Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14/18.4 BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
INDÍCIOS
SIGILO BANCÁRIO
PROVA
Sumário:
I - Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.

II - Os indícios mencionados em I. têm de ser analisados de forma conexa e não isoladamente.

III - Em sede de ação inspetiva, não devem ser utilizados dados bancários coligidos na sequência de derrogação do sigilo bancário obtida em sede de inquérito criminal, devendo seguir-se o procedimento específico para o efeito, previsto no art.º 63.º-B da LGT.

IV - Não se sustentando exclusivamente a fundamentação da AT nos dados bancários obtidos em sede de inquérito criminal, deve a mesma ser analisada, desprovida de tais elementos, para daí se poder concluir pela legalidade ou ilegalidade das liquidações emitidas.

V - É possível, em abstrato, um impugnante lograr abalar a efetividade de parte dos indícios reunidos pela AT mencionados em I., demonstrando a não adesão dos mesmos à realidade.

VI - Não se pode afastar a relevância dos indícios coligidos, indícios esses com níveis significativos de sustentação fática, através de juízos de probabilidades ou através de suposições, sem qualquer respaldo na decisão proferida sobre a matéria de facto.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 10.03.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por D..., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos primeiro e segundo trimestres de 2013.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A. Na Sentença produzida nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade D..., S.A., contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios relativas aos períodos 03 e 06 de 2013, no montante global de 133.646,18 €, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu, com os fundamentos constantes da Sentença que aqui se dá por reproduzida.

B. Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro no julgamento da questão aqui em causa, pelas razões que seguidamente se desenvolvem.

C. A posição da Impugnante é absolutamente clara desde o princípio, sustentando que a fundamentação aduzida pela administração tributária para desconsiderar as facturas a que respeitam essas liquidações, e consequentemente o IVA nelas liquidado e alegadamente suportado pela impugnante, não é válida e é insuficiente, não tendo ficado demonstrada a existência de indícios sérios de que sejam falsas as operações tituladas.

D. A presente sentença, não obstante, considerar provados os factos constantes no Relatório da Inspecção Tributária — que transcreveu no ponto 6) do relatório da Sentença - acolheu o entendimento da impugnante, posição que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar.

E. A douta sentença, dá também por provado, e bem, o facto da apreensão de elementos contabilísticos — cfr. n° 11) da fundamentação de facto da Sentença) com vista a servirem de meio de prova no processo de inquérito crime n° 131/12.41DAVR a tramitar no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, em que figura como arguida a impugnante.

F. Por outro lado, quanto à matéria de facto não provada, a douta sentença fixou, e bem na opinião desta RFP, a falta de comprovação da ocupação e utilização do espaço necessário por parte da Impugnante, e a descredibilização da prova testemunhal dadas as respostas "genéricas", "implausíveis", e não "espontânea", "segura” e "desinteressada" das testemunhas atento o seu envolvimento em "diversos inquéritos criminais" — citando, os n° 131/12.41DAVR, ° 47/03.51DAVR e n° 342/16.31DAVR — concluindo pelo seu evidente interesse no desfecho desta impugnação.

G. E não obstante em termos de direito a douta sentença, correctamente fixar que no caso em apreço foi recusada a dedução do IVA com fundamento no artigo 19.°, n.° 3 do Código do IVA — Na redacção dada pelo DL n° 197/202 de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013, e aqui aplicável — ali se dispondo que não pode ser deduzido o imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente, veio a final, a douta sentença decidir a contrario do direito e dos factos apurados.

H. Nessa mesma sequência a douta sentença transcreve: "Efetivamente, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do Pleno de 17 de Fevereiro de 2016, no processo n.° 0591/15 (disponível em —jurisprudência confirmada no acórdão do pleno de 27-02-2019, processo n.°01424/05.2BEVIS), decidiu que a administração tributária apenas tem de demonstrar factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte". "Em suma, a administração tributária não tem de demonstrar o intuito e acordo simulatório e o animus nocendi em desfavor do Estado nem, tão pouco, a falsidade das faturas. De forma a abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da contabilidade e a estabelecer um juízo fundado e consistente sobre o carácter simulado de tais operações, têm que ser invocados factos que traduzam a elevada probabilidade de falta de concretização das operações mencionadas nas faturas.".

I. "Quanto à distribuição do ónus de prova dos pressupostos referidos do n° 3 do artigo 19.° do Código do IVA, tem sido entendido que compete à Fazenda Pública demonstrar a existência de indícios sérios e fundados que as operações económicas não correspondem à realidade. Efectuada a mesma, passa a competir ao sujeito passivo de imposto o ónus da prova da materialidade da operação (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, acórdão do Pleno de 7 de Maio de 2003, recurso n.° 1026/02 e acórdão de 4 de Maio de 2005, no recurso n.° 943/04."

J. Ora, aqui chegados, tendo em vista o princípio da economia processual, importa dar aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o conteúdo integral do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) constante do processo, onde se encontram exaustivamente elencados todos os indícios recolhidos pela AT, que de forma absolutamente adequada, fundada, suficiente e séria, fundamentam de facto e de direito a convicção de que as operações sub judice, são efectivamente fictícias e inexistentes e consequentemente, por serem operações simuladas não conferem o direito à dedução do IVA4.

K. Efectivamente, em conformidade com o direito e com a melhor jurisprudência invocada, a AT — no RIT — demonstra toda a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Os fortes indícios recolhidos e demonstrados pela Inspecção Tributária, afastam a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da contabilidade e estabelecem um juízo fundado e consistente sobre o carácter simulado de tais operações, e invocam factos que traduzam a elevada probabilidade de falta de concretização das operações mencionadas nas faturas.

L. Aliás e a propósito, também o Digníssimo Procurador da República no seu douto Parecer, salienta: "A administração tributária concluiu — em face desse circunstancialismo, de outros que descreve detalhadamente no relatório de inspecção tributária (v.g., relativas à utilização do mesmo veículo em operações de carga e descarga realizadas em simultâneo em locais distintos), e da irracionalidade, em termos de funcionamento de mercado, da "intermediação" que a impugnante passou efectuar entre empresas que antes se relacionavam comercialmente entre si de forma directa — que as operações tituladas pelas facturas timbradas das empresas C.... Lda e U..., Unipessoal. Lda, antes emitidas directamente para a M..., e que passaram a ser "intermediadas" pela impugnante, constituíam uma "perfeita réplica do esquema de faturação falsa em cadeia".

Com base nos fundamentos descritos na alínea anterior foram consideradas simuladas as transacções tituladas pelas seguintes facturas emitidas por C..., Lda Data.

e do mesmo modo as transacções tituladas pelas seguintes facturas emitidas por U... Unipessoal Lda

Nessa medida, foram propostas as correspondentes correcções técnicas em sede de IVA, por dedução indevida de IVA, no decurso do exercício de 2013.

M. Ora, dispõe o n.° 1 do artigo 75° da Lei Geral Tributária que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos".

N. Todavia, tal presunção deixa de verificar-se se "as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo" - alínea a) do n.° 2 do citado preceito legal.

O. E foi justamente isso que sucedeu. A AT recolheu indícios fundados da falta de correspondência com a realidade das facturas em causa. "Senão, vejamos a empresa impugnante não revelou exercer actividade económica, desde logo porque os custos evidenciados na sua contabilidade se cingiram ao pagamento aos seus administradores, não havendo evidência de qualquer outro custo operacional, designadamente com arrendamento de instalações, pagamento de energia eléctrica, combustível ou outros, fosse na sua sede inicial, fosse na ilha do Pico, para onde no decurso do ano de 2013 a sede formal foi transferidas. Os administradores, ademais, também eram pagos pela empresa que actuava a jusante da sua posição no mercado. Por outro lado, são nulas a utilidade e a necessidade da intervenção da impugnante no mercado, posto que, a existir, a sua operação apenas introduziria um patamar adicional no relacionamento entre empresas que antes transaccionavam directamente os bens que aquela se proporia comprar e vender. Nenhuma racionalidade existiria, em termos de mercado, em introduzir um agente desnecessário na cadeia de comercialização de qualquer bem. Também as relações familiares (de progenitura e conjugalidade) existentes entre os gerentes da empresa impugnante e os da empresa a quem alegadamente seriam vendidos todos os bens por aquela comprados são indiciadoras de que a contabilidade e declarações não reflectiam a sua matéria tributável real." (cfr. Parecer do Digníssimo Procurador da República).

P. Ainda do mesmo Parecer do Digníssimo Procurador da República, importa extrair a análise à prova produzida: "A impugnante pretendeu, neste processo, fazer prova de que tiveram efectivamente lugar, ao contrário do pretendido pela administração tributária, as operações económicas reflectidas nas facturas desconsideradas. A esse propósito prestou declarações de parte o administrador único da declarante e prestaram depoimento quatro testemunhas, sendo uma delas anterior gerente da C..., Lda, outra ex-gerente da U... Unipessoal Lda, a terceira industrial do sector da cortiça na região onde se processaria a actividade económica da impugnante e a última o técnico oficial de contas encarregue da contabilidade da D..., S.A., ele próprio com domicilio profissional na Travessa ..., Feira, Santa Maria da Feira. O acórdão da Relação do Porto de 9 de Outubro de 2019, tirado no processo n.° 342/16.3IDAVR, do primeiro juízo de instrução criminal de Santa Maria da Feira da Comarca de Aveiro, revela que a testemunha J... se encontra ali acusado de diversos crimes de fraude fiscal qualificada, que têm relação com as facturas que nestes autos estão em causa. São também ali arguidas as D..., S.A. e M..., relativamente às quais foi determinada a suspensão daquele processo, no caso da primeira devido à tramitação desta impugnação.

Essas circunstâncias inquinam a credibilidade da generalidade das declarações e dos depoimentos prestados: quer o administrador da impugnante, que foi ouvido, como as duas primeiras testemunhas (gerentes, no período considerado, das duas empresas envolvidas no esquema fraudulento) e a última (responsável pela contabilidade que reflectiu actividade económica presumivelmente inexistente) têm interessa manifesto (dois deles até para se eximirem, a título pessoal e/ou a título de representantes de empresas arguidas) em fazer vingar a tese sustentada pela impugnante.

Além disso, foram pouco consistentes as explicações dadas quanto às cargas e descargas dos produtos supostamente transaccionados, sobretudo se se atender a que as guias tinham por local de descarga um escritório situado numa loja, que comprovadamente, por força das declarações e depoimentos prestados, não tinha capacidade para acolher a volumosa carga de cortiça, ao invés de mencionarem o suposto verdadeiro local de destino, como seria normal, até para evitar possível fiscalização policial e sancionamento contra-ordenacional.

Também pouco críveis foram as explicações dadas para a intromissão da impugnante num circuito comercial do qual se revelava perfeitamente dispensável. A justificação seria a de que era necessária a intervenção da impugnante para que a empresa que a final adquiriria as rolhas não soubesse de onde provinham, num meio onde afirmadamente "tudo se sabe".

Em suma, não parece que tenham sido abalados os indícios, recolhidos no decurso do procedimento inspectivo a que houve lugar, de que eram falsas as facturas que foram desconsideradas nas liquidações oficiosas. A impugnante, salvo melhor opinião, não fez a prova, que lhe competia em face dos indícios recolhidos pela administração tributária, "da existência dos factos tributários que alegou como fundamento de seu direito, seja, a efectiva existência das alegadas transacções".

Q. Porém, ao contrário do direito, da melhor jurisprudência superior invocadas e de todos os factos provados e carreados para os autos, o Meritíssimo Juiz a quo, decidiu a contrario, sem qualquer base sólida e baseado em simples suposições, sem qualquer fundamento minimamente razoável.

R. Senão vejamos;

R.1. — Na douta sentença o Meritíssimo Juiz a quo considera que "a circunstância de a impugnante se encontrar sistematicamente em crédito de imposto por si só, não indica qualquer anormalidade." (cfr. pág. 34 da sentença).

Sucede, porém, que como anteriormente já se demonstrou (cfr. art°s 32 a 37 do presente Recurso), a situação de crédito de imposto não pode ser vista isoladamente como foi, mas exige também a verificação no sentido de se saber se houve operações isentas que pudessem conferir o direito à dedução ou a realização de investimentos que permitissem aumentar o crédito de IVA. E no caso concreto, nada disso se verificou. O que constitui, não uma anormalidade, mas um forte indício de utilização de facturação falsa. Pelo que deste modo se recorre desta conclusão.

R.2 — Seguidamente, considera o Meritíssimo Juiz a quo, que "Também não se pode reputar de absurdo ou irracional a circunstância de a impugnante ter sido intermediária na compra e venda de rolhas (intermediação que o relatório de inspeção reconhece — cfr. Pág. 9".

Salvo o devido respeito que é muito, o Meritíssimo Juiz a quo não agiu bem. Como já se demonstrou supra (cfr. art°s 38 a 47 do presente Recurso) a única vez que o RIT refere o termo "intermediação" é para a distinguir da "compra e venda". Compra e venda que consta expressamente das facturas sub judice. Não consta das facturas qualquer IVA sobre a hipotética "intermediação. E se assim fosse, a taxa de IVA a deduzir seria manifestamente inferior à que acabou por ser deduzida pela impugnante. Mais, no quadro 11 do RIT, constam contabilizadas em Fevereiro de 2013 alegadas compras e no mesmo mês as vendas (cfr. art.° 45 do presente Recurso).

R.3 - Mais, ainda sobre a pressuposta irracionalidade da intermediação desempenhada pela Impugnante, o Meritíssimo Juiz a quo considera que por ter tido no exercício em causa um resultado positivo ou "por aparentemente, ter aportado valor" não se considera irracional a actividade desempenhada.

Só que por um lado só há intermediação em operações que se tenham efectivamente realizado e não é isso que se encontra titulado nas facturas sub judice, que mencionam compra e venda, e por outro lado, o alegado lucro, o resultado positivo, isto é, IRC a pagar, será imediatamente compensado pelo IVA indevidamente deduzido. O que constitui mais um indício inequívoco da actividade fraudulenta (cfr. art.°s 48 a 55 do presente Recurso) que foi mal-entendido pelo Meritíssimo Juiz a quo.

R.4 - O Senhor Juiz, a quo, também considerou ser "plausível a hipótese de o veículo matrícula ..., ter sido utilizado para transportar a mercadoria da lmpugnante...".

Não se contesta a plausibilidade do veiculo matricula ..., atento pertencer à firma M... Lda., e a manutenção de relações especiais entre esta e a Impugnante, poder ter sido utilizado, o que já não se concebe nem se pode aceitar a plausibilidade, é o facto provado do transporte se realizar para a Travessa ..., loja 70 em Santa Maria da Feira, onde a única coisa que existe é um escritório de contabilidade como resultou provado nos autos, sem qualquer aptidão para recepção e armazenamento deste tipo de mercadorias. E o mesmo se diga acerca da plausibilidade e verosimilidade de um transporte se realizar para um local em Lourosa, que é comprovado nos autos como desconhecido. (?).

R.5 - O Meritíssimo Juiz, a quo, refere que também se considera assaz anómala e invulgar a existência de saldos devedores relativamente às sociedades C..., Lda (€127.774,75) e U..., Unipessoal, Lda (€ 58.709,25). Seguidamente, e após verificar indícios de simulação de pagamento de facturas, o Meritíssimo Juiz a quo, menciona que os dados bancários foram obtidos por derrogação do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito n° 131/12.41DAVR. (cfr. art.°s 62 a 75 do presente Recurso). Seguidamente e sintetizando, é invocado o art.° 63°-B da LGT e o Acórdão de 16 de Setembro de 2015 no processo n° 099/15 do STA, e a partir de aqui, o Meritíssimo Juiz a quo conclui que "uma vez que tal procedimento não foi adoptado no caso dos autos nem a impugnante é arguida nos referidos processos de inquérito, de forma alguma os dados respeitantes à movimentação das contas bancárias podem fundamentar o acto ora impugnado.

Salvo o devido respeito que é muito, aqui e mais uma vez, o Meritíssimo Juiz a quo, errou.

Errou, por olvidar em absoluto o que se encontra transcrito nos autos (cfr. Parecer do Digníssimo Procurador da República inserido no SITAF) e que reproduzimos no art.°s 70 do Recurso e na alínea P) das Conclusões deste mesmo Recurso.

E, errou, quando certamente por lapso, conclui que "... nem a impugnante é arguida nos referidos processos de inquérito...". É que na realidade, a impugnante é arguida6 em vários processos criminais com dedução de acusação por emissão de facturas falsas e de fraude fiscal.

De onde resulta, a patente suficiência dos factos e indícios da simulação e a consequente justiça inerente às correcções constantes do RIT.

Pelo exposto, requer-se a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida por erro dos pressupostos em que assenta, uma vez que as correcções e as liquidações são legais e devem permanecer na ordem jurídica, produzindo integralmente os seus efeitos.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1. Pretendendo a impugnante sindicar a legalidade dos atos que levaram à não aceitação da dedução do IVA nos períodos de 03T, 06T do ano de 2013 suportada por aturas emitidas pelos contribuintes C... Lda., NIF ... e U... Unipessoal Lda, NIF ... foi apresentada impugnação (102 nº1 alínea d) CPPT).

2. A AT não aceitou a dedução de tal IVA relativo às faturas supra mencionadas afirmando que as operações económicas subjacentes à emissão de tais faturas são falsas. Afirma pois a AT que a sociedade D... S.A e seus administradores (…) praticaram vários atos consumados pela emissão e utilização de faturas falsas, sobre negócios simulados, por verdadeiramente não terem sido realizados (…) (Sic Relatório de Inspeção)

3. A ora impugnante sempre cumpriu com as suas obrigações fiscais e sociais tendo enviado atempadamente as D.P. do IVA, nos termos da alínea c) do artigo 29º e artigo 41º do CIVA e apresentado, para efeitos de apuramento de IRC, a Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22, nos termos do Artigo 120º do CIRC, enviou a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, nos termos do artigo 121º do CIRC mantendo em boa ordem, um processo de documentação fiscal, nos termos do artigo 130º do CIRC. Nos termos da alínea g) do artigo 29º do CIVA o S.P. dispõe de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto.

4. O S.P. tem a sua contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que permite o controlo do lucro tributável e na execução da sua contabilidade, todos os lançamentos estão apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados e todas as operações estão registadas cronologicamente.

5. Tudo organizado nos termos da alínea a) e b) do n.º do Artigo 12.º do Decreto-Lei 158/2009 de 13 de Julho, que aprova o Sistema de Normalização Contabilística.

6. Nos termos do artigo 75º, nº 1, da LGT quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as suas declarações.

7. Para afastar tal presunção a AT tem de demonstrar a existência de indícios fundados, ou seja, os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

8. A impugnante não sabe, não sabia, nem teria forma de saber se os transmitentes cumprem com as suas obrigações declarativas ou de pagamento por tal ser matéria protegida pelo sigilo fiscal. (a este respeito ver declarações do representante legal que negou sequer conhecer os fornecedores dos seus fornecedores [declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57]

9. Resultou da produção probatória que alguns desses factos (?) usados pela AT para sustentar a recusa da dedução são fabulações como, por exemplo, a afirmação de que as instalações da C... possuem 100m2 (numa tentativa desesperada de demonstrar a falta de capacidade instalada [a este propósito cf. o depoimento do representante legal de tal sociedade H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33] e imagens disponíveis no Google Maps para de verificar que tais instalações possuem quase 2000m sendo a área coberta de 600m2! [doc 1 junto com a PI]

10. A impugnante comprou todos os bens que constam das faturas supra referenciadas tendo pago o preço devido e constante das mesmas sendo que tais bens foram usados pela impugnante na prossecução do seu objeto social e revendidos a terceiros.

11. Todas as faturas foram pagas através de meio que permite a identificação do respetivo destinatário conforme dispõe a lei. (cf a este respeito a conta corrente que se junta e se dá por reproduzida, protestando-se juntar ainda cópia de todos os meios de pagamento – doc 2) tendo as quantias ficado na disposição dos respetivos beneficiários presumindo-se que as mesmas foram usados no seu normal giro comercial.

12. Relativamente ao transmitente C... afirma-se no Relatório Final: De acordo com as facturas timbradas em nome da sociedade C... Lda e respetivas guias de remessa verifica-se que estas indicam como local de carga Moselos e descarga Lourosa. Sucede que não foram identificadas quaisquer instalações da D... em Lourosa. (sic Relatório Final) no entanto de acordo com os depoimentos prestados pelo representante legal, por H... Sousa, gerente da C... e por A... empresário corticeiro os bens adquiridos pela D... à C... tiveram como destino armazém sito na Zona Industrial do …, em Lourosa. [cf depoimento de H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33, declarações do representante legal da impugnante declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57 e depoimento de A... – dia 14/10 15:25:25 – 15:34:48]

13. Relativamente aos documentos de transporte inerentes ao operador U... Unipessoal Lda. refere a AT que de acordo com a análise das guaias os transportes foram simulados e que nenhuma transação ocorreu.

14. Para o efeito a AT indica dois exemplos relativos a duas faturas: a 5 datada de 18/02/2013 e 6 datada de 26/02/2013 sendo que o juízo lógico dedutivo da AT está viciado. Citando o relatório: pela factura 1300/00006,datada de 26-02-2013 timbrada em nome de U... Unipessoal Lda pretendia-se titular a aquisição pela D... S.A. de 196 milheiros de rolhas calibre 45x24 pelo preço global de 25480,00€ Esta mercadoria tem associado um simulado transporte, com recurso à viatura matricula ..., com local de carga na Rua da Lavandeira, nº 265 em São João de Ver às 11:00 horas e com local de descarga Travessa ... às 11:45 horas. Sucede que esta viatura é e era à data dos factos propriedade da sociedade M... Unipessoal Lda e naquele mesmo dia, pelas 10h50 estava em Mozelos a carregar 520000 rolhas as quais foram entregues à firma A...S.A: em santa Maria de Lamas, às 11h30 (sic Relatório)

15. Relativamente a tal cumpre referir que sociedade M... vendeu 520000 rolhas ao Grupo A... tendo entregue tais rolhas às 11h30 em Santa Maria de Lamas utilizando para efeitos de transporte o veiculo OE contudo necessitando a D... de adquirir e transportar as rolhas propriedade da U... e sendo a reclamante representada pelo ex-marido e filho da gerente da M... utilizaram a mesma carrinha para antes de entregar as rolhas na A... passarem por São João de Ver, que fica a 4 KM DE MOZELOS, para carregar as rolhas mencionadas na fatura 6 datada de 26-02-2016 logo o veículo OE saiu de Mozelos e pelas 11h estava já na rua da Lavandeira, nas instalações da U... (cf doc 3 junto com PI) Após carregar as rolhas vendidas pela U... deslocou-se para Santa Maria de Lamas onde entregou as rolhas à A... às 11h30 (cf doc 4 junto com PI) sendo percetível que o veículo OE não necessita de ser omnipresente para fazer os trajetos supra indicados.

16. A C... tinha capacidade produtiva instalada sendo que a reclamante indagou e aferiu que este sujeito passivo declarou devidamente o início de atividade junto da AT tendo apurado ou diretamente ou através de terceiros que este fornecedor tinha uma estrutura adequada em tudo similar à de centenas de empresas do sector, possuindo trabalhadores/colaboradores ocupando prédio urbano sito à Rua …, com área de 2000m2 estando ai implantado armazém de 600m2 destinado ao comércio e transformação de cortiça (doc 1) sendo que a afirmação da AT quanto à capacidade da C... é uma gigantesca fabulação.

17. Não tendo a AT fornecido qualquer elemento objetivo, factos concretos, donde fosse possível emergir a conclusão que as operações tituladas pelas faturas em causa são simuladas

18. A D... operava no sector corticeiro fazendo aquilo que estava vedado à sociedade M... a quem era vendidas as rolhas.

19. Sendo a M... fornecedora do maior grupo corticeiro mundial estava impedida de adquirir ela própria rolhas do mercado. A M… dedicava-se á transformação pelo que o produto transformado era absorvido pelo Grupo A... pelo que numa tentativa de controlar os preços do produto acabado o Grupo A... impedia a M… de adquirir rolhas no mercado rolheiro. Com efeito quanto menos “players“ andarem no mercado rolheiro menos se sente a oscilação de preços. Se a procura por rolhas for intensa com vários operadores a perscrutar o mercado o preço naturalmente subirá.

20. A D... entrou no mercado para adquirir as rolhas que a M... não podia adquirir [a este cf. depoimento de H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33, declarações do representante legal da impugnante declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57, depoimento de A... – dia 14/10 15:25:25 – 15:34:48 e depoimento de P..., 14/10 15:35:44 – 15:51:58]

21. Conforme resulta do Relatório a AT faz uso de elementos obtidos num inquérito crime onde terá ocorrido a quebra do sigilo bancário promovida pela autoridade judiciária competente.

22. Conforme emerge do Relatório [“da análise financeira efetuada na sequência da derrogação do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito 131/12.4IDAVR, (…) apurou-.se (…)” foi usado no procedimento elementos probatórios obtidos em sede processual penal não podendo contudo os mesmos ser usados em sede de inspeção tributária nos termos em que foram.

23. Nas situações em que no seio de inquérito penal a autoridade judicial competente determinou a quebra do sigilo bancário poderá a AT usar a informação bancária obtida no âmbito processual penal em sede tributária desde que respeite o procedimento previsto na LGT.

24. A impugnante aquando da liquidação não tinha tido ainda a possibilidade de sindicar/contraditar a prova constante do inquérito penal não tendo sequer sido constituída Arguida nessa altura.

25. A AT não pode usar tais elementos porque desde logo não foi dada a possibilidade da impugnante sindicar os elementos probatórios obtidos no inquérito e porque também os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal e não para fins tributários e respeitando as regras tributárias.

26. A impugnante se confrontada com uma derrogação nos termos do 63-B da LGT ou um acesso direto nos termos do artigo 63-C do mesmo diploma teria de ser devidamente notificada do despacho fundamentado proferido pelo Diretor Geral da AT.

27. Esse despacho teria de conter a expressa menção dos motivos que justificam o acesso à informação bancária e que devem ser suscetíveis de integrar um dos pressupostos legais de derrogação previstos no artigo 63-B tendo a reclamante igualmente o direito de sindicar tal despacho através da via judicial.

28. O procedimento tributário, utilizando prova que lhe estava vedado, está viciado.

29. Não tendo sido observados os procedimentos do artigo 63-B da LGT nem acautelado o direito da ora impugnante a impugnar a decisão administrativa de acesso a documentação bancária coarctando-se as suas garantias constitucionalmente consagradas, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) está o procedimento ferido de ilegalidade e bem assim a liquidação adicional dai emergente.

30. A este propósito o STA decidiu: A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.

31. A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.2

32. Ao ter atuado como atuou, a Administração Tributária aniquilou o direito da impugnante de impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (artigos 20.º n.º 1 e 26.º n.º 1 e 2 da Constituição), razão pela qual tal a liquidação está inquinada de ilegalidade, impondo-se a sua anulação.

33. Não tendo AT fornecido qualquer indício fundado, objectivo, sólido e consistente, que traduza uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

34. Pelo que não pode haver recusa do direito à dedução.

35. A sentença recorrida não merece qualquer censura fazendo uma apreciação correta da prova e aplicação exemplar do direito

TERMOS QUE QUE DEVERÁ SER JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro no julgamento sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) ter reunido indícios suficientes de se estar perante uma situação de utilização de faturas falsas?

II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção de documentos na presente instância.

Nas alegações de recurso apresentadas, a FP protestou juntar certidão judicial atestando a qualidade de arguida da Recorrida, bem como da dedução de acusação por fraude fiscal nos anos em apreço, o que fez, em anexo a requerimento apresentado a 09.06.2020.

Trata-se, em concreto, de certidão datada de 25.05.2020, referente a despachos e outros atos de 2017 e 2018.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”(1), não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2).

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere:

“[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…).

(…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.).

Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”.

Ora, no caso dos autos, os documentos datam de momento no qual ainda estava a decorrer a instrução do processo (sendo irrelevante a data da certidão, mas sim relevante a data dos documentos que nela estão contidos). Logo, nada nos permite concluir que a sua apresentação não pudesse ter sido feita em momento anterior, tanto mais que o pedido de certidão foi feito em mensagem de correio eletrónico de 19.03.2020 (ou seja, já depois de proferida a sentença).

Por outro lado, respeita a situação que já estava a ser discutida nos autos, de maneira que não se pode considerar que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Como tal, não se admite a junção dos documentos, devendo os mesmos ser desentranhados e devolvidos à sua apresentante, com a consequente condenação em custas da Recorrente pelo presente incidente, o que será feito a final.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em 13 novembro de 2012 foi constituída a sociedade D..., S.A., com sede na Travessa ..., loja 70, Santa Maria da Feira, sendo seu administrador C...(cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 10 e 11 de 21/06/2018 10:39:24).

2) Em 3 de dezembro de 2012, foi iniciada a atividade da sociedade D..., S.A., que se encontra coletada no regime de tributação geral, em sede de IRC, e no regime normal de periodicidade trimestral, em sede do IVA, pelo exercício da atividade de compra e venda de bens imobiliário e fabricação de rolhas de cortiça, a que correspondem os CAE's 68100 e 016294, respetivamente (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 10 de 21/06/2018 10:39:24).

3) A partir de 20 de setembro de 2013, J... consta na certidão permanente de registo comercial como administrador da sociedade D..., S.A. (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 11 de 21/06/2018 10:39:24).

4) Em 12 de outubro de 2013 foi alterada a sede da sociedade D..., S.A., para a Avenida …., madalena, Ilha do Pico (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 11 de 21/06/2018 10:39:24).

5) Em 6 de outubro de 2016 teve início a ação inspetiva autorizada pela Direção de Serviços da Horta, ao abrigo das ordens de serviço n.° 01201602157 e n.° 01201602158, de âmbito geral e externo, de âmbito parcial, abrangendo os exercícios 2013 e 2014 da sociedade D..., S.A. (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 9 de 21/06/2018 10:39:24).

6) Em 22 de dezembro de 2016, no âmbito das ordens de serviço n.° 01201602157 e n.° 01201602158 foi elaborado o relatório de inspeção, no qual se introduziram correções de natureza aritmética ao IVA e IRC dos exercícios de 2013 e 2014, da sociedade D..., S.A., de acordo com os fundamentos seguintes:

"I. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

(...)

II. OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

II.1. CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A AÇÃO

(...)

II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

(...)

II.3. OUTRAS SITUAÇÕES

II.3.1. Apresentação do sujeito passivo

(...)

II.3.2. Comportamento fiscal c organização da contabilidade

(...)

II.3.3. Apresentação dos principais factos societários

(…)

II. 3.4. Identificação dos responsáveis pela sociedade

(...)

II.3.5. Resumo das declarações apresentadas

Resulta dos valores declarados em sede de IVA que, com exceção do 4.° trimestre do ano 2013, o SP encontra-se sistematicamente em situação de crédito de imposto.

De acordo com a informação declarada na IES e na declaração de rendimentos. verifica-se seguinte:

Analisados os custos declarados nos anos 2012 a 2014, conforme mapa acima e mapa discriminativo dos Fornecimentos e Serviços Externos (Quadro 61 da IES) que se junta em anexo 6 a folhas 1 e 2, verifica-se que, para além dos alegados custos de aquisição de mercadoria, estes se referem a custos c/ pessoal, aos serviços prestados com o TOC e a custos incorridos com a constituição da sociedade.

Não se verificou o registo de qualquer outro custo operacional, designadamente arrendamento de instalações, pagamento de energia elétrica, combustível ....

Relativamente aos custos c/ pessoal verifica-se que estes respeitam unicamente ao pagamento de vencimentos aos seus administradores C...(até Setembro de 2013 e a partir de Abril de 2016) e J... desde Outubro de 2013. Sendo de destacar o facto de que, constam como entidade pagadoras de rendimentos, a ambos, alternadamente a M... e D....

Declaração de transacções intracomunitárias.

Não consta declarada na base de dados VIES a realização de qualquer transmissão por operadores intracomunitários para este sujeito passivo.

Bens móveis e viaturas de que a D... é proprietária

Não consta na base de dados da AT que D... seja proprietária de qualquer imóvel e viatura.

II. 3.6. Outros factos a destacar

II.3.6.1. Informação relevante referente aos administradores e outras entidades por si administradas

Conforme já relatado, constam como administradores da D..., C..., NIF … e seu filho J..., NIF ….

Consultada a informação histórica referente a ações de inspeção e investigação realizadas pela AT, apurou-se que C..., consta associado à prática de condutas enquadráveis criminalmente como fraude fiscal.

C..., encontra-se relacionado com diversas entidades, relativamente às quais, foi verificada a sua participação em operações de emissão e utilização de faturas falsas, destacandose a gerência de facto das sociedades E... Produtos de Cortiça, Lda., com o NIF .. e C… - Compra e Venda de Cortiças e Rolhas Unip., Lda, com o NIF .., ambas emitentes de faturas falsas que integram esquema de faturação falsa que foi investigado no âmbito do processo de inquérito n.° 47/03.5 IDAVR. Sendo de referir que assumem funções de administração de outras entidades envolvidas no esquema de faturação falsa, investigado no âmbito do processo de inquérito 47/03.5 IDAVR, (como sejam C… Lda, M…, Lda, M… Unipessoal, Lda) A…, gerente de facto da C… e de facto de direito da M…, principal fornecedora da C… e C…, gerente de facto da So… todas estas igualmente sociedades envolvidas no esquema de faturação em investigação processo de inquérito 131/12. 4 IDAVR, ao abrigo do qual se procedeu à abertura da ordem de serviço da D....

À data da prática dos atos inspetivos à D..., foi localizado o administrador da D... nas instalações situadas na Travessa d…, em Mozelos, local, como já atrás se referiu, onde se situa a sede e instalações da sociedade M..., Unipessoal, Lda, sociedade esta que também se encontra em investigação no processo 131/12.4 IDAVR.

A sociedade M... Unipessoal, Lda tem como sócia a esposa de C...e mãe de J... a Sra. M…, NIF …, cabendo a gerência de direito desta sociedade a esta última e a J.... Já quanto à gerência de facto da M..., apurou-se o exercício de atos de gestão por M…, J... e C..., sendo de relevar as declarações prestadas por Luís Alexandre da Silva Neves, que operou na sociedade M... Unipessoal, Lda, com as funções de encarregado da produção, o qual afirmou que além de J... e sua mãe M…, recebia ordens de C….

No âmbito dos atos de inquérito do processo 131/12.4 IDAVR e do procedimento inspetivo em curso à sociedade M..., credenciado pelas ordens de serviço n.° 01201400183, 01201400184, 01201502259 e 01201602105, concluiu-se, pela verificação de factos que indiciam a sociedade M... pela emissão e utilização de faturas falsas nos anos 2010 a 2014. Apurou-se o registo nos anos 2010 a 2014 de aquisições tituladas por faturas falsas timbradas em nome das seguintes sociedades:

• M…., Cortiças, Lda;

• C..., Lda;

• M…. Unipessoal, Lda;

• U..., Unipessoal, Lda; e

• S…

II.3.6.2. Os clientes e fornecedores da D...

Analisadas as compras e vendas registadas e declaradas por esta sociedade, verifica-se que esta sociedade nos anos 2013 e 2014, tem como fornecedores e clientes as seguintes entidades:


«texto no original»

De acordo com os registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, a sociedade D... SA, neste período, apenas serviu de intermediário da M..., única destinatária das facturas timbradas em seu nome, nas alegadas operações de aquisições da M... às sociedades indiciadas pela utilização e emissão de faturas falsas, as sociedades C… e U....

Até Janeiro de 2013, data em que a D... iniciou a emissão de faturas para a M..., a M.. contabilizava diretamente aquisições à C… e U....

A partir desta data dispersou estas aquisições com interposição da D..., sendo o esquema de faturação o seguinte:


«texto no original»

Constata-se assim que a D..., por ordem e a mando dos seus legais representantes. contabilizou na sua escrita faturas timbradas em nome da sociedade C..., Lda e U..., Unipessoal, Lda, para titular aquisição de bens, bens esses que a D..., SA, mencionou em faturas que emitiu para a sociedade M..., Unipessoal, Lda, conforme mapa resumo dos bens e valores mencionados em tais faturas que a seguir se apresenta.

«texto no original»

Tratam-se pois do mesmo tipo de operações que haviam sido tituladas pelas faturas timbradas em nome das sociedades C..., Lda e U..., Unipessoal, Lda, antes emitidas diretamente para a M..., naquilo que, objetivamente, constitui uma perfeita réplica do esquema de faturação falsa em cadeia.

Assim sendo, importa elencar as faturas timbradas em nome das sociedades C..., Lda, e U..., Unipessoal, Lda, contabilizadas na escrita da sociedade D..., SA:


«texto no original»

Juntam-se, em anexo n.° 3, folhas 1 a 9, contas correntes dos anos 2013 e 2014 das contas 31 Compras; 221100003 –C…. e 2211100003 - U..., 2211100007 - M... e 2432313231- Obs. Tx. Nm Mercado Nacional, onde consta, respetivamente, o registo das compras das operações com os alegados fornecedores e a dedução do NA mencionado em tais faturas.

Juntam-se em anexo 3 nas folhas 10 a 55 cópias das faturas e guias de remessa e/ou de transporte, timbradas em nome de C…, U... e M....

Do mesmo modo, apuraram-se as seguintes faturas de venda emitidas em nome da D..., SA, contabilizadas na escrita da sociedade M..., Unipessoal, Lda:


«texto no original»

Juntam-se em anexo n.° 3, folhas 56 a 63 cópias das faturas emitidas pela D.... De acordo com as faturas de compra timbradas em nome da sociedade C..., Lda, e respetivas guias de remessa, verifica-se que estas indicam como local de carga, Moselos e descarga, Lourosa.

Sucede que não foram identificadas quaisquer instalações da D... em Lourosa, As aquisições de rolhas suportadas pelas faturas, guias de remessa e de transporte timbradas em nome da sociedade U..., Unipessoal, Lda, indicam como local de descarga a Travessa ..., n.° 70, em Santa Maria da Feira.

A aquisição de cortiça suportada pela fatura timbrada em nome da sociedade M..., Unipessoal, Lda, indica como local de descarga a Travessa ..., n.° 70, em Santa Maria da Feira.

O mesmo sucede nas faturas de venda timbradas em nome da D..., SA, que indicam como local de carga, precisamente, a Travessa ..., n.° 70, em Santa Maria da Feira.

Ouvido o proprietário das instalações correspondentes à morada Travessa ..., N.° 70, em Santa Maria da Feira, apurou-se, que estas instalações correspondem a escritório de tratamento de documentação e assessoria administrativa a empresas perfeitamente identificado como P... Consultoria, neste local, nunca foi carregada ou descarregada cortiça/rolhas, pertencente à D..., SA, nem a qualquer outra empresa.

Aliás, este facto é corroborado pela AT já que foi nesse local que se procedeu à análise da documentação das contabilidades das sociedades M... Unipessoal, Lda e S..., SA, confirmando que esse local não tem qualquer condição ou aparência de aí poder ser exercida qualquer atividade de compra ou venda de cortiça e seus derivados.

Junta-se declaração prestada pelo proprietário das referidas instalações, em anexo n° 2, folha 1.

Conclui-se, assim, que não existe qualquer possibilidade das operações tituladas por todas as mencionadas faturas terem sido realizadas nos precisos termos que nelas constam, o que reforça os fundados indícios da sua falsidade, na senda do que se tem vindo a provar ao longo do presente Relatório.

Apuraram-se, ainda, factos que constituem fundados indícios que permitem qualificar as mencionadas faturas como falsas, por claramente se tratarem de faturas emitidas no âmbito de uma cadeia sucessiva de faturação falsa, como forma de dar continuidade à indiciada prática fraudulenta, que minuciosamente foi projetada e concretizada pelos identificados suspeitos, que encontrou na sociedade D... SA, mais uma entidade que para tal foi utilizada pelos seus legais representantes.

São disso exemplo, os seguintes factos:

1. Pela fatura n.° 1300/000005, datada de 18-02-2013, timbrada em nome da U..., Unipessoal, Lda, pretendia-se titular a aquisição pela D..., SA, de 185 milheiros de rolhas calibre 45x24, pelo preço global de 24.075,00 €1.

Esta mercadoria, tem associado um simulado transporte, com recurso à viatura, matrícula…, com local de carga na Rua da…, às 14.20 horas, e com local de descarga na Travessa ... às 14:50 horas2.

1 Anexo n.° 3, folha 43.

Sucede que esta viatura é e era à data dos factos, propriedade da sociedade M..., Unipessoal, Lda, e naquela mesmo dia, pelas 14:30 horas estava em Mozelos a carregar 10.000 rolhas, as quais foram entregues à firma J.., Lda, em Rio Meão, às 15:30 horas.

Conclui-se, assim, que o mencionado transporte foi, de facto simulado, e nenhuma transação existiu entre as sociedades D..., SA e U..., Unipessoal, Lda, nos termos que expressamente vêm indicados nos documentos aqui, indiciados como falsos.

2. Pela fatura n.° 1300/000006, datada de 26-02-2013, timbrada em nome da U..., Unipessoal, Lda, pretendia-se titular a aquisição pela D..., SA, de 196 milheiros de rolhas calibre 45x24, pelo preço global de 25.480,00 €4.

Esta mercadoria, tem associado um simulado transporte, com recurso à viatura, matricula ..., com local de carga na Rua da Lavandeira, n.° 265, em São João de Ver, às 11.00 horas, e com local de descarga na Travessa ... às 11:45 horas5.

Sucede que esta viatura é e era à data dos factos, propriedade da sociedade M..., Unipessoal, Lda, e naquela mesmo dia, pelas 10:50 horas estava em Mozelos a carregar 520.000 rolhas, as quais foram entregues à firma A... & Irmãos, SA, em Santa Maria de Lamas, às 11:30 horas6.

Conclui-se, assim, que o mencionado transporte foi, de facto simulado, e nenhuma transação existiu entre as sociedades D..., SA e U..., Unipessoal, Lda, nos termos que expressamente vêm indicados nos documentos aqui, indiciados como falsos.

Acresce deixar a nota de que em grande parte das faturas de venda timbradas em nome da sociedade D..., SA, não consta, sequer a hora de carga e descarga, sendo que não foram encontradas as guias de remessa/transporte, o que mais uma vez, se enquadra nos propósitos associados à indiciada fraude.

2 Anexo n.° 3, folha 44 e 45.

3 Anexo n.° 3, folha 45, verso

4 Anexo n.° 3, folha 46

5 Anexo n.° 3, folha 47 e 48

6 Anexo n.° 3, folha 48, verso

Por fim, o facto de que todos os bens mencionados nas faturas timbradas em nome das sociedades C..., Lda e U..., Unipessoal, Lda, contabilizadas na escrita da D..., SA, acabaram por ser faturados por esta sociedade á M..., Unipessoal, Lda, é indiciador da falsidade das mencionadas operações, não só pelos fundados indícios de emissão e utilização de faturas falsas, por parte daquelas sociedades, mas também pela irracionalidade associada às descritas operações, uma vez que se fossem verdadeiras as vendas das sociedades emitentes, estas vendas poderiam ter sido efetuadas diretamente à sociedade M..., Lda, sem terem a necessidade de passar pela D..., SA, até porque, nos anos anteriores à constituição da D..., essas sociedades faturaram diretamente à M..., Lda.

Da análise financeira, efetuada na sequência da derrogação do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito 131/12.4 IDAVR, até ao ano de 2013, apurou-se- o que a D... é titular da conta bancária n.° …., sede ada no BIC e n.° …, sedeada no Deutsche Bank.

Analisados os registos bancários e respetivos documentos bancários, registam-se, nos anos 2012 e 2013, os movimentos bancários relevantes7 que a seguir se indicam:


«texto no original»

7 Conforme listagem que junta em anexo n.° 4, folha 9 frente e verso. Note-se que não foram considerados pagamentos de outros serviços / compras de valor inferior a € 1.000,00

Conciliada a informação obtida na derrogação do sigilo bancário, reflectida no quadro acima, e a contida nos documentos registados na contabilidade, apurou-se o seguinte:

Relativamente ao ano 2013

• Foi registado o recebimento pela D..., SA, de cheques e transferências provenientes da sociedade M... Unipessoal, Lda, no montante total de 206.000,00 € 8;

• Foi registado pela D..., SA, pagamentos à U..., Unipessoal, Lda no montante de 70.382,70 € 9, deste montante, 11.000,00 € 10, apesar de contabilizados como pagamento a esta sociedade, foram beneficiar diretamente C..., administrador daquela sociedade.

• A D..., SA, registou pagamentos à C..., Lda, no montante de 301.127,00

• A suportar parte dos pagamentos à U... e à C..., encontram-se realizados diversos depósitos em numerário12 que são contabilizados como se tratando de empréstimos dos acionistas13.

Relativamente ao ano 2014

• Apurou-se que na contabilidade se encontram registados recebimentos de 362.460,00 €, sendo que € 228.960,00, respeitam a encontro de contas entre a D..., SA e a M..., Unipessoal, Lda, associado à tal alegada aquisição de cortiça, transporta para o gabinete de contabilidade. Cortiça esta, que ficou em inventário e no ano de 2015, e que a D..., SA, volta a vender à M... Unipessoal, Lda 14.

8 Anexo 3, folha 1 frente e verso

9 Anexo n.° 3, folha 2

10 Anexo n.° 3, folhas 2, Anexo n.° 4 folhas 1 e 2.

11 Anexo n.° 3, folha 1 verso e folha 2

12 À semelhança do que sucedeu na M..., Unipessoal, Lda e na sócia desta sociedade M....

13 Ou seja os depositantes são, precisamente C..., J... Figueiredo e M.... Anexo 5, folhas 1 a 12

14 Anexo 3 folha 6 frente e verso.

• Relativamente à C..., Lda, a D..., SA registou pagamentos de 84.900,00 € 15, sendo de destacar o facto de que, não tendo sido realizadas quaisquer aquisições àquela sociedade desde junho de 2013, o saldo em dívida, em 31-12-2014, era de 127.774,75 €, o que indicia fortemente a não efetividade das operações associadas.

• No que concerne à U..., Unipessoal, Lda, apurou-se um registo de pagamentos no valor 34.000,00 € 16, registado em janeiro de 2014, sendo que mais nenhuma operação existiu entre esta sociedade e a sociedade D..., SA, e, ainda assim, o saldo em divida em 31-12-2014, é de 58.709,25 €, o que, mais uma vez, indicia a não efetividade das operações associadas.

Verificadas as contas bancárias da U..., verificou-se que, na sequência dos recebimentos da D..., SA, a U..., Unipessoal, Lda, emite cheques à ordem de emitentes de faturação falsa, cujas faturas registou na sua contabilidade, que acabam por ser levantados ao balcão pelos mesmos emitentes17.

Verificados os elementos de escrita da C... e a informação que resultou da derrogação do sigilo bancário, obtida no âmbito do processo de inquérito 131/12.4 IDAVR, verificou-se que após registados os recebimentos da MB esta também emite cheques à ordem dos emitentes das faturas falsas, registadas na sua escrita, valores que acabam por ser levantados ao balcão pelos mesmos emitentes, dando origem a novos depósitos em numerário em contas bancárias da D..., e de outras entidades controladas pelos seus legais representantes. 18

Concluiu-se assim que, na sequência dos recebimentos da MB e dos depósitos em numerário em contas bancárias da D..., contabilizados como alegados empréstimos de sócios, a D... emite pagamentos à ordem da C..., Lda e U..., as quais, na sequência dos recebimentos da D... e da M..., levantam esses valores em numerário ou emitem

15 Anexo 3 folha 6 verso

16 Anexo 3 folha 6 verso

17 Disso é prova o cheque n.° …, emitido à ordem de N..., indiciado como emitente de faturação falsa, cuja cópia, frente e verso, consta do Anexo n.° 4, folhas 3 e 4. Noutros casos, ainda, é emitido um cheque caixa, o qual é diretamente levantado em numerário, conforme documentos que se juntam em anexo n.° 4, folha 5 a 8

18 Conforme documentos, juntos a título de exemplo, e mapa em anexo n.° 4, folha 10 a 13, onde se demonstra que, após o recebimento de pagamentos da D... em conta da C..., os valores são objeto de levantamento.

cheques à ordem de emitentes das faturas falsas registadas na sua escrita, que acabam por ser levantados ao balcão pelos mesmos emitentes, dando origem a novos depósitos em numerário em contas bancárias da D..., e de outras entidades controladas pelos seus legais representantes19. Efectua-se assim, a simulação de pagamentos das facturas falsas, através da circulação de numerário por contas bancárias controladas pelos diversos intervenientes que integram o circuito de faturação falsa.

II.3.6.3. Indícios da falsidade das faturas contabilizadas pela D..., verificados no âmbito de ações de inspeção realizadas aos emitentes das faturas

Relatados os factos que constituem indícios da falsidade das facturas timbradas em nome das sociedades C..., U... e M..., verificados no âmbito da ação de inspeção à D..., importa aqui também elencar os principais factos verificados no âmbito de ações realizadas às entidades emitentes destas faturas e a outros utilizadores das mesmas.

II. 3.6.3.1. Factos verificados no âmbito de ação de inspeção à C...

A sociedade C..., Lda foi inspecionada ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s 01201200003, 01201501545, 01201501546 e 01201501547, emitidas pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro.

Das diligências investigatórias e procedimentais realizadas resultou apurado o seguinte.

• A sociedade C..., Lda, encontrava-se permanentemente numa situação de crédito de imposto, nunca tendo efetuado qualquer entrega de IVA. Não realizava operações isentas de IVA (exportações e/ou transmissões intracomunitárias), nem tão pouco realizou investimentos que justifique a situação de crédito permanente.

• Apurou-se que a sociedade C..., Lda integrava um grupo de pessoas físicas e jurídicas que, concertadamente, implementaram um complexo esquema de utilização e emissão de faturas falsas, a saber: M…, Cortiças, M... ..., Unipessoal, Lda, H... e A....

19 Vide mapa que se junta em anexo n.° 4, folha 14, onde se demonstra, o levantamento de cheques emitidos pela C... e, em datas próximas, o depósito em contas da D... e da M...

• A referida situação de crédito de IVA resultava, precisamente, do facto da sociedade C..., Lda estar a deduzir IVA com base em faturas timbradas em nome da sociedade M..., Cortiças, Lda e M... ..., Unipessoal, Lda, sendo que aquela sociedade é constituída por H...2°, e esta é constituída por A....

• Tudo com a particularidade de, quer a M..., Cortiças, Unipessoal, Lda, quer a M... ..., Unipessoal, Lda, terem contabilizado nas respetivas escritas faturas falsas timbradas em nome de vários emitentes já indiciados em vários processos de inquérito, apurando, igualmente tratarem-se de sociedades instrumentais para "lavagem de faturas".

• Resultou ainda apurado que a sociedade C..., Lda, é uma sociedade veículo utilizada por H... e A..., para a coberto de uma atividade meramente residual "lavar" faturas para serem utilizadas em circuitos posteriores por operadores com atividades reais.

• Verificou-se que a sociedade C..., Lda, declarava margens brutas de comercialização baixas para o setor de atividade, sendo que as mesmas não permitem, sequer, cobrir os custos de funcionamento, designadamente administrativos, laborais e financeiros, que necessariamente se incorreriam no âmbito de uma atividade efetiva;

• Tal circunstância, resulta, precisamente, do facto da sociedade C..., Lda, ser uma sociedade instrumental, para a coberto de uma atividade meramente residual, justificar a emissão de faturas relativas a fornecimentos que, claramente, não tem capacidade de realizar, por manifesta falta de estrutura empresarial.

• As instalações da sociedade C..., Lda, correspondiam a um pavilhão antigo, com cerca de 100 m2, rodeado por uma área exterior a céu aberto, sendo que, nos dias em que foi visitada pelos Serviços de Inspeção, não existia cortiça armazenada, existindo apenas alguns sacos com rolhas, mas cuja quantidade não oferecia qualquer materialidade.

20 Também sócio-gerente da sociedade C..., Lda

• Igualmente foi constatado que para além do Sr. H..., encontrava-se naquelas instalações uma outra pessoa, que se identificou como funcionário do Sr. H... (sem precisar a sociedade). Não verificámos a presença de qualquer outro funcionário.

• No interior constavam 3 brocas, destinadas ao fabrico de rolhas, mas que no momento não se encontravam a ser utilizadas, tendo o Sr. H... afirmado serem propriedade da C..., Lda.

• Foram inquiridos trabalhadores da sociedade C..., Lda, que, confirmaram o caráter residual da atividade da sociedade, e permitiram melhor clarificar o procedimento desta sociedade, que a coberto dessa atividade meramente residual, pretendeu, isso sim, emitir e utilizar faturas para titular um elevado número de operações fictícias que manifestamente, não tinha capacidade para realizar.

• De acordo com os elementos de escrita que integram a contabilidade da sociedade C..., Lda, apurou-se que existe um concreto procedimento atinente a dar a aparência da existência de um mecanismo de pagamentos das faturas emitidas para a M... titulados por cheques ou transferências bancárias que depois, vão dar origem à emissão de cheques que acabam por ser levantados em numerário, pelo próprio H..., ou por A....

• De acordo com os registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, verificou-se que os pagamentos das faturas que titulam a maioria das aquisições da C..., Lda, e que são timbradas em nome da sociedade M..., Cortiças, Lda, e da M..., têm associado a emissão de cheques que, de acordo com a informação obtida, na derrogação de sigilo bancário realizada ao abrigo do processo de inquérito n.° 131/12. 4IDAVR, acabam por ser levados em numerário, por H... ou A... gerentes de facto daquelas sociedades.

• Apurou-se ainda na derrogação de sigilo bancário realizada ao abrigo do processo de inquérito n O 131/12. 4IDAVR, que, em datas próximas àqueles levantamentos, são efetuados depósitos em contas bancárias tituladas pela gerente da M... e a partir de 2013 na D..., SA.

II. 3.6.3.2. Factos verificados relativamente à U...

A sociedade U..., Unipessoal, Lda, foi inspecionada ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s OI201300411, OI201502277 e OI201502369, emitidas pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro, pelo Inspetor Tributário J..., o qual apurou a seguinte factualidade:

a) A sociedade U... Unipessoal, Lda, foi constituída por J..., filho de A...21 e exercia atividade em instalações arrendadas.

b) Da visita efetuada ao local, aquando do início da ação inspetiva, constatou-se tratar-se de um espaço com cerca de 200m2, encontrando-se no seu interior: 3 brocas paradas, 1 máquina de escolher rolhas, 1 máquina de rabanear e 30 sacos de rolhas com cerca de 10.000 rolhas/cada e que A... afirmou que tais máquinas não lhe pertenciam e eram propriedade do senhorio.

c) A sociedade não possuía qualquer outro ativo fixo e de acordo com as declarações de J..., a sociedade dedicava-se exclusivamente ao comércio de rolhas, por regra compra, através de amostras dos fornecedores, que depois mandava entregar diretamente nos seus clientes, razão pela qual no pavilhão a quantidade de rolhas existente era exígua.

d) Das compras registadas na contabilidade da sociedade U..., Unipessoal, Lda, nos 2012, 2013, 2014 e 2015 (até Junho) encontravam-se tituladas 67% por faturas emitidas por "sujeitos passivos" já identificados pelos Serviços de Inspeção Tributária como emitentes de "faturas falsas".

e) A sociedade U..., Unipessoal, Lda é titular da conta n° 673 208630097, domiciliada no Barclays, tendo registado movimentos entre 18/06/2012 e 30/11/2014.

f) As entradas na referida conta referem-se, na esmagadora maioria, cheques e transferências da M..., Unipessoal, Lda.

21 Foi mais uma sociedade de que este, com a conivência de seu filho, fez uso para continuar a praticar atos lesivos do erário público, consubstanciados na utilização e emissão de faturação falsa, não obstante saber-se investigado e acompanhado pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro e indiciado pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, factualidade que, ainda assim, não o demoveu de dar continuidade aos seus intentos fraudulentos.

g) No entanto, pela análise do extrato e da cópia bancária dos cheques, constatou-se que, por regra, após uma entrada financeira na conta bancária, segue-se, de imediato, uma saída proveniente de levantamentos ao balcão por parte do próprio gerente da U..., através de cheques ao portador.

• Aliás, á semelhança do que tem vindo a suceder de forma sistemática com as outras sociedades emitentes, M... - Cortiças, Lda, C…, Lda e M... Unipessoal, Lda, naquele que é um " modus operandi " especificamente dirigido a simular os pagamentos das faturas falsas, instituído por todos e cada um dos agentes perpetradores que, assim agiram em comunhão de esforços, para "esconder" o objetivo primário que esteve na base do esquema que projetaram e concretizaram.

h) A sociedade U..., Unipessoal, Lda é titular da conta n° …, domiciliada no Montepio, tendo registado movimentos entre 31/01/2013 e 05/11/2013.

i) À semelhança do que sucedeu da conta domiciliada no Barclays, as entradas são na esmagadora maioria provenientes de cheques e transferências provenientes da M.... Unipessoal, Lda.

j) Também aqui, se verificou que, imediatamente à entrada dos cheques ou transferências bancárias com origem na M... Unipessoal, Lda, seguem-se levantamentos das quantias, por parte do gerente da U..., levantamentos esses de montantes iguais ou muito próximos dos valores entrados, e na ordem das dezenas de milhares de euros.

Analisados os documentos que suportaram o registo de aquisições á U... pela M..., no âmbito das ordens de serviço n.° OI201400183, OI201400184, OI201502259 e OI201602105, apurou-se:

a) a menção de viaturas que nas datas e horas nelas mencionadas se encontravam mencionadas em outras guias/facturas emitidas para outras entidades

b) Em matéria de meios de pagamento foi efetuada uma análise aos elementos de escrita da sociedade M..., Unipessoal, Lda, e, complementarmente, com a informação recolhida pelo Inspetor Tributário J..., que integra o relatório de inspeção elaborado na sequência do procedimento inspetivo realizado à U..., Unipessoal, Lda.

Em resultado dessa análise, concluiu-se aquilo que já o referido Inspetor concluiu, confirmando-se que após o depósito de pagamentos titulados por cheques depositados na conta bancária da U..., Lda, seguem-se levantamentos de cheques, por esta sociedade emitidos, nas mesmas datas ou em datas próximas, destacando-se, inclusivamente, caso de efetivo retorno do valor que foi contabilizado como destinando-se a pagar parte do valor de fatura, emitida pela U..., Lda.

Por fim acresce dizer que se apurou que a M... Unipessoal, Lda, não precisava das rolhas tituladas pelas faturas timbradas em nome da sociedade U..., Unipessoal, Lda, porquanto tinha capacidade para produzir as rolhas de que necessitava para satisfazer as vendas verdadeiras que realizou.

II.3.6.3.3. Factos verificados no âmbito de ação de inspeção à M...

Em resultado do procedimento inspetivo realizado à M..., credenciado pelas ordens de serviço n.° (s) 01201400183, 01201400184, 01201502259 e 01201602105, resultaram já apurados indícios da falsidade das faturas timbradas em nome da C... e da U..., contabilizadas na escrita daquela sociedade e apuraram-se ainda factos que indiciam a emissão de faturas falsas pela M....

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IVA

III.1.1. Ano de 2013 e 2014

III.1.1.1. IVA deduzido indevidamente

De acordo com os fundamentos e factos devidamente escalpelizados no Ponto II, conclui-se que a sociedade D..., SA, deduziu IVA com base em faturas timbradas em nome dos seguintes emitentes:

• C..., Lda;

• U..., Unipessoal, Lda; e

• M... Unipessoal, Lda.

Para todos os identificados emitentes resultou apurada factualidade bastante que lhe permita imputar a prática efetiva de atos conducentes à concretização do tipo legal de crime de fraude fiscal qualificada pela emissão de faturas falsas.

Com efeito, FACTURAS FALSAS são documentos relativos a factos ou operações total ou parcialmente inexistentes, objeto pois de falsificação material e/ou intelectual.

Enquadrando-se no âmbito deste conceito (faturas falsas), com as consequentes implicações fiscais, têm os serviços de inspeção vindo a detetar as seguintes situações típicas:

a) Faturas falsas de empresas verdadeiras, que com o desconhecimento destas, foram utilizadas para titularem transmissões de bens e prestações de serviços fictícios (faturas forjadas);

b) Faturas falsas propriamente ditas respeitantes a empresas inexistentes ou pseudoemitentes utilizada para os mesmos fins;

c) Faturas entre empresas verdadeiras emitidas em conluio por contrato oneroso ou gratuito (faturas de favor).

Relativamente ao conceito de Faturas Falsas, refere o Código do IVA (CIVA), no seu artigo 19°, que considera existir simulação sempre que as partes intervenientes nas transacções sejam elas simuladas, bem como o Regime Geral da Infracções Tributárias (RGIT) em que na alínea c) do n.° 1 do artigo 103° e n° 2 do artigo 104°, consideram existir fraude, sempre que exista negócio simulado "quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas".

Nos termos do disposto no Artigo 240.°- Código Civil:

"7. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negociai e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo."

A propósito do conceito de simulação, vem o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 261/2000. C1 .S1 , firmar que:(...) A sociedade D..., SA, sob a autoria moral e material de C...e seu filho J..., concertadamente e em comunhão de esforços, praticaram vários atos consumados pela emissão e utilização de faturas, sobre negócios simulados, por verdadeiramente não terem sido realizados, nem, tão pouco, alguma vez quiseram que fossem realizados, apenas e só com o intuito de enganar terceiros, in casu, o Estado e toda a comunidade contribuinte, fazendo com que o erário público fosse diminuído dos montantes do IVA que, por virtude do esquema que montaram, liquidaram e deduziram indevidamente.

Em conformidade com o que se disse e atentos os fundamentos e factos elencados ao longo de deste relatório, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para efeitos de fundamentação dos atos de liquidação que a seguir se indicam, resulta que o IVA liquidado nas faturas timbradas em nome dos identificados emitentes, foi indevidamente deduzido nas declarações periódicas remetidas ao SIVA, pela sociedade D..., SA, em manifesta violação do disposto no artigo 19.°11.° 3 do CIVA, pelo que se propõem as seguintes correções em sede de IVA:


«texto no original»

(…)

VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO — FUNDAMENTAÇÃO

(…)

O sujeito passivo embora notificado para o exercício do direito de audição não exerceu esse direito (...)" (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) de 21/06/2018 10:39:24 e Processo Administrativo "Instrutor" (39706) Processo Administrativo "Instrutor" (004180166) de 21/06/2018 10:41:46).

7) Em 9 de janeiro de 2017, o Diretor de Finanças da Horta concordou com as conclusões do relatório de inspeção (cfr. Processo Administrativo "Instrutor" (39705) Processo Administrativo "Instrutor" (004180164) Pág. 2 de 21/06/2018 10:39:24).

8) Em 30 de janeiro de 2017 foram efetuadas as seguintes liquidações adicionais do IVA e liquidações de juros compensatórios, em nome da sociedade D..., S .A. :

- Liquidação adicional n.° 207018327063, no valor de € 75.916,10 e liquidação de juros compensatórios n.° 207018327063, no valor de € 10.956.87, respeitante ao período 1301;

- Liquidação adicional n.° 207018327074, no valor de € 50.055,98 e liquidação de juros compensatórios n.° 207018327074, no valor de € 6.714,35, respeitante ao período 1304 (cfr. Contestação (39698) Processo Administrativo "Instrutor" (004180129) Pág. 3 de 20/06/2018 19:00:44).

9) Em 27 de julho de 2017, a sociedade D..., S.A. apresentou no Serviço de Finanças da Horta uma reclamação graciosa contra os atos de liquidação indicados em 8), a qual foi tramitada com o n.° 2941201704000137 (cfr. Contestação (39698) Processo Administrativo "Instrutor" (004180129) Pág. 2, 3 e 35 de 20/06/2018 19:00:44).

10)Em 12 de outubro de 2017, o Diretor de Finanças da Horta decidiu indeferir a reclamação graciosa n.° 2941201704000137 (cfr. Contestação (39698) Processo Administrativo "Instrutor" (004180129) Pág. 59 de 20/06/2018 19:00:44).

11) Em 9 de setembro de 2016, o Serviço de Apoio Técnico à Ação Criminal (SATAC) da Direção de Finanças de Aveiro elaborou um auto de apreensão com o seguinte teor:


«texto no original»

(cfr. Requerimento (38333) Requerimento (004171720) Pág. 3 de 08/03/2018 16:27:55).

12) A Rua d…, em São João de Ver dista aproxidamente 4,9 km a 6,7 km da Zona I…, Mozelos, percurso que demora cerca de 10/11 minutos a percorrer de automóvel (cfr. fls. 30 do suporte físico do processo).

13) A Rua d…, em São João de Ver dista aproxidamente 3,7 km a 4,2 km da Rua …, percurso que demora cerca de 6/7 minutos a percorrer de automóvel (cfr. fls. 32 do suporte físico do processo)”.

III.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Da instrução da causa não resultou provado que a sociedade Pi…, Lda., haja cedido à sociedade D..., S.A., nos anos 2013 e 2014, um armazém sito na Zona Industrial do …, Santa Maria da Feira”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao processo administrativo (digitalizado e incorporado no SITAF) e no suporte físico do processo, nos termos indicados.

A matéria em 12) e 13) resulta de prints retirados do sítio Google Maps, na internet, os quais apresentam as distâncias entre os pontos aludidos e uma estimativa do tempo que demora, de automóvel, a efetuar tal percurso.

O tribunal considera tais prints meios adequados para demonstrar (de forma aproximada) a realidade proposta, que vem a ser a distância e tempo que demora a percorrer, de automóvel, os aludidos pontos.

A matéria não provada, apesar de haver sido alegada nos pontos 52.° e 64.° da petição inicial, resulta da circunstância de não haver sido apresentado qualquer elemento documental que legitimasse a ocupação do espaço em referência ou indiciasse a utilização do mesmo pela impugnante (contratos ou faturas de água, luz, telecomunicações, etc., como justamente se aludiu no relatório de inspeção, após análise da escrita — cfr. pág. 2).

As testemunhas inquiridas nos termos da ata de fls. 71 a 72 do suporte físico do processo não permitiram esclarecer a matéria em causa nos autos, atendendo às explicações genéricas e implausíveis (nomeadamente quando referiram um suposto controlo que um operador de grande dimensão no setor da cortiça exerce sobre as demais empresas, o que as leva a "ocultar" a proveniência da mercadoria), e porque as respostas não foram dadas de forma espontânea, segura e desinteressada, atento o envolvimento das mesmas (ou as empresas onde trabalham) em diversos inquéritos criminais (por exemplo, processos n.° 131/12.4IDAVR, 47/03.5IDAVR - cfr. relatório de inspeção - e processo n.° 342/16.3IDAVR), sendo evidente o interesse no desfecho deste processo de impugnação.

Em face do exposto, vai a matéria dada como provada e não provada nos termos expostos”.

III.D. Da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto

Ao longo das suas contra-alegações, a Recorrida vai fazendo algumas menções a factos diversos, partindo do princípio de que os mesmos estão provados, apesar de não resultarem da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Nesse contexto, e em relação a alguns deles, fez menção aos meios de prova, designadamente prova testemunhal, insurgindo-se, pois, contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, ainda que de forma inominada. Falamos dos que se extraem das seguintes conclusões:

a) Conclusão 8: “Não sabe, não sabia, nem teria forma de saber se os transmitentes cumprem com as suas obrigações declarativas ou de pagamento por tal ser matéria protegida pelo sigilo fiscal. (a este respeito ver declarações do representante legal que negou sequer conhecer os fornecedores dos seus fornecedores [declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57]”;

b) Conclusão 9: “As instalações da C... possuem 100m2 (numa tentativa desesperada de demonstrar a falta de capacidade instalada [a este propósito cf. o depoimento do representante legal de tal sociedade H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33] e imagens disponíveis no Google Maps para de verificar que tais instalações possuem quase 2000m sendo a área coberta de 600m2! [doc 1 junto com a PI]”;

c) Conclusão 11: “Todas as faturas foram pagas através de meio que permite a identificação do respetivo destinatário conforme dispõe a lei. (cf a este respeito a conta corrente que se junta e se dá por reproduzida, protestando-se juntar ainda cópia de todos os meios de pagamento – doc 2) tendo as quantias ficado na disposição dos respetivos beneficiários”;

d) Conclusão 12: “Os bens adquiridos pela D... à C... tiveram como destino armazém sito na Zona Industrial do…, em Lourosa. [cf depoimento de H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33, declarações do representante legal da impugnante declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57 e depoimento de A... – dia 14/10 15:25:25 – 15:34:48”;

e) Conclusão 15: “Relativamente a tal cumpre referir que sociedade M... vendeu 520000 rolhas ao Grupo A... tendo entregue tais rolhas às 11h30 em Santa Maria de Lamas utilizando para efeitos de transporte o veiculo OE contudo necessitando a D... de adquirir e transportar as rolhas propriedade da U... e sendo a reclamante representada pelo ex-marido e filho da gerente da M... utilizaram a mesma carrinha para antes de entregar as rolhas na A... passarem por São João de Ver, que fica a 4 KM DE MOZELOS, para carregar as rolhas mencionadas na fatura 6 datada de 26-02-2016 logo o veículo OE saiu de Mozelos e pelas 11h estava já na rua da Lavandeira, nas instalações da U... (cf doc 3 junto com PI) Após carregar as rolhas vendidas pela U... deslocou-se para Santa Maria de Lamas onde entregou as rolhas à A... às 11h30 (cf doc 4 junto com PI) sendo percetível que o veículo OE não necessita de ser omnipresente para fazer os trajetos supra indicados”;

f) Conclusão 20: “A D... entrou no mercado para adquirir as rolhas que a M... não podia adquirir [a este cf. depoimento de H... – 14/10/2019 – 14:43:31 – 15:10: 33, declarações do representante legal da impugnante declarações gravadas dia 14/10 – 15:11:17 – 15:24:57, depoimento de A... – dia 14/10 15:25:25 – 15:34:48 e depoimento de P..., 14/10 15:35:44 – 15:51:58]”.

Nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do CPC, o Recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, pode arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo Recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Nesse contexto, atento o disposto no n.º 3 do art.º 640.º do CPC, é aplicável a disciplina constante dos seus n.ºs 1 e 2.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (3).

O regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta haver uma manifestação de forma não concretizada quanto à discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (4).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos pela Recorrida minimamente quanto às situações identificadas.

As demais menções a matéria factual, sem indicação de quaisquer meios de prova, e que não encontram adesão na decisão proferida sobre a matéria de facto não podem ser consideradas, mesmo inominadamente, impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, dada a ausência de cumprimento do disposto no art.º 640.º do CPC.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar.

¾ Facto supra identificado sob a alínea a):

Não sabe, não sabia, nem teria forma de saber se os transmitentes cumprem com as suas obrigações declarativas ou de pagamento por tal ser matéria protegida pelo sigilo fiscal.

Trata-se de facto irrelevante, que não constitui fundamento do relatório de inspeção tributária (RIT), onde não é mencionado tal conhecimento.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto que se extrai do supra identificado sob a alínea b), ou seja:

As instalações da C... tinham quase 2000m2, sendo a área coberta de 600m2.

Desde já se refira que a prova produzida não é de molde a considerar provado o facto referido.

Com efeito, o documento n.º 1 junto aos autos nada nos permite concluir em termos de área. Ademais, segundo a data no mesmo constante, as imagens respeitam a 2017, quando, in casu, estamos a falar da situação em 2013.

Por outro lado, a própria prova testemunhal produzida não é suficiente, isoladamente, para sustentar a convicção do Tribunal.

É aqui pertinente sublinhar, nos termos que o próprio Tribunal a quo referiu, que não se pode concluir pela falta de interesse no desfecho dos presentes autos da testemunha indicada pela Recorrida, H..., dado ter sido o sócio-gerente de uma das sociedades identificadas como integrando o designado esquema de faturas falsas.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea c):

Todas as faturas foram pagas através de meio que permite a identificação do respetivo destinatário conforme dispõe a lei, tendo as quantias ficado na disposição dos respetivos beneficiários.

Não foi produzida qualquer prova em sede própria (aliás, refere-se que se protestam juntar documentos, o que não é feito, sendo que não seria admissível tal junção na presente fase do processo – cfr. o que já referimos supra, a propósito da junção de documentos por parte da FP em sede de alegações), sendo que a conta corrente não demonstra, se não, registos contabilísticos.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea d):

Os bens adquiridos pela D... à C... tiveram como destino armazém sito na Zona Industrial do..., em Lourosa.

Considera a Impugnante que os depoimentos de H..., as declarações do representante legal da Impugnante e o depoimento de A... permitem dar como provado o alegado.

No entanto, não se acolhe tal entendimento.

Com efeito, a única prova produzida a este respeito foi prova testemunhal (daí o facto julgado não provado pelo Tribunal a quo).

Esta prova, em si mesmo, é parca, não só porque as testemunhas e a parte não se revelam desprovidas de interesse no desfecho dos presentes autos, mas também porque o declarado por qualquer um deles foi muito vago e genérico, de forma que consideramos insuficiente para se conseguir dar como provado o alegado.

Como tal, indefere-se nesta parte o requerido.

¾ Facto que se extrai do supra identificado sob a alínea e):

Relativamente a tal [fatura datada de 26.02.2013] (…) [a] sociedade M... vendeu 520000 rolhas ao Grupo A... tendo entregue tais rolhas às 11h30 em Santa Maria de Lamas, utilizando para efeitos de transporte o veiculo OE contudo necessitando a D... de adquirir e transportar as rolhas propriedade da U... e sendo a reclamante representada pelo ex-marido e filho da gerente da M... utilizaram a mesma carrinha para antes de entregar as rolhas na A... passarem por São João de Ver, que fica a 4 KM DE MOZELOS, para carregar as rolhas mencionadas na fatura 6 datada de 26-02-2016 logo o veículo OE saiu de Mozelos e pelas 11h estava já na rua da Lavandeira, nas instalações da U... (cf doc 3 junto com PI) Após carregar as rolhas vendidas pela U... deslocou-se para Santa Maria de Lamas onde entregou as rolhas à A... às 11h30 (cf doc 4 junto com PI) sendo percetível que o veículo OE não necessita de ser omnipresente para fazer os trajetos supra indicados.

O que a Recorrida considera estar provado encerra em si diversos factos, concretamente:

a) A sociedade M... Unipessoal, Lda (doravante M...) vendeu 520000 rolhas ao Grupo A... a 26.02.2013;

b) As rolhas mencionadas em a) foram entregues às 11h30 em Santa Maria de Lamas;

c) O transporte das rolhas referidas em a) foi feito através do veículo de matrícula ...;

d) No mesmo dia, a D... adquiriu e transportou as rolhas propriedade da U... Unipessoal, Lda (doravante, U...);

e) Uma vez que a Impugnante é representada pelo ex-marido e filho da gerente da M..., a D... utilizou a mesma carrinha para, antes de a M... entregar as rolhas na A..., carregarem as rolhas mencionadas na fatura 6 de 26.02.2013;

f) As rolhas relativas à fatura 6 de 26.02.2013 foram carregadas em São João de Ver;

g) As rolhas relativas à fatura 6 de 26.02.2013 foram descarregadas em Santa Maria de Lamas;

h) São João de Ver fica a 4 KM de Mozelos.

O que de relevante pretende provar Recorrida é que o transporte inerente à fatura n.° 1300/000006, datada de 26.02.2013, foi efetivamente feito, aproveitando um transporte que a M... ia fazer, destinado à A... & Irmãos.

Com efeito, extrai-se do RIT e isso nunca foi posto em causa que a M... vendeu 520000 rolhas ao Grupo A... a 26.02.2013, que transportou no veículo com a matrícula ... e descarregou às 11h30 em Santa Maria de Lamas. Portanto, nesta parte, retira-se o alegado do RIT.

Questão diferente é ter ficado provado que foi efetivamente feita a compra a que respeita a fatura n.º 1300/000006 naquele dia e carregada naquela viatura, nos termos alegados.

De modo algum a prova indicada pela Impugnante permite dar como provado o alegado, nesses termos.

Com efeito, a prova da distância entre os locais já decorre dos factos 12) e 13).

O demais não resulta da prova produzida, nem documental, nem mesmo da testemunhal, que, a este respeito, se quedou por respostas vagas, não circunstanciadas, que impedem que se considere provado o alegado, considerando-se, sim, tais factos não provados. Com efeito, olhando concretamente para o depoimento de J..., desempregado, à época representante da U..., e, bem assim, para as declarações de parte, verifica-se que as respostas são genéricas e não contextualizadas, limitando-se a referir que, por vezes, as rolhas eram colocadas na viatura para completar carregamentos da M....

Como tal, indefere-se o requerido, considerando-se que resulta não provado que:

a) A 26.02.2013, a D... adquiriu e transportou as rolhas propriedade da U...;

b) Uma vez que a Impugnante é representada pelo ex-marido e filho da gerente da M..., a D... utilizou a mesma carrinha para, antes de a M... entregar as rolhas na A... & Irmãos, SA, carregarem as rolhas mencionadas na fatura 6 de 26.02.2013;

c) As rolhas relativas à fatura 6 de 26.02.2013 foram carregadas em São João de Ver;

d) As rolhas relativas à fatura 6 de 26.02.2013 foram descarregadas em Santa Maria de Lamas.

¾ Facto que se extrai do supra identificado sob a alínea f):

A D... entrou no mercado para adquirir as rolhas que a M... não podia adquirir.

Sustenta a Recorrida, a este propósito, que tal facto resulta provado, face ao depoimento de H..., às declarações de parte do representante legal da Impugnante, ao depoimento de A... e ao depoimento de P....

Adiantamos que não se concorda com a Impugnante, porquanto a prova produzida não foi suficientemente convincente.

É certo que, quer as testemunhas em causa, quer o legal representante da Impugnante, afirmaram que a interposição da D... nos negócios em causa se devia ao facto de o Grupo A... não aceitar comprar rolhas à M... que não fossem por esta fabricadas.

O cenário traçado pelas testemunhas foi no sentido de que o Grupo A... só comprava a um número limitado de fornecedores, que não admitia que os seus fornecedores de rolhas não as produzissem eles próprios e que a M... interpôs a D... para, quando não conseguia produzir as rolhas que tinha de entregar, esta as comprar a terceiros e vender-lhe a si, M..., que, por seu turno, entregaria o lote ao Grupo A....

Invocam ainda que a M... não poderia, então, diretamente comprar as rolhas, porque o Grupo A... acabaria por vir a saber.

Esta explicação, sendo certo que foi referida pelas testemunhas indicadas, encerra uma contradição intrínseca: se a M... não comprava rolhas a terceiros, para evitar problemas com a sua cliente do Grupo A..., como as comprava à D..., empresa também ela terceira, e nesse caso já não haveria problemas?

Aliás, esta dúvida foi colocada pela FP, em sede de pedido de esclarecimentos às testemunhas, que não conseguiram explicar cabalmente tal contradição intrínseca. Com efeito, ao mesmo tempo que referem que o mundo da cortiça é pequeno e tudo se sabe, referem que a D... e a M... conseguiram levar por diante a sua estratégia, para poder esta fornecer rolhas de terceiros à sua cliente do Grupo A..., o que é igualmente contraditório.

Como tal, a prova produzida não se revelou convincente.

Logo, indefere-se o requerido e considera-se que resulta não provado que:

e) A D... entrou no mercado para adquirir as rolhas que a M... não podia adquirir.

Em suma, indefere-se totalmente o requerido, aditando-se ainda os cinco factos não provados elencados supra.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

IV.A. Do erro de julgamento

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, na medida em que, na sua perspetiva, foram reunidos, pela AT, indícios suficientes que permitem concluir que as faturas emitidas não corresponderam a efetivas operações.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura” (5).

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (6). Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Cumpre, assim, verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa.

In casu, em sede de RIT, a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa a presunção de veracidade, tendo o Tribunal a quo, em suma, considerado que tais indícios não são suficientes.

Cumpre, então, antes de mais, elencar os diversos aspetos constantes do RIT, dos quais se extraem os indícios considerados pela AT:

a) A Impugnante foi constituída, com sede na Travessa ..., Loja 70, em Santa Maria da Feira, morada correspondente ao local onde se encontram as instalações da empresa que lhe presta serviços de contabilidade. Em 12.10.2013, foi alterada a sede para Avenida …, Madalena, Ilha do Pico;

b) A Impugnante encontra-se, em sede de IVA, sistematicamente em crédito de imposto;

c) Analisados os custos declarados nos anos de 2012 a 2014, verificou-se que, para além dos alegados custos de aquisição de mercadoria, estes se referem a custos com pessoal (resumindo-se ao pagamento dos vencimentos dos seus administradores), aos serviços prestados com o TOC e a custos incorridos com a constituição da sociedade;

d) Não se verificou o registo de qualquer outro custo operacional, designadamente arrendamento de instalações, pagamento de energia elétrica, combustível;

e) A Impugnante não é proprietária de qualquer imóvel ou viatura;

f) C..., administrador da Impugnante e gerente de facto da sociedade M... (também indiciada pela utilização de faturas falsas), encontra-se associado à prática de condutas enquadráveis criminalmente como fraude fiscal (sendo elencadas no RIT as concretas situações em causa);

g) A única cliente da Impugnante é a M... e os fornecedores, em 2013, são as sociedades C…, Lda (doravante C...) e U...;

h) Até janeiro de 2013, a M... contabilizava diretamente aquisições à C... e à U..., sendo a partir daí contabilizadas aquisições à Impugnante;

i) As faturas de compra emitidas pela C... indicam como local de carga Mozelos e local de descarga Lourosa, não tendo sido identificadas quaisquer instalações da D... em Lourosa;

j) As aquisições de rolhas suportadas pelas faturas, guias de remessa e de transporte timbradas em nome da sociedade U... indicam como local de descarga a Travessa ..., n.º 70, em Santa Maria da Feira;

k) A aquisição de cortiça suportada pela fatura timbrada em nome da sociedade M... indica como local de descarga a Travessa ..., n.º 70, em Santa Maria da Feira;

l) As faturas de venda timbradas em nome da D... indicam como local de carga a Travessa ..., n.º 70, em Santa Maria da Feira;

m) Na Travessa ..., n.º 70, em Santa Maria da Feira, situam-se as instalações do escritório de tratamento de documentação e assessoria administrativa a empresas (P... Consultoria), nunca ali tendo sido carregadas ou descarregadas cortiça/rolhas, pertencentes à D...;

n) Foram detetadas situações de simulação de transporte, a saber:

1. Fatura n.° 1300/000005, de 18.02.2013, timbrada em nome da U..., que pretendia titular a aquisição pela D... de 185 milheiros de rolhas calibre 45x24, pelo preço global de 24.075,00 Eur.

O transporte indicado é através da viatura, com a matrícula ..., com local de carga na Rua …, em São João de Ver, às 14:20 horas, e com local de descarga na Travessa ... às 14:50 horas

A viatura é da propriedade da M....

No mesmo dia, pelas 14:30 horas, tal viatura estava em Mozelos a carregar 10.000 rolhas, que foram entregues à J…, Lda, em Rio Meão, às 15:30 horas.

2. Fatura n.° 1300/000006, datada de 26.02.2013, timbrada em nome da U..., que pretendia titular a aquisição pela D..., SA, de 196 milheiros de rolhas calibre 45x24, pelo preço global de 25.480,00 Eur.

O transporte indicado é através da viatura, com a matrícula ..., com local de carga na Rua da L…, em São João de Ver, às 11:00 horas, e com local de descarga na Travessa ... às 11:45 horas.

A viatura é da propriedade da M....

No mesmo dia, pelas 10:50 horas, a mesma viatura estava em Mozelos a carregar 520.000 rolhas, as quais foram entregues à firma A... & Irmãos, SA, em Santa Maria de Lamas, às 11:30 horas.

o) Em grande parte das faturas de venda timbradas em nome da D..., SA, não consta sequer a hora de carga e descarga, sendo que não foram encontradas as guias de remessa/transporte;

p) Todos os bens mencionados nas faturas timbradas em nome das sociedades C... e U..., contabilizadas na escrita da D..., foram faturados por esta sociedade à M...,

q) Os elementos obtidos na sequência da derrogação do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito 131/12.4 IDAVR permitem sustentar a conclusão de se tratar de faturação falsa;

r) Em 2014 na contabilidade encontram-se registados recebimentos de 362.460,00 Eur., sendo que 228.960,00 Eur. respeitam a encontro de contas entre a D..., SA e a M..., associado à tal alegada aquisição de cortiça, cortiça esta que ficou em inventário e que, no ano de 2015, a D... volta a vender à M... Unipessoal;

s) Foram registados pagamentos em 2014 à C..., não obstante não haver aquisições registadas àquela sociedade desde junho de 2013; o saldo em dívida, em 31.12.2014, era de 127.774,75 Eur.;

t) No que concerne à U..., apurou-se um registo de pagamentos no valor 34.000,00 Eur., registado em janeiro de 2014, sendo que mais nenhuma operação existiu entre esta sociedade e a sociedade D...; ainda assim, o saldo em dívida, em 31.12.2014, era de 58.709,25 Eur.;

u) A U..., na sequência dos recebimentos da D..., emitiu cheques à ordem de emitentes de faturação falsa, cujas faturas registou na sua contabilidade, que acabam por ser levantados ao balcão pelos mesmos emitentes;

v) Quanto à C... (dados obtidos em ação inspetiva a esta sociedade):

i. Encontra-se permanentemente em crédito de imposto, não obstante não realizar nem operações isentas nem investimentos;

ii. Tem a si associadas pessoas indiciadas pela utilização de faturas falsas;

iii. Declarava margens brutas de comercialização baixas para o setor de atividade, sendo que as mesmas não permitem, sequer, cobrir os custos de funcionamento, designadamente administrativos, laborais e financeiros, que necessariamente se incorreriam no âmbito de uma atividade efetiva;

iv. As suas instalações correspondiam a um pavilhão antigo, com cerca de 100 m2, rodeado por uma área exterior a céu aberto, sendo que, nos dias em que foi visitada pelos Serviços de Inspeção, não existia cortiça armazenada, existindo apenas alguns sacos com rolhas, mas cuja quantidade não oferecia qualquer materialidade;

v. Foram identificados quase nenhuns funcionários e equipamento que não era utilizado, tendo sido inquiridos trabalhadores que confirmaram o caráter residual da atividade da sociedade;

vi. De acordo com os elementos que integram a contabilidade da sociedade C..., apurou-se que existe um concreto procedimento atinente a dar a aparência da existência de um mecanismo de pagamentos das faturas emitidas para a M..., titulados por cheques ou transferências bancárias, que depois vão dar origem à emissão de cheques que acabam por ser levantados em numerário, pelo próprio H... ou por A...;

vii. Verificou-se irregularidades quanto aos pagamentos das faturas que titulam a maioria das aquisições da C...;

w) Quanto à U... (dados obtidos em ação inspetiva a esta sociedade):

i. As suas instalações eram um espaço com cerca de 200m2, encontrando-se no seu interior: 3 brocas paradas, 1 máquina de escolher rolhas, 1 máquina de rabanear e 30 sacos de rolhas com cerca de 10.000 rolhas/cada; A... afirmou que tais máquinas não lhe pertenciam e eram propriedade do senhorio;

ii. Não possuía qualquer outro ativo fixo e de acordo com as declarações de J..., a sociedade dedicava-se exclusivamente ao comércio de rolhas, por regra compra;

iii. 67% das faturas registadas na contabilidade, entre 2012 e junho de 2015, eram emitidas por sujeitos passivos identificados como emitentes de faturas falsas;

iv. A maioria das entradas nas contas bancárias são cheques e transferências da M...;

v. Pela análise do extrato e da cópia bancária dos cheques, constatou-se que, por regra, após uma entrada financeira na conta bancária, segue-se, de imediato, uma saída proveniente de levantamentos ao balcão por parte do próprio gerente da U...;

vi. Os registos de aquisições pela M... à U... refletem incongruências;

x) A M... tinha capacidade de produzir rolhas para satisfazer as vendas verdadeiras que realizou.

Foi atendendo a este conjunto de elementos que a AT considerou existirem fortes indícios de se estar perante uma situação de faturação falsa, motivo pelo qual procedeu às correções que deram origem às liquidações impugnadas.

Antes de passarmos à análise em torno na (in)suficiência dos indícios colhidos, cumpre sublinhar que a análise dos mesmos tem de ser feita não individualmente, mas enquanto um todo. Poderá, pois, haver um indício que, per se, nada represente de conclusivo, mas que, associado a outros, permita reforçar a convicção construída.

Por outro lado, é possível ao Impugnante demonstrar a não adesão à realidade de algum ou alguns dos indícios, o que, a verificar-se, tem de necessariamente ser considerado na apreciação da sua suficiência para sustentar a conclusão extraída no RIT.

Considerando estas premissas, vejamos então se a AT logrou ou não reunir indícios suficientes para sustentar a sua atuação.

Começamos por referir que, no que respeita aos dados bancários que foram obtidos no âmbito do processo de inquérito n.º 131/12.4IDAVR, não acolhemos o entendimento da Recorrente.

Com efeito, é certo que a utilização cruzada de informação por parte da AT é admissível (7).

No entanto, no caso de dados cobertos pelo sigilo bancário, existe um específico procedimento tributário, ao qual a AT pode e deve recorrer, quando pretenda aceder a tais dados (cfr. art.º 63.º-B da LGT).

Como se refere no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16.09.2015 (Processo: 099/15):

“A LGT – enquanto compêndio legislativo que consagra os princípios gerais e as regras fundamentais do sistema fiscal – procurou regular a dialéctica entre o dever de segredo bancário e o exercício das competências da AT, estabelecendo nessa matéria os poderes da Administração e as garantias dos contribuintes.
Fá-lo a propósito dos benefícios fiscais (cfr. art. 14.º da LGT), por um lado, e a propósito dos poderes de fiscalização e inspecção da AT (cfr. art. 63.º, n.ºs 1 a 3, 7 e 8, da LGT), por outro lado.

Interessa-nos sobremaneira considerar estes últimos e, de entre eles, as situações em que a AT pode, independentemente de prévia autorização judicial e do consentimento do interessado, proceder à quebra do segredo bancário. Essas situações de acesso administrativo à informação bancária sem dependência do consentimento do contribuinte estão previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT (…).

A AT pode, em todas as situações acima indicadas aceder aos elementos bancários independentemente do consentimento do interessado, sem necessidade de prévia recusa de exibição ou de autorização de acesso e, inclusive, sem a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no art. 60.º da LGT, pois o legislador ordinário na regulamentação do procedimento especial de derrogação do dever do sigilo bancário eliminou essa fase procedimental (…).

Cumpre ter presente que são pressupostos da derrogação do sigilo bancário a coberto do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT – com excepção da situação prevista na supra referida alínea h) – que (i) decorra uma acção de fiscalização tributária, que (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo e que (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção.

Quanto ao primeiro pressuposto e como a jurisprudência tem vindo a afirmar reiteradamente, o mesmo decorre da inserção sistemática da regulamentação do sigilo bancário (no art. 63.º, da LGT, que estabelece os princípios gerais em matéria de inspecção) e significa que o levantamento do sigilo bancário não constitui um fim em si mesmo, antes constituindo um procedimento com natureza instrumental, que só pode ocorrer no âmbito de uma acção de fiscalização tributária, delimitado pelo âmbito material e temporal da mesma ().

O segundo resulta do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, em cujas alíneas se elencam as circunstâncias reveladoras do incumprimento dos deveres dos contribuintes. Note-se, ainda, que os contribuintes estão sujeitos a um dever de cooperação com a AT, nomeadamente quanto à prestação de esclarecimentos sobre a sua situação tributária.
E o terceiro retira-se do n.º 1 do art. 63.º («
diligências necessárias ao apuramento da situação tributária») conjugado com o seu art. 55.º (do qual se retira que as diligências de inspecção devem estar subordinadas a critérios de proporcionalidade), ambos da LGT, e com o art. 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (Também relativamente ao procedimento tributário, em geral, o princípio da proporcionalidade encontra guarida no art. 46.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.). O que significa que a AT apenas deverá socorrer-se deste meio quando não seja possível obter a mesma informação através de outros meios menos intrusivos e que melhor garantam a reserva da vida privada.

Cumpre ainda ter presente que, nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 do mesmo art. 63.º-B, a decisão da AT de derrogação do segredo bancário pela AT (i) está sujeita a fundamentação com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, (ii) é da competência exclusiva do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e (iii) dela cabe recurso judicial com efeito devolutivo (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 63.º-B, págs. 579 a 581, sustentam que o efeito devolutivo prescrito na lei não obsta à possibilidade de o interessado requerer a adopção de uma medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão.), sendo que no caso de procedência do recurso, a AT não poderá utilizar, em circunstância alguma, os elementos de prova obtidos na sequência do acesso à documentação bancária.

Acontece, porém, que os indícios de incumprimento dos deveres dos contribuintes podem resultar de elementos recolhidos em sede de processo criminal, designadamente através da derrogação do sigilo bancário efectuada no inquérito, e cujos elementos tenham sido, por isso, comunicados à AT pela autoridade judicial competente ou de que a AT teve conhecimento através dos seus próprios órgãos, na medida em que, em sede de inquérito originado pela notícia de um crime tributário, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal (CPP) atribui aos órgãos de polícia criminal cabem aos órgãos da AT [cfr. art. 40.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)].

Nessas situações em que no âmbito do inquérito criminal a autoridade judicial competente decidiu quebrar o sigilo bancário, suscita-se a questão de saber se a AT pode utilizar a informação bancária assim obtida, na medida em que ela evidenciar ou indiciar uma situação de eventual fraude ou evasão fiscais e, na afirmativa, em que condições; dito de outro modo, suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.

Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.

Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.

Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 515/14 (…), a menos que no processo crime tenha havido julgamento e tenham sido fixados factos que, constantes de decisão transitada em julgado, poderão ser utilizados como prova por parte da AT (cfr. n.º 9 do art. 63.º-B da LGT), no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela AT como factos indiciários de uma determinada realidade, eventualmente subsumível à previsão de alguma das alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Neste último caso, não só porque o processo criminal não prosseguiu para julgamento e, por isso, não foi facultada ao interessado a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.

A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.

A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP)”.

Acolhendo integralmente este entendimento e considerando que os mencionados elementos foram atendidos, não se utilizando o procedimento específico existente, os mesmos não podem ser relevados.

No entanto, tal não significa, per se, que as liquidações sejam ilegais, dado que a posição da AT se sustentou em diversos outros indícios e não exclusivamente sobre os dados bancários.

Cumpre, pois, analisar todos os outros indícios recolhidos.

Adiantemos, desde já, que, quanto ao mais, considera-se existir razão à Recorrente, por entendermos que os demais indícios recolhidos são suficientes para se extrair a conclusão extraída pela AT e que a sua adesão à realidade não foi afastada.

Nesta análise não podemos deixar de ter sempre em conta, tal como já referido, que à AT não é exigido que prove a existência de uma efetiva simulação, mas tão-só a existência de indícios sérios de que as operações tituladas pelas faturas referidas não correspondem à realidade.

Por outro lado, como já mencionado supra, não está em causa a aparente regularidade formal das operações (incluindo a contabilística), mas sim a existência de indícios que, não obstante essa aparência de regularidade, são suficientemente ponderosos para colocar em causa a efetividade das operações tituladas pelas faturas. Daí que, havendo indícios fortes, seja afastada a presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT.

Quanto aos indícios diretamente relativos à Impugnante, decorre que a mesma está constantemente em crédito de imposto (situação explanável em determinado tipo de atividade, que não se verifica – v.g. exportações – ou em alturas em que haja um investimento na própria atividade, o que também não se verifica, como resulta da ausência quase total de custos), não tem instalações (tendo, aliás, ficado não provado que lhe tenham sido cedidas quaisquer instalações em Lourosa para armazenagem de rolhas), não tem praticamente custos, se não com os vencimentos dos administradores, o contabilista e a sua própria constituição societária e os relativos às faturas controvertidas, teve sede até outubro de 2013 no escritório do contabilista, altura em que a alterou para a Ilha do Pico, não é proprietária de qualquer bem imóvel ou viatura. Surge interposta formalmente entre as alegadas fornecedoras e a M....

Este conjunto de indícios permite concluir pela inexistência de uma estrutura capaz para a realização das operações tituladas pelas faturas. Com efeito, não há registo de aluguer de viaturas, arrendamento de instalações para armazenar as rolhas, contratação de transporte. Não há gastos com pessoal, não há subcontratações que expliquem a falta de pessoal. Não há, no fundo, qualquer elemento que permita concluir pela capacidade de a Impugnante levar a cabo qualquer atividade como a titulada nas faturas em causa.

Portanto, este conjunto de indícios, analisado nestes termos, permite concluir pela inexistência de uma estrutura funcional da Impugnante, que não foi afastada pela mesma com a prova que produziu.

O Tribunal a quo desvalorizou estes indícios, considerando-os como respeitantes a opções gestionárias, mas olvidando que tem de haver um mínimo de estrutura funcional, seja através de imobilizado próprio seja através de outras vias (arrendamento de instalações, aluguer de viaturas, subcontratações), o que não aconteceu in casu.

Por outro lado, e retornando aos indícios recolhidos, a circunstância de haver relações especiais com a sua única cliente, não sendo, per se, suficiente, não deixa de criar uma dúvida complementar em termos de realidade das operações em causa.

Ademais, em grande parte das faturas não há qualquer menção sobre a hora de carga e descarga, inexistindo guias de remessa / transporte – elemento relevante e que não pode ser desvalorizado nos termos em que o Tribunal a quo desvalorizou, atenta a ausência total de prova sobre a efetividade destas operações.

As duas situações de aparente simulação de transporte não podem, também, deixar de ser valorizadas. Com efeito, a mesma viatura, propriedade da M..., foi mencionada nas faturas como tendo sido utilizada para carregamentos quer da Impugnante quer da M.... Não foi sequer alegado que tenha havido algum tipo de contrato com esta sociedade, relativo ao transporte de bens alegadamente adquiridos pela Impugnante.

O Tribunal a quo sustentou-se, neste caso, em critérios de plausibilidade na utilização da viatura por ambas as sociedades. No entanto, nestes casos, é relevante atender aos factos apurados e nada consta da factualidade assente que permita concluir que, de alguma forma, um veículo de uma sociedade foi utilizado por outra, ainda que ambas tenham relações especiais. Não há qualquer custo operacional relativo a essa utilização ou qualquer prova de que o transporte fosse da responsabilidade da M.... A circunstância de as localidades serem próximas não permite, também, afastar a relevância deste indício, por várias ordens de razão. Desde logo, o Tribunal a quo não considera sequer a circunstância de não ter, na verdade, nunca sido feita qualquer descarga de cortiça na Travessa ..., sede da Impugnante em 2013 e morada do seu contabilista, quando nem é controvertido que nunca houve qualquer descarga de cortiça aí. Por outro lado, o Tribunal a quo sustentou-se no tempo de percurso, sem nunca ter tratado sequer de aferir o tempo de carga dos veículos.

Assim, face ao teor das faturas, há de facto um elemento incongruente, de utilização simultânea do mesmo veículo para transportes distintos, não tendo sido feita prova que permita afastar a relevância deste indício.

Por outro lado, não é aceitável o entendimento do Tribunal a quo, na ausência de prova complementar, no sentido de desvalorizar por completo o regime de bens em circulação objeto de transações entre sujeitos passivos de IVA e a ausência de documentos de transporte. Coisa diferente seria se, não obstante essas falhas, tivesse havido prova dos transportes efetuados. O que não aconteceu.

Não é igualmente aceitável o invocado pelo Tribunal a quo no sentido de que a indicação dos locais de carga e descarga desconhecidos ou sem capacidade não é da responsabilidade da Impugnante. Ora, desde logo, no trato comercial, as entidades envolvidas num negócio D...m entre si os locais de entrega dos bens. Por outro, nada foi alegado nem provado relativo ao efetivo local de entrega dos alegados bens vendidos.

O Tribunal a quo sustenta, ainda, a sua posição numa conclusão, que não é facto notório nem resulta provada (falamos da afirmação “é consabido que os sistemas de processamento de faturas indicam automaticamente ou "por defeito" a sede da sociedade emitente”), e que, aliás, nem é conclusivo, uma vez que as sociedades emitentes foram a C... e U... e o dado incongruente não respeita à sua sede, mas sim ao local da entrega dos bens faturados à Impugnante.

Também toda a argumentação do Tribunal a quo, no sentido de que o transporte das rolhas pode ter sido feito com entrega imediata e sem armazenamento, não tem respaldo na factualidade assente, sendo uma mera suposição.

Da mesma forma, quanto à aquisição de 21.600 kg de cortiça em 2014, o Tribunal a quo refere que “mais provável, de facto, é que a cortiça não haja chegado a sair das instalações da sociedade M..., Lda”. Ora, nada disso ficou provado, são meras suposições.

A existência de dívidas, relativamente às sociedades C... (127.774,75 Eur.) e U... (58.709,25 Eur.), reflete, em si mesma e adicionalmente, uma situação algo anómala.

Por outro lado, sendo certo que não é pelo facto de uma determinada sociedade estar indiciada por utilização de faturas falsas que se pode, sem mais, concluir que todas as faturas por si emitidas não correspondem a efetivas transações (sendo, por isso, irrelevante o constante do RIT relativo a fornecedores dos fornecedores), a verdade é que ambas as emitentes das faturas não revelavam, pelos elementos constantes do RIT e elencados supra, capacidade para a realização das operações tituladas pelas faturas. Tais elementos foram obtidos em sede de ações inspetivas às mencionadas sociedades, o que se compadece com a admissibilidade de inspeções cruzadas.

Com efeito, como já referimos supra, é admissível a utilização de informação cruzada por parte da AT, desde que essa informação esteja cabalmente identificada e concretizada no RIT onde venha a ser utilizada. Ou seja, se se utilizar informação, coligida em procedimentos de inspeção que visaram os emitentes das faturas, nos procedimentos de inspeção relativos aos destinatários dessas mesmas faturas, nestes últimos tem de estar cabalmente identificada a informação cruzada utilizada, pois só dessa forma é assegurada a transparência do procedimento e é permitido ao sujeito passivo o acesso a toda a informação relevante, designadamente para que a possa contraditar. O que sucede in casu, dado que o RIT identifica os procedimentos de inspeção que visaram as emitentes da faturas, as ordens de serviço respetivas, bem como os elementos aí obtidos, que transcreve, pelo que está cabalmente identificada a informação cruzada utilizada, assegurando a transparência do procedimento (não sendo, pois, exigível a notificação desses RIT à Impugnante (8)).

Foi ainda referido no RIT que a M... tinha capacidade de produção das rolhas que vendia efetivamente.

Ora, face a este contexto e atentos todos os indícios indicados no RIT (à exceção dos relacionados com os dados bancários, pelos motivos já referidos), consideramos que a AT logrou reunir indícios sérios de que as faturas em causa não titulavam operações reais, sustentados numa ausência de estrutura quer da parte da Impugnante quer da parte dos seus alegados fornecedores, indícios esses que não foram afastados pela Impugnante.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

Considerando o decidido e dado que o Tribunal a quo não conheceu integralmente as restantes questões invocadas pela Recorrida, uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

IV.B. Da efetividade das operações tituladas pelas faturas

Compulsada a petição inicial, a questão que ficou por conhecer prende-se com a efetividade das operações tituladas.

Com efeito, em tal articulado, a Impugnante afirma que comprou todos os bens titulados pelas faturas, que pagou o seu preço e que os usou na prossecução do seu objeto social.

Como já referimos supra, a prova que é exigida à Impugnante, em casos como o dos autos, implica um nível de detalhe e especificação que nem foi sequer alegado na petição inicial.

A Impugnante limitou-se a alegar, em bloco, que as transações foram reais, que usava um armazém em Lourosa (o que não ficou provado), sendo que, quanto ao mais, se centrou em afastar a pertinência e veracidade dos indícios recolhidos pela AT, no que, como vimos supra, julgamos não lhe assistir razão.

Considerando, pois, quer a alegação genérica efetuada, quer a ausência de prova no sentido de que as operações tituladas pelas faturas foram reais, não assiste razão à Impugnante.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Não se admitir os documentos juntos pela Fazenda Pública, determinando-se o respetivo desentranhamento e devolução à Recorrente;

b) Custas do incidente pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;

c) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida;

d) Em substituição, julgar improcedente a impugnação, mantendo-se os atos impugnados;

e) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias;

f) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242.

(2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786.

(3) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos …, cit., p. 169.

(4) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.

(5) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01)

(6) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).

(7) Neste sentido, vejam-se, v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05.02.2015 (Processo: 08097/14), de 22.02.2018 (Processo: 08959/15), de 07.06.2018 [Processo: 813/11.8BELRA (09855/16)], de 28.11.2019 (Processo: 1264/15.0BELRA) e de 14.10.2021 (Processo: 21/10.5BESNT).

(8) Cfr. a este respeito, v.g., o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.09.2019 (Processo: 1154/11.6BELRA).