Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:318/06.9BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores: NULIDADE DO ART 615º, Nº 1, AL B) DO CPC
UTILIDADE DA LIDE
Sumário:- O art 615º, nº 1, al b) do CPC considera nulidade da sentença a falta absoluta de motivação, no sentido de ausência total de fundamentos de facto e de direito sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo. A fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível.
- No caso, a decisão recorrida julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr art 277º, al e) do CPC). Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente.
- Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica, ou seja, quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
- A situação de aposentação da autora no curso da ação gera impossibilidade de reconstituição da situação caso obtenha ganho de causa do pedido de impugnação de ato, mas sempre a recorrente pode lançar mão da tutela indemnizatória, por eventual responsabilidade civil. E esta utilidade justifica o prosseguimento da lide.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

B................. instaurou ação administrativa especial contra Universidade de Évora e contra a contrainteressada A................., pedindo: (1) a anulação do ato praticado em 30.3.2006, que deferiu o incidente de impedimento deduzido contra o membro do júri Professor R............., no âmbito do concurso documental para recrutamento de um professor catedrático para o quadro do pessoal docente da Universidade de Évora, para a disciplina de Paleontologia, aberto por edital nº 327/2005 (2ª série), publicado no DR, nº 33, de 16.2.2005; (2) a anulação de todos os atos praticados (de 30.4.2007, que determinou o prosseguimento do concurso e a substituição de dois membros do júri, de acordo com a sua nova composição; de 29.1.2008, que homologou o relatório final do júri; de 7.2.2008, pelo qual a Dra. A................. foi nomeada Professora catedrática, a título definitivo, do Quadro de Pessoal Docente da Universidade de Évora) que derivem do ato de 30.3.2006; (3) a homologação da decisão do júri do concurso e, consequentemente, ser a autora provida no lugar a que concorreu.

Por acórdão de 15.1.2015 o tribunal julgou extinta a instância por inutilidade da lide, por a autora se ter aposentado e não poder ser provida no lugar a que concorreu.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso, em que formulou as conclusões que seguem:

1. «Em sede de sentença confirmada pelo acórdão conferência, de 15.1.2015, julgou o tribunal a quo extinta a instância por considerar verificada uma inutilidade superveniente da lide em virtude da aposentação da recorrente, contudo e salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo ao decidir como decidiu na medida em que a aposentação da recorrente não acarreta uma causa de inutilidade superveniente da lide, mas antes e quanto muito, uma situação de causa legítima de inexecução no caso de a presente ação administrativa especial ser julgada procedente.

2. A aposentação da recorrente, não pode ser causa de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, uma vez que os pedidos formulados por esta continuam a conferir utilidade na sua procedência, nomeadamente e em concreto, no que diz respeito à categoria com que a recorrente se aposentaria e quanto aos efeitos dessa nomeação nos cálculos do cômputo geral da sua aposentação (veja-se o vertido no acórdão do STA, de 20.10.2011, proferido no âmbito do processo nº 0941/10).

3. Sendo provida no lugar para o qual se candidatou, a respetiva categoria passaria a ser considerada em sede de cálculo de valores para a aposentação, bem como (por hipótese) poderia ainda ter direito a ser compensada monetariamente pelos danos decorrentes da impossibilidade de exercer a atividade correspondente ao lugar para o qual se candidatou.

4. A situação mais vantajosa de acordo com a jurisprudência do STA "tanto se podia traduzir na possibilidade da reconstituição natural da situação hipotética como na atribuição de uma indemnização pelos danos decorrentes da prática do ato ilegal como ainda, conjuntamente, pelas duas quando a referida reconstituição fosse insuficiente para a reparação integral dos prejuízos".
5. Veja-se no mesmo sentido o entendimento vertido nas seguintes decisões judiciais: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2012, proferido no âmbito do processo n.º 0962/11; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.11.2012, proferido no âmbito do processo n.º 00417-A/2002-Coimbra e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06.12.2012, no âmbito do processo n.º 05062/09, entre outros.

6. Não se deve considerar atividade inútil a prossecução de um processo que visa o apuramento dessa legalidade, pois que se assim não for, corremos o risco de manter na ordem jurídica um ato ilegal ou de não apreciar essa ilegalidade em devido tempo sob o pretexto de que já não é possível reconstituir a situação que existiria.

7. A ação administrativa especial é o meio processualmente adequado para assegurar a tutela judicial efetiva dos direitos dos interessados de natureza administrativa e essa tutela tanto se pode fazer pela reconstituição natural da situação hipotética, como também pela atribuição de uma indemnização pelos danos que a prática da ilegalidade haja provocado como também, conjuntamente, pelas duas, o que acontecerá quando a mencionada reconstituição pode não ser suficiente para a concretização daquela tutela e se justificar a atribuição de uma compensação suplementar.

8. Assim, a mera aposentação da Recorrente não lhe retira a possibilidade de obter benefícios com o prosseguimento da lide visto que, se esta lhe for favorável, ficaria colocada numa situação vantajosa (correspondente a categoria superior), pelo que não há qualquer causa de inutilidade da lide, pelo que a sentença recorrida incorre num erro de julgamento que a invalida.

9. O artigo 615.º/1, al. b), do CPC estabelece que é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”.
10. Assim, ao Tribunal a quo impendia o dever de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e não provados, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto e impondo que o julgador especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o que não sucedeu.

11. Acontece, que nem a Sentença nem o Acórdão que a confirma descriminaram os factos provados, nela não se indicando concretamente quais os factos materiais que se têm como assentes, tendo-se de imediato passado à decisão.

12. Nesta medida, estamos perante um caso de omissão total da matéria de facto, que precede e é substrato da decisão final, dando origem a uma nulidade prevista no artigo 615.º/1, al. b), do CPC, que se arguiu para todos os efeitos legais.

Termina pugnando pela revogação do acórdão recorrido com as consequências legais.
Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do art 146º nº 1 do CPTA, nada disse.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, ordenou a baixa do processo ao Tribunal a quo, para aí prosseguir os seus termos.

A Universidade de Évora reclama para a conferência da decisão sumária do relator.

*

Nos termos dos arts 652º, nº 1, al c) e nº 3 e 656º do CPC, a reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objeto do recurso.

A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida pelo relator.

Colhidos os vistos vêm os autos à Conferência para apreciação da reclamação deduzida.

Objeto do recurso:

As questões suscitadas pela recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em saber se: a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de fundamentação de facto e se incorreu em erro de julgamento ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Fundamentação de facto:

Com interesse para o conhecimento do objeto do recurso, resulta provada a factualidade seguinte:

A) A autora foi opositora ao concurso documental para recrutamento de um professor catedrático para o quadro do pessoal docente da Universidade de Évora, para a disciplina de Paleontologia, aberto por edital nº 327/2005 (2ª série), publicado no DR, nº 33, de 16.2.2005.

B) Também a contrainteressada se candidatou ao mesmo procedimento concursal.

C) A 2.11.2005 o júri deliberou ordenar em 1º lugar a ora recorrente.

D) O relatório do júri foi notificado às candidatas e a contrainteressada/ recorrida, nomeadamente, requereu a declaração de impedimento de um membro do júri, o Professor Catedrático R................

E) Por despacho de 30.3.2006 foi deferido o incidente de impedimento e ordenada a constituição de um novo júri.

F) A 25.7.2006 a ora recorrente, B................., instaurou ação administrativa especial contra Universidade de Évora e contra a contrainteressada A.................., pedindo: (1) a anulação do ato praticado em 30.3.2006; (2) a anulação de todos os atos praticados que derivem do ato de 30.3.2006; (3) a homologação da decisão do júri do concurso e, consequentemente, ser a autora provida no lugar a que concorreu.

G) Foram proferidos ainda, e pedida a respetiva anulação, em 30.4.2007, o despacho que determinou o prosseguimento do concurso e a substituição de dois membros do júri, de acordo com a sua nova composição constante do edital nº 330/2007 (2ª série); o despacho de 29.1.2008, que homologou o relatório final do júri; o despacho de 7.2.2008, que nomeou a Dra. A................. Professora catedrática, a título definitivo, do Quadro de Pessoal Docente da Universidade de Évora.

H) No curso da ação, em 13.8.2013, foi publicado em DR o aviso que tornou pública a aposentação da autora/ recorrente (documento junto aos autos).

I) A 19.6.2014 o TAF de Beja proferiu sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto a autora, por se ter aposentado no ano de 2013, não pode ser provida como Professora Catedrática da Universidade de Évora, mesmo que tal fosse o resultado do procedimento concursal (consulta do processo).

J) A autora reclamou para a Conferência, com fundamento em erro de julgamento e omissão de fundamentação de facto (consulta do processo).

K) A 15.1.2015 o TAF de Beja proferiu acórdão, com um voto de vencido, que decidiu desatender a reclamação e manter a sentença reclamada (consulta do processo).

O Direito.

Nulidade da sentença – omissão de fundamentação de facto.

Nos termos do art 615º, nº 1 do CPC ex vi art 1º do CPTA, a sentença é nula nos casos previstos nas suas alíneas a) a e): não contenha a assinatura do juiz (al a)), quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al b)), os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al c)), quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al d)) e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al e)).

As nulidades da sentença (ou do acórdão) estão taxativamente enunciadas e não se confundem com o erro de julgamento. As primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.

No caso, o recorrente sustenta a nulidade na argumentação seguinte: «nem a sentença nem o acórdão que a confirma discriminam os factos provados que justificam a decisão». O que configura a situação prevista no art 615º, nº 1, al b) do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA.

Como refere Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 221 e 222, «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art 208º, nº 1, CRP; art 158º, nº 1)».

E acrescenta o mesmo autor: «o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».

Ou, como refere Lebre de Freitas, em CPC anotado, vol. 2, Coimbra Editora, 2001, pág. 669, «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».

Portanto, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, no sentido de ausência total de fundamentos de facto e de direito.

No caso, a decisão recorrida julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr art 277º, al e) do CPC.).

Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.

Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.

Neste contexto, fora do mérito da pretensão material da autora, a decisão recorrida disse, com factos, que a publicação, em DR, da aposentação da autora, em 13.8.2013, impede o provimento da autora, como pediu, no lugar a que concorreu, mantendo, tão só, o título e a categoria do cargo que exercia e de que dependia da situação de atividade.

Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo contem os elementos de facto e de direito suficientes para a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e, deste modo, não há falta de motivação.

Não incorre, pois, a decisão recorrida no vício de falta de fundamentação de facto.

Erro de julgamento.

Agora, avançando, importa saber se o facto da autora/ recorrente se ter aposentado na pendência da presente instância retira utilidade à prossecução da causa com vista à anulação de atos praticados no âmbito do concurso documental para recrutamento de um professor catedrático para o quadro do pessoal docente da Universidade de Évora, para a disciplina de Paleontologia, e, consequentemente, ser a autora provida no lugar a que concorreu. Pois, se o prosseguimento da causa trouxer quaisquer vantagens para a autora/ recorrente não deve ser declarada a sua extinção.

Vejamos se ocorre a inutilidade superveniente da lide, como decidiu o tribunal a quo, ou, se pelo contrário, a autora ainda pode obter quaisquer efeitos úteis com a decisão de mérito da causa.

A recorrente, B.................., e a contrainteressada, A................., foram opositoras ao Concurso Documental aberto para provimento de um lugar de Professor Catedrático do quadro do pessoal docente da Universidade de Évora, para a disciplina de Paleontologia, aberto por edital nº 327/2005 (2ª série), publicado no DR, nº 33, de 16.2.2005.

O procedimento seguiu a tramitação prevista nos arts 37º a 52º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo DL nº 448/79, de 13.11, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8/2010, de 13.5.

Na fase de audiência prévia a ora recorrente ficou ordenada em 1º lugar. Mas, face à procedência de incidente de impedimento de um membro do júri, o concurso prosseguiu com nova composição do júri, que, em 29.1.2008, ordenou a contrainteressada em 1º lugar, vindo, depois, por despacho de 7.2.2008, a ser nomeada a contrainteressada Dra. A................ Professora catedrática, a título definitivo, do Quadro de Pessoal Docente da Universidade de Évora.

A recorrente impugnou o procedimento concursal a partir do ato de 30.3.2006, quando ainda não havia sido homologada a decisão do (1º) júri, que em 2.11.2005 deliberou ordenar em 1º lugar a ora recorrente, imputando-lhe diversas ilegalidades que, a procederem, pese embora a sua situação de aposentada desde 13.8.2013, podem, pelo menos, determinar a atribuição de uma indemnização pelos danos decorrentes da prática de ato ilegal.

Pois, com a aposentação extinguiu-se a relação jurídica de emprego da autora com a entidade demandada e surgiu para a autora uma nova relação jurídica, a relação jurídica de aposentação (cfr arts 46º, 74º, nº 1, 99º do Estatuto da Aposentação).

Por «aposentação entende-se a situação jurídica em que se encontram os funcionários e agentes que, sendo considerados incapazes para o serviço, em virtude da idade, de doença ou de incapacidade ou por motivo da prática de infração criminal ou disciplinar muito grave, veem extinta a sua relação jurídica de emprego público, permanecendo, todavia, vinculados à Administração Pública através de uma nova relação jurídica (de aposentação) filiada na relação jurídica extinta e constituída em seu inteiro benefício, a qual estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades». (in «Conceitos fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público», 2º volume, João Alfaia, pág. 1056).

O art 74º, nº 1 do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL nº 498/72, de 9.12, com a redação dada pelo DL nº 191-A/79, de 25.6 e DL nº 503/99, de 20.11, reconhece aos funcionários e agentes aposentados o direito à perceção de uma pensão de aposentação e à manutenção do vínculo à Administração Pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exerciam e todas as demais regalias e obrigações que não dependam da prestação do trabalho.

A autora, com a aposentação, não perdeu a qualidade de funcionária, mas não ocupando lugar no quadro da entidade demandada e estando dispensada definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício de funções, apenas conserva o direito a ser tratada pela categoria que ocupava quando foi aposentada (cfr, a este propósito, Marcello Caetano, em «Manual de Direito Administrativo», II vol., Almedina, 10ª edição, pág. 794 e 795).

O art 43º do Estatuto da Aposentação dispõe que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifique o facto que lhe deu causa.

No nº 3, o mesmo preceito legal diz que é irrelevante qualquer alteração de remunerações ocorrida posteriormente à data a que se refere o nº 2 do art 33 do Estatuto da Aposentação.

Pese embora o disposto no art 58º do Estatuto da Aposentação, a remuneração mensal a considerar para o cálculo da pensão de aposentação é a que corresponder à categoria ou cargo do subscritor à data do ato determinante da aposentação (cfr, ainda que a propósito de promoção de subscritor entre a data do ato determinante da aposentação e a desligação do serviço, Parecer da PGR de 27.1.1994, publicado no Diário da República, II Série, de 19.5.1994 e Ac do Tribunal Central Administrativo de 23.11.2000, proferido no processo nº 1456/98).

No entanto, ainda que a reconstituição da situação se revele impossível, no caso, atenta a situação de aposentação, sempre a recorrente pode lançar mão da tutela indemnizatória, por eventual responsabilidade civil pelos danos ilícita e culposamente causados pela atuação ilegal da demandada, como por responsabilidade objetiva pelo ato ilegal, que existe automaticamente, sem haver que indagar da eventual existência de culpa na emissão desse ato e, portanto, na criação da situação lesiva» (cfr Mário Aroso de Almeida, em «Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes», coleção Teses, Almedina, 2002, pág. 805).

Assim sendo, a recorrente pode retirar benefícios do prosseguimento da lide, visto que, se esta lhe for favorável, poderá retirar consequências da eventual decisão anulatória, designadamente as de natureza indemnizatória.

Neste sentido, como decidiu o STA, em acórdão proferido a 24.1.2012, processo nº 962/11 (citado pela recorrente e também no voto de vencido do acórdão recorrido), «só deve declarar-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quando se conclua com a necessária segurança que o provimento do recurso em nada pode beneficiar o recorrente, não o colocando numa situação mais vantajosa, e que sendo a anulação de um ato um imperativo do princípio da legalidade, continua a haver utilidade no prosseguimento da lide que visa anular o ato ferido de ilegalidade, ainda que esteja em causa ato de adjudicação de obra já concluída».

Na verdade, os princípios da supremacia do fundo sobre a forma, da economia processual, da tutela jurisdicional efetiva, que vigoram no nosso sistema jurídico, nos arts 7º, 7º A, 2º do CPTA, assim o exigem também.

Pelo que, em suma, só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for inutilidade jurídica. De outro modo, não se pode considerar atividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um ato ilegal e a proporcionar a tutela efetiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge.

Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária do relator que concedeu provimento ao recurso jurisdicional e, revogando a decisão recorrida, ordenou a baixa do processo ao Tribunal a quo, para aí prosseguir os seus termos.

Custas pela reclamante.

Notifique, incluindo a própria contrainteressada.

*
Lisboa, 2019-06-06,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos).