arts. 89°, nº 1, do CPTA, 288°, nº 1, al. e), 493º nºs. 1 e 2, e 495°, do CPC, ex vi art. 2°, als. c) e e), do CPPT) não impede que o recorrente possa vir a deduzir oposições autónomas contra as duas mencionadas execuções, nos termos do disposto nos invocados arts. 234º-A e 476º do CPC, no prazo aí estabelecido, sendo as mesmas consideradas interpostas na data da apresentação da petição inicial desta oposição (não tendo, em sede liminar, sido proferido qualquer despacho de aperfeiçoamento, o oponente não teve possibilidade de suprir a excepção dilatória e de evitar a absolvição da instância, sendo-lhe, assim, permitido renová-la "retroactivamente").

XXVII. Acresce que apesar de o MP entender que deve ser apreciado o mérito da oposição deduzida ao processo de execução nº ………………… e deve ser absolvida a Fazenda Pública da instância de oposição quanto ao processo de execução nº ………………, tal solução não é de acolher porquanto não cabe ao Tribunal substituir-se à parte na escolha do processo de execução cuja oposição deve prosseguir por via da presente petição inicial, sendo que a oposição foi deduzida tempestivamente quanto a ambos os processos de execução e não apenas quanto ao processo nº ……………………..

XXVIII. E embora o recorrente tenha optado pela interposição do presente recurso, em vez de apresentar novas oposições, nem mesmo assim perdeu ainda a oportunidade de usar daquela faculdade, pois neste caso o prazo conta-se a partir da notificação deste acórdão, considerando-se a oposição deduzida na data em que a primeira petição foi apresentada ao órgão de execução fiscal (cfr. Jorge Lopes de Sousa, loc. cit. vol. II, pág. 415)." - vide Ac. do STA proferido no proc. n.º 0242/11, de 14/09/2011

Nestes termos e nos melhores de Direito, que V/ Exª mui doutamente suprirá, deve ser dada procedência ao presente recurso e, em consequência, ser proferida decisão em que seja revogado o despacho recorrido, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, com o que se fará a acostumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.



O Exmo. Procurador-geral Adjunto, no douto parecer emitido, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se:

i) O Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia (conclusões V. e s. do recurso);

ii) O Tribunal a quo errou ao não convidar o ora Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, prosseguindo os autos quanto ao processo de execução fiscal com o n.º 3069200501016334 (conclusões X. e s. e XIV. e s.);

iii) O Tribunal a quo errou quanto à condenação em custas (conclusões XIII.).



II. Fundamentação

II.1. De facto

A Mma. Juiz do Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade:

1. Foi instaurado o processo executivo com o n.º ……………….. por dívida de coima e encargos em processos de contra-ordenação (cf., processo apenso);

2. O processo referido no ponto anterior foi extinto centralmente "por morte do infractor" (fl, 166 verso do apenso);

3. Em 01/10/2010 o Oponente procedeu à cessação da devedora originária em sede de IVA com efeitos à data de 23/12/2003 e os processos com origem em IVA foram anulados em 03/11/2010 (fl. 167);

4. Subsistem ainda em dívida o processo n.º ……………… e o seu apenso n.º ……………… com origem na dívida de IRC de 2003 e 2004 sendo que o Oponente nunca foi notificado no direito de audição nem citado quanto às dívidas de IRC dos exercícios de 2005 e 2006 (fl. 167);

5. A quantia exequenda dos autos reporta-se à soma da dívida dos processos ……………., …………….. e …………………. no total de 794,55 (fl. 52);

6. O processo n.º …………… não está apenso ao processo principal ………………, fl. 104 e seguintes.

7. O processo de execução fiscal ……………. e seus apensos, foi extinto no montante total de € 794,55, (fl. 40)."

Não foram consignados factos não provados.

Foi a seguinte a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



Ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 712.º do CPC (actualmente o art. 662.º), acorda-se em alterar a redacção dada ao facto consignado em 2. do probatório fixado, passando deste facto a constar o seguinte:

2. O processo referido no ponto anterior foi extinto centralmente por “falecimento/cessação do infractor”, ocorrido em de 31.12.2010 (cfr. fls. 166 verso do apenso; doc. a fls. 40, junto com a contestação).

Por dos autos constarem os pertinentes elementos de prova (documentais) e mostrando-se relevante para a apreciação do recurso, acorda-se ainda em aditar a seguinte factualidade:

8. A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B………. Arquitectos, Lda., foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 30.11.2011 (cfr. doc. a fls. 42-44, junto com a contestação).

9. O processo de execução referido em 2. e 7. supra foi extinto em 23.02.2011 (cfr. doc. 1 a fls. 40).

10. No mesmo processo de execução n.º ………………, o despacho que determina a reversão da execução fiscal contra Miguel ……………….. é datado de 8.11.2010 (cfr. doc. a fls. 35 do proc. administrativo apenso).

11. A carta de “citação (reversão)” dirigida a Miguel …………………, no âmbito desse processo de execução, foi recepcionada, por terceira pessoa, em 19.11.2010 (idem, doc. de fls. 51-53), tendo-lhe sido enviada carta de notificação com menção do art. 241.º do CPC em 23.11.2010 (idem, doc.s de fls. 54-55 e 57).

12. A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 1, em 29.12.2010 (cfr. fls. 3 dos autos e fls. 166 do proc. adm. apenso).

13. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da “Notificação Audição - Prévia (Reversão)” junto a fls. 108 do proc. adm. apenso, referente ao proc. de execução n.º ……………………., constando do mesmo documento, no campo “Projecto da reversão” o seguinte: “Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio de excussão (art. 23º, n.º 2 da LGT). // Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24º/n.º1/b) LGT)”.

14. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação dos serviços de fls. 135-135 v. do processo administrativo apenso.

15. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do despacho de reversão proferido em 8.11.2010 no âmbito do proc. de execução n.º …………………, constando no campo “fundamentos da reversão” o seguinte: “Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24º/n.º1/b) LGT)” (cfr. fls. 137 do proc. administrativo apenso).

16. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da “Citação (Reversão)” efectuada no âmbito do proc. de execução n.º……………….., constando no campo “fundamentos da reversão” o seguinte: “Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio de excussão (art. 23º, n.º 2 da LGT). // Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24º/n.º1/b) LGT)” (cfr. fls. 141 do proc. administrativo apenso).

17. O ora Recorrente consta do contrato da sociedade “B……… Arquitectos, Lda”, como seu sócio gerente, a par de Maria ………………… – cfr. cópia da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a fls. 98-99 do proc. adm. apenso.



II.2. De direito

O presente recurso tem como objecto a decisão da Mma. Juiz a quo que considerou que o ora Recorrente não podia ter cumulado as oposições relativamente aos processos de execução fiscal n.ºs ……………….. e ………………….., com o que julgou procedente a excepção dilatória inominada de dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas e absolveu a Fazenda Pública da instância, mais condenando aquele em custas.

Insurge-se o Recorrente contra essa decisão, começando por afirmar, segundo o que se consegue alcançar da alegação constante do recurso interposto, que a mesma não se pronunciou sobre o requerimento por si efectuado de que os autos prosseguissem quanto ao processo de execução fiscal com o n.º ……………….., em virtude de o processo de execução fiscal com o n.º …………….. ter sido extinto, bem como quanto ao aperfeiçoamento da oposição atendendo ao princípio da adequação formal, da cooperação e estabilidade da instância.

Assim configurando a alegação do Recorrente, temos que este vem suscitar o vício de omissão de pronúncia, o qual gerará, em caso de procedência a anulação da decisão.

Vejamos então.

Nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC (na redacção vigente), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia (importando aqui a omissão). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art. 660.º do CPC (o actual art. 608.º, n.º 2), o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso. E se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão ficou prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento (a existência de prejudicialidade), mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Ora, neste ponto, a sentença recorrida identifica a questão no relatório, no capítulo “Resposta à contestação”, vindo em sede de fundamentação a afirmar o seguinte: “A Oposição tem a particularidade de dar entrada no órgão de execução e aí ser autuada respeitando os art.ºs 206.º e 208.º do CPPT. //Desses normativos resulta como refere e bem, o DMMP, que quem tem competências para apensar os processos de execução e instruir os processos é o órgão da execução, não é o contribuinte nem o juiz. // Assim ocorre uma excepção dilatória inominada. E absolvo a Fazenda Pública da instância. //Ficam assim prejudicados os demais fundamentos da presente oposição.

Ou seja, da leitura da sentença recorrida, apesar da sua exposição telegráfica, conseguimos retirar que a Mma. Juiz a quo entendeu que não cabia ao tribunal, por força dos art.s 206.º e 208.º do CPPT, pronunciar-se sobre o pedido apresentado pelo executado, ora Recorrente, devendo este ser formulado ao órgão da execução. Donde, bem ou mal – matéria que se integra já no erro de julgamento – na sentença recorrida apreciou-se a questão, decidindo-se a mesma.

Razão pela qual não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

Mas vejamos agora se a sentença errou ao não ter retirado as devidas consequências para os autos do facto, aliás nela consignado, do processo de execução fiscal com o n.º ……………….ter sido extinto.

E é nosso entendimento que, no caso concreto, não foi feita a melhor aplicação da lei adjectiva.

Com efeito, um dos processos de execução fiscal relativamente ao qual o ora Recorrente se vem opor é o n.º ……………….., relativo a coimas e encargos de processos de contra-ordenação. E esse processo, como provado, encontrava-se extinto por anulação desde 23.02.2011, devido a cessação do infractor, nos termos do disposto nos artigos 176.º, n.º 2, al. a), do CPPT e art. 61.º, al. a), do RGIT.

Assim, encontrando-se esse processo extinto – o que ocorreu após a citação para a execução do revertido e, bem assim, após a dedução da oposição –, deverá, quanto ao mesmo, declarar-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, de acordo com o disposto no art. 287.º, al. e), do CPC na redacção aplicável (actualmente o art. 278.º).

Na verdade, a existência desta factualidade geradora da inutilidade da lide assume prioridade relativamente à decidida procedência da excepção dilatória inominada de dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas, pois que a mesma, como está bem de ver, tem como pressuposto necessário a existência de mais do que uma execução, o que os autos evidenciam afinal não ocorrer.

Esta solução, de resto, de decretamento da inutilidade superveniente da lide quanto a um dos pedidos e da prossecução dos autos quanto ao pedido sobrante, afigura-se ser aquela que melhor respeita o dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais e da regularização da instância decorrentes do art. 288.º, n.º 2, do CPC (na redacção então vigente; actualmente o art. 278.º) e do art. 265.º, n.º 2, do mesmo diploma (idem, o actual art. 6.º, n.º 2). Regra essa que decorre igualmente expressa no processo tributário, concretamente do art. 19.º do CPPT. Sendo que não se está perante caso de uma irregularidade/excepção insanável, como tal qualificada nos artigos 98.º e 165.º do CPPT. Isto para dizer, portanto, que nada obsta a que seja conhecida e decretada a inutilidade superveniente da lide em discussão.

Assim, terá que decretar-se a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido relativo ao processo de execução fiscal com o n.º …………….., revogando a sentença recorrida que assim o não decidiu. Subsistindo, desse modo, a oposição deduzida relativamente ao processo de execução com o n.º ……………….., este por dívidas de IRC dos anos de 2003 e 2004, no montante global de EUR 11.853,52 (v. infra).

Perante esta conclusão, emerge agora a também sindicada condenação em custas.

Alega neste ponto o Recorrente que foi a Fazenda Pública que deu causa àquele processo.

Como é sabido, a regra geral em matéria de custas assenta no princípio da causalidade, ou seja, paga as custas a parte que lhes deu causa, a parte cuja pretensão não foi atendida, a parte que não tem razão no pedido que deduziu; subsidiariamente, deve atender-se ao princípio do proveito, segundo o qual, não havendo vencimento, paga as custas quem do processo tirar proveito (cfr. art. 446.º do CPC, na redacção então vigente; actualmente o art. 527.º).

Nos casos de extinção da instância por inutilidade/impossibilidade da lide, o art. 450.º do CPC, na redacção aplicável à data, dispõe o seguinte:

1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;

c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;

d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;

e) Quando se trate de acção tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da acção, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

De acordo com o regime supra transcrito, aplicável ao processo tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, nos casos em que a pretensão ou oposição deduzidas fossem fundadas no momento em que foram deduzidas e o deixaram de ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, ou seja, a inutilidade ou impossibilidade resulte de circunstâncias não imputáveis ao autor ou ao réu (n.º 1), considerando-se que integram essa categoria as situações enumeradas no n.º 2, as custas serão repartidas por ambos em partes iguais. Nos termos do n.º 3, nos casos em que a inutilidade superveniente da lide resulte de circunstâncias que não as referidas nos dois primeiros números do artigo, paga as custas o autor, a menos que a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, caso em que este responde pelas custas; ou seja, nesses casos, o autor é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for objectivamente imputável.

Assim, não podendo imputar-se a causa de inutilidade objectivamente à Fazenda, uma vez que a mesma resulta da dissolução da sociedade devedora originária por vontade dos seus sócios, como aliás o ora Recorrente refere na p.i. de oposição (cfr. o seu art. 11.º), terá que concluir-se que a apontada inutilidade superveniente da lide encontra acolhimento apenas no n.º 3 do citado art. 450.º do CPC.

Donde, ser a condenação em custas, nesta parte, a cargo do autor, no caso o ora Recorrente.

Entende, também, o Recorrente que o Tribunal a quo errou ao não o convidar a aperfeiçoar a petição inicial, no sentido de permitir o prosseguimento dos autos quanto ao processo de execução fiscal com o n.º …………………….., este por dívidas de IRC dos anos de 2003 a 2006, no montante global de EUR 11.853,52. Em suma alega o Recorrente que deveria ter sido proferido despacho a notificá-lo para vir aos autos aperfeiçoar a petição inicial, atendendo ao princípio da adequação formal, da cooperação e estabilidade da instância, de molde a que esta prosseguisse quanto ao referido processo de execução fiscal, afinal o único existente.

Ora, salvo o devido respeito, não se vê no caso concreto qual a utilidade prática dessa notificação. Na verdade a p.i. de oposição apresentada é susceptível, considerando a causa de pedir articulada e o pedido formulado, concretamente assente este na alegada ilegitimidade do revertido, bem como na falta de fundamentação do despacho de reversão, de ser oficiosamente aproveitada como oposição dirigida à execução no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………………….. Aliás, petição que se encontra contestada por impugnação.

Razão pela qual, não se justificando semelhante despacho de aperfeiçoamento, como acabado de explicitar, haverá que prosseguir a oposição para conhecimento do pedido formulado.

Aqui chegados, uma outra questão se coloca: a questão de saber se o Tribunal ad quem pode, ao abrigo do actual artigo 715.º do CPC, conhecer em substituição. E a essa questão respondemos afirmativamente, considerando que os autos fornecem os elementos suficientes para o efeito e sendo que a parte contrária exerceu oportuna e amplamente o contraditório nesta matéria, procurando demonstrar a falta de razão da alegação do oponente e ora Recorrente quanto aos argumentos por este esgrimidos para fundamentar a procedência da oposição. Com efeito, entre outras questões, contraditou a alegada ilegitimidade do revertido e a sua alegada ausência de culpa, bem como a alegada falta de fundamentação do acto que determinou a reversão, alegando profusamente no sentido da improcedência da oposição.

Assim, conhecendo em substituição, atendendo à factualidade por nós aditada (em particular os pontos 13. a 17. do probatório), temos que a Administração Tributária assentou a responsabilidade subsidiária do executado revertido no exercício da gerência por este na sociedade “B…….. Arquitectos, Lda.”, motivada exclusivamente pelo facto de o mesmo constar como gerente na certidão permanente da CRC. Ou seja, tal como por si assumido, a Administração Tributária considerou que “o facto do oponente configurar na CRC como gerente da devedora originária, faz presumir que detém a qualidade de direito e de facto” (cfr. art. 25.º da contestação).

Pois bem, vejamos esta questão.

São pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (n.º 2 do art. 23.º da LGT e n.º 2 do art. 153.º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (n.º 1 do art. 24.º da LGT).

No âmbito da LGT (como já acontecia no âmbito do CPT), para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias, exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram tal gerência de modo efectivo ou de facto (cfr., i.a., o ac. do TCAN de 27.02.2014, proc. n.º 1381/10.3BEPRT, por nós relatado). E a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (art. 342.º, n.º 1, do CC). Como se disse no Acórdão do TCAN de 27.02.2014, proc. n.º 1381/10.3BEPRT (por nós relatado): “não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária [a inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art. 11.º do Código do Registo Comercial) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência] e só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)”. Ou como se afirmou no acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007, Recurso 1132/06, “a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova”. Dúvida não há, pois, em como é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de demonstrar que o gerente de direito contra quem reverteu a execução fiscal exerceu de facto funções de gerência, o que no caso significava que era à Fazenda que competia alegar a factualidade que permitisse concluir que o ora Recorrente exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar (o que não fez como se verá infra). E não pode a Fazenda pretender, no pressuposto da existência de uma presunção judicial, que não recaía sobre ela o ónus da prova da gerência de facto; muito menos pode pretender que, ao abrigo dessa possibilidade, fique dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do art. 24.º da LGT – cfr., por todos, o acórdão do STA de 16.10.2013 (Pleno da Secção Tributária), proc. n.º 458/13.

Para além de que, se perante as circunstâncias particulares do caso se suscitarem dúvidas sobre se a gerência de facto foi efectivamente exercida pelo gerente de direito a ponto de não poder afirmar-se a existência de uma forte probabilidade de a gerência de facto ter sido exercida, essas dúvidas devem ser valoradas processualmente contra a Fazenda Pública, e não contra o gerente, por ser sobre aquela que recai o ónus da prova dos factos em que assenta a decisão de reversão da execução fiscal sobre o responsável subsidiário (cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão deste TCAS de 11.07.2007, proc. n.º 1794/07). Como se disse no acórdão do STA de 31.10.2012, proc. n.º 580/12: “não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções.

Traçado este quadro de referência, é tempo de regressar ao caso concreto.

Ora, lendo o despacho de reversão, verifica-se que nele nada vem referido quanto à prática de actos efectivos de gerência pelo ora Recorrente. E a prova da gerência através da CRC, desacompanhada de outros elementos, embora possa constituir um indício no sentido de que este geria efectivamente a sociedade, é para tanto insuficiente.

A Administração Tributária, no despacho de reversão, limitou-se a invocar que o ora Recorrente era gerente no período respeitante à dívida, não tendo provado não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida (com a transcrição do preceito legal, portanto de natureza geral e abstracta). Quanto à gerência de facto, ao efectivo exercício das funções de gerência pelo revertido, o despacho de reversão é de todo omisso. Como omisso é quanto a essa invocação e demonstração da gerência efectiva, quer a informação dos serviços que antecedeu aquele, quer o despacho que ordenou a audiência prévia.

Verifica-se, assim, que a Administração Tributária, perante a ausência de bens da executada originária susceptíveis de solver a dívida tributária, procedeu à reversão contra os seus sócios gerentes – sendo o ora Recorrente um dos sócios gerentes – sem ter cuidado de demonstrar a prática de actos que evidenciassem, ainda que indiciariamente, a gerência de facto, sendo que nenhum facto vem demonstrado ou sequer evidenciado nos autos que permita sustentar a gerência de facto em que se alicerçou a reversão.

E já vimos que não tem validade a tese da Fazenda quando afirma que em sede de oposição é ao responsável subsidiário que incumbe o ónus da prova de que este não exerceu, de facto, a gerência, uma vez fixada a gerência de direito de uma sociedade (cfr. o art. 19.º da contestação).

Donde, como está bom de ver, não vindo demonstrado e provado o exercício efectivo da gerência pelo oponente, ora Recorrente (apesar da prova efectuada quanto à gerência de direito), não pode a oposição deixar de proceder. É que falha, desde logo, um pressuposto necessário da reversão da execução: o oponente não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributárias ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT, por não vir demonstrado que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária nos períodos a que se reportam tais dívidas, sendo, pois, parte ilegítima na execução fiscal.

Em conclusão, não se demonstrando que o ora Recorrente era gerente de facto, para além de o ser de direito, fica impedida a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido.

Razão pela qual, não vindo provado o exercício de facto da gerência pelo ora Recorrente, não pode este ser responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda reclamada no processo de execução fiscal n.º ………………… e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “BBMC Arquitectos, Lda.”, sendo, por isso, parte ilegítima na execução – art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT – que relativamente a ele terá de ser declarada extinta (ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da oposição).



III. Conclusões

Sumariando:

i) A extinção da execução é causa de inutilidade superveniente da lide, sendo o seu conhecimento oficioso.

ii) Extinto um dos processos de execução, nada obsta ao prosseguimento dos autos para conhecer do pedido de oposição que haja sido inicialmente formulado referente à execução sobrante, ainda que distinta daquela, pois que não se coloca já a questão da existência da excepção dilatória inominada de dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas.

iii) Nos termos do n.º 3 do art. 450.º do CPC, na redacção então vigente (actualmente o art. 527.º), nos casos em que a inutilidade superveniente da lide resulte de circunstâncias que não as referidas nos dois primeiros números desse artigo, paga as custas o autor, a menos que a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, caso em que este responde pelas custas; ou seja, nesses casos, o autor é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for objectivamente imputável.

iv) Para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram a gerência de modo efectivo ou de facto.

v) É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência, não existindo qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- Declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido relativo ao processo de execução com o n.º ……………………; e

- Julgar a oposição procedente e, em consequência, extinta, quanto ao Recorrente, a execução fiscal n.º ………………….. e apensos.

Custas pela Recorrida, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça por esta última neste TCAS uma vez que não contra-alegou, sendo as custas relativas à parte do pedido declarado extinto por inutilidade superveniente da lide da responsabilidade do Recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2014

Pedro Marchão Marques

Jorge Cortês

Pereira Gameiro (Vencido quanto ao conhecimento em substituição, pois que antes disso deveria ser cumprido o disposto no nº3 do artº175, actual 665 nº3 do CPC, e a sua falta constitui nulidade com tem sido entendimento embora não generalizado, que no STA, quer neste TCA)ro