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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05760/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.668, Nº.1, AL.C), DO C. P. CIVIL.
QUESTÕES NOVAS.
DEFINIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.

2. A nossa jurisprudência, repetidamente, vem afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição. Apesar disso, o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa.

3. As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.

4. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais).

5. O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

6. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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JOSÉ ……………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.237 a 251 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a oposição pelo recorrente intentada visando a execução fiscal nº………………….. e apensos, a qual corre seus termos na Secção de Processos de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de contribuições e quotizações para a Segurança Social, relativas a períodos mensais que vão de Setembro de 1999 a Abril de 2006, no montante total de € 107.705,22.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.262 a 272 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente recorre da parte da sentença em que o seu pedido decaiu, aceitando a parte da sentença que decide a prescrição de parte da dívida exequenda;
2-A douta sentença não poderia ter dado o recorrente como gerente de facto, existindo deste modo erro de julgamento;
3-A empresa originária devedora, exercia a actividade no ramo que ficou conhecida por vendas agressivas;
4-Os vendedores da empresa, um deles o recorrente, deslocavam-se a várias povoações deste País, principalmente na zona Centro, com o fim de reunirem pessoas num hotel ou restaurante e tentarem vender os respectivos produtos, principalmente, colchões ortopédicos;
5-Os pressupostos legais da reversão, nos termos do artº.24, da L.G.T., impõe dois requisitos:
- O revertido ser administrador ou gerente da empresa devedora;
- Ter sido por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente ou inexistente para satisfação dos credores;
6-Quem exerce efectivamente a gerência de facto é passível de ser sujeito a responsabilidade solidária, e tal deve ser demonstrado por quem exerce o acto da reversão, e do mesmo modo, deve ser demonstrado que o revertido é responsável pela falta de património da empresa para liquidar a dívida executiva;
7-No presente processo, a autoridade administrativa que reverteu o processo não fez qualquer prova de que o recorrente tenha exercido efectivamente a gerência do cargo no período a que as dívidas respeitam;
8-Apenas referindo que o recorrente está inscrito como gerente no registo comercial e nada mais;
9-A reversão foi ilegal, pois nunca reuniu as condições legais para tal, e como tal, logo à partida, o Tribunal deveria ter reconhecido o recorrente como parte ilegítima na execução, nos termos do artº.24, da L.G.T., e artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.T. (ilegitimidade por si invocada na oposição deduzida) com as devidas consequências legais;
10-A Exma. Procuradora da República no seu parecer, obrigatoriamente emitido antes da elaboração da sentença, considera que o recorrente é parte ilegítima na execução, pelos factos atrás referidos;
11-Também o recorrente não concorda com a sentença, por nítida contradição entre os factos dados como provados e a conclusão a tirar desses factos;
12-Na matéria dada como provada considera-se que o oponente ocupava-se das vendas, bem como;
13-Que não sentia que possuía capacidade para gestor da empresa, pelo que se viu na necessidade de contratar um gestor, o Dr. Luís …………., que até é gestor de profissão, e como tal gestor profissional;
14-Mais dá como provada a sentença, os benefícios que o Dr. Luís ………… passou a obter, na qualidade de gestor da empresa;
15-O Luís ……… geria a empresa, era o gerente de facto da mesma, e disso retirava o respectivo benefício;
16-No ponto 25 da matéria dada como provada o próprio Tribunal dá como provado que o oponente pertence à Direcção Comercial, ou seja, anda na rua a vender e o Dr. Luís ......... trata da Direcção administrativa e financeira;
17-O Dr. Luís …………. geria a empresa administrativa e financeiramente, pelo que, seria sempre dele a responsabilidade pelo património e pagamentos da empresa, nomeadamente impostos e Segurança Social;
18-A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento e violou o disposto nos artºs.24, da L.G.T., 123, 125, nº.1, e 204, nº.1, al.b), do C.P.P.T., artº.268, nº.3, da C.R.P., e artº.668, nº.1, al.c), do C.P.C.;
19-Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão recorrida. Assim se fazendo JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, dado que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados (cfr.fls.291 a 294 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.296 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.239 a 245 dos autos):
1-No I.G.F.S.S. foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº…………….. e apensos, contra a sociedade devedora originária (SDO) “D ……….. - Representações, Lda.”, com o NIF ……………., por dívidas de contribuições e cotizações devidas à Segurança Social, dos anos de 1999 a 2006, no montante global de € 107.705,22 (cfr. documento junto a fls.2 e seg. dos presentes autos);
2-A SDO foi citada em 27/03/2007 (cfr.documentos juntos a fls.28 e 29 dos presentes autos);
3-Por despacho do Senhor Coordenador da Secção de Processos, do IGFSS, de 25/02/2009, foi ordenada a reversão daquelas dívidas da SDO, contra o oponente José ……………. (cfr.documentos juntos a fls.61 e seg. dos presentes autos);
4-O oponente foi citado em 27/03/2009 (cfr.documentos juntos a fls.75 e 76 dos presentes autos);
5-A SDO encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Marinha Grande (cfr.documentos juntos a fls.49 a 54 dos presentes autos);
6-O oponente figura naquela SDO, como gerente desde a sua constituição em 1998 (cfr.documentos juntos a fls.49 a 54 dos presentes autos);
7-A SDO foi constituída pelo oponente e o seu sócio Daniel ………….., com quotas iguais (cfr.documentos juntos a fls.49 a 54 dos presentes autos);
8-Ambos figuram no respectivo pacto social como gerentes desde a sua constituição (cfr.documentos juntos a fls.49 a 54 dos presentes autos);
9-O objecto da sociedade consistia no comércio a retalho de produtos ortopédicos (cfr. documentos juntos a fls.49 a 54 dos presentes autos);
10-Especialmente a venda de colchões ortopédicos;
11-As vendas eram feitas pelos dois sócios através do contacto directo e local com os clientes;
12-Desde o início da actividade que as vendas foram crescendo muito, pelo que a empresa carecia de gestão profissional;
13-Em 1999 o oponente e o seu sócio contrataram o Dr. Luís ………., gestor de profissão, para funcionário da SDO;
14-Este residia no Porto, deslocando-se à sede da SDO semanalmente;
15-A SDO possuía um sistema informático que permitia a ligação do referido Luís ………….. à empresa através do Porto;
16-Em 24/09/2001 o oponente e o seu sócio celebraram com o referido Luís ………… contrato de promessa de cessão de quotas (cfr.documento junto a fls.110 a 113 dos presentes autos);
17-Tendo a partir dessa data o referido Luís ………….. beneficiado dos mesmos direitos dos restantes sócios (tudo conforme documentos juntos a fls.115 a 130 dos presentes autos);
18-Como igual divisão de rendimentos;
19-Cartão de crédito da empresa;
20-Seguro de saúde para si e para o seu agregado familiar pago pela empresa;
21-Férias pagas pela empresa;
22-Despesas da sua viatura pagas pela empresa;
23-E igual remuneração;
24-Em 2002, o oponente, o sócio e o Luís …………. contribuíram de igual forma para um reforço financeiro da empresa (cfr.documento junto a fls.133 dos presentes autos);
25-Foi elaborado um documento relativo à SDO do qual consta que o oponente pertence à direcção comercial e Luís ………… à direcção administrativa e financeira, no qual se referem as responsabilidades conjuntas dos 2 sócios e Luís …………, que respeita ao Departamento de recursos humanos que compreende o seguinte (cfr.documentos juntos a fls.133 e 134 dos presentes autos):
a) Admissões e demissões;
b) Condições de trabalho;
c) Mapa de férias;
d) Controlo das faltas;
e) Política de comissões e de prémios, etc.;
f) Investimentos;

26-Do mesmo documento consta a realização de reuniões semanais para processar pagamentos aos fornecedores (reuniões das direcções comercial e financeira);
27-E reuniões mensais para aprovação e pagamento de comissões e avaliação e discussão dos objectivos do mês anterior e para o mês em curso;
28-O oponente assinou cheques em nome da SDO;
29-Nomeadamente para pagamentos à Segurança Social;
30-O oponente angariou clientes e celebrou contratos com clientes;
31-Os pagamentos das remunerações dos funcionários da SDO eram feitos por meio de cheques assinados pelo oponente e seu sócio;
32-As faltas, férias e atrasos ao serviço, referentes aos funcionários da SDO, eram tratadas pelo oponente, seus sócio e Luís ……………;
33-Todas as decisões relativas à actividade, funcionamento e gestão da SDO eram tomadas pelo oponente e seu sócio, com o conhecimento e aprovação do Luís ……………;
34-Os elementos contabilísticos eram fornecidos diariamente aos três;
35-O oponente e o seu sócio conheciam a situação dos atrasos nos pagamentos devidos ao Estado;
36-O oponente José Nunes dirigiu a SDO, conjuntamente com Daniel ………… e Luís ……….., contratando trabalhadores, realizando compras e vendas e tomando todas as decisões inerentes à actividade para a qual foi constituída, desde a sua constituição até ao encerramento.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…O Luís ………. foi quem dirigiu exclusivamente a SDO, desde 1999 até 2005, tomando todas as decisões inerentes à actividade para a qual foi constituída…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório e ainda a prova testemunhal valorada da forma seguinte:
As testemunhas arroladas pelo oponente depuseram de forma coerente e credível e todas elas referiram a prática de actos de gestão por parte do oponente.
A testemunha Alberto ……….., TOC, que foi contabilista da empresa desde o inicio disse que o oponente assinou cheques da SDO, inclusivamente para pagamentos à Segurança Social e que o Luís ………….. pediu aos revertidos (oponente e seu sócio) para o despedirem, facto do qual teve conhecimento através dos revertidos.
A testemunha Maria …………… que foi funcionária da SDO disse que o seu salário era pago através de cheque assinado pelos revertidos e que as faltas, férias e atrasos ao serviço eram sempre tratadas com os 3.
A testemunha Gil ……….., TOC, disse que foi entrevistado para o emprego na SDO pelo Luís ...........e que era a este que falava sobre a gestão da tesouraria, mas acrescentou que as decisões referentes à SDO eram tomadas pelos revertidos, com o conhecimento e apoio do Luís ……………. e que o ponto da situação diária da SDO era entregue por si, diariamente, aos 3. Mais disse, que as férias, faltas, dispensas e atrasos ao serviço eram tratadas com os 3. A testemunha disse ainda que os revertidos tinham conhecimento quer da situação dos atrasos nos pagamentos ao Estado quer da sua gravidade.
A testemunha Lúcia …………. disse que o Luís …………. não lhe dava ordens ou instruções, mas era ele quem decidia o que ela podia comprar de material de escritório e que o Luís ………… dava pelo menos o aval a todas as decisões da empresa.
Portanto, as testemunhas que depuseram de forma coerente e credível atestaram que a gestão efectiva da SDO era realizada pelo oponente, conjuntamente com o sócio Daniel Ferreira e o Director Financeiro Luís ………... O Luís ………… apesar de ter muito poder na SDO, geria a parte financeira da mesma, nomeadamente, por ter formação profissional nessa área, mas os revertidos eram os patrões da empresa, quem tinha a última palavra nas decisões atinente à sua gestão e praticaram, por isso, inúmeros actos de gestão, que foram referidos pelas testemunhas, como celebrar contratos com clientes, pagar aos funcionários, fazer pagamentos ao Estado de impostos, decidir sobre as férias, faltas e atrasos dos funcionários.
O Luís …………, a quem o oponente atribui a exclusiva gerência efectiva da SDO, não despediu um funcionário da SDO - a testemunha Alberto ……….. - quando assim o pretendeu, tendo requerido o seu despedimento aos revertidos, o que demonstra uma vez mais que estes eram os gerentes de facto daquela SDO.
Alias, o próprio documento apresentado pelo oponente (doc.16 a fls.133) para negar a prática de actos de gestão, prova exactamente o oposto, pois ali se diz que todas as decisões relacionadas com os trabalhadores, os pagamentos aos fornecedores, a aprovação de pagamentos de comissões e avaliação e discussão dos objectivos mensais da SDO serão tratadas e decididos em reuniões celebradas com os 3.
Pelo exposto, o Tribunal ficou plenamente convencido de que a gestão efectiva da SDO era exercida pelos 3.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não se revelar sem interesse para a decisão da causa…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a oposição que originou o presente processo, declarando a prescrição das dívidas exequendas referentes aos períodos de Setembro de 1999 e Abril de 2003 a Março de 2004, prosseguindo a execução quanto à dívida restante por ser legal a reversão efectuada.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância nesta parte e também o princípio da proibição da “reformatio in peius” (cfr.artº.684, nº.4, do C.P.Civil) não deve este Tribunal apreciar a sentença recorrida no trecho que considerou prescrita a dívida exequenda de contribuições e quotizações para a Segurança Social relativas a Setembro de 1999 e Abril de 2003 a Março de 2004.
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que não concorda com a sentença, por nítida contradição entre os factos dados como provados e a conclusão a tirar desses factos (cfr.conclusões 11 e 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, uma nulidade de que enferma a sentença recorrida, devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.910 e 911; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06).
No caso “sub judice”, não vislumbramos que a sentença recorrida sofra da nulidade em análise. O apelante ao invocar tal nulidade aduz que a decisão recorrida assenta na alegada contradição entre os factos dados como provados e a conclusão a tirar desses factos. Ora, da materialidade fáctica constante da sentença não decorre, necessariamente, decisão oposta ou, pelo menos, diversa da proferida. Pelo contrário, da fundamentação fáctico-jurídica da sentença (segundo cremos o recorrente discorda, essencialmente, da fundamentação jurídica) a consequência lógica é a decisão nos termos em que foi proferida. Por outras palavras, atenta a materialidade fáctica provada, entendeu-se que se verificavam os pressupostos da reversão da execução fiscal nº…………………….. e apensos contra o opoente/recorrente e que este devia considerar-se responsável subsidiário quanto ao pagamento das dívidas exequendas revertidas, dado ter exercido efectivamente a gerência da sociedade executada originária e não ter efectuado prova da falta de culpa pela insuficiência do património, em virtude do que se julgou a oposição improcedente nesta parte, sendo, pois, a decisão o corolário lógico da fundamentação.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Aduz, igualmente, o recorrente que os pressupostos legais da reversão, nos termos do artº.24, da L.G.T., impõem dois requisitos:
- O revertido ser administrador ou gerente da empresa devedora;
- Ter sido por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente ou inexistente para satisfação dos credores.
Quem exerce efectivamente a gerência de facto é passível de ser sujeito a responsabilidade solidária, e tal deve ser demonstrado por quem exerce o acto da reversão, e do mesmo modo, deve ser demonstrado que o revertido é responsável pela falta de património da empresa para liquidar a dívida executiva. Que no presente processo, a autoridade administrativa que reverteu o processo não fez qualquer prova de que o recorrente tenha exercido efectivamente a gerência do cargo no período a que as dívidas respeitam. Apenas referindo que o recorrente está inscrito como gerente no registo comercial e nada mais. Pelo que a reversão foi ilegal, pois nunca reuniu as condições legais para tal, e como tal, logo à partida, o Tribunal deveria ter reconhecido o recorrente como parte ilegítima na execução, nos termos do artº.24, da L.G.T., e artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.T. (ilegitimidade por si invocada na oposição deduzida) com as devidas consequências legais (cfr.conclusões 5 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Estudemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.272, do C.P.Civil), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
No caso “sub judice”, deve concluir-se que o fundamento de recurso ora sob apreciação (a alegada falta de fundamentação da reversão da execução contra o apelante, nos termos dos artºs.23 e 24, da L.G.Tributária) constitui questão que não foi invocada na petição inicial pelo que não pode ser agora apreciada, já que também não é de conhecimento oficioso. Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e decisão pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada.
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.
Por último, alega o recorrente que a douta sentença recorrida não poderia ter considerado o recorrente como gerente de facto da sociedade executada originária, existindo, deste modo, erro de julgamento. Que o Luís ……….. geria a empresa, era o gerente de facto da mesma, e disso retirava o respectivo benefício, pelo que, seria sempre dele a responsabilidade pelo património e pagamentos da empresa, nomeadamente impostos e Segurança Social (cfr.conclusões 2 a 4 e 12 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida mais um vício de erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Passemos ao exame do exposto erro de julgamento de direito que se reconduz à alegada falta de pressupostos para se considerar o opoente/recorrente responsável subsidiário quanto ao pagamento das dívidas exequendas revertidas, dado não ter exercido efectivamente a gerência da sociedade executada originária.
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L. G. Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.334 e 335).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L. G. Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal a que respeitam as liquidações que constituem o débito exequendo revertido, portanto contribuições e cotizações devidas à Segurança Social, dos anos de 1999 a 2006 (cfr.nº.1 da matéria de facto provada).
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social (cfr.Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.).
O prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário (cfr.artºs.46 e 47, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.59, nº.1, da Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela lei 4/2007, de 16/1; artº.42, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
Às contribuições/quotizações para a segurança social, as quais se devem considerar verdadeiros impostos (cfr.Nazaré da Costa Cabral, ob.cit., pág.83; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/2/2011, proc.4395/10), aplica-se o princípio da responsabilidade subsidiária consagrado no artº.24, da Lei Geral Tributária (cfr.anteriormente o artº.13, do C. P. Tributário).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.351).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C. P. C. Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C. P. Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L. G. Tributária, o aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L. G. Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção actual introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.142 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.342 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b) do artº.24, da L. G. Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
“In casu”, conforme se retira da própria matéria de facto provada, o regime no qual se funda a sua responsabilidade pelas dívidas sociais é o previsto na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, desde logo porque o opoente/recorrente exercia funções de gerência da sociedade (SDO) “D………… - Representações, Lda.”, enquanto, sucessivamente, ocorreu o termo final de pagamento das dívidas à Segurança Social que constituem objecto do processo de execução fiscal nº………………… e apensos pelo que, o ónus da prova inverte-se contra si, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias em causa (cfr.nºs.8, 35 e 36 da matéria de facto provada).
A sentença recorrida conclui que o oponente não logrou demonstrar que não exerceu de facto e efectivamente a gerência da sociedade executada originária, em consequência do que julgou a oposição improcedente.
Com este fundamento do recurso o opoente/recorrente pretende fazer prova do contrário.
Analisando, agora, a matéria de facto provada (cfr.nºs.11, 13 e 28 a 32 da matéria de facto provada), deve concluir-se que o opoente/recorrente exerceu efectivamente funções de gerência da sociedade executada originária. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de administração (cfr.v.g.assinatura de cheques), tal como actos de representação (cfr.v.g.oponente angariou clientes e celebrou contratos com clientes), da sociedade “D…………… - Representações, Lda.”, fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
Concluindo, quanto às dívidas exequendas revertidas não logrou o opoente/recorrente fazer prova de que não exerceu funções de gerência de facto da sociedade executada originária, igualmente não tendo, sequer, tentado fazer a mera contraprova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das mesmas. Não fazendo tal contraprova, deve considerar-se improcedente também este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal nº…………………… e apensos o apelante quanto às dívidas exequendas revertidas e não prescritas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre dos vícios que lhe são assacados pelo apelante, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 6 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)