Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:248/17.9BEFUN
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:08/29/2018
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:MERCADO MUNICIPAL
BENS DO DOMÍNIO PRIVADO MUNICIPAL
Sumário:1. Para atribuição de direitos de exploração do s...... 12 destinado a actividade comercial no M…. M… dos Lavradores cabe ter em linha de conta o disposto na Lei 75/2013, 12.09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais - RJAL) e no DL 10/2015, 16.01 (Regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração - RJACSR).

2. Sendo certo que em matéria de enumeração específica dos bens do domínio público regional os Estatutos Político-Administrativos das regiões autónomas nada definem, cabe aplicar o disposto na Lei 75/2013, 12.09 (RJAL) e no DL 10/2015, 16.01 (RJACSR), concluindo no sentido de que o Mercado dos Lavradores constitui um bem do domínio privado do Município do Funchal.

3. Compete a integração no domínio privado municipal na medida e que “(..) a aplicação de um (certo) regime de dominialidade só tem sentido até onde se justificar a garantia da função pública determinante da dominialização desse bem. (..)” (Ana Raquel Moniz, Domínio público local: noção e âmbito, in Domínio Público Local, Junho/2006 CEJUR pág. 22).

4. Nos termos do artº 67º nº 3 DL 10/2015, 16.01, o m….. m…. desempenha funções de abastecimento das populações e de escoamento da pequena produção agrícola, à semelhança da actividade económica desenvolvida por qualquer estabelecimento privado de comércio a retalho de bens alimentares, na forma de grande superfície comercial, vulgo “centro comercial”, o que não configura nenhuma função pública.

5. Em matéria de competência, deve o município “criar, construir e gerir instalações … de distribuição de bens e recursos físicos integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal” [artº 33º nº 1 al. ee) Lei 75/2013] e assegurar a respectiva gestão, v.g. das lojas que constituem o m…. do municipal, entendendo-se por lojas (ou s......s) os “locais de venda autónomos, que dispõem de uma área própria para exposição e comercialização dos produtos” [68º a) DL 10/2015], com base em regulamento interno que determine os critérios de atribuição dos espaços de venda do mercado aos particulares interessados segundo os princípios da concorrência – o mesmo é dizer, no caso concreto e atento o artº 17º do programa do procedimento concursal, segundo as regras vigentes no Código dos Contratos Públicos.

6. Consequentemente, de harmonia com o bloco normativo citado, o exercício económico de comércio a retalho nas lojas do M…. dos Lavradores constitui uma actividade de natureza privada, a exercer pelos operadores económicos interessados em concorrer em mercado aberto e concorrencial para a atribuição dos espaços de venda (nomeadamente os locais de venda autónomos denominados de lojas) do dito M…., cuja gestão compete ao Município por determinação expressa de lei, sem prejuízo de delegação de competência na Freguesia (71º DL 10/2015).

7. O que significa que o contrato de atribuição do s...... (loja) nº 12 no M… M… dos Lavradores tem por objecto o exercício de uma actividade materialmente privada, que não está reservada ao sector público, actividade a exercer num imóvel integrado no domínio privado municipal, pelo que configura um contrato de concessão do direito de exploração de actividade comercial a exercer no mencionado s...... (loja) nº 12 no M… M… dos Lavradores.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: 248/17.9BEFUN

O Município do Funchal, inconformado com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez uma incorrecta aplicação do Direito aos factos indiciariamente provados, senão vejamos;
2. Com o presente processo cautelar, a recorrida vem peticionar a suspensão da eficácia da decisão de adjudicação, praticado no âmbito do concurso público para a atribuição do direito da exploração do s…. número 12 localizado no M…..do M…. dos Lavradores.
3. Esta decisão de adjudicação foi praticada no procedimento nº …./2017, cabendo assim no âmbito da previsão do contencioso pré-contratual regulado nos arts. 100°e ss. do CPTA.
4. Dado que compete aos Municípios criar, construir e gerir instalações, equipamentos, e serviços integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal, como é o caso dos mercados municipais, de acordo com a alínea ee) do artigo 33º, nº l do anexo I da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro.
5. Por sua vez o Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de janeiro contem um conjunto de normas sobre mercados municipais (artigos 67º a 73º) que definem as responsabilidades de gestão e administração desses espaços pelos Municípios.
6. Pelo que a relação contratual em causa, tem a ver com um serviço equiparado a serviço público.
7. Razão pela qual o procedimento e o contrato em causa nos autos enquadram-se na previsão do artigo 100°, nº l do CPTA.
8. No âmbito do referido regime previsto nos artigos 100º a 103º- B do CPTA, a acção principal apenas pode ser proposta no prazo de um mês a contar da notificação (artigo 101.° do CPTA).
9. Deste modo, tendo sido a recorrida notificada no dia 14 de julho de 2017, da decisão de adjudicação que pôs termo ao procedimento nº …./2017 e não tendo sido intentado no prazo de um mês o processo de contencioso pré-contratual com vista à impugnação da mesma, caducou o direito de acção em relação a essa decisão.
10. Não sendo já legalmente admissível o processo principal, por ultrapassado o prazo limite imposto, caducou igualmente o direito a propor qualquer providência cautelar,
11. Se assim se não entender, hipótese que só é ventilada para facilitar o raciocínio pelo absurdo, sempre se dirá que não existe no presente caso qualquer dano causado à recorrida pela recusa do decretamento desta providência cautelar digno da tutela do Direito.
12. Os danos que a recorrida sofreria com a execução do ato cuja suspensão é peticionada, são a perda da continuidade de um negócio de venda de flores, exercido através de uma estrutura familiar, que aconteceria com a quebra de um projecto de continuidade na actividade do S…. 12 de uma sociedade detida pelo marido da requerente, para uma sociedade detida pela requerente ora recorrida.
13. Todavia o do nº 4 do artigo 80º por remissão do artº 72º do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de janeiro determina que a atribuição destes espaços de venda não pode prever condições mais vantajosas para o feirante cuja atribuição de lugar tenha caducado ou para quaisquer pessoas que com este mantenham vínculos de parentesco ou afinidade.
14. Perante os termos desta norma facilmente se constatará que o dano que o Tribunal a quo considerou de uma densidade superior ao interesse público prosseguido pelo recorrente viola frontalmente a Lei.
15. Dito de outro modo, a decisão de decretamento desta providência cautelar não pode ter como fundamento a continuidade de um negócio de venda de flores num mercado municipal através de uma estrutura familiar.
16. Uma vez que esse facto viola o n.° 4 do artigo 80.° por remissão do art.º 72 do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de janeiro.
17. Por outro lado o recorrente segundo critérios de racionalidade económica e de boa- gestão financeira´4 escolheu a melhor proposta para esse s...... em cumprimento das regras deste concurso.
18. O decretamento desta providência implica o não recebimento pelo recorrente do montante mensal constante da proposta do Contra-interessado J………., ou seja, €505,10, pelo prazo de 10 anos.
19. Assim sendo, o deferimento deste processo cautelar até ao proferimento da sentença na causa principal será susceptível de gerar prejuízos para o interesse público mais amplos e relevantes do que a lesão para os interesses de natureza privado da recorrida.
20. Por conseguinte, e uma vez que não estão reunidos os pressupostos para a concessão desta providência cautelar, tem esta de ser julgada improcedente.
21. A sentença recorrida violou o nº l, do artigo 100, o artº 101°, a alínea a) do nº l do artigo 123º e o n° 4 do artigo 132º do CPTA, assim como violou o nº 4 do artigo 80º do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de janeiro.
Por tudo o que ficou dito e pelo muito que será suprido deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

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A A e ora Recorrida C………., por si e em representação da sociedade J..... R.... Unipessoal, Lda., contra-alegou sustentando a bondade do decidido.

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Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Em 09/03/2017 foi publicado em Diário da República, nº 49, Parte L - Contratos Públicos, o anúncio de procedimento nº …../2017, referente ao concurso público para atribuição de direitos de exploração de diversos espaços destinados a actividade comercial nos M..... do M...... dos Lavradores e da Penteada.
2. O S...... 12 do M… dos Lavradores tem por objecto a actividade de venda de flores e tem o preço base de €175,00.
3. O critério de adjudicação do procedimento concursal referido em 1. supra é o da proposta economicamente mais vantajosa .
4. A Requerente apresentou uma proposta na qualidade de representante legal da sociedade J..... R.... -Unipessoal, Lda., no concurso público referido em 1. supra, corno valor de €405,00.
5. J…….. apresentou urna proposta no concurso público referido em 1. supra, com o valor de €505,10.
6. Do relatório final referente ao procedimento de concurso público referido em 1. supra, consta:

MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Relatório final
Atribuição do direito de exploração do s...... número 12, M…. dos Lavradores
Ao primeiro dia do mês de junho de dois mil e dezassete, reuniu o júri para, nos termos do disposto do artigo 148º do Código dos Contratos Públicos, elaborar o relatório final da análise das propostas apresentadas para o s...... nº 12 do M…….. dos Lavradores no âmbito do concurso público para a "Atribuição de direitos de exploração dos diversos espaços destinados a atividade comercial nos mercados municipais dos Lavradores e da Penteada". Apresentaram-se a concurso os seguintes concorrentes:
S...... 12
Nº de entrada Concorrente Preço base Valor proposta
1 B………………………… € 175,00 € 250,00
2 J…………………………. € 175,00 € 308,00
3 C……………………….. €175,00 € 405,00
4 J…………………………. € 175,00 € 206,50
5 M………………………… € 175,00 € 575,10
6 J…………………………. € 175,00 € 505,10

Efetuada audiência prévia, o representante legal da concorrente C………, classificada em terceiro lugar, apresentou, em sede de audiência prévia, reclamação com o registo de entrada número 24…., datada de 25 de maio de 2017, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.
Alega, em suma, que no ato público de abertura das propostas para o s...... 12 do M… dos Lavradores não constava a existência das duas propostas que aparecem classificadas em primeiro e segundo lugar no relatório preliminar deste s...... 12,;


MUNICIPIO DO FUNCHAL
Factualmente, em parte, assiste razão à reclamante o que não acontece do ponto de vista jurídico.
Aquando do momento específico da abertura das propostas para o s...... 12 não foram abertas as propostas dos concorrentes M…… e J…… porque estas já tinham sido abertas, sem que o júri se tivesse apercebido, no momento da abertura das propostas para a loja 12 do M…… dos Lavradores.
Aquando da entrega destas propostas as mesmas foram, erradamente, juntas e registadas como sendo propostas referentes à loja 12 do M…. dos Lavradores, o que se pode constatar pelas folhas de registo de entrega das propostas desta loja,
Destas folhas constam, com os números 7 e 8 de registo, s data e hora cia entrega das propostas bem como a rubrica de quem entregou e de quem as recebeu, conforme se pode constatar pelas cópias juntas, Anexo L
Aquando da notificação do relatório preliminar os concorrentes acima referidos alertaram o júri de que não tinham apresentado propostas para a loja 12 mas sim para o s...... 12, o que veio a ser constatado pelo júri, quer pelo rosto dos envelopes quer peio conteúdo das propostas.
Assim, o júri ratificou o relatório preliminar da loja 12 e, aquando da análise e elaboração do relatório preliminar do s...... 12, incluiu-as no seu lugar e ordenação corretos.
O júri ao assim proceder pautou-se por critérios de estrita legalidade, transparência, igualdade e defesa da concorrência, tanto mais que as propostas foram efetívamente abertas no ato público de abertura das propostas apresentadas ao concurso público para "Atribuição de direitos de exploração de estabelecimentos/espaços localizados nos m…. m….. dos Lavradores e da Penteada".
O júri atuou no estrito cumprimento da lei e defesa da verdade, não violando qualquer norma jurídica ou princípio referido no número 4 do artigo l,° do CCP pelos quais se pauta a contratação pública,
Nestes termos o júri deliberou negar provimento à reclamação, propor a admissão de todas as propostas e manter a sua ordenação, conforme o quadro abaixo indicador.

MUNICÍPIO DO FUNCHAL

Classificação Concorrente Valor adjudicação/€
1º M………………………………….. € 575,10
2º J…………………………………… € 505,10
3º C…………………………………… € 405,00
4º J……………………………………. € 308,00
5º B…………………………………… € 250,00
6º J…………………………………… € 206,50
Deliberou ainda o júri propor a adjudicação da "Atribuição do direito de exploração do s...... número 12 do M…… dos Lavradores" à concorrente classificada: em primeiro lugar M…., pelo valor mensal de € 575,10 (quinhentos e setenta e cinco euros e dez cêntimos), acrescido de JVA, à taxa em vigor, quando devido e 10% a título de despesas de condomínio.
Todas as deliberações do júri foram tomadas por unanimidade.
O júri (três assinaturas) (..)”.
7. Em 08/06/2017 a Entidade Requerida adjudicou a proposta apresentada pelo concorrente M……., pelo valor mensal de €575,1 0.
8. Em 10/07/2017 a Entidade Requerida determinou a caducidade da adjudicação a M….. com fundamento na não apresentação dos documentos de habilitação e caução no prazo estabelecido para o efeito.
9. Em 13/07/2017 a Entidade Requerida adjudicou a proposta do concorrente J…….., pelo valor mensal de €505,10.
10. No m….. dos Lavradores existem lojas e s......s vagos e sem actividade.
11. O S...... 12 encontra-se em funcionamento e tem uma clientela de longa data.
12. O S...... 12 é actualmente explorado pela sociedade B… - Florista Unipessoal, Lda., da propriedade do marido de C………..
13. A Requerente tem um projecto de continuidade na actividade desenvolvida no S...... 12.

FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos alegados com relevância para a decisão da causa a dar como não provados.
Consigna-se que não foi tomada em consideração a demais matéria alegada por esta integrar factos inócuos para a decisão da causa ou não integrar facto s, mas antes meras conclusões, juízos de direito e considerações subjectivas.



DO DIREITO


a. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

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No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trta-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” ( Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC. ( Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

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Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. ( Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.

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No caso concreto, o Recorrente pede a prolação de Acórdão pela Conferência.
O que significa que, conforme regime supra exposto, cabe conhecer do mérito do recurso tendo por objecto o fixado pelas conclusões do Recorrente e mantendo-se a posição processual do Recorrido no âmbito das respectivas contra-alegações.
Ou seja, em via da reclamação deduzida, cumpre reapreciar as questões suscitadas em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento de mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.


b. concessão do direito de exploração de actividade comercial;

Nos itens 1 a 10 das conclusões de recurso vem assacada a sentença de incorrer em erro de julgamento por referência ao regime de contencioso pré-contratual urgente aplicável aos procedimentos relativos à formação dos tipos contratuais enunciados no artº 100º nº 1 CPTA e, consequentemente, abrangidos pelas Directivas da EU em matéria de contratação pública (empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos e aquisição e locação de bens móveis e de aquisição de serviços).
Sustenta o Recorrente a extinção da instância cautelar com fundamento no decurso do prazo de propositura da acção principal prescrito no artº 101º CPTA no tocante à impugnação do acto de adjudicação em sede de procedimento de formação de um contrato de concessão de serviço público.
Todavia, de acordo com o probatório, especificamente itens 1 e 6, o procedimento concursal foi aberto para a "Atribuição de direitos de exploração dos diversos espaços destinados a atividade comercial nos m….. m…. dos Lavradores e da Penteada", sendo que o tipo contratual em causa não configura um contrato de concessão de serviço público, mas um contrato de concessão do direito de exploração do s...... nº 12 do M…. dos Lavradores.

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No direito positivo, a matéria das concessões foi integrada no CCP, importando ao caso o disposto no artº 407º nº 2 (concessão de serviços públicos) e 408º (aplicação subsidiária do regime concessório à concessão de exploração de bens do domínio público).

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Como nos diz a doutrina da especialidade, “(..) o serviço público enquanto tarefa ou actividade refere-se .. a uma tarefa administrativa, a uma actividade de que a Administração é titular e por cujo exercício é responsável (responsabilidade de execução) … o serviço público traduz uma actuação administrativa de carácter positivo… de natureza técnica … e não jurídica (actos jurídicos) que satisfaz, directa ou indirectamente, necessidades colectivas dos indivíduos (..)”
Sendo que “(..) a figura [da concessão] se presta a duas aplicações fundamentais: na atribuição de um direito de utilização privativa de bens públicos e na atribuição do direito de exploração, gestão ou exercício de actividades públicas (..)” convindo “(..) acentuar que o direito sobre a actividade de serviço público objecto da concessão tem de pertencer à entidade concedente (..)”
Neste quadro, “(..) são dois os pressupostos da concessão de serviços públicos: a titularidade administrativa de uma actividade de serviço público e a habilitação legal para proceder à respectiva concessão a outra entidade (..)”. ( Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 36/37, 55, 108/109.)
Continuando com o Autor que vimos seguindo, “(..) a concessão administrativa é uma figura unitária com duas distintas aplicações: a concessão é um acto jurídico que tanto pode atribuir o direito de exercer uma actividade pública como o direito de utilizar um bem público ...
(..) nas concessões do primeiro tipo está em causa o exercício de uma actividade pública, isto é, de uma actividade que a lei confiou à Administração; nas concessões do segundo tipo, está em causa a utilização de um bem público (..) num caso (actividades), a concessão possui uma patente dimensão organizatória … noutro (bens), a dimensão organizatória não existe salientando-se antes, em geral, a função de atribuição (em vez de colaboração) …
(..) Outro âmbito importante de aplicação da técnica concessória é o que se relaciona com a atribuição de direitos de gerir actividades que não são públicas, mas que, por estarem conexas com bens públicos, não podem ser exercidas por qualquer pessoa.
Estão, portanto, aqui em causa actividades materialmente privadas que, quando exercidas em certos locais (bens públicos), a lei reserva à Administração: é o que se verifica, por exemplo com a actividade … das concessões de áreas de serviço nas vias de comunicação e estradas integradas na rede rodoviária nacional, que, além do mais, atribuem ao concessionário o direito de “explorar” a área de serviço, pres......o serviços aos utentes. Também aqui, a concessão tem por objecto actividades (v.g., de restauração) que não estão reservadas ao sector público. (..)” ( Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 85, 97/98.)

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Aplicando a doutrina exposta ao caso do concurso público para atribuição de direitos de exploração do s...... 12 destinado a actividade comercial no M…. M… dos Lavradores – itens 1 e 6 do probatório – cabe ter em linha de conta o disposto na Lei 75/2013, 12.09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais - RJAL) e no DL 10/2015, 16.01 (Regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração - RJACSR).
Nomeadamente, no tocante às seguintes matérias:
(i) instalação de m….. municipais (artº 67º nº 2),
(ii) atribuição da competência de gestão do m…. municipal ao município (artº 71º)
(iii) organização dos m…. municipais em lojas, bancas e terrados (artº 68º a) – lojas)
(iv) regulamento interno para efeito de fixação das condições de admissão dos operadores económicos de comércio a retalho e critérios de atribuição dos espaços de venda no m….. municipal [artºs 70º nºs. 1 e 2 a), 72º e 80º nº 1 a) e nº 4].
Em linha com a remissão para a lei ordinária nos termos do artº 84º nº 2 CRP e sendo certo que em matéria de enumeração específica dos bens do domínio público regional os Estatutos Político-Administrativos das regiões autónomas nada definem, cabe aplicar o disposto na Lei 75/2013, 12.09 (RJAL) e no DL 10/2015, 16.01 (RJACSR), concluindo no sentido de que o M….. dos Lavradores constitui um bem do domínio privado do M….. do Funchal.
E integramo-lo no domínio privado municipal na medida e que “(..) a aplicação de um (certo) regime de dominialidade só tem sentido até onde se justificar a garantia da função pública determinante da dominialização desse bem. (..)” ( Ana Raquel Moniz, Domínio público local: noção e âmbito, in Domínio Público Local, Junho/2006 CEJUR pág. 22.)
No caso, nos termos do artº 67º nº 3 DL 10/2015, 16.01, o m….. municipal desempenha funções de abastecimento das populações e de escoamento da pequena produção agrícola, à semelhança da actividade económica desenvolvida por qualquer estabelecimento privado de comércio a retalho de bens alimentares, na forma de grande superfície comercial, vulgo “centro comercial”, o que não configura nenhuma função pública.
Em matéria de competência, deve o município “criar, construir e gerir instalações … de distribuição de bens e recursos físicos integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal[artº 33º nº 1 al. ee) Lei 75/2013] e assegurar a respectiva gestão, v.g. das lojas que constituem o m…. m…., entendendo-se por lojas (ou s......s) os “locais de venda autónomos, que dispõem de uma área própria para exposição e comercialização dos produtos [68º a) DL 10/2015], com base em regulamento interno que determine os critérios de atribuição dos espaços de venda do mercado aos particulares interessados segundo os princípios da concorrência – o mesmo é dizer, no caso concreto e atento o artº 17º do programa do procedimento concursal, segundo as regras vigentes no Código dos Contratos Públicos.
Consequentemente, de harmonia com o bloco normativo citado, o exercício económico de comércio a retalho nas lojas do M….. dos Lavradores constitui uma actividade de natureza privada, a exercer pelos operadores económicos interessados em concorrer em m….. aberto e concorrencial para a atribuição dos espaços de venda (nomeadamente os locais de venda autónomos denominados de lojas) do dito Mercado, cuja gestão compete ao Município por determinação expressa de lei, sem prejuízo de delegação de competência na Freguesia (71º DL 10/2015).

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O que significa que o contrato de atribuição do s...... (loja) nº 12 no M….. M…. dos Lavradores tem por objecto o exercício de uma actividade materialmente privada, que não está reservada ao sector público, actividade a exercer num imóvel integrado no domínio privado municipal, pelo que configura um contrato de concessão do direito de exploração de actividade comercial a exercer no mencionado s...... (loja) nº 12 no M…. M…. dos Lavradores.


c. acção administrativa comum – extinção do processo cautelar;

Neste sentido, o contrato visado pelo procedimento a que se reportam os itens 1 e 6 do probatório exorbita dos tipos contratuais enunciados no artº 100º nº 1 CPTA (empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos e aquisição e locação de bens móveis e de aquisição de serviços) abrangidos pelo regime de contencioso pré-contratual em matéria de prazo de caducidade do direito de acção em contexto de urgência (um mês, artº 101º CPTA) para a propositura da acção de impugnação dos actos pré-contratuais eivados de nulidade ou anulabilidade e de condenação à prática dos actos devidos, nos procedimentos pré-contratuais abrangidos pela Directiva recursos dos sectores gerais (89/665/CEE) quanto aos contratos referidos nas Directivas 2014/24/UE e 2014/23/EU (concessões de obras e de serviços).
Na circunstância dos autos, por disposição do programa do procedimento (artº 17º PP) é observável o regime pré-contratual do CCP; mas, os litígios que envolvam actos administrativos pré-contratuais têm como meio próprio impugnatório a acção administrativa comum cujo prazo de propositura (três meses) se mostra estabelecido no artº 58º nº 1 b) CPTA e não o regime específico em contexto de urgência do artº 100º e ss do CPTA.
Como se afirma em sede de sentença, do ponto de vista adjectivo o caso dos autos é regulado pelo disposto nos artºs. 37º e sgs. em sede de acção principal e 132º na acção cautelar, ambos do CPTA.

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De modo que sendo inaplicável o regime contencioso pré-contratual em contexto de urgência, também não se verifica o pressuposto da extinção do processo cautelar por verificação da excepção dilatória da caducidade do direito de acção (artº 89º nº 3 al. k) ex vi artº 123º nº a c), CPTA) reportada à inobservância do prazo substantivo (um mês) de propositura da acção de contencioso pré-contratual consignado no artº 101º CPTA, conforme já exposto.
Nestes termos, improcede a questão trazida a recurso nos itens 1 a 10 das conclusões.


d. ponderação dos danos em presença – juízo de probabilidade – concessão da providência;

Nos itens 11 a 20 das conclusões o Recorrente assaca a sentença de erro de julgamento em matéria de ponderação de danos, na medida em que “não existe no presente caso qualquer dano causado à recorrida pela recusa do decretamento desta providência cautelar digno da tutela do Direito” pelo que o Tribunal a quo errou ao “consider(ar)ou de uma densidade superior ao interesse público prosseguido pelo recorrente”.

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No domínio do artº 132º nº 4 CPTA, diz-nos a doutrina que “(..) a decisão sobre a concessão da providência depende do juízo que o tribunal formule sobre se, uma vez ponderados os interesses em presença, for de entender que os danos que resultariam da providência são superiores ou inferiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção: naturalmente, a providência será concedida se os danos que dela resultarem se mostrarem inferiores aos prejuízos que poderiam resultar da sua não adopção e será recusada na hipótese inversa. (..)” ( Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, 4ª ed. Almedina/2017, pág. 1051.)
Na circunstância dos autos, do lado da Recorrida, os prejuízos decorrentes do não decretamento da suspensão da eficácia da adjudicação ao segundo classificado por caducidade da adjudicação ao primeiro classificado, materializam-se na perda de prossecução do negócio de venda de flores no s...... nº 12 do M…… M….. do Funchal.
Releva aqui o facto de conhecimento geral que a actividade comercial de venda de flores naquela cidade do Funchal é lucrativa, posto que releva não só a clientela residente como também a clientela proveniente do turismo; portanto há aqui não só uma quebra de proveitos comerciais e quebra de clientela, resultantes do período de espera pelo trânsito em julgado da acção principal.
Do lado do Recorrente, os prejuízos são computados na perda de receita mensal de € 505,10 da autarquia, valor da proposta adjudicada ao segundo classificado.
Os danos na esfera jurídica do Município Recorrente - menos € 505,10 de receita mensal pelo s...... nº 12 do m….. m…. dos Lavradores - são claramente inferiores aos danos na esfera jurídica da Recorrida – perda de receita comercial e de clientela inerente ao negócio de venda de flores no dito s...... nº 12 do m….. m….. dos Lavradores. .
De modo que, pelas razões expostas, improcede a questão trazida a recurso nos itens 11 a 20 das conclusões.





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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.


Lisboa, 29.AGO.2018


(Cristina dos Santos) …………………………………………..

(Carlos Araújo) ………………………………………………..

(Cristina Flora) …………………………………………………



(1) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.
(2) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.
(3) Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.
(4) Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 36/37, 55, 108/109.
(5) Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 85, 97/98.
(6) Ana Raquel Moniz, Domínio público local: noção e âmbito, in Domínio Público Local, Junho/2006 CEJUR pág. 22.
(7) Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, 4ª ed. Almedina/2017, pág. 1051.