Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06066/12
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
SIGILO BANCÁRIO
Sumário:I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
II - No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientemente indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.
III - Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
IV - Os valores protegidos pelo sigilo bancário - o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes – não são minimamente beliscados pelo facto de o próprio emitente dos cheques solicitar, para efeitos da prova e defesa que se propõe fazer no Tribunal, a cópia, frente e verso, dos mesmos.
V - O fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento. Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas das vezes, o correspondente circuito financeiro.
VI - Tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas facturas em causa são reais, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações com materialidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V... – Projectos e Obras de Interiores SA., contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) nº ... e da inerente liquidação de juros compensatórios nº …, respeitantes ao exercício de 2005, de que resultou o montante total a pagar de €368.233,00, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

1) Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos controvertidos e sujeitos a análise o que consequentemente conduziu a erro de julgamento;

2) Na al. l) do probatório a douta sentença dá como provado – por acordo -, que todos os pagamentos aos empreiteiros referidos nas al. g), i), j) e K) foram efectuados por cheque bancário;

3) Da análise do Relatório de Inspecção Tributária bem como da contestação, não resulta que a Fazenda Pública tenha aceite como facto o pagamento aos empreiteiros supra mencionados;

4) O que se encontra por diversas vezes invocado pela Administração fiscal é que se desconhecem os destinatários de tais cheques;

5) Pelo que, é nosso entendimento que o facto constante na al. l) do probatório, não poderia ter sido dado como provado por acordo das partes;

6) A douta sentença recorrida entende que a Administração Tributária nestes casos fica com o ónus de demonstrar que a colaboração do contribuinte era meramente aparente e insubsistente, podendo faze-lo, basicamente, de duas formas: atacando directamente a força presuntiva dos elementos declarados ou registados, ou demonstrando, por outra via que o resultado fiscal do contribuinte não poderia ser o declarado;

7) Entende ainda que os factos indiciários recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar a conclusão a que se chegou no sentido de que “obtivemos fortes indícios de negócio simulados”;

8) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida;

9) Na verdade, dos factos relatados no Relatório de Inspecção Tributária e constatados pela Senhora Inspectora, resultam fortes indícios de que as facturas em causa não correspondem a operações reais;

10) Assim, da análise do teor dos pontos 1.2.1, 1.2.2. e 1.2.3 podemos afirmar com toda a clareza que a Administração Tributária logrou demonstrar de forma clara, objectiva e coerente que os emitentes das referidas facturas não tinham capacidade para prestar os serviços que as mesmas titulavam e como tal, as mesmas não correspondiam à realidade.

11) No que respeita à recusa de cooperação da Impugnante com a Administração Tributária com fundamento no sigilo bancário, salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto no artº 63º, nº4 da LGT;

12) No âmbito do mencionado preceito legal a recusa da Impugnante não se mostra legitima uma vez que a figura do sigilo bancário não lhe é aplicável em virtude de ser a titular da conta onde os referidos cheques foram sacados;

13) A referida figura jurídica só se aplica às instituições bancárias e entidades financeiras e não aos titulares das contas bancárias, os quais tem o direito de, se, assim o entenderem divulgarem todas as informações que constem nas suas contas bancárias, como, quando e a quem bem entenderem.

14) E se é certo que, relativamente a um cheque emitido em nome de uma determinada pessoas, existe uma presunção natural de que o cheque foi recebido por essa pessoa, é certo também que tal presunção por si só não se mostra suficiente para dar tal facto como provado, necessitando de outros elementos de prova que reforcem tal presunção;

15) Pelo que, também aqui entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos e consequentemente uma errada interpretação da lei aplicável.

16) Refere a douta sentença ora recorrida que as conclusões da Administração Tributária assentam, principalmente, e, por um lado, na ausência de estrutura humana e física para a realização dos referidos trabalhos de construção civil;

17) E, por outro lado, no incumprimento dos deveres de colaboração, declarativos, contabilísticos e na divergência entre as formas de pagamento, por parte das empresas subcontratadas pela Impugnante (e, no caso da empresa C..., o fundamento principal é o do incumprimento das obrigações por parte do fornecedor desta, o Sr. J..., quer relativamente às facturas por este emitidas, quer por não apresentar justificativos das operações).

18) No caso em apreço, bastava a análise conjugada dos factos descritos no Relatório de Inspecção Tributária relativamente à sociedade C... e ao seu Técnico Oficial de Contas, Sr. J..., com as declarações da testemunha arrolada pela Impugnante, Sr. P..., o qual acompanhou diversas obras da Impugnante e no seu depoimento disse que “o Sr. H... era a pessoa com quem faziam os negócios” referindo-se aos negócios com a C...;

19) Para se concluir que a terem sido prestados os serviços constantes das facturas relacionadas na al. g) do probatório os mesmos não foram prestados pela sociedade C....

20) Após a discussão da causa e da apresentação das alegações a que alude o artº 120º do CPPT, veio ao conhecimento da Administração Fiscal, através de p.i. apresentada pela Representante Legal da sociedade C... – Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda.”, na acção de oposição a execução fiscal, a qual corre seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 1ª Unidade Orgânica, sob o nº 437/12.2BELRS;

21) Que a mesma alega que nunca prestou qualquer serviço à Impugnante, que não conheciam a sociedade “V...”, que na conta da C..., da qual juntam extracto dos anos de 2004 a 2007, nunca foram depositados os cheques constantes dos autos, cuja descriminação consta da al. h) do probatório.

22) À referida p.i. a Representante Legal da sociedade C... junta ainda como doc. nº 1 certidão emitida pela Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Vila Franca de Xira, extraída no Proc. nº 2230/09.0TAVFX, no qual se certifica que as cópias anexas estão conforme os originais de fls. 310 a 321 dos autos, sendo que tais folhas correspondem a um Auto de Interrogatório de Arguido efectuado ao Sr. J..., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no  qual o  mesmo afirma que as facturas emitidas em nome  da  C... a  favor da Impugnante são “falsas”.

23) A Fazenda Pública, vem ao abrigo do disposto no artº 524º do CPC, requerer a junção ao autos do documento que junta como documento nº 1 o qual se mostra indispensável à descoberta da verdade material, não tendo sido possível a sua junção em momento anterior ou pelo menos a obtenção de declarações dos intervenientes nos mesmos em virtude da sua falta de colaboração com a Administração Fiscal.

24) Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar proceder a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei e viola o disposto no artº 17º do CIRC.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.”


*

Em sede de contra-alegações, expendeu-se o seguinte:

1) A Recorrente limita-se a impugnar a matéria de facto dada como provada e a decisão da sentença recorrida no que diz respeito aos serviços prestados pela C.... Fá-lo nos pontos III, VI, VII das alegações e pontos 17) a 23) das conclusões e através da junção de documentos que dizem respeito, exclusivamente, à C....

2) Nos termos do artigo 684º, n.º 3 do CPC, o objeto das alegações é delimitado, expressa ou tacitamente, pelas conclusões oferecidas pela Recorrente;

3) Assim, tendo a Recorrente limitado o âmbito das suas alegações e conclusões, deverá o presente Recurso restringir-se, exclusivamente, sobre os serviços prestados pela sociedade C...;

4) Consequentemente, deverá declarar-se a sentença recorrida quando aos serviços prestados pela Sociedade L..., R... e R... transitada em julgado;

5) A RFP juntou, sob a denominação de doc. 1, três documentos, requerendo a sua junção aos autos e alegando, para o pretendido efeito, estar a coberto do disposto no art. 524º do CPC;

6) A propósito da junção de documentos nos tribunais superiores, estabelece o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que "as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1 .ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º;

7) No caso em apreço não ocorre nenhum dos pressupostos legais da junção de documentos supra enunciados, sendo inadmissível a requerida junção, ficando os mesmos; à cautela, expressamente impugnados, para todos os efeitos legais;

8) Nenhum dos documentos se destina a prova de factos supervenientes, muito menos de que o Tribunal ad quem possa conhecer, nem se encontra comprovado de que se trate de documentos supervenientes, isto é que se trate de documentos que não existissem, ou de que a Recorrente não tivesse conhecimento ou se encontrasse impossibilitada de os juntar;

9) Tais documentos reportam-se a factos anteriores à data do encerramento da audiência de julgamento em 1a instância e, por outro lado, também decorre a sua emissão em momento anterior à referida data;

10) Por outro lado, não se vislumbra que a junção só se tenha tornado necessária devido ao julgamento, já que os documentos se reportam a matéria, de facto e de direito, que já era controvertida e estava em discussão nos articulados, não tendo a decisão assentado em meios de prova e na aplicação ou interpretação de regras jurídicas com que a Recorrente não pudesse contar;

11) E, também, não se enquadra a junção em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º;

12) Acresce, e relativamente aos documentos apresentados em sede de recurso pela Recorrente, juntamente com as respetivas alegações, serem os mesmos absolutamente inócuos e sem qualquer relevância ou força probatória por referência à matéria de facto fixada, e, ainda, maxime, irrelevantes com vista à alteração da matéria de facto, conforme pretendido pela Recorrente;

13) Assim sendo, não poderá o tribunal ad quem, seja com fundamento na al. a), seja com base nas als. b) e c) do art. 712° do CPC, proceder à reapreciação da matéria de facto com base na junção dos ditos documentos, os quais, deste modo, sempre seriam impertinentes e inócuos;

14) Pelo exposto, não deverá ser admitida a junção dos documentos, os quais, deverão, oportunamente, ser desentranhados e devolvidos à Recorrente, cfr. art. 543°, 700° n° 1 e), ambos do CPC;

15) A Recorrente não questiona na sua contestação ou no seu recurso a emissão e pagamento dos cheques emitidos pela Recorrida aos seus fornecedores, e referidos nas alíneas g) a k) do probatório, motivo pelo qual esteve bem o Tribunal a quo em declarar como aceite a alínea l) do questionário;

16) Ainda que assim não se entendesse, a Recorrida produziu prova à saciedade para comprovar tais pagamentos;

17) Para esse efeito, a Recorrida, facultou à Administração Fiscal diversos documentos por ela solicitados: cópia das faturas existentes, respetivos cheques para pagamento das mesmas e fotocópia dos extratos das suas contas bancárias;

18) Todos os documentos referidos têm correspondência uns com os outros, o que demonstra que por cada obra subcontratada era emitida fatura correspondente e emitido cheque com o mesmo valor;

19) Pela análise dos extratos bancários da Recorrida é possível confirmar os débitos dos referidos cheques, com os mesmos valores constantes das faturas emitidas pelos subempreiteiros;

20) Através de prova testemunhal, foi ainda possível demonstra que as faturas emitidas pelas entidades subcontratadas eram confirmadas pelo chefe de obra antes do seu pagamento;

21) Mais demonstrou a Recorrida através de prova testemunhal que alguns dos cheques emitidos poderão ter sido levantados em numerário pelas entidades subcontratas - sendo essa uma prática corrente no setor da construção civil - motivo pelo qual não a divergência de registos entre a contabilidade da Recorrida (crédito na conta "contas à ordem") e a contabilidade das subcontratadas (débito na conta "caixa") não oferece qualquer suspeita;

22) Assim, deve a alínea l) do probatório ser mantido como está, confirmando-se a sentença recorrida;

23) Resulta da matéria de facto assente e alegada desde a inspeção tributária que a Recorrida recebeu encomendas de obras, apresentou orçamentos que foram aprovados, contratou os referidos subempreiteiros, realizou obras de acordo com os orçamentos, faturou as respetivas obras aos seus clientes - que as pagaram;

24) A Recorrida tem vindo a demonstrar, desde o procedimento de inspeção, e comprovou em audiência de julgamento, que os serviços dos subempreiteiros foram efetivamente prestados e pagos, devendo, assim ser aceites como custos;

25) Os serviços prestados pelos subempreiteiros estão visíveis nas instalações dos clientes da impugnante e a sua execução foi acompanhada pelo diretor de cada obra;

26) As referidas faturas dos subempreiteiros foram confirmadas pelos respetivos diretores de obras, cujas assinaturas constam das mesmas;

27) Só após esta validação foram efetuados os respetivos pagamentos;

28) Deverão presumir-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, assim, como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade e escrita — cfr. número 1 do artigo 75.º da LGT;

29) Esta presunção só cessa caso ser verifique algum dos factos indicados no número 2 do artigo 75.º da LGT, nomeadamente: "a) caso as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; (b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações; (c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei, ou (d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89°-A.

30) A AT não logrou demonstrar, como lhe competia, a verificação dos pressupostos legais que legitimavam a elisão da presunção de veracidade supra referida ou a inversão do ónus de prova;

31) A AT não fundamentou, sequer, a liquidação impugnada no afastamento dos indicadores objetivos de atividade de base técnico-científica que demonstrassem a incorreção das declarações da Recorrida;

32) A AT aceita que os documentos que titulam as operações suo judice são formalmente regulares, questionado apenas a ausência de estrutura dos subempreiteiros e o incumprimento, pelos fornecedores, de deveres de colaboração, declarativos e contabilísticos;

33) A ausência de estrutura dos subempreiteiros, ignora a prova produzida desde o procedimento de inspeção até à audiência de julgamento (e acolhida pela sentença), de que o recurso à subcontratação é bastante comum na construção civil, sendo igualmente frequente que as entidades subcontratadas por sua vez subcontratem outras entidades do mesmo setor, como sucede no próprio caso da Recorrida;

34) Por outro lado, a Recorrida não pode ser responsabilizada pelas relações que os seus subcontratados tinha com os seus próprios fornecedores, nem por aqueles subcontratados não cumprirem as suas obrigações contabilísticas e fiscais;

35) Para além desta mera alegação, a Recorrente não alegou ou provou em sede própria quaisquer factos que lhe permitissem por em causa a presunção de veracidade das declarações, documentos e esclarecimentos prestados pela Recorrida prevista no número 1 do artigo 75.º da LGT e,

36) Muito menos logrou produzir prova suficiente, nos termos do artigo 74.º da LGT, para contrariar toda a prova produzida pela Recorrida quanto aos serviços prestados e custos incorridos;

37) Resultou ainda claro da prova produzida, que o rácio de rentabilidade calculada pela inspeção tributária, caso as correções tivesse sido aceites, seria absurdo;

38) Peio que, improcedem as conclusões da Recorrente, quanto a este ponto;

39) A Recorrida cooperou totalmente com a AT, fornecendo todas as informações e documentos por esta solicitados, com exceção de cópias frente e verso dos cheques emitidos pelos fornecedores em causa;

40) A recusa em fornecer documentos sujeitos a sigilo bancário é legítima, nos termos da alínea b), in fine, do número 2 do artigo 75.º da LGT, pelo que não pode ser valorada contra a Recorrida - tal como entendeu o Tribunal a quo;

41) A figura do sigilo bancário é aplicável a documentos, e não a pessoas ou entidades;

42) Perante recusa legítima da Recorrida, competia à Administração Fiscal (1) solicitar autorização judicial para aceder aos referidos documentos, nos termos do n.º 2 do artigo 63º da LGT ou (2) aceder diretamente aos documentos, fundamentando a sua decisão e derrogando, assim, o sigilo que impede sobre os mesmos;

43) Em vez disso, a AT nada fez, demitindo-se da sua obrigação de busca da verdade material, e procurando valorar negativamente a conduta da Impugnante, como se fosse reveladora da existência de negócios jurídicos simulados;

44) A recusa em facultar documentos protegidos por sigilo bancário é legítima e não pode ser valorada contra a Recorrida nos termos da alínea b), in fine, do número 2 do artigo 75.º da LGT;

45) Nos mesmos termos, não pode ser valorada contra a Recorrida o facto de não terem sido disponibilizados balancetes por centros de custos;

46) Estes documentos não são de elaboração obrigatória, tendo a Recorrida, por seu lado, facultado à AT durante a inspeção todos os elementos necessários para esta pudesse validar o grau de acabamento das referidas obras;

47) Tal facto impede que a Recorrida seja acusada de não ter colaborado com a Inspeção e, consequentemente, não pode ser afastada a presunção de veracidade prevista no número 1 do artigo 75.°da LGT.

48) Beneficiando a Recorrida da presunção de veracidade dos seus elementos, e tendo ainda demonstrado que os seus elementos fiscais e contabilísticos eram verdadeiros, incumbia sobre a AT o ónus de prova;

49) Tendo-se a AT demitido de tal obrigação, não podia vingar o relatório final de inspeção ou a liquidação adicional de IRC impugnada, como bem entendeu o Tribunal a quo;

50) Face ao que foi exposto, a sentença recorrida não enferma de erro de apreciação de prova, erro de interpretação de lei nem de violação do artigo 17° do CIRC, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente na sua totalidade.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS:

Deverá ser:

a) Negada a admissão dos documentos juntos pela Recorrente, e ordenado o desentranhamento dos mesmos;

b) Mantida a alínea l) do probatório e,

c) Negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida na íntegra, só assim se fazendo o que é de Lei e de

JUSTIÇA!”


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

                                                                               *                                                        

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.


*
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:
(i) - a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, concretamente quanto ao que se mostra considerado na alínea l) do probatório;

(ii) - a sentença errou ao considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe competia quanto à demonstração de indícios de falsidade das facturas emitidas pelas empresas C... Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda., L... Sociedade de Construções e Obras, Lda., pelo R... e, bem assim, pelo R....
Antes, porém, teremos que responder à questão de saber se (iii) é, ou não, admissível a junção aos autos dos documentos que a Fazenda Pública, ora Recorrente, juntou com as alegações de recurso.


*

Vejamos, então, sobre a admissibilidade, nesta fase, dos documentos que a Fazenda Pública fez juntar ao recurso por si interposto.

            Comecemos por referir quais os documentos que a Fazenda pretende juntar aos autos e esclarecer as razões apresentadas para oportunidade da junção.

Para tal, tenhamos presente o que se refere nas conclusões 20 a 23 (inclusive) da alegação recursória. Ai se afirma que:

            “20) Após a discussão da causa e da apresentação das alegações a que alude o artº 120º do CPPT, veio ao conhecimento da Administração Fiscal, através de p.i. apresentada pela Representante Legal da sociedade C... – Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda.”, na acção de oposição a execução fiscal, a qual corre seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 1ª Unidade Orgânica, sob o nº 437/12.2BELRS;

21) Que a mesma alega que nunca prestou qualquer serviço à Impugnante, que não conheciam a sociedade “V...”, que na conta da C..., da qual juntam extracto dos anos de 2004 a 2007, nunca foram depositados os cheques constantes dos autos, cuja descriminação consta da al. h) do probatório.

22) À referida p.i. a Representante Legal da sociedade C... junta ainda como doc. nº 1 certidão emitida pela Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Vila Franca de Xira, extraída no Proc. nº 2230/09.0TAVFX, no qual se certifica que as cópias anexas estão conforme os originais de fls. 310 a 321 dos autos, sendo que tais folhas correspondem a um Auto de Interrogatório de Arguido efectuado ao Sr. J..., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no  qual o  mesmo afirma que as facturas emitidas em nome  da  C... a  favor da Impugnante são “falsas”.

23) A Fazenda Pública, vem ao abrigo do disposto no artº 524º do CPC, requerer a junção ao autos do documento que junta como documento nº 1 o qual se mostra indispensável à descoberta da verdade material, não tendo sido possível a sua junção em momento anterior ou pelo menos a obtenção de declarações dos intervenientes nos mesmos em virtude da sua falta de colaboração com a Administração Fiscal”.

            Contra a junção dos ditos documentos insurge-se a Recorrida, V....

            Sustenta a Recorrida, em síntese, que, no caso em apreço, não ocorre nenhum dos pressupostos legais da junção de documentos; nenhum dos documentos se destina a prova de factos supervenientes, muito menos de que o Tribunal ad quem possa conhecer, nem se encontra comprovado de que se trate de documentos supervenientes, isto é que se trate de documentos que não existissem, ou de que a Recorrente não tivesse conhecimento ou se encontrasse impossibilitada de os juntar; tais documentos reportam-se a factos anteriores à data do encerramento da audiência de julgamento em 1a instância e, por outro lado, também decorre a sua emissão em momento anterior à referida data; por outro lado, não se vislumbra que a junção só se tenha tornado necessária devido ao julgamento, já que os documentos se reportam a matéria, de facto e de direito, que já era controvertida e estava em discussão nos articulados, não tendo a decisão assentado em meios de prova e na aplicação ou interpretação de regras jurídicas com que a Recorrente não pudesse contar; não se enquadra a junção em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º; os documentos em causa são absolutamente inócuos e sem qualquer relevância ou força probatória por referência à matéria de facto fixada, e, ainda, maxime, irrelevantes com vista à alteração da matéria de facto, conforme pretendido pela Recorrente.

Por conseguinte, para a Recorrida, não poderá o tribunal ad quem, seja com fundamento na al. a), seja com base nas als. b) e c) do art. 712° do CPC, proceder à reapreciação da matéria de facto com base na junção dos ditos documentos, os quais, deste modo, sempre seriam impertinentes e inócuos. Assim, deve ser rejeitada a admissão dos mesmos.

            Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

            Para o enquadramento jurídico da questão em análise, lançamos mão daquilo que ficou dito no acórdão deste TCA, de 27/03/14, processo nº 2912/09, no qual se pode ler o seguinte:

            “(…) Dispõe o artº 523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.

Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:

1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);

2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);

3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);

4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);

5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).

A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.)”.

            Ora, a Fazenda Pública faz assentar a oportunidade da junção dos documentos apenas na fase de recurso na circunstância de não ter “sido possível a sua junção em momento anterior”, o que corresponde à invocação do nº1 do artigo 524º do CPC.

Tem razão a Recorrente.

As alegações escritas apresentadas pela Fazenda Pública, ao abrigo do artigo 120º do CPPT, têm data de 25/03/11 (cfr. fls. 443).

A Fazenda Pública, de acordo com os elementos que junta, foi notificada da admissão liminar da oposição à execução fiscal deduzida pela M..., enquanto “responsável subsidiária pelo exercício de funções de sócia-gerente da sociedade C... – Comércio de Materiais e Construção Civil”, através de ofício datado de 05/03/2012 (cfr. fls. 539), ou seja, em momento posterior à apresentação das alegações escritas.

Mesmo admitindo que a Fazenda Pública podia ter tomado conhecimento de tal petição aquando da entrada desse articulado no SF, também aqui tal se verificou posteriormente à apresentação das alegações, já que a petição tem o carimbo de entrada com data de 18/01/12.

Por conseguinte, parece-nos claro que até à apresentação das alegações escritas – repete-se, apresentadas em 25/03/11 – a Fazenda Pública não podia, de todo, ter junto aos autos o documento que agora junta com o recurso e que, como se deixou apontado, corresponde à p.i de oposição apresentada pela sócia-gerente da C....

Acresce que, discutindo-se aqui, além do mais, a veracidade de prestações de serviços tituladas por facturas emitidas por diversas sociedades, em 2005, entre elas a C..., os elementos juntos, reportando-se, também, a esse período temporal, assumem relevo para a discussão da causa e para a busca da verdade material.

Assim sendo, nos termos das disposições legais citadas, admite-se a junção do documento que se encontra a fls. 539 a 567.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«III - Os Factos

Com base na documentação junta aos autos, no depoimento das testemunhas inquiridas e na posição assumida pelas partes, considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão:

a) A Impugnante, V... - Projectos e Obras de Interiores, S.A., é uma sociedade anónima que tem como objecto projectos e  execução de obras de interiores, consultadoria nas áreas de arquitectura, decoração, comercialização, importação, exportação e representação de equipamentos e materiais de construção (cfr. fls. 457 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas);

b) Em 2005, a Impugnante efectuou trabalhos de remodelação de interiores dos escritórios das seguintes empresas: R...; P...; C...; ... - cfr.  depoimento  das  testemunhas  P... e G..., gravados  em CD apenso aos presentes autos,   que  depuseram   com  clareza,   tendo  revelado   conhecimento   concreto  e pessoal dos factos sobre os quais foram inquiridos, tendo o primeiro  sido Director de Obra, da R..., P..., ...,  neste  caso,  em  substituição  de  um  colega  no  período  de  verão,  e confirmado,  designadamente,  que  as  referidas  obras  ainda  se  encontram  nos mesmos   locais; e docs. juntos   a  fls.  408  a  411  dos  autos,  que  se  dão  por integralmente  reproduzidas;

c) Na sequência da realização dos trabalhos referidos na alínea anterior, a Impugnante emitiu as facturas n.º 337/2005, 395/2005, 386/2005, 402/2005, 429/2005, 444/2005, 520/2005,592/2005, 372/2005, 240/2005, 236/2005, 319/2005, 391/2005, 462/2005, 546/2005, 446/2005, 298/2005, 328/2005, 396/2005, 425/2005, 449/2005, 454/2005, 481/2005, 593/2005, 502/2005, 490/2005, 556/2005, 461/2005, 464/2005, 516/2005, 569/2005, 570/2005, 290/2005, 321/2005, 299/2005, 598/2005, 346/2005, 248/2005, 108/2005, 87/2005, 15/2005, 98/2005, 252/2005, 177/2005, 238/2005, 245/2005, 423/2005, 43/2005, 79/2005, 131/2005, 142/2005, 555/2005, 503/2005, 241/2005, 373/2005, 512/2005, 329/2005, 443/2005, 599/2005, 41/2005, 50/2005, 77/2005, 140/2005, 141/2005, 144/2005, 143/2005, 314/2005, 313/2005 - cfr. doc. 16 junto com a p.i.,  a  fls.  285  a  353,  que  se  dá  por  integralmente  reproduzido  e  que  não  foi impugnado;

d) As facturas referidas na alínea anterior foram integralmente pagas à Impugnante - acordo;

e) Todos os serviços de execução das obras referidas na alínea b) supra foram subcontratados a terceiros, que trabalharam sob fiscalização da Impugnante - cfr. depoimento da testemunha G..., gravado em CD apenso aos presentes autos, que depôs com clareza e convicção, tendo revelado um conhecimento concreto e pessoal dos factos sobre os quais foi inquirido;

f) Em 2005, não havia a preocupação de controlar se os subempreiteiros estavam registados nas Finanças, pagavam IVA, IRC etc. ou a cumprir as obrigações à Segurança Social, a preocupação da Impugnante era a de que os trabalhos estivessem concluídos dentro do prazo - cfr.  depoimentos  das  testemunhas G... e P..., gravados em CD apenso aos presentes autos, que depuseram com clareza e convicção,  tendo revelado um conhecimento concreto e pessoal dos factos sobre os quais foram inquiridos;

g) Juntos aos autos, encontram-se as seguintes facturas emitidas pelo subempreiteiro C...- Comércio de Materiais de Construção, Lda. à V... - Projectos e Obras de Interiores, Lda.:

“Quadro no original”

- cfr. Relatório de Inspecção, fls.527 a 533 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

h) Juntos aos autos, constam: extractos da conta da Impugnante junto  do C...; e cópia de cheques, não assinados, emitidos a favor de C...:




- cfr. Anexo 4 do Relatório de Inspecção, a fls. 534 a 584 do PAT;

i) Juntos aos autos, constam: a consulta de movimentos online da conta da Impugnante junto do C...; cópia de cheques, não assinados, emitidos a favor da L... e as seguintes facturas emitidas por esta empresa:




- cfr. Anexo 5 do Relatório de Inspecção, a fls. 588 a 598 do PAT, que se dão por integralmente  reproduzidas;

j) Juntos aos autos, constam: a consulta de movimentos online da conta da Impugnante junto do C...; cópia de cheques, não assinados, emitidos a favor de R... e a factura, datada de 23/12/2004, emitida por este fornecedor:




- cfr. Anexo 6 do Relatório de Inspecção, a fls. 600 a 608 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

k) Juntos aos autos, constam: a consulta de movimentos online da conta da Impugnante junto do C...; cópia do cheque, não assinado, emitido a favor de R... e a factura emitida por este fornecedor:




- cfr. Anexo 7 do relatório de Inspecção a fls. 609 a 615 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

1) Todos os pagamentos aos subempreiteiros referidos nas alíneas g), i), j) e k) supra, foram efectuados por cheque bancário -acordo;

m) Em 2009, a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa de âmbito geral ao exercício de 2005, que teve inicio em 20/04/2009 e terminou em 02/09/2009 - acordo e fls. 372 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

n) Na sequência da acção inspectiva referida na alínea anterior, em 29/09/2009 foi elaborado Relatório de Inspecção, do qual se destaca o seguinte: "(...) Em  resposta ao solicitado, a empresa disponibilizou diversa documentação, nomeadamente fotocópias das facturas em causa e respectivos cheques para pagamento das mesmas, bem como fotocópias dos extractos das contas bancárias  da empresa onde se constata a saída dos montantes em causa, da conta bancária da empresa. (…) Conforme referido, os pagamentos às entidades C..., R..., R... e L..., foram efectuados através de cheque que, por análise ao Diário Bancos, se verificou ser um meio de pagamento de uso pontual, excepcionalmente e quase apenas  para  pagamento  às  referidas  entidades(...) Dado que os referidos cheques emitidos podem ser endossados, para que a administração tributária verifique se os verdadeiros destinatários das quantias em causa foram as entidades acima referidas, foram solicitadas as fotocópias frente e verso dos referidos cheques, depois de descontados pelo banco. (...) A empresa V... recusou-se a apresentar estes elementos. não tendo, igualmente, concedido autorização à Administração  Fiscal para os solicitar junto  da entidade bancária em causa. (...) Como decorre do ponto 1), para validar o montante de 115.116,79 € de redução dos proveitos declarados pela V... no ano de 2005 (grau de acabamento), estes serviços de inspeccão necessitam de ter acesso a dados que a empresa utilizou-para-cálculo-do-mesmo  - extractos/balancetes por centros de custo (...). Estes balancetes por centro de custo são auxiliares da contabilidade (...) e, como tal, deverão ser facultados para que tais lançamentos sejam validados. (...). 1.2.1) C... (...) Salienta-se que a empresa C... foi também fornecedora da empresa V..., para o ano de 2004, fornecimentos sobre os quais recaem indícios fortes de negócios jurídicos simulados (...). b) O técnico oficial de contas da empresa C... é o Sr. J..., o qual é também fornecedor de alegados serviços de construção civil a esta empresa. (...) c) (…) Foi visível a existência de instalações onde funcionava um gabinete de contabilidade (...). Não foi visível qualquer capacidade instalada para fornecimento de bens/prestações de serviços na área da construção civil. (...) d) Notificado para explicitar a actividade efectivamente exercida, quer como TOC, quer relativamente aos alegados "trabalhos de construção civil efectuados" o contribuinte J... nunca prestou quaisquer esclarecimentos (...). f) Verifica-se que, para o ano de 2005, o único cliente da empresa C... é a empresa V..., e o único fornecedor da mesma é o Sr. J.... g) Relativamente aos fornecimentos de alegados serviços de construção civil, por parte de Jorge H... para a empresa C..., durante o ano de 2005, são tituladas por facturas emitidas por Jorge H..., manuscritas. com numeração sequencíal (…), No entanto, contactada a tipografia que emitiu o referido livro de facturas, Gráfica ..., a mesma esclareceu (...) efectuamos um único trabalho (.") em Setembro de 2008. (...) i) Como tal, não existe na contabilidade da C... qualquer suporte válido referente às alegadas aquisições, as quais necessariamente teria que efectuar, para facturar o valor de 1.069.844,36€ à empresa V..., em 2005.

 j) Relativamente aos alegados pagamentos efectuados pela empresa C... ao seu único  fornecedor,  Jorge  H...  Silva,  (...),  não  foram  apresentados  quaisquer elementos comprovativos do pagamento dessas quantias. Obviamente, todos esses pagamentos são efectuados através de saídas de Caixa (.. .). k) (...) Verifica-se que os registos a débito da Conta de Caixa (11.1) da empresa C..., refletem o recebimento dos montantes discriminados no quadro 1 deste relatório (excepto as facturas n°s 7279 e 7280, alegadamente pagas em 2006), montantes alegadamente pagos pela V.... I) O sujeito passivo foi notificado para apresentar (...), No entanto, a empresa nunca apresentou ( ..). m) Embora a contabilidade do sujeito passivo C... reflicta a inexistência de conta bancária (...), existe a obrigatoriedade de a empresa possuir ( ...). n) Do exposto nos postos anteriores, verificamos não existir qualquer comprovativo de que tenha sido a empresa C... a real beneficiária beneficiária dos montantes saídos da conta bancária  da  empresa  V...  e  constantes  dos  chegues  emitidos  e discriminados  no quadro  2.  (...). 1.2.2 L... (...) - O contribuinte  não tem estrutura de pessoal nem quadro de pessoal. (...), - por sua vez, em termos de subcontratação ao contribuinte R... (235.096,15 €, valor com IVA), verificamos que o mesmo não tem estrutura empresarial (...). nem quadro de pessoal, para efectuar este volume de facturação (...), -não foi apresentada pelo contribuinte.   qualquer   prova   do  pagamento   dos  montantes   indicados   e referentes às facturas emitidas pelo seu fornecedor R..., sendo que, utilizacão de chegue ou transferência bancária. sendo contrária à lei, invalida também qualquer prova da veracidade do ocorrido, - não foi apresentada pelo contribuinte, qualquer prova do recebimento dos  montantes  indicados  nos chegues emitidos pela empresa V... (...) existindo contradição entre fornecedor/cliente, quanto aos meios utilizados e quanto às datas de recebimento/pagamento. (.. .). 1.2.3) R...  d) (...)  Verificou-se que o sujeito passivo é não declarante para efeitos de IRS, desde o ano de 1995 e seguintes. (...) - o contribuinte não tem estrutura empresarial nem quadro de pessoal (...), - não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos de alegadas aquisições (...), - não existe qualquer evidência de recebimento dos montantes alegadamente pagos pelas entidades V...  e L..., sendo que, através das diligências efectuadas junto das respectivas empresas, as mesmas não forneceram elementos que comprovassem um facto concreto estabelecimento da veracidade das transacções efectuados (...). Do apurado nas três Ordens de Serviço, emitidas para as entidades V..., L... e R..., verifica-se a existência de facturação em cadeia, entre as mesmas, em que, apesar das notificações efectuadas, não existe comprovação da realização dos serviços facturados, nem do pagamento/recebimento dos montantes associados à facturação emitida, indício forte de negócio jurídico simulado com entre as diversas entidades. (...) 1.2.4) R... (...) c) Em sede de IRS, embora o contribuinte tenha entregue a declaração respectiva, para o ano de 2005, não mencionou no anexo B (...) qualquer valor facturado para o referido ano, quer à empresa V... (.. .), quer a outro contribuinte, (.. .) h) (.. .) o contribuinte foi notificado (...), não tendo o contribuinte procedido a qualquer das regularizações propostas, nem apresentado nestes serviços, quaisquer elementos solicitados. (...) - o contribuinte não tem estrutura empresarial nem quadro de pessoal (...), - não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos de alegadas aquisições (subcontratos) (...), - não existe qualquer evidência de recebimento, por parte de R..., dos  montantes alegadamente pagos pelas entidades adquirentes dos bens/serviços em causa V... e outro, sendo que, através das  diligências  efectuadas junto  das  respectivas  entidades,  as mesmas  não forneceram elementos que comprovassem um facto concreto de estabelecimento da veracidade das transacções efectuadas (...). De tudo o referido e dos factos apurados, obtivemos fortes indícios de negócio jurídico simulado entre o contribuinte R... e as entidades V... e outro. 1.3)- CORRECÇÕES ARITMÉTICAS 1.3.1.- Em sede de IRC Perante os factos, concluímos que, apesar de estarmos perante a regularidade formal dos documentos  emitidos, contrapõem-se  os mesmos  à  inexistência  material  das operações (...)  cfr. Relatório, a fls. 377 a 379; 390 e 392; 394 a 399; 404, 405, 406; 411; 412,413, 415 e 416 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

o) Em 30/09/2009, foi proferido despacho, pelo Director de Finanças Adjunto, concordando com o Relatório de Inspecção referido na alínea antecedente, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: "(...) Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da Matéria Colectável, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º e n. º 1 do artigo 17.º ambos do IRC, bem como dos artigos 81.º a 84.º da LGT. Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que, para efeitos de IRC, se proceda à alteração da Matéria Colectável e do imposto (Tributação Autónoma) declarados nos termos propostos (. ..)".- cfr. fls. 367 do PAT, que se dão por integralmente reproduzido;

p) Através do ofício n.º 083807, de 02/10/2009, foi a Impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária, do qual resultaram correcções meramente aritméticas, sem recurso a avaliação indirecta, em sede de IRC, no montante de € 1.168.181,47, de IVA, no montante de € 259.986,71, e de tributação autónoma, em sede de IRC, no montante de € 3.650,75 – cfr. fls. 748 e 372 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

q) Por força das correcções efectuadas pela Administração Tributária, o rácio de rentabilidade fiscal da Impugnante passou de 2,74 para 14,58, ou seja, 1.175% superior à média do coeficiente de rentabilidade das empresas com o mesmo sector de actividade (CAE 74842), o que traduz um resultado economicamente impossível - cfr. depoimento da testemunha G..., gravado em CD apenso aos presentes autos, que depôs com clareza e convicção, tendo revelado um conhecimento concreto e pessoal dos factos sobre os quais foi inquirido;

r) Em 29/10/2009, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º ... e da liquidação de juros compensatórios n.º ..., respeitantes ao exercício de 2005, das quais resultou um montante total a pagar de € 368.233,00 - cfr. fls. 92 a 97 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

s) Em 26/11/2009, a Impugnante pagou integralmente o valor das liquidações referidas na alínea anterior - cfr. fls. 92 dos autos.


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Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, das informações oficiais constantes dos autos, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

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2.2. De direito

            Antes de entramos na análise das duas questões que deixámos autonomizadas acima, importa que se esclareça o entendimento por nós adoptado, no caso concreto, quanto ao objecto do recurso.

            Este esclarecimento inicial impõe-se porquanto, como resulta das conclusões 1) a 4) das contra-alegações, a Recorrida defende que a Recorrente limitou o âmbito das suas alegações e conclusões, razão pela qual o recurso se restringe exclusivamente aos serviços prestados pela sociedade C....

Por conseguinte, de acordo com a Impugnante, deverá “declarar-se a sentença recorrida quanto aos serviços prestados pela Sociedade L..., R... e R... transitada em julgado”.

            Nenhuma razão tem a Recorrida na interpretação que faz das alegações de recurso.

            Lido atentamente o recurso interposto, resulta para nós claro que a Fazenda Pública se insurge contra o decidido pelo TAF de Sintra no que toca à não demonstração, por parte da AT, de indícios de que as facturas emitidas pela C... são falsas, mas também quanto à simulação que envolve as facturas emitidas pela L..., pelo R... e pelo R....

            São para nós incompreensíveis os motivos pelos quais a Recorrida defende tal interpretação quanto à limitação do objecto do recurso, já que o texto da alegação recursória é claro quanto à discordância do decidido relativamente a todos os fornecedores/ emitentes.

            A título exemplificativo daquilo que estamos a dizer, veja-se que a impugnação da matéria de facto, em concreto da alínea l), abrange o pagamento das facturas a todos os fornecedores, não se limitando à C....

Por seu turno, as conclusões 7), 8), 9), 10), 16) e 17) – para não sermos mais exaustivos – referem-se indistintamente aos quatro emitentes das facturas que foram desconsideradas com fundamento em as mesmas não terem subjacentes quaisquer operações reais, ou seja, por se tratar de facturação falsa.

O que se verifica é que, por razões que a Fazenda Pública entendeu realçar, foi dado maior enfoque ao caso concreto da prestadora C..., sem que, porém, se mostrem ignoradas as conclusões retiradas na sentença sobre os demais emitentes das facturas.

Assim, e feito este esclarecimento que nos situa correctamente quanto ao âmbito/objecto do recurso, devemos prosseguir.


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E, aqui chegados, o que nos passará a ocupar é a impugnação da matéria de facto.

Já deixámos dito que a Fazenda Pública defende que a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, concretamente quanto ao que se mostra considerado na alínea l) do probatório.

Ora, aí ficou consignado o seguinte: “Todos os pagamentos aos subempreiteiros referidos nas alíneas g), i), j) e k) supra, foram efectuados por cheque bancário –acordo”.

Discorda a Fazenda Pública deste facto dado como provado na sentença, alegando, para tal, que “da análise do Relatório de Inspecção Tributária bem como da contestação, não resulta que a Fazenda Pública tenha aceite como facto o pagamento aos empreiteiros supra mencionados”, “o que se encontra por diversas vezes invocado pela Administração fiscal é que se desconhecem os destinatários de tais cheques”. Por conseguinte, é entendimento da Recorrente “que o facto constante na al. l) do probatório, não poderia ter sido dado como provado por acordo das partes”.

Vejamos, então, se a alínea l) do probatório se deve manter nos termos em que se apresenta.

O Tribunal deu como provado este facto com base no acordo das partes.

Contudo, como diz a Recorrente, nunca a Fazenda Pública esteve de acordo quanto ao pagamento se ter efectuado através dos cheques (ou, até, se ter mesmo chegado a efectuar por qualquer outra via) cujas cópias foram juntas pela V..., o que resulta, não apenas do relatório de inspecção, mas também da contestação apresentada.

E, na verdade, tem razão a Recorrente.

A falta de prova do pagamento das facturas é, na verdade, um dos pontos-chave do relatório de inspecção, o que a AT evidenciou por diversas vezes ao afirmar que, apesar da Impugnante juntar cópia da frente dos cheques (não assinados) que declarou terem sido utilizados para pagamento das facturas emitidas, a verdade é que jamais foi comprovado o beneficiário de cada um dos ditos cheques e, como tal, o pagamento.

Com efeito, como foi considerado em sede inspectiva e salientado na contestação, a Impugnante recusou-se a apresentar a cópia do verso dos cheques (invocando o sigilo bancário) e, por outro lado, os extractos bancários da impugnante não permitem perceber quem foi o beneficiário dos cheques cujas cópias (das frentes) foram juntas.

Por conseguinte, não se pode considerar admitido por acordo que o pagamento das facturas aos subempreiteiros referidos nas alíneas g), i), j) e k) – leia-se, à C..., à L..., ao R... e ao R... - foram efectuados por cheque bancário.

É que, como bem se percebe, o que a AT aceitou, e está devidamente evidenciado nos autos, é que a V... exibiu a frente de cheques correspondentes ao valor de cada uma das facturas desconsideradas. Ou seja, a cada factura o sujeito passivo fez corresponder a cópia da frente de um cheque (cheques, aliás, que não se mostram assinados por qualquer representante da V...).

Contudo, daí não se pode retirar – e a AT nunca o conclui – que se comprovou que aquelas concretas facturas foram pagas aos respectivos emitentes, nem que tal pagamento tenha sido feito através dos cheques cujas cópias (das frentes) foram exibidas. E isto é assim, desde logo, porque, como a AT salienta, não se comprovou quem foram os beneficiários dos cheques e das quantias neles inscritas.

Portanto, o pagamento – aqui entendido como contraprestação pelo serviço prestado, como forma de extinção da obrigação do devedor – àqueles concretos emitentes das facturas, não está provado por acordo, nem por prova documental.

Efectivamente, se, para prova do pagamento das facturas, o sujeito passivo se limita a juntar cópia da frente dos cheques (não assinados) emitidos à ordem dos fornecedores, não disponibilizando o verso dos mesmos (depois de descontados), é evidente que daí não se pode concluir que tais emitentes foram pagos por meio desses cheques.

E isto é assim ainda que, como aconteceu, sejam juntos extractos bancários através dos quais se verifica o levantamento dos montantes indicados nos cheques, já que, como é bom de ver, os cheques podem ser endossados e, como tal, fica por saber a identificação do beneficiário efectivo dos mesmos.

Assim sendo, conclui-se que assiste razão à Recorrente quanto à impugnação deste concreto ponto da matéria de facto, pelo que a alínea l) da matéria de facto deve ser eliminada.


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Antes de prosseguir para a questão que nos ocupa relativamente a saber se a AT demonstrou os indícios de facturação falsa, importa que aditemos ao probatório os seguintes factos, o que se impõe no seguimento da admissão do documento que a Fazenda Pública fez juntar às alegações de recurso.

Assim, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

t) Em Janeiro de 2012, M... Rodrigues, na qualidade de responsável subsidiária pelo exercício de funções de sócia-gerente da C... – Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda., deduziu oposição à execução fiscal nº ... e aps, instaurada para cobrança coerciva de dívidas da originária devedora, afirmando na respectiva petição inicial, além do mais, que, em data não posterior a Janeiro de 2004, ela e o seu marido, pediram ao TOC, “J..., que adoptasse os procedimentos necessários à cessação da actividade da C..., já que a muito não celebravam qualquer negócio em nome da sociedade” e, bem assim, que desconhecia a sociedade V... – tudo conforme p.i de oposição, junta a fls. 540 e ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;

u) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do auto de interrogatório do arguido J..., datado de 04/10/10, relativo ao processo de inquérito nº 2230/09.0 TAVFX, no qual se afirma, além do mais, e a propósito das facturas alegadamente emitidas pela C... à V..., em 2004/2005, que tais facturas não “correspondem a serviços prestados por essa firma não ter também pessoal para o efeito” e, bem assim, que sendo o TOC da C... “e tendo esta firma algumas dívidas fiscais, tomou a iniciativa (…) de emitir facturas da C... para a firma V..., (…) nada recebendo por estas facturas de favor que lhes entregou, já que não tinha qualquer tipo de relação com a V...” – cfr. fls. 559 a 561.


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Estabilizada a matéria de facto, passemos à outra questão que nos ocupa e que deixámos devidamente identificada – saber se a sentença errou ao considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe competia quanto à demonstração de indícios de falsidade das facturas emitidas pelas sociedades C... Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda., L... Sociedade de Construções e Obras, Lda., pelo R... e, bem assim, pelo R....

A Recorrente, Fazenda Pública, discorda do decidido, sustentando, no essencial, que os indícios elencados no relatório inspectivo são suficientes para que se considere satisfeito o ónus da prova que impende sobre a AT, devendo concluir-se, portanto, pela falsidade das facturas cujos montantes nelas inscritos não foram aceites como custos fiscalmente dedutíveis.

Com efeito, defende a Recorrente que “dos factos relatados no Relatório de Inspecção Tributária e constatados pela Senhora Inspectora, resultam fortes indícios de que as facturas em causa não correspondem a operações reais”. Em concreto, “da análise do teor dos pontos 1.2.1, 1.2.2. e 1.2.3 podemos afirmar com toda a clareza que a Administração Tributária logrou demonstrar de forma clara, objectiva e coerente que os emitentes das referidas facturas não tinham capacidade para prestar os serviços que as mesmas titulavam e como tal, as mesmas não correspondiam à realidade”.

Vejamos, então, o que dizer sobre esta questão, começando por relembrar as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração – (…) - o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o correspondente custo foi desconsiderado, no montante total de € 1.135.839,36, não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante, V..., e as sociedades C... Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda. e L... Sociedade de Construções e Obras, Lda., e, bem assim, o R... e o R....

Só respondendo afirmativamente a esta questão é que passa a importar saber se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, são reais, isto é, existiram efectivamente, tais operações económicas entre estes concretos sujeitos.

Como dissemos, a sentença recorrida considerou que a AT não tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso.

Para assim concluir a Mma. Juíza alinhou, em síntese, o seguinte discurso argumentativo:

“(…) As conclusões da Administração Tributária assentam, principalmente, e, por um lado, na ausência de estrutura humana e física para a realização dos referidos trabalhos de construção civil, e, por outro lado, no incumprimento dos deveres de colaboração, declarativos., contabilísticos e na divergência entre as formas de pagamento, por parte das empresas subcontratadas pela Impugnante (e, no caso da empresa C..., o fundamento principal é o do incumprimento das obrigações por parte do fornecedor desta, o Sr. J..., quer relativamente às facturas por este emitidas, quer por não apresentar justificativos das operações).

Ora, quanto ao primeiro argumento (a ausência de quadro de pessoal), como se sabe, no sector da construção civil é muito frequente existirem pequenas empresas angariadoras de mão-de-obra, para a execução de variadas especialidades. Não se podendo retirar, desse facto, por si só, a incapacidade das mesmas para a execução das obras referidas nestes autos.

Quanto ao segundo argumento (o incumprimento das obrigações ficais por parte dessas empresas ou dos seus fornecedores), também dele não se pode extrair, sem mais, a conclusão da inexistência material das operações levadas a custo pela Impugnante, uma vez que, dos documentos de prova por esta apresentados (cfr. alíneas b), c), d), g), h), i), j), k) e 1) do probatório) resulta demonstrado exactamente o oposto. Isto é, que a Impugnante efectuou tais obras, de acordo com os orçamentos aprovados e que tais obras foram pagas aos subempreiteiros por cheques emitidos pela Impugnante de acordo com as facturas por estes apresentadas.

Daqui decorre que a Impugnante cumpriu o seu ónus de demonstração da realidade contabilística e que a Administração Tributária, pelo contrário, não reuniu indícios suficientemente fortes que permitam fazer a prova do contrário (cfr. art 73.° da LGT).

Por outro lado, as provas carreadas para os autos pela Administração Tributária dizem, todas elas respeito a factos de terceiro (relativos aos subempreiteiros contratados pela Impugnante) - não sendo imputáveis a esta e, sobretudo, à data dos factos (2005), por ela não controláveis (cfr. alínea f) do probatório).

De resto, o facto de tais subempreiteiros não cumprirem com as suas obrigações declarativas ou de esclarecimento da sua situação contributiva não pode assumir, no caso subjudice, a relevância que pretende a Administração Tributária, pois como também decorre do probatório, o que releva (e importava saber) era se a Impugnante prestou efectivamente os serviços em causa nos autos e se tais serviços incluíram as obras efectuadas por estes subempreiteiros ou, por exemplo, se os mesmos serviços foram facturados à Impugnante por qualquer outra empresa (duplicação de facturação). Ora, a Administração Tributária, a este propósito, apenas concluiu que tais serviços podiam ser efectuados por qualquer outro fornecedor da Impugnante, mas nunca o demonstrou, nem sequer fez diligências probatórias para o demonstrar.

Acresce que, como resulta da alínea q) do probatório, com as correcções efectuadas pela Administração Tributária o rácio de rentabilidade fiscal da Impugnante seria muito superior à média do respectivo sector, não tendo a Administração Tributária ponderado a relevância de tais indicadores objectivos de actividade para sustentar as suas conclusões.

Pelo exposto, constando-se, como vimos, a regularidade formal dos documentos emitidos pela Impugnante e não tendo sido demonstrada, pela Administração Tributária, a inexistência das relações contratuais que lhe subjazem, a Administração Tributária fica impedida de desconsiderar os custos que a facturação da Impugnante documenta.

Ao ter agido em contrário, corrigindo a matéria colectável e procedendo à liquidação de imposto com base nessa correcção, incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, violando as normas legais dos artigos 17.° n.° l e 23.° n° l do CIRC, o que determina a invalidade daquela, bem como da liquidação dos respectivos juros compensatórios”.

Vejamos, então.

Não está em dúvida a actividade a que se dedica a Recorrida, nem tão-pouco que, no exercício de 2005, esta tenha efectuado os trabalhos de remodelação m.i na alínea b) do probatório. Tão-pouco é questionado o facto de tais trabalhos terem sido facturados pela Impugnante e lhe terem sido pagos pelos seus clientes. Tudo isto, aliás, decorre com clareza das alíneas a) a d) do probatório.

Esclarece-se, ainda, que também não é posto em dúvida que a Impugnante tenha, para a execução de tais trabalhos de remodelação, recorrido a serviços subcontratados a terceiros, como bem evidencia a alínea e) do probatório.

O que aqui está em causa é saber se esses terceiros foram as referidas C... Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda., a L... Sociedade de Construções e Obras, Lda., o R... e, também, o R.... Dito por outras palavras, está em causa saber se as facturas emitidas por esses prestadores de serviços correspondem, ou não, efectivamente a serviços prestados por aqueles agentes à sociedade Impugnante.

A AT, já vimos, entende que não e, por isso, reputa as facturas de falsas; a impugnante sustenta o contrário, ou seja, que todas as facturas têm subjacentes reais operações económicas.

Como resulta da análise do relatório de inspecção, a AT começou por identificar um conjunto de facturas cuja materialidade subjacente pretendeu averiguar (respeitantes aos quatro emitentes que deixámos já identificados) e, nesse desiderato, solicitou diversos documentos ao sujeito passivo V....

Em resultado de tal, foram remetidas aos serviços de inspecção fotocópias das facturas em causa, dos cheques (respectiva frente) alegadamente utilizados para pagamento das mesmas, bem como fotocópias dos extractos das contas bancárias  da empresa V..., nos quais se constata a saída dos montantes em causa.

Para além de os elementos disponibilizados não corresponderem na íntegra ao solicitado, logo se verificou que os mesmos não permitiam identificar os beneficiários dos pagamentos efectuados. Por essa razão, aliás, haviam sido solicitados documentos respeitantes aos pagamentos efectuados através dos quais fosse possível a identificação dos beneficiários efectivos dos mesmos (como, por exemplo, em caso de pagamento por cheque, a presentação de fotocópia frente e verso do mesmo, depois de descontado pelo banco, ou solicitação de autorização para que a AT obtivesse directamente os referidos elementos junto da respectiva instituição bancária).

Deve aqui dizer-se que em relação à solicitação dos cheques, cópia frente e verso, o sujeito passivo recusou a sua apresentação, invocando o sigilo bancário (a este ponto regressaremos mais adiante). Mais foi recusada a autorização à AT para solicitar os elementos em causa ao respectivo banco.

Portanto, até aqui e face aos elementos apresentados, a AT não conseguiu verificar quem foram os beneficiários efectivos dos cheques cujas cópias (das frentes) lhes foram disponibilizadas.

Mais apurou a AT que, no ano em causa, os pagamentos feitos pela V... aos seus fornecedores eram, na esmagadora maioria, feitos por transferência bancária e que o pagamento por cheque aos quatro emitentes das facturas em causa era uma forma excepcional de pagamento.

Também à solicitação de elementos atinentes às obras propriamente ditas, como autos de medição, mapas de serviços realizados, contratos de empreitada, de prestações de serviços, orçamentos (com excepção de uns orçamentos alegadamente elaborados pela C...) ou correspondência trocada com os fornecedores, não foi dada resposta, ou seja, não foram exibidos quaisquer elementos.

O mesmo se diga dos solicitados balancetes por centro de custo que não foram apresentados, entendendo o sujeito passivo que os mesmos não faziam parte da contabilidade da empresa (a este ponto também regressaremos mais adiante).

Foram, então, efectuadas fiscalizações aos quatro emitentes das facturas em causa.

Vejamos, então, por emitente, os indícios que em tais inspecções foram recolhidos e que foram transpostos para a fiscalização efectuada à V....

- Quanto à C...

- não tinha estrutura empresarial, nem quadro de pessoal, que permitisse prestar serviços de construção civil, no montante de € 1.069.844,35; trata-se de empresa que, segundo o INCI (ex-IMOPI) “não está nem nunca esteve devidamente habilitada para exercer a actividade de construção”; segundo informação da Segurança Social, trata-se de sujeito passivo que, no ano em causa, apenas pagou remunerações a uma trabalhadora, em Janeiro de 2005, administradora da empresa; na contabilidade não há custos com pessoal; inexiste qualquer registo de viaturas ou instalações; nenhum documento relativo às prestações de serviços facturadas à V... foi apresentado, como contratos de empreitada, de prestação de serviços, alvarás, título de registo para o exercício da actividade, autos de medição, mapas de serviço ou outros;

- em termos de subcontratação, verifica-se que as aquisições de serviços/bens tituladas pelo Sr. J... (seu único fornecedor em 2005) e que constituem custos directamente relacionados com a facturação à V... (seu único cliente em 2005), têm subjacente a existência de fortes indícios de facturação falsa; destaca-se aqui o facto de o Sr. Jorge H... ser o TOC da C... e também o alegado fornecedor de serviços de construção à C...; foi verificada a inexistência de capacidade instalada deste fornecedor para prestar os serviços de construção à C...; nas sede indicada funciona um gabinete de contabilidade; a gráfica que alegadamente produziu o livro de facturas usadas pelo Sr. H... em 2005 prestou informações no sentido de que “…efectuámos um único trabalho. Esse mesmo trabalho foi realizado em Setembro de 2008”; também inexiste prova dos pagamentos efectuados pela C... ao Sr. Jorge H... pelos serviços de construção alegadamente prestados por ele;

- a C... não apresentou qualquer prova do recebimento dos montantes indicados nas facturas e que alegadamente foram pagos por cheques; a contabilidade reflecte a inexistência de conta bancária onde obrigatoriamente os cheques teriam que ser depositados (trata-se de cheques cruzados); verifica-se uma contradição entre as declarações da C..., que afirma que os pagamentos das facturas foram efectuados em numerário e a V... que afirma que os mesmos foram feitos através de cheques cruzados;

- Quanto à L...

- não tinha estrutura empresarial, nem quadro de pessoal, que permitisse prestar serviços de construção civil, no montante de € 249.053,52; segundo informação da Segurança Social, trata-se de sujeito passivo que, no ano em causa, apenas pagou remunerações a três pessoas, sendo dois deles sócios-gerentes da empresa; não foram detectadas quaisquer instalações pertencentes à L...; nenhum documento relativo às prestações de serviços facturadas à V... foi apresentado, como contratos de empreitada, de prestação de serviços, alvarás, título de registo para o exercício da actividade, autos de medição, mapas de serviço ou outros;

- em termos de subcontratação ao contribuinte R... (fornecedor que se destaca e que no ponto seguinte se verá em detalhe), verificou-se que o mesmo não tem qualquer estrutura empresarial ou quadro de pessoal compatível com serviços prestados na ordem dos € 235.096,15; o R... é também fornecedor da V...; os pagamentos entre a L... e o R... não estão comprovados, face à declaração de que ocorreram em dinheiro;

- o contribuinte não apresentou qualquer prova do pagamento das facturas por parte da V..., realçando-se que, sendo os mesmos alegadamente efectuados através de cheques cruzados, teriam os cheques que ser depositados; destaca-se a contradição entre as afirmações da L... e a V... quanto aos pagamentos; a primeira refere que foi paga em numerário, em Dezembro de 2015; a segunda refere que o pagamento foi efectuado através dos cheques cruzados, descontados em Fevereiro/ Março de 2006; nos extractos das contas da L... não se detectam entradas em dinheiro que correspondam aos valores das facturas;

- Quanto ao R...

- não tem estrutura empresarial nem quadro de pessoal que permita a venda de bens/prestação de serviços (na área da fabricação de equipamento não doméstico de refrigeração), nos montantes facturados, quer à V..., quer à L…, de € 182.929,26 e de € 235.096,15; a morada do sujeito passivo corresponde a um apartamento de habitação; não se detectam quaisquer bens patrimoniais em nome do sujeito passivo, nomeadamente instalações compatíveis com armazém apto a guardar material adequado aos níveis de facturação; não foram exibidos quaisquer elementos relativos aos serviços prestados à V... e à L..., designadamente orçamentos, correspondência, elementos demonstrativos do recurso à subcontratação ou outros; nos registos informáticos da DGCI, no NIF de R..., não consta qualquer declaração como entidade retentora/ pagadora; a Segurança Social prestou informação no sentido de que, em 2005, o sujeito passivo não possuía trabalhadores inscritos, nem apresentava quaisquer mapas de remunerações como entidade empregadora;

- não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos de alegadas aquisições (subcontratos) efectuadas a R..., que estariam relacionados com a emissão de facturação deste, para diversas empresas enumeradas no relatório; não foram detectadas quaisquer aquisições de bens/serviços efectuadas por R... e declaradas por eventuais fornecedores;

- não existe qualquer evidência do recebimento dos montantes alegadamente pagos pelas entidades V... e L..., sendo que, através das diligências efectuadas junto das respectivas empresas, as mesmas não forneceram elementos que comprovassem a veracidade do recebimento efectivo dos valores constantes das facturas respeites à V... e à L... pelo contribuinte R...; note-se que a C... alegadamente pagou em dinheiro as facturas, pelo que não se apura o beneficiário; a V..., exibindo apenas a cópia da frente do cheque, não permite conhecer o beneficiário do mesmo, face à possibilidade de endosso;

- Quanto ao R...

            - o contribuinte não tem estrutura empresarial, nem quadro de pessoal, que permita a venda de bens/ prestação de serviços, relacionados com instalações eléctricas, no montantes facturados em 2005; o domicílio fiscal do sujeito passivo é um 5º andar destinado a habitação; inexistem no seu património quaisquer outros bens para além da casa de habitação; foi detectado um automóvel ligeiro; recusando a exibição da contabilidade, impossibilitou-se o conhecimento quanto à existência de instalações arrendadas destinadas a armazenar bens que servissem para o exercício da sua actividade; o contribuinte entregou, em 2009, declaração de cessação da actividade, para efeitos de IRS e IVA, reportando os efeitos da cessação a 31/03/03; não foram exibidos quaisquer elementos atinentes à venda de bens e prestações de serviços à V..., tais como orçamentos, correspondência com clientes ou subcontratados;

            - não existe qualquer evidência do recebimento, por parte do R..., dos montantes alegadamente pagos pelas entidades adquirentes dos bens/ serviços em causa – V...; repete-se, aqui, quanto a este alegado pagamento por cheque emitido pela V..., o que antes se disse quanto à possibilidade de endosso e ao facto de não ter sido exibida a cópia da frente e verso de tais documentos.


*

Ora, sem necessidade de considerações muito desenvolvidas, em face da evidência resultante dos elementos recolhidos pelos serviços de inspecção e aos quais deixámos expressa referência, entendemos poder concluir que, in casu, como a Recorrente defende, a AT recolheu, efectivamente, indícios sérios e seguros de que as facturas emitidas, em 2005, pelos fornecedores C... Comércio de Materiais e Construção Civil, Lda, L... Sociedade de Construções e Obras, Lda., R... e R..., não titulam reais prestações de serviços que aqueles tenham efectuado à Impugnante, V....

Efectivamente, estes “factos-índice”, a que deixámos expressa referência, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT desconsiderar os custos que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas, tratando-se, portanto, de valores que não concorreram para a obtenção dos proveitos – artigo 23º do CIRC.

Com efeito, os elementos recolhidos em sede inspectiva – sublinhe-se, com apoio também em fiscalizações incidentes sobre terceiros - vão, inequivocamente, num sentido claro: o de que aqueles quatro fornecedores, emitentes das facturas em causa, não prestaram os serviços que constam descritos nas facturas cujos valores não foram aceites como custo.

Qualquer dos fornecedores identificados não possui, como vimos, estrutura empresarial ou de pessoal compatível com os níveis de facturação em causa.

Por outro lado, é clara a falta de prova do pagamento/recebimento dos valores constantes das facturas, sendo manifesta a impossibilidade de identificar os beneficiários de tais pagamentos. Realçam-se as incongruências detectadas entre emitentes e clientes quanto à forma de pagamento; aqueles dizendo que se tratou de pagamento em numerário; a V... afirmando sempre o pagamento através de cheque.

Inexistem, também, como se viu, quaisquer documentos associados às prestações de serviços facturadas, sejam orçamentos, contratos, autos de medição, elementos de subcontratação ou outros.

Destaca-se, também, na análise dos indícios recolhidos os casos em que se pôde concluir que também os fornecedores dos emitentes não tinham estrutura e capacidade para prestarem os serviços a montante.

Temos para nós que, tudo isto ponderado, nos permite concluir, com o grau de certeza aqui exigível, que os quatro apontados fornecedores não prestaram à V... os serviços descritos nas facturas aqui desconsideradas.

Realce-se, ainda, que, se até aqui, a actividade investigatória da AT (espelhada no relatório de inspecção) já era comprovadamente suficiente para os fins visados, no que toca à C..., o documento junto com o recurso vem manifestamente corroborar aquelas que já eram as conclusões extraídas pela AT em sede inspectiva.

Com efeito, os elementos de prova juntos apontam para um circunstancialismo de facto que torna patente a alegação no sentido de que a C... jamais prestou à V... os serviços que estão descritos nas facturas desconsideradas pelos serviços de inspecção.

Neste sentido, se encaminham claramente as afirmações feitas pela sócia-gerente da C..., M... Rodrigues, na oposição que deduziu ao processo de execução fiscal nº ... e aps, delas se extraindo que, não depois de Janeiro de 2004, ela e o seu marido, pediram ao TOC, “J..., que adoptasse os procedimentos necessários à cessação da actividade da C..., já que a muito não celebravam qualquer negócio em nome da sociedade”, afirmando, ainda, desconhecer a sociedade V....

Também o teor do auto de interrogatório do arguido J..., TOC da C..., é elucidativo e corrobora os indícios já recolhidos pela AT, já que aí se afirma que a C... não tinha pessoal para prestar os serviços facturados à V..., mais se esclarecendo que “tomou – ele, TOC – a iniciativa (…) de emitir facturas da C... para a firma V..., (…) nada recebendo por estas facturas de favor que lhes entregou, já que não tinha qualquer tipo de relação com a V...”.

Isto dito, importa que nos detenhamos um pouco mais na questão acima tratada relativa ao alegado pagamento das facturas, efectuado, segundo a Recorrida, por meio de cheques cujas cópias (das respectivas frentes) foram juntas aos autos.

Em concreto, impõem-se alguns considerandos a propósito da “recusa de cooperação com fundamento no sigilo bancário”.

Sobre esta questão, aqui retomada pela Recorrida, a Mma. Juíza expendeu o seguinte discurso argumentativo:

“(…)

O art. 63.°, n.° 4 da LGT (na redacção inicial do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro) estabelecia que "a falta de cooperação na realização das diligências [de inspecção] previstas no n.° 1 só será legítima quando as mesmas impliquem: (...) b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do titular".

A cópia, frente e verso, dos cheques é um elemento que não faz parte da escrita dos sujeitos passivos - é um documento bancário que, indiscutivelmente, está abrangido pelo sigilo bancário.

A falta de cooperação da Impugnante, quanto ao fornecimento deste elemento informativo, é, por isso, legítima.

Perante essa falta de cooperação — e considerando esses elementos essenciais à prova da simulação fiscal —, à Administração Tributária restavam duas alternativas: ou solicitar uma autorização judicial para aceder a tal informação (cfr. art. 63.°, n.° 2 da LGT, na redacção da Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro); ou aceder directamente a tais informações, nos termos previstos no art. 63.°-B, n°s. l e 2 da referida Lei (na redacção dada pela Lei n.° 55-B/2004, que aprovou o Orçamento de Estado para 2005). Neste último caso, porém, a Administração Tributária teria que demonstram que se encontravam reunidos os pressupostos legais e fundamentar a respectiva decisão (cfr. n°s. 4 e 5 da referida norma legal - v., neste sentido, por todos, acórdão do STA, proferido no Processo n.° 0277/06, de 19/04/2006).

A Administração Tributária optou por não o fazer. Essa sua opção não pode, porém, legitimar a sua conclusão de que a recusa de acesso a tais elementos por parte da Impugnante é ilegítima (cfr. alínea n) do probatório e fls. 433 e 434 do Relatório de Inspecção, para as quais remete a defesa apresentada pela Fazenda Pública).

Como referido, a falta de cooperação por parte da Impugnante está legalmente prevista, nos termos estabelecidos no art. 63.°, n.° 4 da LGT (redacção vigente à data), por se tratarem de documentos bancários protegidos pelo segredo bancário, não podendo dela retirar-se qualquer facto indiciante de simulação fiscal.

(…)”

Vejamos.

Ainda que este Tribunal perceba o sentido de tal análise, a verdade é que, o caso concreto, obriga a que apreciamos a apontada recusa de exibição dos cheques bancários (a sua frente e verso, após desconto no banco), numa outra perspectiva.

Quem, no caso, alega o pagamento de determinadas facturas a determinados fornecedores é o sujeito passivo que as tem registadas, como custos, na sua contabilidade. Quem alega que os pagamentos foram efectuados a quatro concretos fornecedores, através de determinados cheques, é o sujeito passivo.

Foi, pois, a Impugnante que alegou tal circunstancialismo de facto e é ela que está onerada com a sua prova. É à Impugnante que cabe demonstrar o que alega e, nesse desiderato, cabe-lhe juntar os elementos de prova que necessariamente há-de ter em seu poder e que lhe permitem afirmar tal facto e lhe permitiram justificar o registo contabilístico dos pagamentos efectuados.

Cabia, pois, à V... provar o que alegou, não sendo aceitável que se faça recair sobre a AT a prova de um circunstancialismo que, nem a AT alega, nem lhe cumpre provar. Com efeito, não cabe aos serviços de inspecção provar que a V... pagou certas quantias, a determinados fornecedores, através da utilização dos cheques X ou Y.

Por outro lado, como é evidente, os valores protegidos pelo sigilo bancário - o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes – não são minimamente beliscados pelo facto de o próprio emitente dos cheques solicitar, para efeitos da prova e defesa que se propõe fazer no Tribunal, a cópia, frente e verso, dos mesmos.

Por conseguinte, sem entrar na discussão sobre a qualificação da recusa de exibição de tais elementos, a verdade é que, no caso concreto, o que temos é que a AT, na investigação efectuada tendente a demonstrar os indícios seguros e objectivos da falsidade das facturas, demonstrou as incongruências detectadas quanto aos pagamentos e, com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte, a impossibilidade de identificar concretos beneficiários dos pagamentos. Este circunstancialismo relativo à não demonstração dos pagamentos aos emitentes é, como vimos, um indício, a par de outros, da falta de veracidade das facturas.

A recusa do sujeito passivo em exibir os documentos que demonstrem os pagamentos, mais do que ser qualificada como legítima ou ilegítima, interessa para efeitos de concluir sobre o (in)cumprimento do ónus da prova que competia à V....

E, sobre este ponto, deixámos já claro que, do nosso ponto de vista, os pagamentos das facturas aos quatro emitentes supra identificados não está efectivamente demonstrado.

Importa, ainda, deixar evidenciado que o fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela acentuada preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento.

Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas das vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratando-se, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.

E aqui, aliás, é o que acontece, ou pelo menos, assim evidenciam os elementos recolhidos em sede inspectiva, como repetidamente fomos referindo ao longo deste acórdão. Sucede, aliás, o que amiúde se verifica: torna-se difícil (ou mesmo impossível, melhor dizendo) estabelecer uma linha segura do circuito do dinheiro e estabelecer a convergência com o circuito documental.

Também se impõem umas palavras sobre a questão suscitada sobre a alegada “recusa de cooperação no acesso aos balancetes por centro de custo” e às ilações daí retiradas em sede de inspecção.

A este propósito, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:

“(…) —  Da recusa de cooperação no acesso aos balancetes por centros de custo

Por outro lado, alega a Fazenda Pública que a falta de apresentação dos balancetes por centro de custos é um elemento essencial para validar o montante de 115.116,79 € de redução dos proveitos declarados pela Impugnante no ano de 2005 e que tais documentos, sendo auxiliares da contabilidade, devem ser facultados para que tais lançamentos sejam validados (cfr. alínea n) do probatório).

Também neste ponto, não tem razão a Fazenda Pública.

Com efeito, e como reconhece a Fazenda Pública, tais documentos não são de elaboração obrigatória (cfr. art 115.° do CIRC, na versão em vigor à data), sendo meros auxiliares da contabilidade.

Assim, a recusa de exibição de tais documentos não releva também como facto indiciador de qualquer simulação fiscal, até porque, como defende a Impugnante, o controlo do grau de acabamento das obras em curso pode ser efectuado através da verificação dos orçamentos e das facturas de clientes e fornecedores, relativos a cada uma das obras -documentos estes que a Impugnante disponibilizou à Administração Tributária”

Esta questão, na qual a Recorrida insiste, perdeu todo interesse, pois que, como evidencia o relatório de inspecção, a AT absteve-se de propor qualquer correcção relativa a diferimento de proveitos, correcção esta que justificava a solicitação daqueles balancetes.

Com efeito, lê-se no RIT (cfr. fls. 67 e 68) que: “É dito no projecto de relatório (…) que, apesar da empresa usar os extractos por centros de custos (elementos que recusou apresentar à administração tributária) para efectuar um lançamento na contabilidade geral, que implicou o diferimento de proveitos na ordem dos 115.116,79 € (ou seja, valor de proveitos obtido pela empresa em 2005 mas que, pelo lançamento contabilístico em causa, foi afastado de tributação nesse ano), estes serviços de inspecção não iriam proceder à correcção, ou seja, acrescer aos proveitos de 2005 aquele valor e tributá-lo, na medida em que tais proveitos foram reconhecidos no ano de 2006. Desta forma, não se “penalizou” o sujeito passivo, ao invés do que o próprio refere, apesar de o mesmo não ter apresentado os solicitados balancetes por centro de custo”.

Vistas estas duas últimas questões, retomamos o raciocínio que vínhamos seguindo, no sentido de concluir pela existência de indícios recolhidos que traduzem uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados fornecedores não prestaram à Recorrida os serviços mencionados nas facturas por este contabilizadas e em que os apontados quatro fornecedores figuram como emitentes.

Porque assim é, como se entende, há que dizer que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia.

Foram, repete-se, evidenciados factos objectivos que, no entendimento deste Tribunal, são de molde a concluir fundadamente por um quadro de grande probabilidade de as transacções alegadamente ocorridas entre as partes não corresponderem (materialmente) à realidade pressuposta nas facturas desconsideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Todos estes “factos-índice”, repete-se, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT, como sucedeu, desconsiderar os custos que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.

Assim sendo, como se entende que é, há que concluir que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia – cfr. artigo 74º da LGT.

Por conseguinte, isto é, tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas facturas em causa são reais, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações com materialidade.

Ónus que, definitivamente, a V... não cumpriu, já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas e demonstrar que são reais as transacções de bens descritas nas facturas emitidas em 2005, pela C... — Comércio de Materiais de Construção, Lda., pela L... — Sociedade de Construção e Obras, pelo R... e pelo R..., no montante total de € 1.135.839,36.

A análise da matéria de facto não deixa margem para dúvidas.

O Tribunal a quo, que teve em consideração a prova documental e a prova testemunhal, não considerou provado qualquer facto atinente às concretas prestações de serviços descritas nas facturas, pelos seus emitentes. A isto acresce que, também a questão dos pagamentos das facturas aos quatro identificados fornecedores ficou por provar, nos termos já expostos.

Portanto, encaminhando o raciocínio para final, deve concluir-se, com base nos indícios recolhidos pela AT, que não foi com base nas facturas aqui desconsideradas que foram prestados os serviços lá descritos, pois que os emitentes daquelas facturas não os podiam ter prestado.

Assim sendo, se as facturas não titulam a verdade das operações nelas descritas, não há como aceitar como custos fiscalmente dedutíveis os montantes nelas registados.

Nesta conformidade, e sem necessidade de nos alongarmos mais, julgam-se procedentes as conclusões das alegações de recurso e concede-se provimento ao recurso. Em consequência, revoga-se a sentença recorrida e, em conformidade, julga-se improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e correspondentes juros compensatórios.

Como é evidente, não se pode manter o decidido quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, já que, nos termos que aqui ficaram expostos, não se mantém o juízo de ilegalidade das liquidações impugnadas.


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Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento». E nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
«É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[1].
«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[2].
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».”
No caso em apreço, o valor da causa corresponde a € 368.233,00.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].
No caso presente, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.
Afigura-se-nos, pois, aplicável a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP.

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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida;

- julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e correspondentes juros compensatórios.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, com dispensa pelas partes de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº7 do RCP.

Lisboa, 08/06/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)



[1] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[2] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.