Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05666/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
PRESUNÇÃO DE GERÊNCIA.
PROVA.
Sumário:1.Da nomeação para gerente (gerente de direito) de uma sociedade, resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade, cuja base será completada com a prova do exercício do acervo de parte ou da totalidade das correspondentes funções;

2. Tendo o gerente nomeado e por conta do exercício das mesmas funções, apenas intervindo numa escritura de compra e venda de um prédio, por continuar a figurar como gerente nomeado, mas não se inserindo tal acto numa actividade continuada, antes se tratando de um acto isolado, onde se prova que o mesmo se mantinha apartado da actividade que normalmente é praticada pelos gerentes na prossecução do objecto social e das deliberações dos sócios, é de não caracterizar o mesmo como gerente efectivo ou de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, (doravante, IGFSS), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por António ……………, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem, subordinadas às seguintes alíneas:


A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferido a fls.. dos presentes autos, nos termos do qual o Tribunal a quo determinou a oposição judicial por provada considerando parte ilegítima o recorrido.
B) O recorrente considera que douta sentença incorre em erro de julgamento quanto o matéria de facto, ao dar como provado que o oponente ora recorrido não exerceu a gerência efectiva na devedora originária nos períodos que constam dos títulos executivos que servem de base à presente execução.
C) O douto Tribunal a quo formou a sua convicção na prova testemunhal em prol do documental.
D) No caso sub júdice foram nomeados gerentes à data da constituição da sociedade S …………….. - A. ……………………… (Automóveis) Lda., o recorrido, Carlos ……………… e Manuel ………………….
E) A devedora originária vinculava-se com o assinatura de dois dos seus gerentes ou com a assinatura de um ou mais mandatários da sociedade.
F) O recorrido alega que, em 17 de dezembro de 1979, outorgou um instrumento público a favor de Manuel ……………….. e Carlos ………………………… nos quais delegou todos os seus poderes de gerente da sociedade e que, em 16 março de 1983 outorgou nova procuração a favor de Manuel ………………………….
G) Em 21 de abril de 1982, foram designados gerentes da devedora originária, Carlos ……………….., Manuel ………………………., o recorrido e Fernando ………………………………, vinculando-se o sociedade com o intervenção de qualquer dos gerentes Carlos …………………., António ………………….. e Fernando …………………………… ou por um ou mais mandatários da sociedade.
H) Por respeito ao princípio da pessoalidade, a gerência não é transmissível por acto entre vivos, a não ser para a prática de determinados actos ou categorias de actos, nos termos do art.º 252.º n.º4 e 5 do Código dos Sociedades Comerciais.
I) O Sr. Manuel ………………………….. vem afirmar que nunca exerceu a gerência da devedora originária aliás fundamento arguido em sede oposição judicial.
J) O Sr. Fernando ………………………….., também deduziu oposição Judicial.
L) O Sr. Carlos …………………………… é o único gerente que não contesta o exercício desse cargo na sociedade durante o período do incumprimento contributivo.
M) A sociedade, à data do incumprimento contributivo vinculava-se com duas assinaturas.
N) A douta sentença enferma de erro de julgamento ao considerar que o recorrido deixou de praticar actos de gerência a partir de março de 2002.
O) Em 29 de dezembro de 2005, o recorrido celebrou uma escritura pública de compra e venda que consubstancia a prática de um acto de gerência efectiva, não isolado como parece crer o douto Tribunal o quo, mas sim no exercício e investido dos poderes de representação da devedora originária.
P) As partes que outorgaram a escritura de compra e venda do imóvel, propriedade da devedora originária fizeram-no com legitimidade e com poderes para o acto.
Q) O douto Tribunal a quo desvalorizou a prova documental produzida pelo exequente, ora recorrente que lhe legitimava o direito à reversão da execução fiscal contra o recorrido.
R) Constituem actos de gerência os que são praticados em representação da sociedade e que a vinculam, e que só os gerentes ou as pessoas em que as pessoas deleguem poderes para tanto o podem praticar.
S) A alienação de uma imóvel pertença da sociedade traduziu-se num ato de disposição e administração.
T) É unânime considerar que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando actos que produzem efeitos na esfera jurídica desta e não na sua própria.
U) São os gerentes de facto que vinculam a sociedade, em actos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade nos termos do art. 260 n.º4 do Código das Sociedades Comerciais.
V) A lei não exige, que os gerentes para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade exerçam uma administração de forma continuada, apenas exige que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade exercitando dessa forma a gerência de facto.
X) No caso sub júdice, existe a designação de três gerentes, ora não bastava ao recorrido vir alegar a sua ausência das instalações da sociedade, porque interveio em vários momentos da sua gestão.
Z) Não atendeu o douto tribunal a quo à prova testemunhal quando pelo Sr. Rogério ……………………… afirmou que o recorrido «...ia às reuniões dos sócios;» e que nessas reuniões foi dito que existia dívida à segurança social.
AA) No depoimento do Sr. Fernando ………………………., foi mencionado que «quem estava a representar a S …………….. era o Sr. Fernando ………….. e o Sr. Alves …………………. Esta situação foi discutida em a assembleia e foi decido que eles representariam a sociedade S …………….., o Sr. Pedrosa e o Sr. Alves ……….. sabiam que estavam a vender um bem da S ………………...»
BB) Não valorou o douto tribunal estes depoimentos que indicam claramente, e porque se estava perante uma empresa familiar, que a recorrido acompanhava e participava nos destinos que eram dados à sociedade.
CC) O Tribunal a quo considerou o depoimento da testemunha Luís ………….. convincente. Dirá o recorrente que o mesmo veio aclarar toda a matéria que se dirimia deixando de forma inequívoca que o recorrido encontrava-se de saúde, houve sim zangas familiares, que levaram ao seu afastamento das instalações da sociedade.
DD) E, que ele tinha conhecimento das dívidas à Segurança Social, e isso sim levou a que a sua saúde piorasse.
EE) Não pode o douto Tribunal o quo deixar de tomar em convicção que os gerentes de facto e de direito tem acesso a toda a realidade económica e fiscal em que a sociedade se encontra inserida e caso não lhe seio facultada essa informação, tem mecanismos legais ao seu dispor.
FF) No caso em apreço foi sem duvida um desinteresse manifestado pelo recorrido na condução dos destinos da sociedade após zangas familiares.
GG) Da análise efectuada à prova testemunhal produzida em sede audiência resulta um evidente articulado de factos direccionados para a desculpabilização do recorrido pela sua ausência por doença e como tal não revela gestão de facto.
HH) Mas é evidente que o Tribunal a quo não formou a sua convicção em todas as provas produzidas e não encetou diligências a fim de as dúvidas que poderiam ter ficado por solucionar fossem esclarecidas.
II) Existiu omissão de pronúncia por parte do douto Tribunal e consequente considerou tal facto irrelevante para efeitos de formação da sua convicção para decidir, a renúncia à gerência por parte do recorrido apenas em 29 de junho de 2007.
JJ) Decorre dos depoimentos das testemunhas Rogério ………………. e Manuel …………………………….. que em assembleias da empresa foi comunicada a existência de dívida à Segurança Social.
LL) Ora, estando presente o recorrido, não deixou o mesmo de ter conhecimento do contexto em que se encontrava inserida a situação económica e financeira da executada, nomeadamente a existência de dívidas.
MM) E, não nos afastando do depoimento da testemunha Luís ……………………………. que afirma «Ele só ficou pior quando soube da penhora das Finanças em 2007. Ele só soube da dívida em 2007»
NN) Foi este o momento em que o recorrido considerou que tinha que renunciar à gerência e como tal redigiu a carta que se encontra a instruir os autos.
OO) Para quem não efectiva quaisquer poderes de gestão e administração desde 2002 até 2007, só nesta altura lançar mão da renúncia é deveras estranho.
PP) O art.258.º n.º 1 do CSC, consagra que a renúncia só se torna efectiva oito dias depois da sua comunicação, sendo que esta é obrigatoriamente sujeita a registo nos termos do art. 3.º n.º1 alínea m) do Código de Registo Comercial.
QQ) De harmonia com o disposto no artigos 166.º do CSC art.3 n.º1 alínea m); 14 n.º2, 15.º e 70.º do Código de Registo Comercial estão sujeitos a registo e publicação obrigatórios, além do mais a cessação de funções de gerência por renúncia, facto esse que só produz efeitos contra terceiros depois da data da publicação do registo.
RR) Perante tal enquadramento legal não deve o recorrido ser considerado parte ilegítima na execução fiscal uma vez que a data da renúncia só pode ser oponível após o seu registo?
SS) A interpretar de forma diferente seria colocar em questão a celebração do contrato de compra e venda do imóvel da S…………………, Lda uma vez que o recorrido praticou um acto negocial em nome da sociedade quando de facto já não o era.
TT) O recorrido é parte legítima na execução fiscal, tendo o exequente ora recorrente bem andado quando o chamou à execução e provou que o mesmo era gerente de facto e de direito da devedora originária.
UU) No âmbito do Princípio do Inquisitório, nunca equacionou o douto Tribunal a quo a possibilidade, através dos poderes que se encontra investido de solicitar as actas dos Assembleias ou demais documentação que lograsse alcançara a verdade material.
VV) O recorrente não dispõe de poderes, que não sejam os que resultam da instrução dos processos executivos e que sejam de domínio público, para efectuar prova que permita descobrir a verdade material.
XX) Da instrução dos autos de execução resulta claramente que a gestão e administração desta sociedade foi realizada de uma forma quase oculta uma vez que só existe um gerente a assumir essa categoria, os restantes deduziram oposição judicial, sendo que a executada originária necessitava de se vincular com assinatura de dois intervenientes.
ZZ) Existiu nitidamente um desinteresse por parte do recorrido nos destinos da sociedade, não usou da diligência de um bónus pater familiae, não tendo este também ilidido tal presunção que sobre ele recaía.
AAA) Mais, verificou-se uma violação clara do princípio da protecção de credores ao venderem património da sociedade a gerentes da mesma.
BBB) Não provou o recorrido, porque não tinha como, que não foi por sua culpa que o património se dissipou.

Nestes termos, e nos que mais V.Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente, ser revogado a douta sentença recorrida.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também o recorrido que faleceu, entretanto habilitado nos presentes autos, veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1 - Os períodos das dívidas de cotizações para a Segurança Social são referentes a Agosto a Dezembro de 2005, a 2006 e de Janeiro a Setembro de 2007.
2 - Assentam as alegações da Recorrente em que a douta sentença incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto, (ao dar como provado que o Oponente não exerceu a gerência efectiva na devedora originária a partir de Março de 2002), que o Tribunal formou a sua convicção na prova testemunhal em prol da prova documental, pois em 29.12.2005 o Oponente celebrou uma escritura pública de compra e venda que consubstancia a prática de um acto de gerência efectiva, não isolado;
3- Assentam ainda, as alegações da Recorrente que, o Oponente interveio em vários momentos da gestão da devedora originária, (que não invoca sequer quais), que o Oponente participou em reuniões de sócios, e que só em 2007 teve conhecimento da existência da dívida.
4 - Decorre com evidência dos factos dados como provados, que a convicção do douto Tribunal a quo, se fundamentou tanto na prova testemunhal, como na prova documental produzida nos autos, pois, em cada alínea do probatório a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo faz referência aos diferentes e vários documentos juntos aos autos.
5 - A Recorrente pretende com o presente recurso que, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo se alheie de toda a prova documental e testemunhal produzida, e dê relevância a um só documento que juntou, a escritura pública de compra e venda de 29.12.2005 e sobre o qual se pronunciou na douta sentença.
"Trata-se, no entanto, de facto que o tribunal não considera suficientemente relevante para, de per si, afirmar a existência da gerência de facto. Na verdade, não se trata de facto integrante da gestão diária, corrente e regular de uma empresa. Pelo contrário, é acto que, na actividade da sociedade em causa, que se dedicava ao comércio de automóveis, tem carácter isolado e que, por esse motivo, não pode ter qualquer virtualidade para caracterizar uma actividade cuja natureza tem de resultar de uma dinâmica diferente, na natureza e no tempo." (negrito nosso).
6 - A sociedade tinha como objecto o comércio de veículos automóveis, actividade à qual se dedicava exclusivamente tendo em consideração que era concessionária dos veículos automóveis da marca Ford, pelo que, a compra e venda do imóvel, consubstanciou um acto estranho ao objecto social e foi, como ficou provado, um acto isolado.
7 - A Recorrente alegou, que o Oponente interveio em vários momentos da gestão da devedora originária, mas não invocou a intervenção do Oponente em qualquer acto da gestão da devedora originária após o mês de Março de 2002.
8 - O Oponente, participou nas reuniões de sócios, as assembleias gerais, por ser sócio da devedora originária, qualidade esta que não se confunde com a de gerente de uma
sociedade.
9 - São os sócios (e não os gerentes) que constituem e deliberam nas assembleias gerais das sociedades por quotas.
10 - Foi numa das assembleias gerais, conforme ficou provado e a Recorrente alega no seu recurso, que o Oponente, como sócio, tomou conhecimento da existência da dívida à Segurança Social
11 – Saliente-se que, a própria Recorrente reforça à evidência o entendimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, constante da douta sentença, quando alega e conclui que o Oponente só teve conhecimento da dívida em 2007, pois se o Oponente fosse gerente efectivo da devedora originária, teria necessariamente conhecimento da dívida desde Setembro de 2003 e não somente em 2007.
12 - A saúde do Oponente, (conforme ficou provado pela declaração médica junta a fls. 98 e não impugnada pela Recorrente), desde o início de 2002, consubstanciou um factor incapacitante de uma gerência efectiva, pois manifestou um quadro de encefalopatia arteriosclerótica, traduzida por perdas de equilíbrio, com queda e lacunas de memória com agravamento.
13 - O Oponente apresentou prova testemunhal relevante, nomeadamente a prestada por três testemunhas que exerceram, durante dezenas de anos, funções muito importantes no desenvolvimento normal e diário da actividade da sociedade, e de que da sua gestão teriam necessariamente conhecimento (O Sr. Dr. Rogério ……….., o Sr. José ……….. e o Sr. Manuel …………) e por uma testemunha que com frequência contactava o Oponente, quanto ao tratamento fiscal e declarativo dos seus rendimentos (o Sr. Luis ………….), as quais confirmaram que o Oponente, desde Março de 2002, deixou de exercer a gerência efectiva, e de facto, da sociedade S …………. , Lda..
14 - Não logrou a Recorrente fazer prova nos autos do exercício pelo Oponente das funções de gerência, como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, e isto somente, porque ela não existiu.
15 - Dos autos resultam provados os factos que demonstram o não exercício das funções de gerência por parte do ora Oponente, no período a que respeitam as dívidas contributivas reclamadas na presente execução, sendo o mesmo parte ilegítima na execução.
16 - Resultou provado que na data da celebração da escritura de compra e venda, em 29.12.2005, já com problemas graves de saúde a nível físico e mental, e com "alheamento grande", o Oponente não tinha conhecimento da existência de quaisquer dívidas da S ……………., Lda. e concretamente, das dívidas à Segurança Social, das quais só teve conhecimento em 2007.
17 - Deve manter-se a douta decisão de que Oponente é parte ilegítima na presente execução por não ter exercido de facto, as funções de gerência na sociedade S ……………… , Lda., a partir de Março de 2002.

Face ao exposto, nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada e necessária JUSTIÇA


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, não devendo ser alterada a matéria de facto, desde logo por não haver cumprimento do disposto no art.º 690.º-A do CPC e não ter o recorrente logrado provar que o recorrido tenha exercido as correspondentes funções de gerente e para que fora nomeado.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a matéria de facto fixada no probatório da mesma sentença deve ser alterado no sentido propugnado pelo recorrente; Se o Tribunal “a quo” na sentença recorrida incorre em violação do princípio do inquisitório; E se o ora recorrido enquanto gerente nomeado da sociedade originária devedora teve uma actuação nesta correspondente a um gerente de facto ou efectivo.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 17/12/1979 foi constituída a sociedade S …………… - A. ………….. (Automóveis), Lda. (fls. 25/39).
B) A Sociedade S………. - A. ……………………. (Automóveis), Lda., dedicava-se ao exercício da indústria e comércio de veículos automóveis (fls. 30).
C) Na data da constituição da sociedade foram nomeados gerentes Carlos ………………., Manuel …………………. e António …………………. (fls. 32).
D) A sociedade obrigava-se validamente com as assinaturas de dois de quaisquer dos gerentes Carlos ………………………, Manuel ……………… e António …………………… ou com a assinatura de um ou mais mandatários da sociedade (fls. 32) ­
­ E) Em 17/12/1979, data da celebração da escritura de constituição da sociedade, o oponente outorgou um instrumento público, pelo qual declarou que: "(...) com reserva para ele outorgante de iguais poderes, ao abrigo do disposto no artigo décimo primeiro do pacto social da sociedade (...) delega todos os seus poderes de gerente da mesma sociedade, a favor de seus consócios: - a) Manuel ……………………… (...); e, b) - Carlos ………………………….., (...) podendo, assim, qualquer dos procuradores ora constituídos intervir como mandatário dele outorgante e em nome próprio, nos actos de gerência daquela sociedade, de conformidade com o disposto no pacto social" (documento de fls. 59/60).
F) O artigo 11° do pacto social mencionado na alínea anterior, tinha a seguinte redacção: "Qualquer dos gerentes poderá delegar todos ou parte dos seus poderes noutro gerente ou em terceiros, mediante procurações bastantes" (documento de fls. 33).
G) Em 21/04/1982 a sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal e na qual consta como gerentes: Carlos ……………………., Manuel …………………, António ……………. e Fernando ……………………., obrigando-se a sociedade com a intervenção necessária de dois de qualquer dos gerentes: Carlos ……………, António ………………… e Fernando ………………………….. ou por um ou mais mandatários da sociedade (registo comercial de fls. 46/51) .
H) Nos meses de Janeiro de 2000 a Março de 2002 o oponente auferiu uma remuneração mensal na S…………..-A. ……………………{Automóveis), Lda., a título de técnico avaliador, emitindo mensalmente os respectivos recibos (fls. 66/78).
I) As remunerações referidas na alínea anterior correspondentes aos anos de 2000 e 2002 foram reflectidas nas respectivas declarações de rendimentos (fls. 162/196).
J) No dia 03/07/2001 faleceu a filha do oponente, Ana …………………………………, com 46 anos de idade (fls. 79).
K) No início de 2002 o oponente manifestou um quadro de encefalopatia arteriosclerótica, traduzida por perdas de equilíbrio, com queda e lacunas de memória com agravamento (declaração médica de fls. 83).
L) A partir de Março de 2002 o oponente deixou de ir às instalações da S ………..-A. ……………. {Automóveis), Lda. (depoimento de Luís …………, conjugado com o documento de fls. 78).
M) O oponente deixou de ir às instalações da S ……….-A. …………… {Automóveis), Lda., depois de se ter zangado com o cunhado Carlos …………… e demonstrado a intenção de abandonar o gerência daquela sociedade (depoimento de Luís …………..).
N) O oponente teve conhecimento da situação de dívidas face à Segurança Social através dos informações prestadas em Assembleia Geral da S ………… - ­A. ………… (Automóveis). Lda. (depoimento de Rogério ………..).
O) Em 29/1212005 o oponente outorgou na qualidade de sócio e gerente da S ……….. - A. …………….. (Automóveis), Lda., a escritura de compra e venda de um prédio urbano propriedade daquela sociedade (documento de fls. 197/201).
P) O oponente subscreveu uma carta, com data de 29 de Junho de 2007, dirigido à S……….. - A. ……………… (Automóveis), Lda. com o seguinte teor: "Como é do vosso conhecimento, desde 2001 que não exerço quaisquer funções nessa sociedade nem por ela ou nela pratico quaisquer actos, agora me tendo apercebido de que continuo a figurar como gerente da mesma. Tal situação é profundamente desagradável, dado que, desde a referida data, não tive qualquer intervenção, directa ou indirecta, na gestão da S …………... Venho por isso formalizar, por escrito, a minha renúncia às funções de gerente da S……….. - A. ………………….. (AUTOMÓVEIS), LDA" agradecendo que V. Exas. promovam o imediato registo desta renúncia" (documento de fls. 65).
Q) A renúncia foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, em 19/07/2007 (doc. de fls.46/51)­
­R) Em data não identificada nos autos nem no processo apenso foi instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., contra a sociedade S ………… - A. …………… (Automóveis), Lda., o processo de execução fiscal n.º ………………… e a pensos, para a cobrança coerciva das dívidas à Segurança Social de diversos períodos no montante total de € 147.021,76 (fls. 1 do processo de execução fiscal apenso).
S) O Oponente foi citado em 18/06/2008 por reversão relativamente às dívidas de cotizações respeitantes Agosto a Dezembro de 2005, do ano de 2006 e de Janeiro a Setembro de 2007, no montante global de € 43.191,72 (fls. 39/40 do apenso).

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se nos documentos juntos aos autos e acima expressamente referidos em cada alínea do probatório, atenta a fé que merecem e ao facto de não terem sido impugnados pelas partes, bem como do depoimento das testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 202/213.

Tal como Abrantes Geraldes refere in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Coimbra, pág. 243: "Quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento, garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655° do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares (...}".

Quanto aos factos resultantes da prova testemunhal, o tribunal considerou que o depoimento da testemunha Luís ………………, mostrou-se fluído, sem respostas condicionadas pelo modo como as questões lhe foram formuladas, depoimento que o tribunal julgou convincente ao descrever pormenores que tornaram mais sustentado o seu depoimento.
Tratou-se de um depoimento de quem tinha um contacto regular com o oponente e que, no tocante ao aparente estado de saúde deste, contradiz o depoimento da testemunha Vasco …………, a qual, o tribunal considerou pouco convincente, procurou criar a ideia da existência de alguma incapacidade do oponente. Pelo contrário, a testemunha Luís ………… descreve o oponente como homem lúcido, não fazendo notar qualquer diferença comportamental até 2007. Não estão em causa, obviamente, as consequências resultantes da morte de uma filha, que o senso comum reconhece como dramáticas, e às quais os testemunhos nada de singular acrescentaram.

A testemunha Rogério ……………… afirmou que o oponente não aparecia para praticar actos de gerência. Tendo em conta a qualidade profissional em que actuou, seria de exigir a concretização de factos dos quais pudesse retirar tal conclusão, o que não foi feito.


4. Para julgar procedente a oposição à execução fiscal considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que desde Março de 2002, o ora recorrido se alheou por completo, da gestão dos destinos da sociedade originária devedora, não tendo desde então exercido as correspondentes funções, pelo que não exerceu a gerência de facto ou efectiva, sendo por isso parte ilegítima para com ele a execução fiscal prosseguir, e não levando a diferente conclusão a sua intervenção, em nome e em representação da mesma sociedade, na escritura pública de 29-12-2005, de venda de um prédio da mesma, por não constituir um típico acto de gerência e ter sido uma intervenção isolada, insusceptível de o caracterizar como gerente efectivo.

Para o exequente/recorrente é contra esta e outra fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes à reapreciação da mesma sentença em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou declaração da sua nulidade, pugnando, em grande parte dessas conclusões, pelo errado julgamento da sua matéria de facto, que a lei não exige que os gerentes exerçam de forma continuada tal gestão mas apenas que pratiquem actos vinculativos da sociedade em que este interveio em vários momentos, que existe omissão de pronúncia por o Tribunal a quo não ter encetado diligências a fim de esclarecer as dúvidas que entendeu terem ficado por solucionar e que a renúncia que o mesmo veio a fazer, em Junho de 2007, só lhe ser oponível desde a data do seu registo na Conservatória do Registo Comercial, como acto sujeito a registo que é.

Vejamos então.
Na matéria da sua conclusão II) (segundo as alíneas da nossa lavra), veio o ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia por, segundo se consegue apreender da matéria da mesma conclusão, ter considerado irrelevante para efeitos de convicção da formação da sua convicção, a renúncia à gerência do ora recorrido, comunicada através do escrito de 29 de Junho de 2007, questão que logra prioridade de conhecimento por, a proceder, conduzir à declaração da nulidade da mesma sentença, nos termos do disposto nos art.ºs 125.º, n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 668.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC).

Tal nulidade constitui a violação, pelo juiz, do dever consagrado no art.º 660.º, n.º2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

E no contexto da fundamentação da sentença recorrida, tal questão da renúncia à gerência do ora recorrido, em momento muito posterior àquele que nesta se entendeu que o mesmo se apartara da gestão da mesma sociedade, deixando de ser gerente de facto – Março de 2002 – torna absolutamente irrelevante, ou seja, ficavam prejudicados os efeitos dessa renúncia posterior, pelo que o tribunal não tinha que dela conhecer, por irrelevante para a decisão a proferir, já que nessa decisão expressamente se fundamenta que «o tribunal considera que o oponente deixou de exercer, a partir de Março de 2002, a gerência de facto da sociedade S ……….. - A. …………………, (Automóveis,) Lda», desta forma se encontrando esse não conhecimento acobertado pela excepção do citado n.º2 do art.º 660.º do mesmo Código e não podendo deixar de improceder a invocada omissão de pronúncia.

Ao longo de grande parte da matéria das suas conclusões recursivas vem o recorrente insurgir-se com a sentença recorrida pelo seu errado julgamento da matéria de facto – cfr. alíneas B), C), N), Q), etc. – questão que merece tratamento de seguida, tendo em vista formar a necessária base factual a que depois se possa aplicar o direito devido.

Porém, apesar de o recorrente manifestar tamanha e profunda discordância com o julgamento da matéria de facto tal como foi efectuada pelo Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, o certo é que não deu cumprimento ao disposto no actual art.º 685.º-B do CPC(1), especificando os concretos pontos dessa matéria que considera incorrectamente julgados, bem como os demais requisitos exigidos em tais normas para esse efeito, pelo que o seu recurso, nesta parte, não pode também, deixar de se encontrar condenado ao fracasso, já que dos autos, não vimos outros meios probatórios documentais relevantes que, oficiosamente, ao abrigo do n.º1 do art.º 712.º do CPC possa este Tribunal considerar, para além da materialidade já constante do mesmo probatório, designadamente das suas alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), etc., desta forma não podendo deixar de improceder, igualmente, a matéria relativa a tal errado julgamento da matéria de facto.

E o mesmo acontece com o invocado não cumprimento do princípio do inquisitório pelo Tribunal “a quo” – cfr. matéria das alíneas UU) e XX) – princípio que embora vigente em direito tributário nos termos dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT, não pode visar que o Tribunal se substitua à parte na instrução dos autos, de oposição no caso, nos termos do disposto nos art.ºs 206.º e 210.º do CPPT, juntando ou requerendo ao tribunal as diligências probatórias que entender adequadas para o efeito, sendo que em todo o caso, as invocadas actas das assembleias da sociedade originária devedora e que tenham sido realizadas, não vimos que interesse pudessem ter para o fim em vista de prova da gerência efectiva ou de facto, quando os seus participantes são os seus sócios que não os gerentes, em tal qualidade, e que estes podem nem sequer ser sócios, nos termos do disposto nos art.ºs 53.º e segs, 247.º, 248.º, 252.º e 373.º e segs do CSC, desta forma improcedendo também, esta questão colocada na matéria das conclusões recursivas.

Como última questão cabe conhecer, se o ora recorrido, no período a que respeita a dívida exequenda, teve uma intervenção na condução da vida sociedade que possa ser qualificada com a correspondente a um gerente efectivo ou de facto.

A dívida revertida contra o ora recorrido, recorde-se, reporta-se a contribuições em dívida à Segurança Social do período de Agosto a Dezembro de 2005, ano de 2006 e de Janeiro a Setembro de 2007, sendo assim dívidas nascidas nesses períodos, dívidas por quotizações a cargo da entidade patronal, que têm vindo a ser pacificamente qualificadas como de verdadeiros impostos, pelo que lhe é de aplicar o regime destes, vigente ao tempo do seu nascimento e que é o actual regime da LGT, do seu art.º 24.º, no que à responsabilidade dos administradores ou gerentes tange, como se fundamentou na sentença recorrida.

Desde que o administrador ou gerente tivesse exercido as correspondentes funções (gerência de facto), respondia perante o credor, solidariamente com os outros administradores ou gerentes e subsidiariamente em relação à sociedade, por todas as dívidas de natureza fiscal ou equiparadas, e isto quer tais dívidas tivessem nascido nesse período, quer no mesmo tivessem sido colocadas à cobrança, encontrando-se os dois períodos de tempo abrangidos por o mesmo tipo de responsabilidade subsidiária.

Reza assim a norma do actual art.º 24.º, n.º1(2)e alíneas a) e b) da LGT:
1 – Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cuja prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
...

Sempre a doutrina entendeu e bem como a jurisprudência, que aquela responsabilidade dos administradores ou gerentes, apenas impendia sobre quem, efectivamente, exercera os correspondentes cargos, a que se chamavam os gerentes efectivos.
Mas uma vez nomeados para o exercício de tais cargos, presumia-se, o exercício das correspondentes funções. Presunção meramente natural ou judicial, que não legal, assente nas máximas da experiência, de quem é nomeado para um cargo o exerce na realidade (3).

Impossibilitadas de agir por si próprias, com efeito, as pessoas colectivas só podem proceder por intermédio de certas pessoas físicas cujos actos praticados em nome e no interesse da pessoa colectiva (e no âmbito dos poderes que lhes são atribuídos) irão produzir as suas consequências na esfera jurídica dessa mesma, pessoa.
A tais indivíduos costuma dar-se o nome de órgãos da pessoa colectiva...formam a vontade da pessoa colectiva... e no caso dos externos, são eles quem exterioriza a vontade da pessoa colectiva. Trata-se, pois, de órgãos externos ou executivos...in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, de Manuel A. Domingues de Andrade, pág. 115 e segs.

Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do art.º 349.º do C.C.
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerumque accidit),a presunção diz-se legal, ou natural (simples ou judicial) - cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, 1960-1961, págs. 485 e 486.

A presunção, de que a gerência de facto se infere da gerência de direito, não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal, de acordo com o disposto no art.º 351.º do C. C.
Por isso, não vale a regra inserta no n.º2 do art.º 350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.

No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido. Não é necessário que o oponente, desfavorecido com tal presunção, faça prova do não exercício da gerência.
Em casos de presunção simples ou natural, basta abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.ºs 65 229 e 39/97, respectivamente.

O carácter constitutivo do registo para as sociedades comerciais e sociedades civis, como proclama o ponto 8. do Dec-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro - diploma que aprovou o Código do Registo Comercial - não se prende com a prova da ilisão da gerência de facto que para o gerente nomeado lhe advém, precisamente dessa nomeação, a qual pode ser efectuada por qualquer meio de prova, por se tratar de uma mera presunção natural ou simples, nos termos do disposto no art.º 351.º citado, não tendo de ser através de prova documental, através da inscrição efectiva da respectiva renúncia na mesma Conservatória, operando a renúncia mesmo que não levada a registo, por lhe ser aplicável a norma do n.º2 do art.º 13.º do Código do Registo Comercial (4).

Porém, aquela doutrina e jurisprudência sofreram uma inflexão, deixando de aceitar que da mera decorrência da nomeação de um gerente ou administrador nasça, só por si, a base da presunção de que tenha exercido as correspondentes funções, sendo uma questão que hoje se afigura como pacífica, desde a prolação do acórdão do STA (Pleno) de 28-2-2007, proferido no recurso n.º 1132/06, como bem se pronuncia a M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, antes devendo a AT (ou outra entidade exequente), trazer aos autos os concretos indícios ou factos que demonstrem que tal exercício efectivo teve lugar por parte do designado para esse cargo, com a assinatura de escritos, representando a sociedade, quer perante terceiros, quer nas suas relações internas, no fundo expressando ou ajudando a expressar a vontade desse ente colectivo nas várias relações em que tenha participado ou intervindo – cfr. art.ºs 64.º, 390.º, 405.º, 408.º e 409.º do Código das Sociedades Comerciais - pelo que a argumentação em contrário desenvolvida pela ora recorrente, enquanto apoiada nesta presunção natural, estão condenadas ao fracasso, como a constante na matéria da sua conclusão ZZ.

No caso, para além da prova da base da presunção contida na máxima da experiência de todos os dias, de quem é nomeado para um cargo o vai exercer, na realidade, como aconteceu com o ora recorrido que desde logo foi nomeado gerente da sociedade originária e até à data em que dela renunciou, porém, durante todo esse período de tempo, o único acto que se prova que o mesmo tenha praticado em nome e por conta da sociedade originária devedora foi a outorga da escritura pública de 29-12-2005, de compra e venda de um prédio, no Cartório Notarial de Setúbal, acto este isolado e desconexionado com qualquer prática sucessiva, que igualmente também entendemos ser insuficiente para caracterizar o exercício de tal actividade de gerência, preenchendo-o, a qual pressupõe um conjunto de actos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do seu objecto social (de indústria e comércio de veículos automóveis, no caso), e das deliberações dos sócios, nos termos do disposto nos art.ºs 64.º e 259.º do CSC, que não se prova que o mesmo tenha exercido, sendo indiferentes, nesta sede, em termos do preenchimento de tal conceito de gerência, as razões porque não tenha exercido tal actividade, ainda que possa relevar em outro âmbito.

Assim, ainda que o ora recorrente tenha invocado na matéria das suas conclusões V) e X) que o mesmo tenha praticado actos vinculativos da sociedade e que interveio em vários momentos da sua gestão, o certo é que, como antes se viu, apenas teve intervenção, em nome e por conta da sociedade originária devedora, na citada escritura pública de compra e venda, sendo pois aquela uma matéria invocada mas não provada por quem tinha o ónus de o fazer, ou seja, o recorrente, nos termos do disposto no art.º 74.º da LGT, a fim de enformar o seu direito à reversão a que se arroga.

Por outro lado, a matéria contida nas alíneas H), K), L), M), N) e P) do probatório da sentença recorrida apontam para que o ora recorrido, desde Março de 2002, por circunstâncias várias, desde desavenças familiares com o gerente Carlos César a problemas de saúde, passou a alhear-se dos destinos gestionários da sociedade executada, a qual se manteve até à sua renúncia à gerência, sendo que também nada se prova que o acervo das funções de gerência que a si lhe estariam reservadas tivessem sido exercidas pelos outros dois consócios, como seus procuradores, a quem outorgara tais poderes – cfr. matéria da alínea E) do probatório – caso em que as correspondentes funções seriam de imputar na sua esfera jurídica, nos termos do disposto nos art.ºs 1157.º e segs do Código Civil, pelo que para além de o recorrente não ter logrado provar factos integradores do exercício de tal actividade de gerente pelo ora recorrido, também da prova constante dos autos resulta que o mesmo se tenha afastado, na realidade, da efectiva gerência da mesma sociedade, apenas, isoladamente, interveio em tal escritura pública de compra e venda, porque continuava a ser gerente de direito nomeado, o que só por si, é insuficiente para caracterizar tal acto só por si como de gerente efectivo, como bem se decidiu na sentença recorrida, a qual assim é de confirmar.


Improcedem assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, como igualmente se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, sendo de negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 6 de Novembro de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro

(1) Como igualmente bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, ainda que certamente por lapso refira a anterior norma do art.º 690.º-A do CPC, quando os presentes autos foram iniciados depois de 1-1-2008, sendo-lhe aplicável a norma sucedânea, do art.º 685.º-B do mesmo CPC.
(2) A redacção deste n.º1 foi introduzida pela norma do art.º 13.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
(3) Cfr. em sentido algo diverso o acórdão do Pleno da Secção do STA de 28.2.2007, recurso n.º 1132/06, também citado pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida.
(4) Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 2.6.1999, recurso n.º 23.708.