Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06917/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/17/2013
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:JUROS DE MORA
Sumário:De harmonia com o art.º 804.º do Código Civil, os juros de mora são a pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento de sua obrigação. No domínio das obrigações tributárias destinam-se a reparar os reparar os prejuízos que advêm (para o Estado) do retardamento de uma prestação tributária ou o desapossamento indevido (para o contribuinte), e consequente indisponibilidade, de um determinado montante pecuniário.

Não há lugar a juros de mora quando não se verifica qualquer prejuízo para o Estado por este não ter ficado desapossado de qualquer quantia.

Nessas circunstâncias devem igualmente ser devolvidas as custas pagas pelo executado na execução indevidamente instaurada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso
A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação de actos do órgaõ da execução fiscal deduzida pela recorrida J..........II – Gestão .........., S.A., veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu desta forma:
I - Salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta sentença, procedeu à errónea interpretação dos factos constantes dos presentes autos. Com efeito;
II — O exercício de uma actividade isenta nos termos no n.° 30 do artigo 9.° do CIVA, como sucede in casu, não permite o exercício da faculdade de dedução de imposto;
III — Ainda assim, a reclamante vinha deduzindo imposto desde o momento da sua constituição, facto que por força do disposto no artigo 87.° do CIVA (à data dos factos), implica a emissão de liquidações adicionais.
IV — Paralelamente, são devidos juros de mora quando não haja entrega de imposto nos prazos legais, conforme disposto no n.° 1 do artigo 44.° da LGT, artigo 86.° do CPPT e alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei 73/99, de 16 de Março.
V - De ressaltar que as custas processuais são devidas por força dos artigos 7.° e seguintes do Regulamento das Custas Processuais.
Não houve contra-alegações.
Neste TCAS o EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


*

Sem vistos vem o processo à conferência.

*

b) A questão essencial a decidir:

*

2 – Fundamentação

a) - De facto

1. A sentença consignou a factualidade provada nos seguintes termos:
A. O processo executivo n.° ................, foi instaurado em 15/04/2007, no Serviço de Finanças de .......... 4 por dívidas de IVA e Juros compensatórios, dos períodos que a seguir se discriminam, no montante total de € 279.155,59, todos com data limite de pagamento em 31/03/2007 e com indicação de que relativamente a cada uma das liquidações são devidos juros de mora desde 04/04/2007
ANO
PERIODO
IMPORTÂNCIA
IVA
J. Comp.
2002
07-09
      25.719,09
      4.547,70
10-12
      4.896,80
      777,59
01-03
      155,04
2004
04-06
      142.919,36
      13.297,37
07-09
      197,80
10-12
      74.407,57
      5.403,73
2005
01-03
      1.114,32
      68,51
04-06
      3.806,73
      201,91
07-09
      180,01
10-12
      868,60
      28,18
2006
01-03
      358,73
04-06
      179,55
Tudo conforme consta da cópia do respetivo PEF aqui em anexo.
B. O processo executivo n.° ....................., foi instaurado em 02/05/2007, no Serviço de Finanças de ........4 por dívidas de IVA e Juros compensatórios dos períodos que a seguir se discriminam, no montante de € 121.206,68, todos com data limite de pagamento em 38/02/2007 e com indicação de que relativamente a cada uma das liquidações são devidos juros de mora desde 01/03/2007

ANO
PERIODO
IMPORTÂNCIA
IVA
J. Comp.
2006
07-09
      469,51
      4.547,70

01-03
      1.141,62
      163,64
04-06
      858,42
      114,11
2003
07-09
      101.621,58
      12.495,28
10-12
      3.902,45
      440,07

Tudo conforme consta da cópia do respetivo PEF aqui em anexo.

C. Por decisão administrativa proferida em sede de reclamação graciosa n.° ...................... de ............4, em 07/12/2007, pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, foi determinada a anulação parcial das dividas exequendas supra, na parte referente a Juros compensatórios, ficando a divida a valer:
1. No PEF n.° ........................ por 107.993,58
2. No PEF n.° ............................ por 254.803,60

Tudo conforme consta da cópia dos respetivos processos executivos junto aos autos.

D. Relativamente à divida exigível no PEF n.° ..................., foram anuladas as liquidações por reembolso processado pelos DGCI IVA e pago em 19/10/20071' ficando a divida a valer por 0,00:
ANO
Período
IVA
Reembolso
Total em divida
2006
07-09
      469,51
      469,51
      0,00
2003
01-03
      1.141,62
      1.141,62
      0,00
04-06
      858,42
      858,42
      0,00
07-09
      101.621,58
      101.621,58
      0,00
10-12
      3.902,45
      3.902,45
      0,00

E. Relativamente à divida exigível no PEF n.° ............., foram anuladas as liquidações por reembolsos processados pelos DGCI IVA, que a seguir se enumeram, ficando a divida a valer por 86.910,93:
ANO
Período
IVA
Reembolso
pago em
19/10/20071
Reembolso
pago em

02/10/20092
Total em divida
2002
07-09
      25.719,09
24.973,41
      745,68
10-12
      4.896,80
      4.896,80
01-03
      155,04
      155,04
2004
04-06
      142.919,36
142.919,36
      0,00
07-09
      197,80
      197,80
10-12
      74.407,57
      74.407,57
2005
01-03
      1.114,32
      1.114,32
04-06
      3.806,73
      3.806,73
07-09
      180,01
      180,01
10-12
      868,60
      868,60
2006
01-03
      358,73
      358,73
04-06
      179,55
      179,55

Cfr. fls. 121 dos autos 2 Cfr. fls. 116 dos autos

Tudo conforme consta da cópia do respetivo PEF aqui em anexo.

F. O valor em divida no PEF n.° ......................., foi pago através no montante total de € 124.862,54 de imposto e € 75.860,38 de custas e juros de mora, de acordo com o que a seguir se discrimina:
1. DUC's, € 38.106,75 – cfr. fls. 262 a 267 da cópia do PEF aqui em anexo e fls. 145 dos autos
2. Garantia bancária € 124.903,99, sendo € 71.788,05 de Imposto e € 53 115,94 referente a taxas de Justiça e juros do mora – cfr. fls. 147 a 151 da cópia do PEF aqui em anexo e fls. 145 dos autos e
3. Compensação no montante de € 44.764,59, tendo sido aplicado o valor € 14.967,74 em imposto e € 22.744,44 em juros de mora e taxa de justiça – cfr. fls. 162 da cópia do PEF aqui em anexo e fls. 145 dos autos.

G. Dos valores pagos em execução a Executada vem, em Novembro de 2009, apresentar reclamação na Direção de Serviços de Cobrança do IVA, pedindo o reembolso de juros de mora e custas processuais, no valor total de 75 860,38, cobrados no âmbito dos processos executivos a que nos vimos referindo – não contestado.

H. Por despacho proferido pela Chefe de Finanças adjunta do Serviço de Finanças ................. 4, em 29/01/2003, foi determinado a notificação ao Requerente da informação que a seguir se transcreve:

"Informação

Em face do requerimento apresentado pelo requerente J........ II — Gestão ................, NIPC .................., cumpre informar o seguinte.

No que diz respeito ao PEF ..........................., os juros de mora encontram-se liquidados exigidos, conforme determinados nas certidões de divida emitidos pelo IVA, ou seja sobre o valor de 101 206,68f desde 01/04/2007, até á data de pagamento efetivo ocorrido em 03/11/2009, á taxa legal de 12% perfazendo o valor total de juros de mora o montante de 21 598,80f.

Verifica se assim que a data limite de pagamento voluntário 01/10/2007 é a data a partir do qual são exigíveis juros de mora, bem como o valor sobre os quais incidem.

No que se refere á exigência da restituição das taxas de justiças informa-se que a mesma é devida nos termos dos artigos 7° e seguintes do regulamento das custas em processo tributário e decorrem da mesma exigibilidade acima referido, sendo que o valor em questão é de 1 137,82f.

Em relação ao PEF ........................, os juros de mora encontram-se liquidados e exigidos, conforme determinados nas certidões de divida emitidos pelo IVA, ou seja sobre o valor de 254 803,60f desde 01/03/2007, até á data de pagamento efetivo.

O requerente efectuou diversos pagamentos, tendo o primeiro ocorrido em 03/11/2009, no valor de 24 973,41€, o segundo em 16/10/2009 no valor de 146 976,85€, o terceiro em 12/03/2010 no valor de 124 903,99, o quarto em 04/07/2010 no valor de 37 712,16f e o quinto em 19/05/2011 no valor de 532,22f. Deste modo o valor total de juros de mora cifra-se montante de 53 170,86f.

De referir ainda que em relação a este processo, verificou se anulação de liquidações adicionais no montante de 37 565,09€, sobre as quais não foram efetuadas quaisquer pagamentos referentes a juros de mora.

Por outro lado verifica-se que em relação ás custas e taxas de justiça que se cifram no montante de 2 690,82f, as mesmas estão conformes à legislação em vigor supra identificada, sendo que este valor encontra-se justificado e é exigível.

Ainda relativamente ao PEF ........................, Verifica-se a existência de um excesso de valor de 1 606,42€ referente a juros de mora, do qual já se solicitou o seu retomo em 17/01/13.

Assim, para além deste valor, não existe qualquer outra importância que deva ser restituída ao requerente.

Por outro lado verifica-se que em relação ás custas e taxas de justiça que se cifram no montante de 2 690,82€, as mesmas estão conformes à legislação em vigor supra identificada, sendo que este valor encontra-se justificado e é exigível.

Ainda relativamente ao PEF ................................, Verifica-se a existência de um excesso de valor de 1 606,42€ referente a juros de mora, do qual já se solicitou o seu retomo em 17/01/13.

Assim, para além deste valor, não existe qualquer outra importância que deva ser restituída ao requerente.

(..)"

Tudo conforme fls. 18 a 20 dos autos.

Factos não provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da reclamação, todos objecto de análise concreta, não se provou outros que importe registar como não provados.

A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos citados nas alíneas supra.


*

2. Aditamento

Aditam-se os seguintes factos, baseados nos documentos dos autos e dos PEF apensos:

I. As quantias relativas ao IVA deduzido pela recorrida ainda não haviam sido reembolsadas a esta à data em que foram processadas as liquidações adicionais.

J. Tais quantias foram reembolsadas à recorrida depois de instaurados os PEF acima referidos e imediatamente utilizadas pela AT no pagamento, por compensação, da totalidade das liquidações referentes ao PEF ...............................e parcialmente no PEF 3492200701015010.


*

b) - De Direito
A fundamentação da sentença baseia-se essencialmente em dois argumentos:
No que respeita ao PEF ..................... considerou que "a divida aqui exigida foi totalmente anulada por iniciativa da Administração Tributária, primeiro a parte referente a juros compensatórios em sede de Reclamação graciosa e depois o próprio imposto através de reembolso processado pelos DGCI IVA e pago em 19/10/2007. Termos em que não sendo devida a divida, não pode sobre ela serem liquidados quaisquer juros moratórios"
Quanto ao PEF ...................... que "a divida aqui exigida foi parcialmente anulada por iniciativa da Administração Tributária, primeiro a parte referente à totalidade dos juros compensatórios em sede de reclamação graciosa e depois o imposto (IVA), parcialmente através de reembolsos processados pelos DGCI IVA e pagos em 19/10/2007 e em 02/10/2009 ficando a divida a valer apenas por €86.910,93. Assim os juros de mora devem ser liquidados sobre a quantia em divida nos termos estatuídos nas normas supra citadas, desde 01/02/2007 até à data do pagamento efectivo, devendo aí ser considerados parcialmente os diversos pagamentos efectuados pelo exequente e referidos pela AT no despacho recorrido."
A discordância da recorrente assenta na consideração de que a reclamante ora recorrida exerce uma actividade isenta e que não obstante estar enquadrada no regime de isenção, vinha a deduzir IVA indevidamente desde que iniciou actividade, desde o segundo semestre de 2002.
A partir desta asserção a FP constrói a tese de que são devidos juros de mora pelo atraso no pagamento das liquidações adicionais que lhe foram efectuadas, na sequência de acção inspectiva.
A situação em apreço tem contornos de alguma originalidade, que vale a pena descrever.
Tudo tem origem numa dedução indevida de IVA por banda da recorrida. Na sequência de uma acção inspectiva foram processadas liquidações adicionais para neutralização das deduções, mas cujo montante não havia ainda sido recebido pela recorrida! O que a levou a reclamar a pretexto de que se tivesse de pagar as liquidações adicionais então pagava o IVA em duplicado…
Como as liquidações adicionais não podiam ser anuladas, por razões aparentemente ligadas ao sistema informático, a AT “reembolsou” a recorrida do IVA e utilizou esses montantes para “anular” (rectius, pagar) as liquidações. Ou seja, pagou-se a si própria por compensação (art.º 89.º, n.º 1, do CPPT).
Por conseguinte, não estamos assim perante uma verdadeira anulação das liquidações mas face a um engenhoso expediente de as pagar, o que ao cabo e ao resto dá o mesmo resultado…
A recorrida FP olvida que ocorreu esta “anulação” parcial das liquidações, circunstância que levou a sentença a considerar que os respectivos juros de mora não eram devidos.
De facto, a dívida no PEF ...................... foi “anulada” nos termos sobreditos por iniciativa da AT, tudo se passando como se agora nenhuma dívida tivesse existido.
Se considerarmos que esta operação é uma verdadeira anulação, então esta, tal qual sucederia com declaração de nulidade, eliminou os efeitos produzidos, porque tendo efeitos retroactivos tudo se passa na ordem jurídica como se o acto nunca tivesse sido praticado. Com efeito, a diferença mais saliente entre o regime da anulabilidade e da nulidade cifra-se na impossibilidade desta ser sanada pelo decurso do tempo.
Obviamente que a anulação da dívida faz cair pela base qualquer exigência de juros moratórios. Os juros de mora são a pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento de sua obrigação. É o que resulta dos princípios gerais consignados no art.º 804.º do CC. No domínio das obrigações tributárias destinam-se a reparar os reparar os prejuízos que advêm (para o Estado) do retardamento de uma prestação tributária (1) ou o desapossamento (para o contribuinte) e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário.
Deixando de existir obrigação tributária, por destruição da mesma com eficácia rectroactiva, deixa de existir qualquer fundamento para a cobrança de juros de mora baseados no retardamento de uma obrigação que desapareceu do mundo jurídico!
Se, porém, considerarmos que não se está perante uma verdadeira anulação, ainda assim o resultado é o mesmo. Com efeito, o procedimento adequado na acção inspectiva seria o de impedir o reembolso dos montantes das deduções indevidas e não lançar mão das liquidações adicionais. Estas apenas são utilizadas por razões intrínsecas à prática dos serviços e ao sistema informático.
Logo, a situação é originada por um facto da AT que impede que se possa falar em juros de mora. É que as quantias em causa nunca deixaram de estar na disponibilidade da AT. Consequentemente cai pela base qualquer pretensão de cobrar juros de mora numa situação em que a AT não sofreu qualquer prejuízo, pois os juros de mora relativos a obrigações pecuniárias destinam-se a reparar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da indisponibilidade do dinheiro.
E obviamente que tal conclusão serve também para a dívida que inicialmente era exigida no PEF n.° ......................, mas aqui na parte proporcional à anulação parcial.
Em face do exposto não faz qualquer sentido exigir o pagamento de juros moratórios sobre as prestações tributárias “anuladas” e “parcialmente anuladas” por iniciativa da AT, segundo o esquema acima desenhado.
No que concerne às custas, o art.º 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92
de 28 de Julho, estabelece que “devem ser restituídas as importâncias de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação”, dispondo o n.º 2 que “se as receitas tiverem sido cobradas por meios coercivos, devem restituir-se também as custas dos respectivos processos”.

Pois bem: como a AT nunca chegou a entregar à recorrida as quantias relativas à dedução do IVA, não podia obviamente lançar mão do meio executivo para as cobrar… E nesta perspectiva, usou mal o processo de execução, pelo que por força do disposto no n.º 2 do citado artigo devem ser restituídas à recorrida as custas processuais.
Em resumo e para concluir, embora com fundamentação não coincidente com a da sentença se conclui que o recurso não merece provimento.

*

3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

D.n.

Lisboa, 2013-10-17

________________________(Benjamim Barbosa, Relator)

________________________________ (Anabela Russo)

__________________________________ (Aníbal Ferraz)

(1) Cfr. art.º 44.° da LGT, art.º 86.° do CPPT e art.º 1.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.