Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:540/17.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/30/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA.
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA NAS EXECUÇÕES FISCAIS.
ARTº.97-A, Nº.1, AL.E), DO C.P.P.T. (REDACÇÃO DA LEI 66-B/2012, DE 31/12).
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
CAUSAS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE (CFR.ARTº.277, AL.E), DO C.P.CIVIL). NOÇÃO.
FALTA DE PRESSUPOSTOS PARA DECRETAR A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
OBJECTO DO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CITAÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL.
NULIDADES EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
FALTA/NULIDADE DA CITAÇÃO.
EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A DEFESA DO CITADO (ARTº.191, Nº.4, DO C.P.C.).
O CONCEITO DE DOMICÍLIO FISCAL INTEGRA O DOMICÍLIO ELECTRÓNICO (CAIXA POSTAL ELETRÓNICA).
RECEPÇÃO DE CORREIO EM FORMATO DIGITAL E COM VALOR LEGAL.
CITAÇÃO POR TRANSMISSÃO ELECTRÓNICA DE DADOS.
Sumário:1. A atribuição de um valor à causa tem interesse, além do mais, para determinar a competência do Tribunal, a forma de processo, sendo caso disso, e, bem assim, a viabilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre. Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a acção é proposta (cfr.artºs.296 e 299, do C.P.Civil).
2. Nas execuções fiscais, para fixar o valor da causa, tem de se atender ao montante da dívida exequenda ou da parte restante quando haja anulação parcial, excepto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior (cfr.artº.2, nº.4, al.a), da Lei 26/2007, de 23/7, que concedeu a autorização legislativa com base na qual o Governo aprovou o Regulamento das Custas Processuais; artº.97-A, nº.1, al.e), do C.P.P.T., na redacção da Lei 66-B/2012, de 31/12).
3. No caso “sub judice”, deve concluir-se que nos encontramos perante processo que está associado a execução fiscal (reclamação de acto do órgão de execução fiscal), sendo que o valor da causa, para efeitos de custas, será o correspondente ao montante da dívida exequenda em ambos os processos, visto que apensados.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
8. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
9. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
10. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
11. No caso "sub judice", do probatório não consta que já tenha sido declarada a extinção do processo de execução fiscal em questão (igualmente não constando do processo, ou do seu apenso, prova de tal factualidade), pelo que, não desapareceu o objecto deste processo, mais não se verificando os pressupostos para decretar a inutilidade superveniente da lide face ao mesmo.
12. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
13. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
14. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
15. O processo de impugnação judicial tem por objecto a apreciação da ilegalidade do acto tributário, visando a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr.artº.99, do C.P.P.Tributário).
16. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.219, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário). Actualmente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T.
17. É no artº.165, do C.P.P.Tributário que estão previstas as nulidades em processo de execução fiscal. Distintas das situações de falta de citação, que são susceptíveis de constituir casos de nulidade insanável, para efeitos deste artigo, são as situações de nulidade da citação, que ocorrem quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei (cfr.artº.191, nº.1, do C.P.C.). Estas nulidades da citação só podem ser conhecidas na sequência de arguição dos interessados, que, em sintonia com o preceituado no artº.191, nº.2, do C.P.Civil, deve ser feita no prazo que tiver sido indicado para deduzir oposição, equivalente à contestação em processo declarativo, ou, nos casos de citação edital ou quando não tiver sido indicado prazo para deduzir oposição, na primeira intervenção do citado no processo. A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (cfr.artº.191, nº.4, do C.P.C.), solução esta que sempre resultaria, por maioria de razão, do preceituado no artº.165, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário.
18. Nos termos do artº.19, da L.G.T., o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva, sendo que o legislador estipula que o domicílio fiscal integra ainda o domicílio electrónico (caixa postal eletrónica), nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica, mais determinando que os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, que é o caso dos autos, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica.
19. A incorporação do domicílio electrónico no conceito de domicílio fiscal tem em vista viabilizar e expandir um sistema de comunicação electrónica entre a A. Fiscal e os contribuintes, nomeadamente, na realização de notificações, citações e outras comunicações. O sistema de comunicação electrónica citado consubstancia-se na caixa postal electrónica, serviço concessionado aos CTT, tendo a designação de “Via CTT”, o qual permite receber correio em formato digital e com valor legal.
20. Estando em causa quantia exequenda que não excede as 500 unidades de conta (cfr.artº.191, nº.1, do C.P.P.T.), a citação efectua-se mediante simples postal, podendo, como decorre do disposto no nº.4 do mesmo artigo, ser efectuada por transmissão electrónica de dados, que equivale, como se retira do próprio texto legal, à remessa por via postal simples nos casos a que se refere o nº.1 do preceito, mais valendo como citação pessoal, considerando-se realizada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica (cfr.nº.5 do preceito).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES P..., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.156 a 162 do presente processo, conhecendo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrente, enquanto executado no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apenso, o qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de ..., visando despacho que indeferiu a arguição de nulidade da citação efectuado no espaço do identificado processo executivo, de cujo dispositivo consta o seguinte:
1-Não conhecer do pedido em relação ao PEF nº.... por inutilidade superveniente da lide e consequente falta de objecto;
2-Julgar improcedente a excepção de extemporaneidade da arguição da nulidade invocada pela Fazenda Pública;
3-Julgar procedente a excepção de erro parcial na forma de processo;
4-Julgar improcedente a reclamação quanto à alegada nulidade processual decorrente da falta de citação no PEF nº.....
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.168 a 179 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 4 de setembro de 2017, na parte em que, (i) altera o valor da causa; (ii) não conheceu o pedido em relação ao PEF n.º ... por falta de objeto; (iii) julgou improcedente a invocada extemporaneidade da arguição de nulidade e, (iv) julgou improcedente a reclamação do ato do órgão de execução quanto à alegada nulidade processual decorrente da falta de citação no PEF n.º ..., bem como da matéria de facto dada como provada;
2-O Tribunal a quo não deu como provada matéria de facto suficiente para tomar a decisão em recurso, ou seja, que a ora recorrente aderiu e consultou o serviço "VIA CTT", conforme nºs.3 e 6 da factualidade dada como provada;
3-O que desde já se impugna, por não provada;
4-Uma vez que atendendo a que os sócios gerentes da sociedade comercial reclamada sofrem de graves problemas de saúde, encontravam-se incapacitados para o efeito;
De facto,
5-O sócio D... possui atualmente 88 anos de idade e sofre há mais de seis anos de doença de Alzheimer, em estado muito avançado e grave, encontrando-se em situação de demência que lhe provocou uma deterioração global e irreversível de todas as suas funções cognitivas;
6-Atendendo ao seu estado de saúde, encontra-se a residir em lar de idoso e com processo de interdição em curso por demência, que corre termos na Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível da ... - Juiz 1, processo n.º 111/17.3t8AMD;
7-A outra sócia, M..., tem 77 anos e sofre de graves problemas de saúde, não tendo inclusivamente computador e serviço de internet, ferramentas essenciais para aderir e consultar o serviço "VIA CTT";
8-O Tribunal a quo fixou o valor da causa em € 4.640,96, aplicação do artigo n.º 97.º-A, alínea e) do CPPT;
9-O que, salvo melhor opinião, parece ser um errado enquadramento legal da situação controvertida;
10-Desde logo porque existe uma apensação dos processos executivos;
11-E não se verifica uma inutilidade superveniente da lide, pelo que o valor da causa, deverá ser o correspondente ao montante da dívida exequenda;
12-O Tribunal a quo deveria, pois, ter considerado o somatório de ambos os processos de execução fiscal para determinação, conforme determina o n.º 3 do artigo 97.º-A do CPPT;
13-Quedando o valor da causa, o indicado pela recorrente na sua petição, isto é, € 6.169,53;
14-O Tribunal a quo considerou, igualmente, que o PEF n.º ... se encontra extinto por pagamento voluntário à data em que foi arguida a nulidade da citação, o que, no seu entender, consubstancia uma inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto;
15-A inutilidade superveniente da lide, enquanto causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação, isto é, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa;
16-Pois só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica, uma vez que esta correlaciona-se com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis dessa mesma lide, pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente;
17-Com a sua reclamação, a recorrente pretendeu sempre imputar ao ato de liquidação uma ilegalidade abstrata;
18-E nos casos em que se discute a ilegalidade abstrata do ato de liquidação ou quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, não estaremos perante uma inutilidade superveniente da lide (vide artigo n.º 204.º,n.º 1, alíneas a), e), h));
19-Na verdade, a recorrente apenas teve conhecimento no dia 6 de fevereiro de 2017, que corriam termos contra si dois processos de execução fiscal e que alegadamente teriam sido efetuadas as citações, por caixa postal eletrónica, no dia 27 de agosto de 2015;
20-Através do funcionário do Serviço de Finanças de ... 3;
21-Ora, a forma como a recorrente teve conhecimento da existência dos PEF's em causa, não preenche os requisitos que a lei manda observar para as citações;
22-Ficando, dessa forma, incapacitada de se defender, o que viola cabalmente o princípio do contraditório;
23-O pagamento efetuado pela recorrente, não significa que a mesma aceitou a dívida;
24-Tão pouco foi provado que as dívidas não foram pagas por culpa da ora recorrente;
25-Foi, pois, totalmente descurada pelo Tribunal a quo a legalidade da dívida, a qual era mister discutir;
26-A Meritíssima Juiz a quo julgou improcedente o pedido formulado pela ora recorrente, por entendida intempestividade da arguição de nulidade da citação;
27-Salvo melhor opinião, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao considerar que a citação ocorreu em 27.08.2015 e que, por esse motivo, o prazo para arguir a nulidade terminaria em 30.09.2015;
28-Não considerando as alegações da recorrente, a qual alegou não ter rececionado as citações e os respetivos títulos executivos, alegando ainda que estava, por esse motivo, impedido de exercer os seus direitos de defesa;
29-Das alegações da recorrente decorre a conclusão inequívoca que esta nunca havia tomado conhecimento das citações;
30-Desde logo porque desconhece o serviço "VIA CTT";
31-O Tribunal a quo também não provou, conforme referido, quem criou o registo no supra mencionado serviço;
32-Nem se teria legitimidade para tal;
33-Ora, a falta de citação pessoal pode impedir o executado de tomar conhecimento, pela via legalmente exigida, dos elementos essenciais da citação, e é de tal modo gravosa, no processo executivo, que a lei comina com nulidade insanável (artigo 165.º, n.º 1 al. a) do CPPT);
34-A declaração de nulidade insanável, de falta de citação, tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (n.º 2 do artigo 165.º do CPPT);
35-Nulidade essa que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada e conhecida oficiosamente (cfr. nº 4 do art.º 165º do CPPT, bem como a al. a) do art.º 187.º e o nº 2 do art.º 198.º, ambos do CPC);
36-Relativamente à forma do processo, não é admissível o entendimento plasmado na douta sentença quanto ao erro na forma do processo, na medida em que esta considera que se está perante fundamentos de impugnação judicial, ao abrigo do artigo 99.º do CPPT e não da reclamação a que se refere o artigo 276.º do mesmo diploma legal;
37-A nulidade do processo executivo por falta de citação do executado, nos termos do n.º 6 do art.º 190.º do CPPT e de acordo com a jurisprudência consolidada, terá forçosamente de ser arguida primeiramente perante o órgão de execução fiscal;
38-O processo apenas será remetido ao Tribunal apenas se o órgão de execução fiscal indeferir a pretensão do executado e se a sua intervenção for requerida através da reclamação judicial deduzida nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT;
39-Ao contrário do que a douta sentença considerou, existe prejuízo para a defesa da ora recorrente, na medida em que por força da omissão da comunicação da fundamentação legal das execuções, vê-se impossibilitada de impugnar judicialmente aqueles processos executivos;
40-O raciocínio da douta sentença recorrida não é aceitável para efeitos de impugnação judicial, pois a AT deveria ter observado todos os requisitos exigidos por lei;
41-Na medida em que no processo de execução fiscal ocorre nulidade de citação quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, devendo ser a respetiva arguição atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (artigo 191º do CPC, aplicável ex vi o artigo 2.º,alínea e) do CPPT).
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.193 a 195 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.158 e 159 dos autos - numeração nossa):
1-Em 24.03.2015 foi instaurado no 3º. Serviço de Finanças de ... contra a sociedade ora reclamante, “Sociedade de Construções P..., L.da.”, o PEF nº.... para cobrança coerciva da quantia de € 1.191,67, relativa a taxas de portagens devidas à “... - Concessão Rodoviária, S.A.” e custos administrativos (cfr.documentos juntos a fls.1 a 10 do processo de execução apenso);
2-Em 11.08.2015 foi instaurado, contra a sociedade ora reclamante, o PEF nº...., também para cobrança coerciva de dívidas de taxas de portagens e custos administrativos devidos à “... - Concessão Rodoviária, S.A.”, no valor de € 4.640,96, processo que constitui o principal, sendo o identificado no nº.1 um apenso (cfr.certidão que inicia o processo de execução apenso; documentos juntos a fls.43 a 69 do processo de execução apenso);
3-Em 20.01.2012 a sociedade reclamante aderiu ao sistema de notificações eletrónicas “Via CTT” (cfr.documentos juntos a fls.103 e 142 dos presentes autos);
4-Em 12.08.2015 foi emitida a citação da sociedade executada e reclamante para ambos os processos de execução fiscal (cfr.documentos juntos a fls.103-verso, 110 e 142 dos presentes autos; informações exaradas a fls.33 a 35 e 77 a 79 do processo de execução apenso);
5-Em 18.08.2015 a citação a que se refere o número que antecede foi depositada na caixa postal eletrónica da sociedade reclamante (cfr.documentos juntos a fls.104, 110 e 142 dos presentes autos);
6-Em 27.08.2015, pelas 13:49:29 horas a reclamante acedeu à caixa postal eletrónica (cfr.documentos juntos a fls.104, 110 e 142 dos presentes autos);
7-Por requerimento que deu entrada no 3º. Serviço de Finanças de ... em 29.08.2016 a sociedade ora reclamante, na qualidade de executada e fazendo referência a vários PEF’s, entre os quais os identificados nos nºs.1 e 2 supra, e invocando ter deduzido oposição à execução, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças a substituição da penhora de veículos automóveis e saldos bancários, efetuadas no âmbito dos PEF’s que identificou, pela penhora de um bem imóvel, com fundamento em “prejuízo sério” (cfr. documentos juntos a fls.11 a 14 do processo de execução apenso);
8-Em 07.02.2017 a ora reclamante efetuou o pagamento da dívida relativa ao PEF identificado no nº.1 supra (cfr.informação constante de fls.33 a 35 do processo de execução apenso; documento junto a fls.41 do processo de execução apenso);
9-Em 10.02.2017 a reclamante apresentou em cada um dos PEF’s identificados nos nºs.1 e 2 supra um requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, arguindo a nulidade da citação, invocando, além do mais, ter tido conhecimento dos PEF’s em 06.02.2017 quando solicitou nos serviços da AT uma certidão de não dívida (cfr.documentos juntos a fls.26 e 70 a 72 do processo de execução apenso);
10-Em 27.02.2017 a Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho de indeferimento dos requerimentos identificados no nº.9 supra em cada um dos processos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde conclui que “verifica-se que o executado foi citado por transmissão electrónica de dados (verdadeira citação pessoal - nº 4 do artº 191º do CPPT) e que a citação continha todos os elementos impostos pelo nº 1 do artº 190º do CPPT” (cfr.documentos juntos a fls.36 e 80 do processo de execução apenso);
11-Em 16.03.2017 a reclamante foi notificada das decisões identificadas no nº.10 (cfr. documentos juntos a fls.37 a 39 e 81 a 83 do processo de execução apenso);
12-A presente reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças, através de correio registado, em 27.03.2017 (cfr.data de registo aposta a fls.5 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resultam dos autos quaisquer outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que se imponha registar como provados ou não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, inexistindo indícios que ponham em causa a sua genuinidade, realçando-se, relativamente ao facto considerado provado em 3 do probatório que, não obstante a Reclamante ter impugnado a autenticidade os documentos n.ºs 1 e 2 apresentados pela Fazenda Pública com a contestação por não se mostrarem assinados nem carimbados, concluindo que não decorre deles a prova da citação, o Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT, diligenciou no sentido da apurar da respetiva veracidade, tendo os “..., S.A.” confirmado, conforme decorre do ofício de fls.142, notificado à Reclamante nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC, que o teor dos mesmos “corresponde exactamente às informações retiradas dos registos electrónicos da plataforma “Via CTT”, “reproduzindo fielmente as ocorrências e enquadramento do acto de citação ou notificação”…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal devido ao decaimento de todos os seus fundamentos, mais mantendo os actos reclamados (cfr.nº.10 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
X
Comecemos pelo exame da questão prévia do valor da causa.
Sustenta o recorrente, em sinopse, que o Tribunal “a quo” fixou o valor da causa em € 4.640,96, por aplicação do artº.97-A, nº.1, al.e), do C.P.P.T. Que existe uma apensação dos processos executivos. Que o valor da causa deverá levar em consideração o montante da dívida exequenda em ambos os processos, isto é, € 6.169,53 (cfr.conclusões 8 a 13 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A atribuição de um valor à causa tem interesse, além do mais, para determinar a competência do Tribunal, a forma de processo, sendo caso disso, e, bem assim, a viabilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre. Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a acção é proposta (cfr.artºs.296 e 299, do C.P.Civil).
Nos presentes autos, o valor da causa foi fixado na fundamentação da sentença recorrida no montante de € 4.640,96, ao abrigo do artº.97-A, nº.1, al.e), do C.P.P.T., mais levando em consideração o Tribunal “a quo” o valor da dívida exequenda no processo de execução fiscal identificado no nº.2 do probatório supra, visto que face ao processo de execução fiscal identificado no nº.1 da matéria de facto se julgou inadmissível a reclamação, tudo em virtude da extinção da execução devido a pagamento (cfr.fls.162 e verso dos presentes autos).
Antes da introdução da citada al.e), no nº.1, do artº.97, do C.P.P.T., normativo que consagra as regras do valor da causa no contencioso associado à execução fiscal (fora dos casos que se reconduzam a impugnação de actos) para fixar o valor da causa tinha de se atender ao montante da dívida exequenda ou da parte restante quando houvesse anulação parcial ou, em qualquer caso, ao produto dos bens liquidados, quando fosse inferior (cfr.artº.2, nº.4, al.a), da Lei 26/2007, de 23/7, que concedeu a autorização legislativa com base na qual o Governo aprovou o Regulamento das Custas Processuais; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/8/2012, rec.766/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.116/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6555/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/04/2016, proc.9494/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.75 e seg.).
Este critério foi assumido pelo legislador no mencionado artº.97-A, nº.1, al.e), do C.P.P.T. (redacção da Lei 66-B/2012, de 31/12), norma com o seguinte conteúdo:
Artº.97-A
(Valor da causa)
1. Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício;
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
(...)
Da exegese da norma, em aplicação ao caso “sub judice”, deve concluir-se que nos encontramos perante processo que está associado a execução fiscal (reclamação de acto do órgão de execução fiscal), sendo que o valor da causa, para efeitos de custas, será o correspondente ao montante da dívida exequenda em ambos os processos, visto que apensados (€ 6.169,53 - cfr.nºs.1 e 2 do probatório; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/04/2016, proc.9494/16). A tal não obsta o pagamento da dívida exequenda efectuado no âmbito do processo de execução fiscal nº.... (cfr.nº.8 do probatório), visto que do probatório não consta que tenha sido declarada a sua extinção, e muito menos em momento anterior à dedução da presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal.
Rematando, o valor da causa a fixar para o presente processo cifra-se em € 6.169,53, ao que se procederá no dispositivo do presente aresto.
X
Aduz o apelante, em primeiro lugar e em sinopse, que o Tribunal “a quo” não deu como provada matéria de facto suficiente para tomar a decisão em recurso, ou seja, que a ora recorrente aderiu e consultou o serviço "VIA CTT", conforme nºs.3 e 6 da factualidade dada como provada, factualidade que se impugna, porque não provada (cfr.conclusões 2 a 7 e 27 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto ao conteúdo da concreta decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tal como dos meios probatórios constantes do processo e que impunham decisão diversa.
Apesar disso, sempre se dirá que a factualidade constante dos nºs.3 e 6 da matéria de facto provada está devidamente fundamentada e com base em prova documental, tudo como consta da justificação probatória dos citados números, tal como da fundamentação da decisão da matéria de facto supra exarada.
Arrematando, este Tribunal nega provimento ao presente esteio do recurso.
Defende o recorrente, igualmente e em síntese, que o Tribunal “a quo” considerou que o processo de execução fiscal nº.... se encontra extinto por pagamento voluntário à data em que foi arguida a nulidade da citação, o que, no seu entender, consubstancia uma inutilidade superveniente da lide, devido a falta de objecto. Que o pagamento efectuado pelo recorrente não significa que o mesmo aceitou a dívida. Que foi descurada pelo Tribunal “a quo” a legalidade da dívida, a qual era mister discutir. Que não se verificam os pressupostos da declaração de inutilidade superveniente da lide face ao processo de execução fiscal nº.... (cfr.conclusões 14 a 25 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis ao processo judicial tributário supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P.T.), vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/1/2013, rec.1208/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7433/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.8889/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/10/2017, proc.538/14.2BELRA; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I vol., pág.512; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.307 e seg.).
Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
No caso "sub judice", desde logo e como aludido acima, do probatório não consta que já tenha sido declarada a extinção do processo de execução fiscal nº.... (igualmente não constando do processo, ou do seu apenso, prova de tal factualidade), pelo que, não desapareceu o objecto deste processo, mais não se verificando os pressupostos para decretar a inutilidade superveniente da lide face ao mesmo.
Finalizando, concede-se provimento ao presente esteio do recurso, mais devendo revogar-se a sentença recorrida neste segmento, vector que implica o conhecimento da alegada nulidade processual decorrente da falta de citação em ambos os processos de execução fiscal (identificados nos nºs.1 e 2 do probatório).
O apelante discorda do decidido aduzindo, ainda e em sinopse, que o Tribunal “a quo” julgou improcedente o pedido por si formulado, devido a intempestividade da arguição de nulidade da citação. Que o apelante nunca havia tomado conhecimento das citações em causa. Que o Tribunal “a quo” não fez prova de quem criou o registo no serviço "VIA CTT", nem se tal pessoa/entidade teria legitimidade para tal. Que se deve declarar a nulidade insanável de falta de citação, a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que da mesma dependam absolutamente. Que a falta cometida prejudica a defesa do recorrente. Que não é admissível o entendimento plasmado na sentença recorrida quanto ao erro na forma do processo (cfr.conclusões 26 e 28 a 41 do recurso), com base em tais alegações pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes do exame deste fundamento do recurso, deve este Tribunal começar por estruturar alguns esclarecimentos, os quais são:
1-A sentença recorrida julgou improcedente a excepção de extemporaneidade da arguição da nulidade invocada pela Fazenda Pública, e não o contrário, como parece defender o apelante;
2-O Tribunal “a quo”, ou qualquer Tribunal, não tem que fazer prova de qualquer matéria de facto. Quem tem o ónus de fazer prova das matérias que alega são as partes (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Avancemos.
Examinemos o alegado erro na forma do processo.
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6914/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13).
“In casu”, entendeu o Tribunal “a quo” que existia erro na forma do processo relativamente a algumas causas de pedir, mais concretamente e no que ora interessa, a ilegalidade da dívida exequenda derivada da alegada falta de actividade comercial da sociedade recorrente/inexistência de facto tributário (fundamento típico do processo de impugnação judicial).
Releve-se que a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
Por último, recorde-se que o processo de impugnação judicial, tendo por função apreciar a ilegalidade do acto tributário, visa a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr.artº.99, do C.P.P.Tributário; Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.586 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 107 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, é óbvio que a ilegalidade da dívida exequenda, enquanto causa de pedir apresentada no articulado inicial do presente processo não é passível de apreciação neste meio processual, o qual somente pode ter por objecto as decisões do órgão de execução fiscal, praticadas no processo executivo e que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado ou de terceiro (cfr.artºs.97, nº.1, al.n), e 276, do C.P.P.T.).
Atento tudo o acabado de consignar, este Tribunal corrobora a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a excepção de erro parcial na forma de processo.
Resta apreciar a alegada nulidade da citação, fundamento que a sentença recorrida julgou improcedente, embora somente quanto ao processo de execução fiscal nº.....
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr. artº.219, nº.1, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).
É no artº.165, do C.P.P.Tributário, que estão previstas as nulidades em processo de execução fiscal. Distintas das situações de falta de citação, que são susceptíveis de constituir casos de nulidade insanável, para efeitos deste artigo, são as situações de nulidade da citação, que ocorrem quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei (cfr.artº.191, nº.1, do C.P.C.). Estas nulidades da citação só podem ser conhecidas na sequência de arguição dos interessados, que, em sintonia com o preceituado no artº.191, nº.2, do C.P.Civil, deve ser feita no prazo que tiver sido indicado para deduzir oposição, equivalente à contestação em processo declarativo, ou, nos casos de citação edital ou quando não tiver sido indicado prazo para deduzir oposição, na primeira intervenção do citado no processo. A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (cfr.artº.191, nº.4, do C.P.C.), solução esta que sempre resultaria, por maioria de razão, do preceituado no artº.165, nº.1, al.a), do C.P.P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.137 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.193 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/2/2007, proc.1065/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.5763/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/3/2013, proc. 6488/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/3/2017, proc.2788/16.8BELRS).
“In casu”, com fundamento na matéria de facto provada, entendeu o Tribunal “a quo” que o reclamante/recorrente foi validamente citado, enquanto executado e no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos no pretérito dia 27/08/2015 (cfr.nºs.1 a 6 do probatório).
O apelante entende que não, que o acto em causa padece do vício de nulidade insanável, devido a falta de citação.
Vejamos quem tem razão.
Nos termos do artº.19, da L.G.T., o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva, sendo que o legislador estipula que o domicílio fiscal integra ainda o domicílio electrónico (caixa postal eletrónica), nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica, mais determinando que os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, que é o caso dos autos, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, como a reclamante possuía à data da citação, tudo conforme decorre da factualidade provada nos autos (cfr.nº.3 do probatório).
O domicílio electrónico integra o conceito de domicílio fiscal. A incorporação do domicílio electrónico no conceito de domicílio fiscal tem em vista viabilizar e expandir um sistema de comunicação electrónica entre a A. Fiscal e os contribuintes, nomeadamente, na realização de notificações, citações e outras comunicações. O sistema de comunicação electrónica citado consubstancia-se na caixa postal electrónica, serviço concessionado aos CTT, tendo a designação de “Via CTT”, o qual permite receber correio em formato digital e com valor legal (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.161 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, estando em causa quantia exequenda que não excede as 500 unidades de conta (cfr.artº.191, nº.1, do C.P.P.T.), a citação efectua-se mediante simples postal, podendo, como decorre do disposto no nº.4 do mesmo artigo, ser efectuada por transmissão electrónica de dados, que equivale, como decorre do próprio texto legal, à remessa por via postal simples nos casos a que se refere o nº.1 do preceito, mais valendo como citação pessoal, considerando-se realizada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica (cfr.nº.5 do preceito).
Resulta do probatório que em 20/01/2012 a sociedade reclamante/recorrente aderiu ao sistema de notificações eletrónicas “ViaCTT”, e não foi alegado, nem muito menos demonstrado, que tenha procedido à entrega de declaração de cessação de atividade, mais tendo sido confirmado pelos “..., S.A.” que a informação apresentada pela A. Fiscal sobre o acesso pela reclamante/recorrente à caixa postal eletrónica, “maxime” ao acto de citação, ocorreu em 27/08/2015 (cfr.nºs.3 e 6 da factualidade provada).
Porque este meio de citação é legal, face ao montante da dívida exequenda em causa, não pode o reclamante/recorrente invocar a falta de citação pois que a mesma só ocorre quando o destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável (cfr.artº.190, nº.6, do C.P.P.T.), o que no caso concreto, manifestamente, não sucedeu (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/11/2016, rec. 1049/16).
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, excepção feita à fixação do valor da causa, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica;
2-FIXAR O VALOR DA CAUSA em € 6.169,53.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 30 de Novembro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)