Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04255/10
Secção:
Data do Acordão:02/15/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:NORMAS ANTI-ABUSO. RAZÃO DE SER E ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
IRC. ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
CADUCIDADE. PRINCÍPIO DA BOA FÉ.
ELEMENTOS DAS NORMAS ANTI- ABUSO.
CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS ANTI -ABUSO ÍNSITAS NO ARTº 38º Nº 2 DA LGT.
Sumário: I) – As normas anti-abuso encontram a sua “raison d´être” no comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal tem e na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr.art°.103, n°.1, da C.R. Portuguesa).
II) – Isso porque é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil de vislumbrar e nesse sentido são seguidas normalmente as vias da gestão ou planeamento fiscal da evasão ou elisão fiscal e da fraude fiscal.
III) – Assim, através da primeira das apontadas vias, procura-se a minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais (v.g.a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no I.R.S.; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de I.R.C.; a opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em I.R.C.) pelo que, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei.
IV) -A evasão ou elisão fiscal, dá-se pela prática de actos ou negócios lícitos mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, assim devendo qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos, sendo também caracterizados como comportamentos "extra legem", em contraposição com a via da fraude fiscal, caracterizada como "contra legem" e dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadania, situações que se fundam em causas de carácter político, económico, psicológico e técnico. E as formas utilizadas giram em torno de actos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei (vg. utilização do regime especial de tributação dos grupos de sociedades - art°.63 e seg. do C.I.R.C. - através da produção de menos-valias ou da utilização de benefícios fiscais através da transmissão de prejuízos) ou interpretando-a com fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente, designadamente aproveitando-se da existência de jurisdições fiscais diferentes para escolher, apenas por motivações de diminuição do imposto a pagar, a localização mais favorável para a residência de pessoas singulares ou colectivas ou para nelas instalar "estruturas" que não desempenham outra função que não seja permitirem essa diminuição.
V) -A fraude fiscal consiste na realização de actos ou negócios ilícitos frontalmente contrários à lei fiscal, por isso mesmo também designados como "contra legem", sendo deles exemplo a não entrega ao Estado dos tributos cobrados a terceiros, a obtenção de reembolsos de tributos indevidos, a alteração ou ocultação de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou de declarações fiscais, ou a existência de negócios simulados, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza.
VI) –É em vista de tais situações que os Estados se preocupam com a tomada de medidas visando combater os comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos através das designadas cláusulas específicas anti-abuso (de que são exemplo as normas contidas nos art°s.58, relativa a preços de transferência, e 61, atinente à subcapitalização, ambas do C.I.R.C.), e cláusulas gerais anti-abuso (de que é exemplo a norma contida no art°.38, n°.2, da L.G.Tributária).
VII) - o art°.63, n°.3, do C. P. P. Tributário, na redacção da Lei 15/2001, de 5/6, sobre o prazo de caducidade estabelece que "O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso".
VIII) -Tendo presente que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art°.9, do C.Civil), pelo que, para determinar qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos, ao contrário do que entende a A., de que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti-abuso ao caso "sub judice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada), mas, uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de actos sujeito a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detectando o desenho elisivo.
IX) – Estamos aqui perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de actos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado. Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos, daí decorrendo que a disposição anti -abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva.
X) – Visto que a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis (ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.), em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. (nos termos do art°.20, n°.1, al. c), do C.I.R.C.), se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002 e o procedimento de inspecção externa em consequência do qual foi estruturado o despacho objecto do presente recurso contencioso foi iniciado em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002, deve concluir-se que os procedimentos inspectivos foram iniciados em tempo, assim não ocorrendo a caducidade dos mesmos.
XI) -O princípio da boa fé, um dos princípios do direito civil (cfr.art°s.227, 334 e 762, do C.Civil), encontra consagração legal no âmbito do direito público no art°.6°-A, do C. P. Administrativo, definindo-se doutrinariamente como um padrão objectivo de comportamento e, concomitantemente, um critério normativo da sua valoração e significando, enquanto princípio geral de direito, que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas, mais se devendo tal análise reconduzir a normas jurídicas, e não apenas a estados espirituais ou psicológicos, sendo que este princípio deve igualmente reger as relações entre a Administração e os administrados, pelo que o órgão ou agente que actue no exercício de um poder público está impedido de agir de má fé, utilizando artifícios ou qualquer outro meio, por acção ou omissão, tendo em vista enganar o administrado. Porém, o administrado só poderá invocar o princípio da boa fé quando tenha um motivo sério para acreditar na validade do acto a que tenha ajustado a sua conduta e desde que tenha sido levado a tomar medidas em prejuízo dos seus interesses.
XII) – Ora, limitando-se a A. a invocar a existência de um alegado comportamento de má fé da A. Fiscal, sem ter demonstrado, objectiva ou subjectivamente, tal factualidade acrescendo que, no tocante à alegada violação do dever de imparcialidade pela Fazenda Pública, também foi demonstrada pela A. qualquer desproporcionalidade na conduta da A. Fiscal para que tal violação se tenha por verificada ou possa ser sancionada.
XIII) –O art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, na redacção resultante da lei 30-G/2000, de 29/12 (cfr.art°.12, do C.Civil),ao estatuir que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas", em tal previsão consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63, n°,2, do C.P.P. Tributário).
XIV) - O elemento sancionatório ínsito na referida estatuição é a ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão, os quais se verificaram no caso vertente, porquanto:
a) os negócios jurídicos em causa nos presentes autos prendem-se com os empréstimos realizados pela A. a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, através de uma sua participada, de forma pré -planeada, como o demonstra o facto de, em regra, a canalização dos fluxos financeiros da A. para aquela empresa serem seguidamente remetidos às empresas terceiras beneficiárias de tais empréstimos, igualmente se devendo levar em consideração que os gerentes de tal participada eram quadros integrados no grupo empresarial em causa, o que lhes permitia tomar as deliberações adequadas e oportunas relativamente aos empréstimos a conceder, tudo visando a minimização dos impostos a suportar.
b) O segundo pressuposto também se verifica já que foi utilizada a situação tributária da empresa participada, a qual beneficia de isenção de I.R.C. (no âmbito do desenvolvimento das suas actividades na Zona Franca da Madeira - cfr. Decreto Regulamentar n°.53/82, de 23/8), para efectuar os empréstimos de capitais a entidades terceiras e beneficiando da correspondente recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C., em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art°.20, n°.1, al.c), do C.I.R.C..
c) Também no caso concreto ocorre o terceiro pressuposto, pois a motivação fiscal do contribuinte assentou no facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal e está demonstrado que, de modo deliberado a A. utilizou a sua comparticipada para conceder os empréstimos a outras empresas por forma a socorrer-se do seu estatuto de isenção em sede de I.R.C. para eliminar a tributação fiscal, convertendo os juros pagos em resultado de tais empréstimos em dividendos, dedutíveis ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.
d) -Por fim, quanto ao quarto pressuposto, que se liga à reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida (cfr.art°.63, n°.2, do C.P.P. Tributário), o comportamento da A. revela-se anti -jurídico, atento o espírito da norma isentadora do imposto (cfr. Decreto Regulamentar n°.53/82, de 23/8), desde logo, porque a única actividade económica que a dita participada desenvolve na Zona Franca da Madeira consiste na aplicação das prestações suplementares que a mesma recebe da A. e transfere de seguida para entidades terceiras, não possuindo quaisquer meios físicos para a prossecução do seu objecto social.
XV) Esta concepção anti –juridicista é a também acolhida ao nível das instâncias jurisdicionais comunitárias manifestada na prolação de diversos acórdãos do T.J.C.E., em que pontifica o acórdão "Cadbury Schwepps", respeitante ao processo C-196/04, de 12/9/2006, no qual se decidiu que quando a minimização da tributação "diga apenas respeito aos expedientes puramente artificiais destinados a contornar o imposto nacional normalmente devido não deverá aceitar-se a posição do sujeito passivo, a não ser que seja demonstrado que a referida sociedade controlada está realmente implantada no Estado-Membro de acolhimento e aí exerce actividades económicas efectivas", o que não sucede no caso em apreciação, como o revela a materialidade apurada.
XVI) A interpretação da norma constante do art°.38, n°.2, da L.G.Tributária, deve ser operada em conformidade com a Constituição, sob pena de declaração da inconstitucionalidade da mesma, nomeadamente devido à violação do disposto no art°.103, da Constituição da República, o que passando muito embora pelo respeito pela liberdade de opção quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, assim devendo ser restringidas as limitações públicas a tal liberdade de opção empresarial, não deve ser entendida como um direito absoluto, mas apenas aceitável no plano de razoabilidade com base num relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr.art°.18, n°.2, da Constituição da República).
XVII) Um dos limites à liberdade de gestão empresarial, é o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República), estabelecendo a lei, para tanto, mecanismos de planeamento fiscal, ao mesmo tempo que visa prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social nessa medida se justificando a adopção de decisões de limitação legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto.
XVIII) Sendo certo que a liberdade de gestão fiscal tem a sua expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, contempladas nos art°s.61, 80, al.c), e 86, da Constituição da República, também o é que a legitimação da liberdade das empresas, guiando-se pelo planeamento fiscal, passa, nomeadamente, pela escolha da forma e organização da empresa (v.g. empresa individual/empresa societária, estabelecimento estável/sociedade afiliada), do financiamento (v.g. autofinanciamento, heterofinanciamento, recurso a suprimentos), dolocal da sede da empresa, afiliadas e estabelecimentos estáveis, da política de gestão de défices e da política de reintegrações e amortizações.
XIX) Todavia, a liberdade de gestão fiscal das empresas, vista pelo lado do Estado, concretiza-se no princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no art°.81, al. f), da Constituição (após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/8), norma em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.
XX) Assim, não estando, nem podendo estar em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, ou, dito de outro modo, não estando em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal, pelo que a interpretação da norma constante do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, produzida pela A. Fiscal e sufragada por este Tribunal nos sobreditos termos é conforme com a Constituição.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A...SGPS, SA, com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal da sentença do TT 1ª Instância de Lisboa que julgou improcedente a presente acção por si deduzida nos termos do artigo 63º nº 10 do CPPT, tendo por objecto o despacho do Sr. Director-Geral dos Impostos, datado de 16/08/2004, autorizando a aplicação das disposições anti-abuso para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC e nos exercícios de 2000, 20001 e 2002, apresentando as seguintes conclusões:
“A) Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida em 30 de Outubro de 2009 pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito da identificada acção administrativa especial apresentada pela Autora ora Recorrente. Tal acção teve por objecto o despacho do Director-Geral dos Impostos, datado de 16/08/2004, e que autorizou a aplicação das disposições anti-abuso para efeitos da determinação da matéria colectável, em sede de IRC, com referência aos exercícios de 2000, 2001 e 2002.
B) A decisão recorrida identifica como principais problemas a resolver nos presentes autos os seguintes:
i) Caducidade do direito de instaurar o procedimento anti -abuso, nos termos do n°3 do artigo 63°doCPPT;
ii) Na fundamentação da decisão de aplicação da cláusula geral anti -abuso a Administração Tributária violou o dever de boa fé, facto que determina a ilegalidade do relatório elaborado e consequentemente do despacho objecto da acção administrativa especial apresentada pela Recorrente;
iii) Não verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti -abuso previstos no n.° 2 do artigo 38.° da LGT, o que determina a ilegalidade do despacho que a admite;
iv) Que a interpretação daquela norma deve ser efectuada em conformidade com a Constituição, sob pena de interpretação inconstitucional da mesma, nomeadamente devido a violação do disposto no artigo 103.° da CRP.
C) Contudo, a título de questão prévia convirá considerar que a sentença recorrida apenas considera provados 8 factos que, como facilmente se infere, não permitem responder, lógica, cabal e juridicamente, a qualquer uma das questões formuladas na sentença recorrida. E o que por si só é fundamento de nulidade da sentença recorrida.
D) Assim, por razões de mera facilidade expositiva, toma-se como legal o entendimento vertido na sentença recorrida, em especial no que respeita ao facto 4 dos factos tidos como provados em que apenas se transcreve o que havia sido expresso no relatório elaborado pela Administração Tributária. Pelo que se ficcionou no presente recurso que toda a factualidade referida no identificado facto 4 da matéria provada pode, precisamente, e ao contrário do demonstrado no presente recurso, ser tida como "factos provados".
E) É incorrecta a aplicação do direito subjacente ao caso concreto no que respeita ao problema da caducidade do específico procedimento anti-abuso. Sendo pacífico que, in casu, o prazo de caducidade é o previsto no n.° 3 do artigo 63.° do CPPT, ou seja, 3 anos, a controvérsia reside em saber a partir de que momento se deve iniciar a sua contagem. Isto é, tudo está em saber se aquele prazo de 3 anos se inicia a partir da celebração dos contratos de mútuo, isto é, 1995 a 1997, como defende a Recorrente, ou antes, como defendido na sentença recorrida e pela Administração Tributária, a partir da recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, o que se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002.
F) Segundo a Recorrente, a Administração Fiscal já não tinha a faculdade de aplicar a cláusula geral anti -abuso, por já ter decorrido o prazo fixado pela lei para o fazer. Sendo que, atenta a legislação tributária portuguesa, em especial o n. ° 3 do artigo 63.° do CPPT, não existe qualquer margem para sufragar o entendimento vertido na sentença recorrida.
G) De tal forma que a letra da lei não permite acolher, no direito pátrio, a "step transaction doctrine". No panorama nacional, não há como escapar às estritas fronteiras do estatuído pelo disposto pelo legislador no referido artigo 63°. Querer ir para além desses limites restritos equivale a contrariar, frontal e ilegalmente, o princípio da legalidade tributária.
H) Assim, o n°3 do artigo 63° do CPPT determina que o procedimento referente à aplicação das normas anti-abuso pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou de celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti-abuso.
l) No caso concreto, dúvidas não existem que os actos ou negócios jurídicos em causa foram praticados/celebrados em 1995 a 1997. Ora, o texto da lei é claro, mandando contar o prazo a partir dos actos ou negócios. E claro é o entendimento que todas as ordens jurídicas fazem do prazo de caducidade específico de norma geral anti -abuso ou estabelecido em geral e aplicável a esta. Assim, o direito da Administração Fiscal instaurar procedimento anti -abuso contra a Recorrente, caducou em 2000, 2001 e 2002, respectivamente, pelo que todo o procedimento que originou as correcções impugnadas é ilegal, por intempestividade.
J) Atente-se ainda que, como refere a doutrina, "O sujeito passivo não pode estar indefinidamente na incerteza sobre o juízo da Administração Fiscal acerca dos seus actos eventualmente ilícitos. Aqui, no âmbito da "ineficácia", a necessidade da sua tutela ainda é superior à que se verifica quanto aos actos previsivelmente ilícitos.
Assim, o legislador fixou um prazo de caducidade de três anos a contar do acto ou negócio jurídico. A partir deste prazo tal acto ou negócio não pode ver a sua eficácia posta em causa, mesmo que produza efeitos durante muitos anos.
O texto da lei é claro mandando contar o prazo a partir dos actos ou negócios" (vd. Diogo Leite de Campos e João Costa Andrade, Autonomia Contratual e Direito Tributário," A norma geral anti -elisão", Coimbra, Almedina, 2008, p. 76).
K) Devendo notar-se também que a "step transaction doctrine" é aceite maioritariamente em sistemas como os anglo-saxónicos cujo sistema jurídico e cuja compreensão do Direito é substancialmente diferente do direito nacional e que, como bem se sabe, baseia-se no instituto do precedente - entendimento reforçado atenta a alteração efectuada pela Lei 64-A/2008de31/12.
L) E, não se aceitando este argumento da Recorrente, sempre se terá de considerar que a referida teoria nada tem que ver com a interpretação sufragada na decisão recorrida: uma coisa é considerar que os actos ou negócios jurídicos sob sindicância desenvolvem-se no tempo, ou seja, os actos constitutivos desses mesmos negócios jurídicos prolongam-se e estendem-se em vários momentos temporais sucessivos, outra radicalmente diferente é ter em consideração que tais actos ou negócios jurídicos conhecem um espaço temporal concreto e imediato - não prolongado - e balizado, mas as suas consequências ou efeitos jurídicos apenas se produzem posteriormente.
M) Pelo que, uma coisa seria poder afirmar que a operação em causa pressupôs vários actos sucessivos no tempo para sua implementação ou construção, o que não sucedeu e não pode ser afirmado, outra diferente, e é esta a perspectiva correcta, é considerar que tais actos/negócios verificaram-se em um momento concreto e imediato - não prolongado ou sucessivo -, referente aos anos 1995, 1996 e 1997, e os seus efeitos vieram apenas a ocorrer posteriormente. Nestes termos, e atento o caso concreto, é manifestamente errado considerar, ao abrigo da "síep transaction doctrine", que a operação em análise se "estendeu" até aos anos de 2000,2001 e 2002.
N) Os contratos de mútuo em causa conheceram as suas balizas temporais de forma cristalina e estabilizada: eles respeitam a 1995, 1996 e 1997. Tudo o resto respeita às consequências jurídicas desses mesmos contratos.
O) Concluindo-se necessariamente que, em 26/11/2003 e 05/03/2004, datas do início dos procedimentos em causa, os mesmos haviam já caducado. Entendimento contrário viola o n.° 3 do artigo 63.° do CPPT e, concomitantemente, e por isso, o princípio da legalidade tributária, previsto em especial, e para o que releva no caso concreto, na alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do CPPT e no artigo 8.° da LGT.
P) Além disso, como tentativa de legitimar e fundar a sua adesão à "step transaction doctrine", o Tribunal a quo cita vários autores: Diogo Leite de Campos e outros, LGT Comentada e Anotada, páginas 179 e ss.; e Saldanha Sanches, Os limites do Planeamento Fiscal, páginas 172 e ss (fls. 276). Contudo, a verdade é que nada se encontra nos textos dos citados Autores que possa ser tido em benefício de uma alegada aceitação daquela doutrina.
Q) Num outro prisma, entendeu a Recorrente que existiu violação do dever de boa-fé por parte da Administração Tributária na fundamentação da decisão de aplicação da cláusula geral anti -abuso, o que determinaria a ilegalidade do Relatório elaborado, logo do Despacho do Director-Geral dos Impostos que se analisa e do entendimento sufragado na decisão recorrida.
R) A sentença recorrida entende que a Autora ora Recorrente nada havia demonstrado quanto a tal violação. Este entendimento não corresponde, pura e simplesmente, à verdade. Esquece, pois, que a Autora ora Recorrente, no presente processo alegou e comprovou cabalmente tal comportamento contrário à boa-fé que deve pautar as relações entre a Administração Tributária e seus administrados, ou seja, os contribuintes, devendo para tanto relembrar-se o teor das alegações proferida no presente processo. De tal forma que, essa prova decorre da mera leitura das peças processuais supra referidas, havendo, naturalmente, que retirar consequências desta violação.
S) Finalmente, analisando o n°2 do artigo 38° da LGT, a sentença recorrida aponta 4 pressupostos para a sua aplicação: o elemento meio, o elemento resultado, o elemento intelectual e o elemento normativo. Para concluir que, "entende o Tribunal que se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da norma constante do art. 38°, n°2 da LGT, ao caso concreto, encontrando-se devidamente fundamentado o despacho objecto dos presentes autos" (fls. 279).
T) Ora, é de todos bem conhecida a complexidade e a densidade jurídico -dogmáticas que gravitam em torna da cláusula geral anti -abuso prevista no n°2 do artigo 38° da LGT e que, em abono da verdade não se coadunam com a análise simplista que a sentença recorrida imprimiu ao problema.
U) Note-se que o Tribunal a quo dá como provados contextualmente todos os factos constantes do relatório da inspecção tributária. Factos que tinham sido impugnados pela Recorrente na sua Impugnação e nas suas Alegações, ao contrário do que a Douta sentença afirma, bastando para assim concluir, uma vez mais, analisar as peças processuais ao longo das quais se desenvolveu o presente processo.
V) Pelo que a sentença recorrida violou o princípio do contraditório, previsto no artigo 47° do CPPT, o que se alega para todos os devidos efeitos legais.
W) Iniciando uma primeira aproximação ao problema relativo à verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti -abuso, começa a Recorrente por identificar uma importante consideração. A de que a referência aos factos ou actos também é acentuada pela circunstância de a Administração Tributária - e no caso a sentença "a quo" - dever indicar os actos ou factos normais, não elisivos, os que teriam sido praticados no lugar dos elisivos. Ou seja: tendo sido praticados negócios indirectos (vd. Diogo Leite de Campos e João Costa Andrade, Autonomia Contratual e Direito Tributário, " A norma geral anti-elisão", Coimbra, Almedina, 2008, p. 80 e segs.), deviam ter sido indicados os negócios não artificiosos, não fraudulentos, não abusivos, e criticar aqueles através destes.
X) O que não fez a Administração Tributária nem a sentença recorrida, sendo que toda a doutrina europeia vai no sentido indicado. Só se aponta um resultado fiscal, considerado lesivo dos interesses financeiros do Estado, o que em si é insuficiente.
Y) Mais deveriam ter sido consideradas as amplamente referidas e inegáveis vantagens económicas da operação em análise. Assim, de todo o exposto no presente recurso resulta a existência de uma racionalidade económico-financeira em si mesma justificativa da montagem da operação de investimento na Polónia, levada a efeito pela Recorrente. Que todavia, havia já sido alegada e comprovada e que a decisão recorrida pura e simplesmente afasta sem qualquer tipo de justificação, limitando-se a aderir acriticamente ao exposto no relatório elaborado pela Administração Tributária.
Z) Assim sendo, o "meio" encontra justificação, pelo que, naturalmente, e analisando o elemento "intelectual", sempre se dirá que a forma pré -planeada e deliberada da operação não pode ser negada, embora, claro está, não assumindo tais expressões o sentido pretendido na sentença recorrida que mais não é que mera transposição do entendimento da Administração Tributária que poderá adjectivar-se de várias formas, embora não de insuspeito. Por outro lado, o resultado pretendido apenas poderá qualificar-se de resultado "secundum legem": não há aqui qualquer oposição à lei, qualquer ilícito, mas sim uma mera aplicação da lei que pareceu mais favorável ao contribuinte.
AÃ) O legislador fiscal, naturalmente, introduziu na liberdade negocial uma restrição externa, constante do n°2 do artigo 38°, 2 da LGT, nos termos da qual existe a seguinte estatuição: os actos ou negócios jurídicos aí pressupostos são ineficazes no âmbito tributário, efectuando-se a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais visadas. Contudo, para fazer uso desta estatuição, quer a Administração Fiscal quer os Tribunais têm a seu cargo o ónus de provar que a actuação do contribuinte preenche os referidos pressupostos.
BB) O que manifestamente não sucedeu no caso objecto do presente recurso.
CC) Além disso, e quanto ao (não) alegado recurso por parte da Recorrente de meios artificiosos ou fraudulentos, há ainda que considerar dois vectores: Por um lado, a decisão recorrida nada refere quanto a esta matéria pelo que, de novo, falta a verificação de um elemento essencial de que depende a aplicação da cláusula geral anti -abuso. Por outro lado, como se viu já, no caso concreto existe um interesse económico -comercial que sustenta a forma como a operação em análise foi efectuada.
DD) A sentença recorrida viola, pois, o disposto no artigo 38° da LGT.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a decisão recorrida com todas as devidas consequências legais.”

Houve contra – alegações assim concluídas:
“I. O R. prova, inequivocamente, a verificação de todos os pressupostos legais para autorizar a tributação pelo recurso à aplicação das normas anti -abuso.
II. É minuciosa e pormenorizadamente descrito e provado todo o "itinerário" artificioso e fraudulento que a R. adoptou na sua fuga ao Fisco, bem como os elementos normativos integradores da conclusão da ocorrência de abuso fiscal, nos termos dos art. 38º, nº 2 da LGT e art. 63º, nº 2 do CPPT.
III. Não assiste razão ao recorrente ao alegar a caducidade de acção por parte da Administração Tributária em aplicar as disposições anti -abuso consagradas nos artigos referenciados, por não se contar o mesmo a partir dos contratos de mútuo, momento em que ainda nada se podia aferir quanto ao comportamento elisivo por parte da A.. O referido prazo só pode iniciar a sua contagem aquando da dedução dos dividendos, sendo esta a contagem objectivamente possível. Os fins de elisão fiscal só são determináveis qualitativamente e quantitativamente através do acto de dedução dos dividendos nas declarações de rendimentos de IRC dos exercícios em causa, em vez da sua tributação a título de juros por remuneração do capital aplicado pela A. Por todo o exposto prova o R. não ocorrer o prazo de caducidade no accionamento da tributação pelo recurso às normas anti -abuso.
IV. É inteiramente descabida a pretensa falta de fundamentação invocada pela Recorrente, pois que, da análise da decisão recorrida, bem como da informação da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, resulta claramente demonstrado o iter cognitivo que conduziu à prolação da decisão, bem como os pressupostos da mesma.
V. Assim, e como reconhecido pelo tribunal a quo, a decisão recorrida remete para a informação previamente elaborada, e contém em si a demonstração expressa, clara, congruente e suficiente dos pressupostos que legitimam a decisão recorrida.
VI. Pretender, como pretende a A. tentar iludir esta fuga ao Fisco como se se tratasse de um ataque do R. à boa gestão e liberdade negocial apenas pode ser interpretado como um expediente destinado a evitar a realização da justiça e a descoberta da verdade material.
Pelo supra exposto, entende o Recorrido - Director de Geral dos Impostos que a sua decisão aqui recorrida deverá ser mantida na ordem jurídica, de acordo aliás com a sentença proferida em primeira instância, que fazendo uma correcta aplicação do direito, manteve a decisão da entidade aqui recorrida.”
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento por concordar com o exposto na sentença.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.

*
2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. – Dos Factos:
Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos com base nos elementos junto aos autos, os seguintes factos, com vista à apreciação da legalidade dos actos impugnados:
1-Nos anos de 2000, 2001, e 2002, a sociedade autora, "Recheio, SGPS, SÁ", com o n.i.p.c. 500 400 911, era sujeito passivo de l.R.C. no regime geral e estando colectada pelo 6°. Serviço de Finanças de Lisboa, fazendo parte integrante do grupo empresarial liderado pela empresa "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." e consistindo a actividade daquela na gestão de participações sociais no sector da distribuição alimentar em Portugal e na Polónia (cfr. cópia do relatório da inspecção tributária junta a fls.1 a 39 do processo administrativo apenso);
2-Em 21/7/2004, como resultado de acção de inspecção externa incidente sobre a actividade da sociedade autora, tendo por objecto os anos de 2000, 2001 e 2002, a A. Fiscal estruturou relatório cuja cópia se encontra junta a fls.1 a 39 do processo administrativo apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. factualidade admitida pela autora na p.i.);
3-A acção de inspecção mencionada no n°.2 visou o cumprimento das ordens de Serviço n°s.03/1/348, 03/1/350, e 04/1/27, tendo os respectivos procedimentos de inspecção sido iniciados em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002 (cfr. cópia do relatório da inspecção tributária junta a fls.1 a 39 do processo administrativo apenso);
4-No relatório identificado no n°.2 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) que o capital social da A. era detido, à data de 31/12/2002, na percentagem de 84% pela sociedade "Servicompra - Consultores de Aprovisionamento, L.da." e na percentagem de 15,9% pela sociedade "Jerónimo Martins, SGPS, S.A.", sendo que a referida sociedade "Servicompra" era detida na percentagem de 96% pela sociedade "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." (cfr.organigrama que constitui o anexo l ao relatório e que se encontra a fls.40 processo administrativo apenso);
b) que a A. detém a percentagem de 89% do capital social da sociedade "PSQ -Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários, L.da.", sendo os restantes 11% detidos pela sociedade "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." (cfr. documentos que constituem os anexos l e II ao relatório e que se encontram a fls.40 e 41 processo administrativo apenso);
c) que a citada "PSQ -Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários, L.da." é uma empresa sedeada na Zona Franca da Madeira, sendo isenta de I.R.C. ao abrigo do disposto no art°.41, n°.1, do E.B.Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7, e tendo como objecto social a actividade de prestação de serviços nas áreas contabilística e económica, elaboração de estudos económicos e de análise, consultoria nas referidas áreas, gestão da carteira de títulos próprios e compra de imóveis para revenda (cfr. documento que constitui o anexo II ao relatório e que se encontra a fls.41 processo administrativo apenso);
d) que em 21/12/1995 a A. transferiu o montante de € 13.356.760,21 para a sociedade "PSQ", a título de prestações suplementares de capital, montante este que, em 27/12/1995, a "PSQ" transferiu a favor da empresa "EUROCASH - HOLDING BV", sociedade não residente sedeada na Holanda (Roterdão), cujo capital social foi detido, a partir de 14/12/1998, em 99,99% pela A. (cfr. documento que constitui o anexo V ao relatório e que se encontra a fls.46 processo administrativo apenso);
e) que a sociedade "EUROCASH" foi incorporada em 14/12/1998 na empresa "TAND BV", sociedade também sedeada na Holanda e que é detida em 99,99% pela A., tendo esta assumido a responsabilidade dos empréstimos contraídos anteriormente pela "EUROCASH" junto da sociedade "PSQ-Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários, L.da." (cfr. documentos que constituem os anexos l e V ao relatório e que se encontram a fls.40 e 46 processo administrativo apenso);
f) que no decurso do exercício do ano de 1996 a A., através de 18 actos específicos, transferiu o montante global de € 21.169.583,30 para a "PSQ", a título de prestações suplementares de capital, tendo, igualmente no decurso do exercício do ano de 1996, a "PSQ" transferido o supra referido montante global de € 21.169.583,30 para a "EUROCASH";
g) que no decurso de exercício do ano de 1997 a A., através de 20 transferências bancárias, transferiu o montante global de € 48.412.835,82 para a "PSQ", a título de prestações suplementares de capital, tendo, igualmente no decurso de exercício do ano de 1997, a "PSQ" transferido o supra referido montante global de € 48.412.835,82 para a "EUROCASH";
h) que a empresa "HERMES - Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários, L.da." é sedeada na Zona Franca da Madeira, e isenta de l.R.C. ao abrigo do disposto no art°.41, n°.1, do E.B.Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7, sendo detida a 100% pela "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." (cfr. documento que constitui o anexo l ao relatório e que se encontra a fls.40 do processo administrativo apenso);
i) que no âmbito de um contrato de mútuo previamente celebrado com a sociedade "TAND BV", a empresa "HERMES" efectuou a esta vários empréstimos no ano de 1997, totalizando em 13/8/1997 o valor de €110.238. 146,82, acrescido de juros no montante de € 5.371.345,71;
j) que em 13/8/1997, mediante celebração de contrato de cedência de posição contratual, a empresa "HERMES" cedeu à "PSQ" todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de mútuo inicial celebrado com a "TAND BV", passando a referida "PSQ" a ser credora da sociedade "TAND BV" relativamente aos empréstimos mutuados pela "HERMES";
l) que em 14/8/1997, a A. transferiu para a "PSQ" o montante de € 115.611. 376,58, a título de prestação suplementar de capital, montante que a "PSQ" transferiu, na mesma data, para a "HERMES";
m) que, com data valor de 30/9/1997, a A. transferiu o montante de € 199.519.158,83, a favor da "PSQ", a título de prestação suplementar de capital, montante que na mesma data esta mutuou à sociedade "MONT BLANC", empresa sediada em Channel Islands e regida pelas leis de Jersey, sendo considerada não residente, tudo na sequência da celebração de um contrato de empréstimo obrigacionista por um período de 10 anos, com vencimento de juros à taxa anual de 6,442%, de que resultaram para a "PSQ" os seguintes proveitos:
1)- Exercício de 2000 - € 12.888.237,98;
2)- Exercício de 2001 - € 12.853.024,22;
3)- Exercício de 2002 - € 12.853.024,22 (cfr.documento que constitui o anexo X ao relatório e que se encontra a fls.52 e 53 do processo administrativo apenso);
n) que no exercício do ano de 2000 a A. efectuou 11 transferências de capital no montante global de € 73.923.344,74 para a "PSQ", a título de prestações suplementares de capital, tendo a "PSQ", nas mesmas datas, efectuado transferências a favor da sociedade "TAND BV" no montante de € 73.908.840,20;
o) que no decurso dos exercícios de 2001 e 2002 se verifica a existência de movimentos de reembolso dos capitais mutuados, com origem na "TAND BV" para a "PSQ", e desta para a A., nas mesmas datas e em iguais montantes;
p) que os empréstimos concedidos pela "PSQ", directamente, ou indirectamente pela via da empresa "HERMES", à "EUROCASH" e à "TAND BV", renderam juros à primeira nos seguintes exercícios e montantes:
1)- Exercício de 2000 -€ 13.088.349,41;
2)- Exercício de 2001 - € 13.050.313,26;
3)- Exercício de 2002 - € 6.594.906,17 (cfr.documento que constitui o anexo VIII ao relatório e que se encontra a fls.50 do processo administrativo apenso);
q) que os dividendos gerados pela "PSQ", em resultado dos juros obtidos com os empréstimos concedidos, são regularmente distribuídos aos sócios, na percentagem de 11% para a sociedade "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." e de 89% para a A., sem tributação, atenta a isenção de IRC de que beneficia a "PSQ";
r) que a utilização da sociedade "PSQ" na celebração destes contratos teve um único, claro e inequívoco objectivo que consistiu na eliminação da carga fiscal sobre os respectivos juros, a qual se traduziu, na esfera da A., numa redução significativa da base colectável a tributar, ou mais concretamente e nos três exercícios em questão, no aumento do prejuízo fiscal a reportar;
s) mais concretamente, a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C., em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art°.20, n°.1,al.c), do C.I.R.C.;
t) assim, relativamente ao exercício do ano de 2000, a A. deduziu os dividendos provenientes da "PSQ" no montante de € 19.681.464,67, assim contribuindo tal montante para agravar o prejuízo fiscal que se cifrou no montante de €30.206.484,29;
u) já no que respeita ao exercício do ano de 2001, a A. deduziu os dividendos provenientes da "PSQ" no montante de € 23.021.772,53 e apresentou um prejuízo fiscal no montante de € 44.812.349,43;
v) por último, no que se refere ao ano fiscal de 2002, a A. deduziu os dividendos provenientes da "PSQ" no montante de € 23.121.310,00 e apresentou um prejuízo fiscal no montante de € 38.282.326,80;
x) que a única actividade registada contabilisticamente pela empresa "PSQ" consiste na aplicação das prestações suplementares que recebe da A., não possuindo quaisquer meios físicos para a prossecução do seu objecto social de prestação de serviços nas áreas contabilística e económica, da elaboração de estudos económicos e de análise, da consultoria nas referidas áreas, da gestão da carteira de títulos próprios, e da compra de imóveis para revenda, nem registando quaisquer custos com despesas de pessoal afecto à empresa (cfr. documento que constitui o anexo XI ao relatório e que se encontra a fls.54 do processo administrativo apenso);
z) que os gerentes da "PSQ" constam dos quadros de outras empresas do grupo "Jerónimo Martins", sendo remunerados pela "Jerónimo Martins Serviços" ou pela "Jerónimo Martins, SGPS, S.A.", empresa que detém 84% da A. e 89% da "PSQ" (cfr. documento que constitui o anexo l ao relatório e que se encontra a fls.40 do processo administrativo apenso);
5-Tendo sido oportunamente notificada para o efeito, a A. exerceu o direito de audição prévia através de requerimento que deu entrada nos serviços de inspecção tributária no pretérito dia 13/7/2004 (cfr. documento junto a fls.56 a 75 do processo administrativo apenso);
6-Em 16/8/2004, o Director-Geral dos Impostos autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao resultado tributável em sede de I.R.C. dos exercícios de 2000, 2001 e 2002, declarado pela A., para tanto se devendo proceder às correcções técnicas necessárias e consequentes liquidações, tudo com base no relatório identificado no n°.2 supra e em parecer do Centro de Estudos Fiscais, datado do pretérito dia 3/8/2004 e cuja cópia se encontra a fls.108 a 133 do processo administrativo apenso;
7-Em 2/9/2004, a A. foi notificada do despacho identificado no n°.6, nos termos e para os efeitos do disposto no art°.63, n°.7, do C. P. P. Tributário (cfr. documentos juntos a fls.41, 175 e 176 dos presentes autos); 8-Em 2/12/2004, a sociedade "Recheio, SGPS, S.A." apresentou junto do extinto T.A.F. de Lisboa a p.i. que deu origem ao presente processo (cfr. carimbo de entrada aposto a fls.2 destes autos).

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Factos não Provados
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do requerimento de interposição de recurso, tal como da contestação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apenso constam, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da autora, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.art°.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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2.2. – Do Direito:

Atenta a ordem do julgamento estabelecida no artº 660º do CPC, aplicável ao recurso por força das disposições combinadas dos artºs. 713º nº2 e 749º, ambos daquele Código, vemos que as questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões da Recorrente, são as de saber se a sentença incorre em erro de julgamento sobre a verificação de todos os pressupostos legais para autorizar a tributação pelo recurso à aplicação das normas anti –abuso por referência aos artigos 38º, nº 2 da LGT e art. 63º, nº 2 do CPPT; se ocorre a caducidade de acção por parte da Administração Tributária em aplicar as disposições anti -abuso consagradas em tais artigos; se ocorre a falta de fundamentação da decisão recorrida, por não estar demonstrado o iter cognitivo que conduziu à sua prolação, bem como os pressupostos da mesma e se a pressuposta fuga ao Fisco constitui uma violação do princípio da boa fé pela AT por se traduzir num ataque por parte desta à boa gestão e liberdade negocial.
A sentença recorrida decidiu a improcedência total da presente acção administrativa especial e, em consequência, absolveu Réu do pedido, confirmando o despacho objecto dos autos, da autoria do Exmº Sr. Director-Geral dos Impostos que autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao resultado tributável em sede de I.R.C. dos exercícios de 2000, 2001 e 2002, declarado pela A., para tanto se devendo proceder às correcções técnicas necessárias e consequentes liquidações, tudo com base no relatório identificado no n°.2 supra e em parecer do Centro de Estudos Fiscais, datado do pretérito dia 3/8/2004 e cuja cópia se encontra a fls.108 a 133 do processo administrativo apenso.
Para tanto e sob a epígrafe “Enquadramento Jurídico” fundamentou o seguinte:
“ (…)
O comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal tem estimulado a doutrina a procurar meios de reacção adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr.art°.103, n°.1, da C.R. Portuguesa).
Refere a doutrina que é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil de vislumbrar. Nesta linha de busca das formas possíveis de minimização dos impostos a doutrina aponta 3 vias: a gestão ou planeamento fiscal; a evasão ou elisão fiscal; e a fraude fiscal (cfr.Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2a edição, 2007, pág. 401).
A primeira delas consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais (v.g.a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no I.R.S.; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de I.R.C.; a opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em I.R.C.).
Nestes termos, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3a edição, 2007, pág. 159).
A segunda via - da evasão ou elisão fiscal - caracteriza-se pela prática de actos ou negócios lícitos mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, assim devendo qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos. Também caracterizados como comportamentos "extra legem", em contraposição com a via da fraude fiscal, caracterizada como "contra legem". Dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadania, situações que se fundam em causas de carácter político, económico, psicológico e técnico. As formas utilizadas giram em torno de actos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei (vg. utilização do regime especial de tributação dos grupos de sociedades - art°.63 e seg. do C.I.R.C. - através da produção de menos-valias ou da utilização de benefícios fiscais através da transmissão de prejuízos) ou interpretando-a com fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente, designadamente aproveitando-se da existência de jurisdições fiscais diferentes para escolher, apenas por motivações de diminuição do imposto a pagar, a localização mais favorável para a residência de pessoas singulares ou colectivas ou para nelas instalar "estruturas" que não desempenham outra função que não seja permitirem essa diminuição (cfr.Manuel Henrique de Freitas Pereira, ob.cit., pág. 423 e seg.).
A terceira via - da fraude fiscal - caracteriza-se pela realização de actos ou negócios ilícitos frontalmente contrários à lei fiscal, por isso mesmo também designados como "contra legem". São exemplo desta via de minimização dos impostos a não entrega ao Estado dos tributos cobrados a terceiros, a obtenção de reembolsos de tributos indevidos, a alteração ou ocultação de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou de declarações fiscais, ou a existência de negócios simulados, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza.
É, pois, neste contexto, que os Estados se preocupam com a tomada de medidas visando combater os comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos através das designadas cláusulas específicas anti-abuso (de que são exemplo as normas contidas nos art°s.58, relativa a preços de transferência, e 61, atinente à subcapitalização, ambas do C.I.R.C.), e cláusulas gerais anti-abuso (de que é exemplo a norma contida no art°.38, n°.2, da L.G.Tributária).
No caso "sub judice", deve o Tribunal começar por analisar a excepção de caducidade do direito de instaurar o procedimento anti -abuso, nos termos do art°.63. n°.3. do C. P. P. Tributário, deduzida pela A., a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Na contestação, a autoridade recorrida pugna pela total improcedência da presente excepção.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo prazo. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a competente extinção do mesmo. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal (cfr. art°s.328, 331 e 333, todos do C.Civil; art°.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L, 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3a.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3a.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade justifica-se, desde logo, por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3a. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3a.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, Notas práticas, Áreas Editora, 2008, pág.16 e seg.).
Haverá que examinar o citado art°.63, n°.3, do C. P. P. Tributário, na redacção da Lei 15/2001, de 5/6.
Dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art°.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4a. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, n°.174, 1996, pág.363 e seg.).
Vejamos o texto da norma a interpretar, o qual prescreve:
"O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso".
Na "facti species" que integra a previsão da norma vamos encontrar portanto "o prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso".
Haverá, em consequência, que saber qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos.
Entende a A. que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti-abuso ao caso "sub judice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada).
Ora, no caso dos autos, encontramo-nos perante um conjunto complexo de actos sujeito a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detectando o desenho elisivo. São as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de actos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado. Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos (cfr. Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3a. Edição, 2003, pág.179 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.172 e seg. e 195; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.167 e seg.).
Pois bem, quando assim sucede, como se julga ser o caso em análise, a disposição anti -abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva (cfr.n°.4, als. q) a v), da matéria de facto provada).
Como a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis (ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.), em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. (nos termos do art°.20, n°.1, al. c), do C.I.R.C.), se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002 (cfr.n°.4, als. t) a v), da matéria de facto provada), e o procedimento de inspecção externa em consequência do qual foi estruturado o despacho objecto do presente recurso contencioso foi iniciado em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002 (cfr.n°.3 da matéria de facto provada), deve concluir-se que os procedimentos inspectivos em causa nos presentes autos foram iniciados em tempo, assim não ocorrendo a caducidade dos mesmos.
Face ao exposto, deve considerar-se improcedente este primeiro fundamento da presente acção.
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Mais alega a A. que no decurso do processo de inspecção que fundamentou a decisão de aplicação da cláusula geral anti -abuso a A. Fiscal violou o dever de boa fé, facto que determina a ilegalidade do relatório n°.63/COM/2004 e do consequente despacho objecto da presente acção.
O princípio da boa fé, um dos princípios do direito civil (cfr.art°s.227, 334 e 762, do C.Civil), encontra consagração legal no âmbito do direito público no art°.6°-A, do C. P. Administrativo, definindo-se doutrinariamente como um padrão objectivo de comportamento e, concomitantemente, um critério normativo da sua valoração e significando, enquanto princípio geral de direito, que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas, mais se devendo tal análise reconduzir a normas jurídicas, e não apenas a estados espirituais ou psicológicos. Este princípio deve igualmente reger as relações entre a Administração e os administrados, pelo que o órgão ou agente que actue no exercício de um poder público está impedido de agir de má fé, utilizando artifícios ou qualquer outro meio, por acção ou omissão, tendo em vista enganar o administrado. Porém, o administrado só poderá invocar o princípio da boa fé quando tenha um motivo sério para acreditar na validade do acto a que tenha ajustado a sua conduta e desde que tenha sido levado a tomar medidas em prejuízo dos seus interesses (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2a edição, Almedina, in comentário ao art°.6°-A, a pág.108/109; José Manuel Santos Botelho e Outros, C. P. Administrativo anotado e comentado, 3a. Edição, Almedina, 1996, pág.97 e 101 e seg.).
"In casu", a A. apenas se limita a invocar a existência de um alegado comportamento de má fé da A. Fiscal, sem ter demonstrado, objectiva ou subjectivamente, tal factualidade. No tocante à alegada violação do dever de imparcialidade pela Fazenda Pública, também se afigura ao Tribunal não ter sido demonstrada pela A. qualquer desproporcionalidade na conduta da A. Fiscal para que tal violação se tenha por verificada ou possa ser sancionada.
Face ao exposto, sem necessidade de mais considerações, deve considerar-se improcedente também este fundamento da presente acção.
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Deduz igualmente a A. o fundamento que consiste em não se verificarem os pressupostos de aplicação da cláusula geral anti -abuso previstos no art°.38. n°.2, da L. G. Tributária, pelo que o despacho que determinou a sua aplicação ao caso concreto é ilegal, devendo ser revogado.
Diz-nos o art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, na redacção resultante da lei 30-G/2000, de 29/12 (cfr.art°.12, do C.Civil), que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.".
A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são:
1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;
4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63, n°,2, do C.P.P. Tributário).
Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.169 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.165 e seg.).
O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão.
"In casu", analisemos da existência dos identificados pressupostos.
Quanto ao primeiro pressuposto enunciado, relevam para a respectiva análise os meios utilizados e a forma essencial ou principalmente artificiosa ou fraudulenta com que o são, visando a minimização dos impostos.
Os negócios jurídicos em causa nos presentes autos prendem-se com os empréstimos realizados pela A. a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, através da sua participada "PSQ", de forma pré -planeada, como o demonstra o facto de, em regra, a canalização dos fluxos financeiros da A. para a "PSQ" serem seguidamente remetidos às empresas terceiras beneficiárias de tais empréstimos (cfr.n°.4, als. c) a p), da matéria de facto provada), igualmente se devendo levar em consideração que os gerentes da "PSQ" eram quadros integrados no aludido grupo empresarial Jerónimo Martins (cfr.n°.4, al. z), da matéria de facto provada), o que lhes permitia tomar as deliberações adequadas e oportunas relativamente aos empréstimos a conceder, tudo visando a minimização dos impostos a suportar.
Concluindo, considera o Tribunal que a factualidade provada preenche o primeiro dos pressupostos de aplicação do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao caso concreto.
No que diz respeito ao segundo pressuposto, é óbvia a conclusão relativa à prova da sua existência, dado que o resultado elisivo em termos fiscais se verifica no caso concreto, para tanto sendo utilizada a situação tributária da empresa "PSQ", a qual beneficia de isenção de I.R.C. (no âmbito do desenvolvimento das suas actividades na Zona Franca da Madeira - cfr. Decreto Regulamentar n°.53/82, de 23/8), para efectuar os empréstimos de capitais a entidades terceiras e beneficiando da correspondente recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C., em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art°.20, n°.1, al.c), do C.I.R.C. (cfr.n°.4, al.s), da matéria de facto provada).
Concluindo, considera o Tribunal que a factualidade provada preenche o segundo dos pressupostos de aplicação do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao caso concreto.
Passemos ao terceiro pressuposto, o qual consiste na motivação fiscal do contribuinte, portanto, no facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal.
Ficou já acima demonstrado na análise ao primeiro pressuposto, que de modo deliberado a A. utilizou a sua comparticipada "PSQ" para conceder os empréstimos a outras empresas por forma a socorrer-se do seu estatuto de isenção em sede de I.R.C. para eliminar a tributação fiscal, convertendo os juros pagos em resultado de tais empréstimos em dividendos, dedutíveis ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.
Sem necessidade de mais considerações, entende o Tribunal que a factualidade provada preenche o terceiro pressuposto de aplicação do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao caso concreto.
Por último, analisemos o quarto pressuposto, o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida (cfr.art°.63, n°.2, do C.P.P. Tributário).
O comportamento da A. afigura-se anti -jurídico, atento o espírito da norma isentadora do imposto (cfr. Decreto Regulamentar n°.53/82, de 23/8), desde logo, porque a única actividade económica que a "PSQ" desenvolve na Zona Franca da Madeira consiste na aplicação das prestações suplementares que a mesma recebe da A. e transfere de seguida para entidades terceiras, não possuindo quaisquer meios físicos para a prossecução do seu objecto social (cfr.n°.4, al. x), da matéria de facto provada).
Também ao nível das instâncias jurisdicionais comunitárias este mesmo entendimento anti -juridicista tem sido sufragado através da prolação de diversos acórdãos do T.J.C.E., de que se destaca o acórdão "Cadbury Schwepps", respeitante ao processo C-196/04, de 12/9/2006, no qual se decidiu que quando a minimização da tributação "diga apenas respeito aos expedientes puramente artificiais destinados a contornar o imposto nacional normalmente devido não deverá aceitar-se a posição do sujeito passivo, a não ser que seja demonstrado que a referida sociedade controlada está realmente implantada no Estado-Membro de acolhimento e aí exerce actividades económicas efectivas", o que não sucede no caso em apreciação, como resulta da análise da matéria de facto provada.
Em conclusão, entende o Tribunal que se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da norma constante do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, ao caso concreto, encontrando-se devidamente fundamentado o despacho objecto dos presentes autos (cfr.n°.6 da matéria de facto provada).
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Aduz ainda a A. que a interpretação da norma constante do art°.38, n°.2. da L. G. Tributária, deve ser efectuada em conformidade com a Constituição, sob pena de declaração da inconstitucionalidade da mesma, nomeadamente devido a violação do disposto no art°.103, da Constituição da República, para tanto chamando à colação a sua liberdade de opção quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, assim devendo ser restringidas as limitações públicas a tal liberdade de opção empresarial.
Ora, entendida nos termos em que propõe a A., desde logo, a liberdade de opção empresarial configurar-se-ia como um direito absoluto, o qual não seria aceitável nem razoável à luz de um relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr.art°.18, n°.2, da Constituição da República).
Naturalmente que é inquestionável a liberdade de gestão empresarial, mas há limites com que tal direito se tem de confrontar, desde logo, com relevância para a matéria em apreciação, o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República). A lei prevê mecanismos de planeamento fiscal, como supra se referiu, mas pretende simultaneamente prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social e, nessa medida, se justificando a adopção de decisões de limitação legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto.
A liberdade de gestão fiscal tem a sua expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, contempladas nos art°s.61, 80, al.c), e 86, da Constituição da República. O que legitima que as empresas, guiando-se pelo planeamento fiscal, tenham liberdade, nomeadamente, para escolher:
1) a forma e organização da empresa (v.g. empresa individual/empresa societária, estabelecimento estável/sociedade afiliada);
2) o financiamento (v.g. autofinanciamento, heterofinanciamento, recurso a suprimentos);
3) o local da sede da empresa, afiliadas e estabelecimentos estáveis;
4) a política de gestão de défices;
5) a política de reintegrações e amortizações.
Mas a liberdade de gestão fiscal das empresas, vista pelo lado do Estado, concretiza-se no princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no art°.81, al. f), da Constituição (após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/8), norma em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.
No dizer ponderado de um reputado fiscalista, "...não está - nem pode estar - em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, isto é, não está em causa o exercício da sua autonomia privada: o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal..." (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3a. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.155).
Em conclusão, a interpretação da norma constante do art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, produzida pela A. Fiscal e sufragada por este Tribunal é conforme com a Constituição.”
Com tal fundamentação, a sentença julgou a presente acção totalmente improcedente.
Aderindo, por inteiro, à fundamentação da sentença, há que confirmar esta por remissão, procedendo, muito embora e em reforço argumentativo, à dilucidação de certos aspectos focados no recurso.
Assim:

Quanto ao julgamento da matéria de facto, insurge-se a recorrente contra o facto de o Tribunal a quo dá como provados contextualmente todos os factos constantes do relatório da inspecção tributária, os quais tinham sido impugnados pela Recorrente na sua Impugnação e nas suas Alegações, ao contrário do que a Douta sentença afirma, bastando para assim concluir, uma vez mais, analisar as peças processuais ao longo das quais se desenvolveu o presente processo.
Donde que entenda a recorrente que a sentença recorrida violou o princípio do contraditório, previsto no artigo 47° do CPPT.
Sucede que o Mº Juiz motivou a decisão fáctica do seguinte modo:
“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apenso constam, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da autora, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.art°.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
Assim, procedendo à apreciação crítica dos documentos juntos e referenciados no probatório da sentença, é fácil apreender o iter cognitivo e valorativo que conduziu à decisão fáctica expressa no probatório da sentença e em que se ponderaram por uma banda, os documentos juntos pela AT que foram impugnados pela recorrente e por ela postos em causa em juízo e, por outra banda, toda a documentação junta pela Autora e que o Mº Juiz considerou que não fez qualquer prova do que alegou.
Por esse motivo, a sentença levou ao probatório os factos descritos no relatório da IT, para ele remetendo e neles se baseando para decidir como decidiu sendo que, no discurso fundamentador, são esses mesmos factos invocados para justificar o sentido decisório por referência aos preceitos legais aplicáveis tendo em conta as plausíveis soluções jurídicas.
Não pode, por isso, entender-se que foi violado o princípio do contraditório porque a sentença se pronunciou sobre os factos alegados pela Autora e que desvalorizou, fazendo uma remissão para o relatório da IT depois de o Mº juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que depois de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
É que a anulação do acto tributário só se justificava caso os factos alegados se mostrassem devidamente provados e tal não se verifica em face do probatório considerado na sentença mediante a indagação feita pelo Mº Juiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
Ora, o Sr. Juiz «a quo» não fez tábua rasa do valor probatório de todo o material aportado para os autos e cujo conteúdo deixou especificado, sendo que o princípio da aquisição processual nos diz que o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes - sejam alegações, sejam motivos de prova - pode ser tomado em conta mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu. Reputa-se adquirido para o processo; pertence à comunidade dos sujeitos processuais. (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-209. No mesmo sentido veja-se, do mesmo autor Do Conceito de Prova em Processo Civil. l 66).
A nosso ver, tudo isto foi respeitado na sentença recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que é intangível o seu valor doutrinal porque nela se fixaram os factos essenciais e que reputou – e são - relevantes para a decisão da causa.
Assim, do Relatório da IT resulta com clareza as razões do proceder da AT, sendo certo que, no que tange à decisão da matéria de facto, na sentença se fundamentou que a convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos “tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”; e, quanto aos factos não provados, consignou-se que “Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do requerimento de interposição de recurso, tal como da contestação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita”, o que tudo cumpre, summo rigore, o princípio da livre apreciação ínsito no artº 655º nº 1 do CPC.
Segundo o princípio da livre apreciação das provas, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como, porventura, da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide á a verdade material e não a verdade formal (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 2ª ed., 356).
Assim, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto (prova livre). A este princípio contrapõe-se a prova legal ou tarifada e a prova necessária.
A sentença deu como provada e não provada a factualidade alegada com interesse para a decisão, e, como se expende no Ac. STJ de 6.1.77, in BMJ 263º-187, «O que é necessário para a perfeição meramente formal da sentença ou acórdão, é que se decida e se diga porquê».
Como se vê, essa indagação foi feita pelo Mº Juiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
Ora, tudo isto foi respeitado na sentença recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que a sentença não afrontou o princípio do contraditório.

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A essa luz, também não procede a alegação de que a sentença é nula porque, como suscita a recorrente a título de questão prévia, a sentença recorrida apenas considera provados 8 factos que, segundo a recorrente, não permitem responder, lógica, cabal e juridicamente, a qualquer uma das questões formuladas na sentença recorrida.
Para a recorrente, isso por si só é fundamento de nulidade da sentença recorrida, e, por razões de mera facilidade expositiva, toma como legal o entendimento vertido na sentença recorrida, em especial no que respeita ao facto 4 dos factos tidos como provados em que apenas se transcreve o que havia sido expresso no relatório elaborado pela Administração Tributária. Pelo que se ficcionou no presente recurso que toda a factualidade referida no identificado facto 4 da matéria provada pode, precisamente, e ao contrário do demonstrado no presente recurso, ser tida como "factos provados".
Como adverte Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223, cumpre aqui ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..,)”.
E deve ainda destacar-se que, no que ao conteúdo desta causa de nulidade diz respeito tipificada na alínea d) do elenco taxativo do artº 668º nº 1 do CPC que, em conjugação com o disposto no artº 660º nº 2 do mesmo Código, o conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, na esteira do Prof. Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, pág.142, “(…) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (...)”.
Nesse sentido e de modo a obstar a que a sentença fique inquinada de tal vício, questões de mérito segundo o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54, “(...) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (...) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva (...)”.
E é na “delimitação da controvérsia” e nos “termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu”, das “questões substanciais ou processuais” a resolver que radica o problema que nos ocupa.
Como se vê das conclusões recursórias supra analisadas, a recorrente ventila que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre os factos por ela alegados e que desvalorizou, limitando-se a fazer uma mera remissão para o relatório da IT, sendo que tal constituía uma questão que a recorrente considera que era essencial para apreciar o fundo da causa.
De tudo o que supra se expendeu, adiante-se, desde já, que se nos afigura que, resguardando o respeito devido, confunde a recorrente nulidade da sentença com erro de julgamento a que o apontado vício, a nosso ver, se reconduz.
Na verdade, a situação «sub judicio» não integra a nulidade assacada pela recorrente à sentença, pois tudo quanto alega configura erro de julgamento já que o que ela na realidade pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram e que outros houve que se verificaram mas foram desconsiderados porque não foram investigados (erro de julgamento da matéria de facto).
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 660° n.° 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2° al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pelo que, em face da p.i., deve identificar-se como thema decidendo as questões ali suscitadas e que o Mº Juiz enunciou correctamente.
Assim, na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Impugnante e que o Mº Juiz enunciou e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese por ela expendida, nem conhecer de todos os factos alegados e que a impugnante repute relevantes.
Saber se os factos em relação aos quais a Recorrente considera que houve omissão de pronúncia deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada a factualidade – provada e não provada - referida pela Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
Mesmo que se considere que a alegação da Recorrente é no sentido de que na sentença não foi apreciada a questão de saber se dados factos – provados e não provados - de que partiu correspondem à realidade e imporiam a procedência da impugnação, sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pela recorrente, só havia obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
Ora, o provimento da arguida nulidade é inviável porque os factos essenciais, e com interesse para a decisão da causa, foram, provados uns e não provados outros, analisados na sentença aos quais, depois, se aplicou o direito.
Todas as questões pertinentes, quer de facto, quer de direito, foram objecto de apreciação.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia até porque, em nosso modo de ver, o caso «sub judicio» se integra na hipótese de erro de julgamento.

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Quanto à questão da caducidade do direito de a Administração Tributária aplicar as disposições anti -abuso consagradas nos artigos referenciados, por não se contar o mesmo a partir dos contratos de mútuo, momento em que ainda nada se podia aferir quanto ao comportamento elisivo por parte da A, diremos que, como assertivamente refere o recorrido nas suas contra -alegações, a contagem de tal prazo só se pode iniciar aquando da dedução dos dividendos, sendo esta a contagem objectivamente possível, até porque, em silogismo lógico, os fins de elisão fiscal só são determináveis qualitativamente e quantitativamente através do acto de dedução dos dividendos nas declarações de rendimentos de IRC dos exercícios em causa, em vez da sua tributação a título de juros por remuneração do capital aplicado pela A. Por isso que não se verifica a caducidade do direito da AF de accionar a tributação pelo recurso às normas anti -abuso.
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No que tange à invocada falta de fundamentação, sufragando a solução dada a tal questão na sentença já que da da análise desta, bem como da informação da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, resulta claramente demonstrado o iter cognitivo que conduziu à prolação da decisão, bem como os pressupostos da mesma. É que, a decisão impugnada remete para a informação previamente elaborada, e contém em si a demonstração expressa, clara, congruente e suficiente dos pressupostos que legitimam a decisão recorrida.
Na verdade, seguindo o estudo “Cláusulas anti -abuso e direitos e garantias dos contribuintes” de CLOTILDE CELORICO PALMA elisão fiscal (do latim elidere, eliminar, suprimir): implica a prática de acto ou conjunto de actos (operações), no âmbito da esfera de liberdade concedida aos particulares pelo princípio da legalidade ou tipicidade da tributação, e que têm como efeito a aplicação de regime tributário menos oneroso do que se aplicaria sem que tal acto ou conjunto de actos tivesse sido praticado.
Significa isto que as operações de planeamento fiscal são, em princípio, lícitas mas há que distinguir certos negócios que a lei considera como abusivos, anómalos, os quais são objecto de normas anti -abuso especiais ou gerais e que se podem considerar como actos antijurídicos, ao abrigo dessas leis anti –abuso (anti ‘taxavoidanceclauses’).
Como assinala a citada autora, a evolução legislativa da passada década caracteriza-se por um acentuado reforço das garantias dos contribuintes, existindo uma forte oposição ao alargamento dos poderes da AF (ex. introdução da cláusula geral anti -abuso, colecta mínima, acesso directo a dados cobertos pelo sigilo bancário). Na década actual em vez da demagogia anti impostos, assiste-se a uma subalternização sistemática dos direitos dos contribuintes ao objectivo central da maximização das receitas tributárias.
Saliente-se que a causa ancestral das medidas anti -abuso é a obtenção da igualdade tributária e a justiça na distribuição dos encargos tributários, mas isso implica que o respeito pelas garantias dos contribuintes tem que se verificar em dois momentos fundamentais, a saber, na criação de cláusulas anti -abuso e na aplicação das cláusulas anti -abuso.
Porém, o direito ao planeamento fiscal não é absoluto e sem limites tendo o sujeito passivo passa um ónus de planeamento e o direito subjectivo de optar entre vários comportamentos legalmente admissíveis, pelo que estamos perante um direito fundamental, cujo núcleo tem que ser respeitado e cujos limites terão que ser definidos.
Note-se que foi em especial durante a década de 90 e por mor da forte influência da harmonização fiscal comunitária, que em Portugal se adoptaram progressivamente medidas defensivas anti -abuso contra a evasão e fraude internacionais.
Foi nesse contexto que com o DL n.º37/95, de 14 de Fevereiro, foram criadas medidas anti -abuso de combate à fraude e evasão fiscal internacional com o objectivo de limitar a utilização de paraísos fiscais ou regimes fiscais preferenciais ou privilegiados, fundamentalmente através de sociedades de base aí estabelecidas.
O art.º60ºdo CIRC passou a possibilitar a tributação no Estado de residência dos rendimentos auferidos pelas sociedades de base instaladas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, pertencentes a sócios residentes, ainda que não se tenha procedido à distribuição de lucros, consagrando-se a transparência fiscal destas sociedades (regras CFC, disposições tipo subsecção F ou SubpartF rules).
Pontifica, a respeito, a decisão do TJCE no Caso CadburySchweppes (Proc. C-196/04, de 12.09.2006): as legislações nacionais, como a do Reino Unido, relativa às sociedades estrangeiras controladas, estão genericamente em conformidade com o Tratado, na medida em que prossigam o objectivo legítimo de combater a fraude ou a evasão fiscal. Todavia, estas regras serão contrárias aos art.ºs 43.ºe 48.ºdo TCE, quando se apliquem a expedientes que não constituam “expedientes puramente artificiais”.
Segundo a decisão do Caso CadburySchweppes são factos determinantes para aferir da existência de tais expedientes saber se o contribuinte tem uma intenção subjectiva de obter uma vantagem fiscal estabelecendo-se noutro EM, se existe um estabelecimento no EM que prossiga actividades económicas e se esse estabelecimento dispõe de uma existência física em termos de instalações, pessoal e equipamento.
E a questão de determinar se algum expediente em particular é “puramente artificial”, deve ser resolvida nos tribunais domésticos caso a caso.
Releve-se que a Cláusula Geral anti-abuso começou entre nós começou com a introdução do princípio da prevalência da substância sob a forma e, de acordo com a citada autora, está situada nos antípodas do princípio da interpretação literal da lei fiscal e do ideal de obtenção de segurança jurídica mediante aplicação da tipicidade fechada na construção das normas fiscais.
O certo é que o Direito Fiscal, enquanto dominado pelos princípios da legalidade e da tipicidade da tributação (por sua vez, emanação do princípio da segurança jurídica) resiste à utilização de técnicas de combate à elisão, como o recurso à analogia, ou a utilização de cláusulas gerais que recorram a conceitos indeterminados.
A Cláusula geral anti-abuso está consagrada no art.º38.º, n.º2, da LGT que textua: “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
De acordo com o ensinamento de Saldanha Sanches “Pode afirmar-se que a existência desta norma entre nós tem como condição necessária um funcionamento mais eficiente da Administração fiscal em especial quanto à resposta atempada às reclamações do contribuinte, uma maior capacidade técnica de fundamentação de decisões e um sistema judicial que, para além de uma resposta atempada, mostre um domínio mais completo da problemática do Direito Fiscal” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora2002, 2ªedição, p. 121).
Donde que a possibilidade de aceitação ou não de uma opção contratual do sujeito passivo atribuindo à AF poderes para a desconsideração dos negócios jurídicos, tem necessariamente que ser acompanhada de um conjunto de cautelas e restrições ou no próprio texto legal ou por um conjunto de procedimentos administrativos que condicionam a aplicação da norma.
Dispondo sobre a aplicação das normas anti -abuso, o artº 63º do CPPT estatui que:
“1 -A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.
2-Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”
Assim, sendo o planeamento fiscal um direito subjectivo cujo núcleo tem que ser respeitado e cujos limites terão que ser definidos, para ale, de o mesmo se desenvolver dentro da estrita legalidade não poderá, mesmo dentro desta, ser abusivo sob pena de, violando o princípio da igualdade e capacidade contributiva, ser desconsiderado para efeitos fiscais.
Ter-se-á pois de respeitar certas cláusulas anti-abuso previstas nas leis fiscais em termos de, independentemente da qualificação que as partes deram a determinado contrato, o que importa é apurar o que elas quiseram, qual o sentido que as declarações encerram pois, como decorre do art. 664° do CPC, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
É que, como se disse supra, a questão de determinar se algum expediente em particular é “puramente artificial”, deve ser resolvida nos tribunais domésticos caso a caso.
Ora, como enfatiza o recorrido, pretender, como pretende a A. tentar iludir a fuga ao Fisco como se tratasse de um ataque do R. à boa gestão e liberdade negocial apenas pode ser interpretado como um expediente destinado a evitar a realização da justiça e a descoberta da verdade material sendo, outrossim, descabida a afirmação da A. de que com a sua actuação a AT violou o princípio da boa fé e de que devia esta identificar o negócio que ficou oculto.
Sucede que nenhuma dessas asserções faz sentido no caso concreto, em que o Mº Juiz demonstrou cabalmente e com brilho, a verificação dos pressupostos da aplicação das normas anti -abuso.
É que, como refere CARDOSO DA COSTA, “ Curso de Direito Fiscal “, 2ªed., 1972, pág. 126, «frequentemente o legislador fiscal liga a obrigação do imposto à prática de actos, ao exercício de actividades e ao gozo de situações, que são disciplinadas enquanto tais pelo direito privado».
Nesses casos, o facto gerador do imposto deriva ou é pelo menos influenciado nos seus contornos pela celebração dum negócio jurídico de determinado tipo.
E, assim, no douto ensinamento de ALBERTO XAVIER, «Conceito e Natureza do Acto Tributário», 324, «O facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto».
Como se assinala na doutrina fiscal cfr. inter alia, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª ed., págs. 83 e ss, são patentes e mútiplos os pontos de conexão do direito fiscal com o direito privado, mormente o direito civil e o direito comercial que decorre, desde logo, da estrutura da relação tributária que é decalcada da obrigação civil bipolar:- do lado activo, o credor do imposto investido do poder de exigir deetrminada prestação pcuniária e, do lado passivo, o contribuinte, adstrito à realização dessa prestação.
É esta estrutura que torna inevitável que a disciplina e a construção jurídicas da obrigação fiscal se façam com o recurso aos princípios e conceitos do direito das obrigações, não estivesse a obrigação de imposto, no dizer de J.M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág.s 16 e ss, ligada à prática de actos, ao exercício de actividades ou ao gozo de situações que se apresentam disciplinadas enquanto tais pelo direito privado, que conduz a que o direito fiscal seja o sector do direito público que mais se aproxima do direito privado.
E é por isso, como já se salientou, que as normas fiscais se servem amiúde de conceitos próprios do direito privado, tais como os conceitos de transmissão, compra e venda, doação, propriedade, usufruto, prédio, imóvel, comércio, revogação, negócio simulado, negócio indirecto, etc., etc.
Mas se assim é, coloca-se a par e passo, como já se aventou, a questão de saber se tais figurinos jurídicos típicos do direito privado conservam o mesmo significado que aí lhes é atribuído ou se são e em que termos, objecto de reelaboração no âmbito do direito fiscal.
Ora, tendo em vista o caso concreto e como se deduz do já antes exposto, é a própria lei que, radicada em exigências específicas da matéria a disciplinar, abandona a regulamentação jurídica privada de certos actos ou situações, atribuindo um significado específico aos conceitos do direito privado, como sucede precisamente no caso que nos ocupa, que deve ser o correspondente conceito do direito civil porque abrangente de certos actos e contratos que têm essa dimensão, mas que se justifica que assim sejam considerados, não apenas por terem um significado económico equiparável.
Na senda do expendido ainda por J.M. Cardoso da Costa, Curso, pág. 121 e ss, há, pois, que seguir a directriz metodológica segundo a qual, quando as normas fiscais utilizam expressões correspondentes a dados conceitos do direito privado, caberá aos órgãos a que compete a sua aplicação indagar, em cada caso, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica e recorrendo ao elementos de interpretação disponíveis, se essa norma ou essas normas deram a tais conceitos um significado próprio ou se mantiveram o seu conteúdo originário jurídico-privado.
Todavia, com a vigente LGT, passou a ter consagração legal a orientação metodológica segundo a qual e por expressa determinação do artº 11º nº 2 “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer da lei”. Formulação que, como refere Leite de Campos, in “Interpretação das Nomas Fiscais”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 17 e ss, não invalida que o intérprete, através dos elementos da interpretação jurídica, chegue à conclusão de que estamos perante um sentido próprio ou específico do direito fiscal quanto a termos oriundos de outros ramos do direito, resulte tal sentido directa ou indirectamente das normas interpretandas.
Tudo o que vem afirmado vale para evidenciar a autonomia que o direito fiscal marca em relação ao direito privado a qual encontra a sua ratio na natureza da relação jurídica fiscal com respeito pelo princípio da legalidade tributária por mor do qual a relação jurídica se constitui com a verificação do facto tributário previsto na lei, independentemente quer da vontade dos particulares nesse sentido dirigida, como da actuação da administração fiscal, irrelevando, pois, de todo em todo, a autonomia da vontade para moldar a obrigação fiscal ao invés do que sucede nas obrigações privadas.
Tal princípio está consagrado no artº 36º da LGT ao dispor que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” – nº 1 - ; “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes” – nº 2 – e “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” – nº 3.
Adite-se que, nos termos do nº 2 do artº 30º da Lei Geral Tributária (LGT) “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
Consagram estes incisos legais (ver também o artº85º do CPPT) o princípio de que as obrigações fiscais são relativamente indisponíveis, estendendo-se a indisponibilidade do crédito tributário, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária.
Ora, certo é que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”.
Mas, nessa actividade, terá a AT que cumprir ónus da prova enformado pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, procurando fazer, nos termos já analisados, uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado, pelo que convém fazer uma incursão pela tipicidade normativa.
Esta, é um dos instrumentos de que o Direito se socorre na regulamentação da vida económico-social, através do qual procede à fixação de certas categorias jurídicas ou tipos, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto, v. g. a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, o usufruto, etc. os quais são categorias jurídicas, cujo regime se aplica aos eventos ou às realidades da vida que se revestem das características que constam da sua descrição jurídica.
É sabido e já acima se disse, que no Direito Privado, maxime no Direito das Obrigações, a fixação das categorias jurídicas não reveste carácter de taxatividade ou exclusividade, o que quer dizer que os particulares podem, com relevância jurídica, criar outras que melhor assegurem a reali­zação dos seus interesses.
Para nós, a ratio dessa separação de conceitos é imposta pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias na dimensão que lhes dá a LGT, que obriga a uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado.
O regime substantivo que enforma a relação jurídica tributária mostra-se submetido ao princípio da legalidade evidenciado - na tipificação específica de cada imposto - dos factos e qualidades do objecto normativo de incidência, donde deriva uma pluralidade de vinculações, tanto para os particulares como para a Administração Fiscal.
Segundo Duarte Faveiro, in "Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português", Coimbra Editora, Vol-I, págs. 335 e 338, dessa pluralidade de vinculações sobre os "(..) particulares - pessoas e empresas - visados pela norma tributária quer como titulares dos direitos ou realidades consideradas como objecto do imposto em causa quer como possuidores da qualidade pessoal prevista no tipo de sujeição, resulta a criação de um condicionalismo jurídico de predeterminação de efeitos para as condutas correspondentes aos elementos previstos na norma (..)"que, para a Administração Fiscal, resulta no dever funcional "(..) de vigilância das situações reais correspondentes aos tipos legais tributários e precisão mediata e recíproca do conteúdo da norma tributária (..)".
Como corolário do princípio da tipicidade, temos que o procedimento administrativo de averiguação e qualificação jurídica dos factos integrativos da base de incidência do imposto que, no caso concreto, se exige ao particular, pressupõe por parte da AF, no exercício da sua competência, o uso de poderes estritamente vinculados.
De acordo com este enquadramento jurídico, cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou por métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização, o que veio a ser consagrado em letra de lei no art° 74° n° 3 LGT, para os casos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
Este mesmo ponto de vista pode ver-se afirmado por Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento de Processo Tributário, Anotado", Vislis/2000, 2a edição, pág. 470:
"(..) o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Embora esta regra [art° 74° n° l LGT] esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus do processo judicial tributário (..).
Assim, pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que deve invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário (..).
Essencialmente neste sentido, já antes da LGT, pode ver-se Vieira de Andrade, que sustenta que "há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos" (A justiça Administrativa (Lições), 2a edição, pág. 269)".
A administração fiscal só deve praticar o acto tributário - liquidação - quando "formar convicção a existência e conteúdo do facto tributário" (assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150). Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva.
No caso concreto, como bem se demonstrou na decisão impugnada pela fundamentação que a sentença acolheu, estavam reunidos os pressupostos conducentes à conclusão de que se verificava o facto tributário e qual a sua medida nos termos pretendidos pelo AT (- cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02, no Rec. n° 26.635 cuja doutrina vai no sentido de que é à AF que cabe «o ónus de "demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a pratica do acto em causa" ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. (...).
É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão - ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário - terá de ser resolvida contra ela.»).
Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. 569, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes Pressupostos». Nesse sentido, expende Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado", 2ª edição, pág. 470, que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)».
Todavia, o princípio da autonomia privada, subjacente ao nosso direito privado, manifesta-se, designadamente, através do negócio jurídico, meio privilegiado de os particulares procederem à regulamentação das suas relações jurídicas. Esse auto-governo da esfera jurídica assenta num dos princípios básicos do nosso ordenamentos jurídico, que é o princípio da liberdade contratual.
As partes, dentro dos limites da lei, têm a liberdade de celebração dos contratos, a faculdade de fixar o conteúdo dos mesmos, a possibilidade de celebrar contratos típicos ou atípicos, de reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (artigo 405º do C. Civil).
O desenvolvimento económico, as inovações técnicas e tecnológicas e a necessária ligação entre o direito e a realidade vivida, têm feito aparecer com acelerada frequência novos negócios jurídicos, com regulamentação própria e específica.
Na verdade, as partes, face ao prescrito no artigo 405º do Código Civil, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
Todavia, o artigo 10º da LGT estabelece que a tributação é valorativamente neutra, devendo atender apenas às circunstâncias reveladoras da capacidade contributiva do facto ou acto, irrelevando, pois, os imperativos jurídicos ou éticos como pressuposto ou medida da tributação a qual assentará no resultado económico dos negócios ou actos jurídicos ainda que estes sejam ilícitos ou contra os bons costumes. E ao consagrar a vertente da consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária, o direito fiscal está em consonância com o direito civil no sentido de que, por exemplo, quando os negócios jurídicos são de objecto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes, juscivilisticamente são nulos ( cfr. artº 280º do Ccivil) mas, apesar disso, esse vício será ignorado quando é invocado pela pessoa que o praticou por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada; também assim no direito fiscal, em que quem actua de modo ilícito não pode fruir de protecção jurídica, devendo sofrer a tributação prevista na lei.
É esse princípio que subjaz ao disposto no artº 38º nºs 1 e 2 da LGT em que se prevê a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio: tal como no direito civil Vd. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra, 1985, pág. 605, o negócio não produz os efeitos que tenderia a produzir por uma circunstância intrínseca que juntamente com o negócio válido integra o tipo legal e que é o de o único ou principal objectivo ter sido evitar ou reduzir a tributação.
É que a tributação tem os seus limites materiais e o seu princípio rector é o da capacidade contributiva visando impedir o livre arbítrio por obrigar, quer o legislador, quer o aplicador da lei fiscal (AT e juiz), a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, que erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto.
Como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, o princípio da capacidade contributiva está expressamente consagrado no artº 4º nº 1 da LGT que prescreve que os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, bem como as relativas à tributação dos rendimentos ilícitos e às cláusulas antiabuso.
Ora, na senda de JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA in A Invalidade dos negócios jurídicos - ciência E TÉCNICA FISCAL N.° 199/201 in CURSO DE DIREITO FISCAL, COIMBRA - 1972, desde que o Fisco tenha diante de si um acto ou contrato susceptível de, em abstracto, operar uma transmissão não pode deixar de efectuar a liquidação. Tal susceptibilidade abstracta existe quando uma certa roupagem das estipulações - «de figuração exterior do acto» - se ajusta a um certo figurino desenhado na lei como modo formal de poder operar uma transmissão. Desde que a roupagem da realidade se ajuste à do figurino legal, o Fisco terá de efectuar a liquidação na convicção de que tal realidade se esconde por detrás da roupa.
Como refere O Prof. Leite de Campos, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário - Evasão Fiscal, Fraude Fiscal e Prevenção Fiscal, pág. 211 e ss, “na infracção tributária há uma violação aberta e directa de normas jurídicas, enquanto que na fraude á lei não se produz tal violação. Pois se evita, mediante expedientes jurídicos, a realização dos pressupostos de facto de que nasce o tributo. Na fraude à lei não se realiza o facto tributário, antes se ilude a sua verificação, não surgindo por isso qualquer obrigação tributária ligada ao pressuposto de facto iludido”.
No caso de fraude, estaremos perante uma situação em que se praticam actos com vista aos resultados que normalmente são obtidos por outra via jurídica, inexistindo qualquer discrepância entre a vontade real e a aparência já que as partes querem efectivamente o que fazem. Note-se que a fraude á lei pode ter lugar nos negócios jurídicos unilaterais ou em actos jurídicos, não sendo necessária a existência de negócios jurídicos bilaterais.
Consideremos o «negócio indirecto» do qual Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª Reimpressão, pág. 179, nos dá a seguinte definição: «pode um negócio típico (venda, etc.) cujos efeitos são realmente queridos pelas partes, ser concluído por um motivo ou para um escopo ulterior diverso dos que estão de acordo com a função característica (causa) desse tipo negocial e correspondente a outro negócio típico ou tipificável (doação, qualquer negócio de garantia creditória, etc.).»
Assim, «O fim ulterior há-de..., ser indirecto em face do negócio adoptado, autónomo em face das respectivas consequências normais, mas derivar imediatamente da própria actuação do negócio» (cfr. Orlando de Carvalho, Negócio Jurídico Indirecto, Bol. Fac. De Direito, Suplem., pág. 36).
À luz do princípio da legalidade tributária e em decorrência do disposto nos artºs 8º, nº 1 da LGT e 103º, nº 2 e 165º nº 1 i) da CRP, a renúncia total ou parcial dos créditos tributários referentes a impostos, porque contende com a incidência dos mesmos terá de ser prevista em lei da Assembleia da República ou DL aprovado ao abrigo de autorização legislativa.
E isso porque, como se disse, por injunção do nº 2 do artº 36º da LGT, os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.
Assim, nem o objecto da obrigação, nem os juros, nem o prazo de pagamento, etc., podem ser alterados nem sequer por vontade das partes pois a isso se opõe a referido princípio de legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa; a vontade das partes, seja da Administração, seja dos contribuintes, não tem relevância jurídica, o que vale por dizer que, uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada e, mesmo no âmbito de conceitos indeterminados, está-se perante o seu preenchimento em obediência à lei e não aos interesses das partes.
Tal como salientam A . José de Sousa e Silva Paixão, CPPT Anotado, 1ª ed., pág. 196, “Não podem, com efeito, os órgãos da Administração Tributária – contrariamente ao que acontece com a generalidade dos credores privados – negociar sobre as dívidas de imposto, renunciar a elas ou perdoá-las, no todo ou em parte, nem tão pouco conceder moratórias para o seu pagamento ou sequer aceitar que este se faça antecipada ou parcialmente – a menos, claro, que o próprio legislador o consinta.
São ilegais todos os actos da administração fiscal, inclusive do Ministro das Finanças, a autorizar moratórias, suspensão da execução, mesmo em regime de pagamento em prestações, relativamente a impostos já liquidados, sem qualquer norma legal em que se apoie.”

Tendo em conta toda a principiologia acabada de explanar a título de reforço argumentativo da bondade da fundamentação da sentença, esta não mercê qualquer censura, merecendo ser confirmada e improcedendo o recurso.
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3. – DECISÃO:

Nesta conformidade, acordam os Juízes da 2ª Secção deste tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em dez (10) U. C., atenta a complexidade do processo (cfr.art°.189, n°.2, do C.P.T.A.; art°.73-D, n°.3, do C. C. Judiciais, "ex vi" do art°.97, n°.2, do C. P. P. Tributário).
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Lisboa, 15.02.2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Lucas Martins)