Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:995/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/07/2019
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO - ERRO SOBRE A PROIBIÇÃO – NEGLIGÊNCIA – ADMOESTAÇÃO - ATENUAÇÃO ESPECIAL.
Sumário:I - A falta de consciência da ilicitude do facto subsume-se no art. 8º n.º 2 (e não no art. 9º), do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ou seja, exclui o dolo [isto é, a ignorância da proibição constitui, quanto à contra-ordenação, sempre, erro relevante, em termos de excluir o dolo], ficando ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais (cfr. n.º 3 do art. 8º, do RGCO), o que é expressamente admitido quanto à infracção contra-ordenacional ora em causa (cfr. art. 98º n.º 9, do RJUE, na redacção do DL 26/2010, de 30/3, nos termos do qual a negligência é punível).
II - De acordo com o disposto no art. 15º, do Código Penal, ex vi art. 32º, do RGCO, age com negligência quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, o que tem como consequência a realização do facto proibido por lei.
III - Do n.º 1 do art. 51º, do RGCO, decorre que a prolação de uma admoestação depende, desde logo, da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: reduzida gravidade da infracção e reduzida gravidade da culpa do agente.
IV - Os pressupostos do regime da atenuação especial previstos no art. 72º, do Cód. Penal, aplicam-se no âmbito contra-ordenacional, por força do estatuído no art. 32º, do RGCO, pelo que há lugar à atenuação especial da coima quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à contra-ordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

I – RELATÓRIO

M........ apresentou, em Maio de 2019, no Município de Lisboa recurso para impugnação do acto da Vereadora daquela edilidade, proferido em 7.5.2018, com competência delegada, que lhe aplicou a coima no valor de € 700, acrescida das custas processuais no montante de € 51 – perfazendo o total de € 751 -, pelo cometimento da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 98º n.ºs 1, al. a), e 2, conjugado com o art. 4º n.º 2, al. d), ambos do DL 555/99, de 16/12, na redacção do DL 26/2010, de 30/3, e no qual peticionou o arquivamento dos autos (por prescrição do procedimento contra-ordenacional ou, de todo o modo, por ter agido com erro desculpável) ou, caso assim não se entenda, a aplicação da admoestação ou, em último caso, que a coima aplicada seja especialmente atenuada.

Por despacho de 10.5.2019 foi mantida a decisão proferida em 7.5.2018 e ordenada a remessa do processo ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tendo o Ministério Público determinado a apresentação dos autos ao juiz, nos termos do art. 62º, do DL 433/82, de 27/10 [Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)].

Por despacho de 6.6.2019 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi admitido o recurso e, por sentença de 23 de Agosto de 2019 desse tribunal, foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial e, em consequência, mantido o despacho recorrido de aplicação da coima.

Inconformada, a arguida (M……..) interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“A. Dos presentes autos consta que os factos que alegadamente deram origem à presente contraordenação ocorreram no dia 22/03/2012, facto este que a arguida aceita.
B. Ora, dispõe o artigo 27º do RGCO, que o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação tenham ocorrido 5 anos quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79;
C. Ora, tendo a presente contraordenação ocorrido em 22/03/2012, verifica-se que já decorreram mais de cinco anos desde a prática dos alegados factos.
D. De facto, desde a referida data já passaram mais de sete anos, pelo que se encontra o presente procedimento prescrito, exceção esta que desde já se invoca, devendo os presentes autos serem arquivados.
Sem prescindir, e caso assim se não entenda,
E. Como já foi referido na sua Defesa Escrita, antes de levar a efeito as obras mencionadas no auto de notícia, a arguida informou-se junto de familiares, amigos e outras pessoas residentes na mesma zona da cidade acerca da necessidade de licença da Câmara Municipal para fazer as obras mencionadas no auto de notícia.
F. E pela informação que então colheu, o que conseguiu saber é que era convencimento comum de que a realização de obras de conservação, como as que levou a efeito, não necessitava de licença,
G. Sendo que haviam sido realizadas outras obras de conservação idênticas na mesma zona sem que tivesse sido exigida licença para o efeito,
H. Zona essa que, nos últimos anos, vem sendo cada vez mais procurada por pessoas que, como a arguida, pretendem preservar a sua história e autenticidade, como factor decisivo de opção de residência.
I. Por outro lado, consultou o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL) publicado na 2.ª Série do Diário da República n.º 8 de 13 de Janeiro de 2009.
J. Tomou atenção, designadamente, ao disposto na al. c) do artigo 5.º deste Regulamento, segundo o qual,” para efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º -A do RJUE”, as obras de conservação “em qualquer categoria de edifício” são consideradas obras de escassa relevância urbanística.
K. A arguida sabia que as chamadas obras de conservação, de escassa relevância urbanística, não estavam sujeitas a licença, de acordo com a regra geral do RJUE.
L. Mas foi induzida em erro pela redacção do artigo 5.º, nomeadamente das respectivas alíneas c) e d).
M. O novo RMUEL (2013) – que não se aplica aos factos dos autos, por ser posterior –, ao dispor sobre a mesma matéria no artigo 5.º, tem uma redacção muito mais clara, ao fazer expressa referência ao n.º 2 do artigo 6.º-A do RJUE, certamente para que os destinatários do regulamento não tenham dúvida sobre a necessidade de obterem licença para obras de conservação em edifícios em zonas classificadas ou em vias de classificação.
N. Ao ler o RMUEL de 2009 a arguida ficou, pois, convencida que, de facto, não era necessária a obtenção de licença.
O. Para além disso, a arguida confiou no empreiteiro que contratou para fazer as obras, que conhecia pelo facto de este ter trabalhado na zona e ter feito trabalhos idênticos,
P. Tendo ficado convencida de que este a alertaria para a necessidade de obter licença.
Q. O facto de este não lhe ter feito qualquer alerta ainda mais a convenceu de que a licença não era necessária.
R. As obras que a arguida mandou fazer eram, na ocasião, muito necessárias e urgentes.
S. A instalação elétrica era muito antiga, encontrava-se em péssimo estado de conservação e apresentava grave risco de provocar incêndio com danos elevados, que poderiam causar a destruição do imóvel de 3 andares onde se localiza o andar (1.º Direito) em que foram realizadas as obras.
T. O mesmo sucedia com as canalizações do gás e da água, que apresentavam ruturas com fugas, em péssimo estado de conservação, apresentando-se as águas de cor escura, com mau cheiro.
U. Exalando os esgotos maus cheiros, insuportáveis.
V. As obras que realizou destinaram-se a remover os graves problemas de eletricidade, canalizações, esgotos e segurança.
W. Correspondendo as demais (pinturas e azulejos) a acabamentos para garantir a limpeza, higiene e salubridade do espaço, com melhoria estética como espaço de habitação.
X. As obras realizadas em nada alteraram o interior do edifício, nas suas divisões, estrutura ou de qualquer outra forma, não tendo a arguida retirado benefício económico da contraordenação.
Y. As obras de conservação efetuadas apenas melhoraram o imóvel, dentro da lógica e do espírito que o RMUEL visa salvaguardar e garantir.
Z. A arguida não conhecia a existência deste processo.
AA. Pretende realizar todos os procedimentos necessários à legalização da obra, indo diligenciar imediatamente nesse sentido junto dos serviços competentes da Câmara Municipal.
BB. A arguida tinha 22 anos de idade à data da prática dos factos.
CC. Estava a terminar os estudos e tinha acabado de tomar posse efetiva da parcela do imóvel, recebido por herança, que se encontrava em estado de elevada degradação, colocando em risco a segurança dos demais residentes no prédio.
DD. Não possuía, na ocasião, quaisquer rendimentos, tendo feito as obras com algum dinheiro que recebera por herança.
EE. A infração é de reduzida gravidade.
FF. A arguida agiu com erro desculpável, motivado pela sua juventude e inexperiência, pelas indicações que recebeu quanto à desnecessidade de licença e pela leitura do RMUEL (2009), que teve o cuidado de consultar e cujo artigo 5.º, pela sua redação deficiente, lhe criou a convicção de que não tinha que pedir licença.
GG. A arguida agiu com total falta de consciência da ilicitude, plenamente convencida de que não estava a praticar qualquer infração.
HH. Assim, deverá a arguida ser absolvida por ter agido sem culpa, nomeadamente por o erro em que incorreu não lhe ser censurável (artigo 9.º do Decreto-Lei 433/82).
II. De facto, ao ser determinada a medida da pena deve atender à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico que retirou da contraordenação.
JJ. Designadamente, no que toca à culpa do agente, “...deve atender-se ao grau de violação dos deveres impostos ao agente...”, “...ao grau de intensidade da vontade de praticar a infracção ...”, “...aos sentimentos manifestados no cometimento da contra-ordenação...”, aos fins ou motivos determinantes...”, “...à conduta anterior e posterior...”, e “....à personalidade do agente...”.
KK. De qualquer forma, estaríamos sempre perante factos que implicam a diminuição e até a exclusão da ilicitude do facto e da culpa do agente.
LL. Contudo, é ainda necessário aludir ao disposto no art.º 51 do Regime Geral das Contraordenações, ou seja, o mesmo dispõe que “...quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, uma vez que se trata de uma contraordenação ligeira, de reduzido grau de ilicitude...”,
MM. Não restam dúvidas de que o grau de culpa da arguida é reduzido,
NN. A sua condição económica é modesta,
OO. Não obteve qualquer benefício económico com a sua prática, aliás visou proteger e melhorar as condições de habitabilidade do imóvel em causa nestes autos.
PP. Pelo que nesta conformidade, requer o arquivamento dos autos, ou caso assim se não entenda se digne proferir uma Admoestação nos termos do art. 51º do RGCO.
QQ. Em último caso – o que só por hipótese teórica pode admitir - deverá ser especialmente atenuada a coima, com fixação no mínimo legal.
Termos em que, revogando a sentença proferida e proferindo uma outra que consagre a tese da recorrente farão V/ ex.as a Costumada Justiça.”.


O Ministério Público, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela improcedência do presente recurso jurisdicional.


O Ministério Público junto deste TCA Sul teve vista no processo, nos termos do art. 416º do CPP.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
A. Em 22/03/2012, o agente principal A........, elaborou o Auto de Notícia de fls. 7 a 8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”

B. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 22/03/2012, a Impugnante deu início à execução das obras melhor descritas no auto de notícia referido na alínea antecedente, na fração autónoma sita na Rua do G….., n.º…...º direito, em Lisboa, – cfr. fls. 7 a 14 dos autos;
C. O imóvel referido na alínea antecedente encontra-se integrado em conjunto de imóveis classificados ou em vias de classificação – Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica – cfr. fls. 15 a 16 dos autos;
D. A Impugnante foi a promotora das obras referidas na alínea A) e não possuía alvará de licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa para a realização das obras – prova por confissão da Impugnante;
E. Em 25/10/2015, a Chefe de Divisão de Contraordenações da Câmara Municipal de Lisboa determinou a instauração de processo de contraordenação, que deu origem ao processo n.º 1-3384-2015 – cfr. fls. 17 dos autos;
F. Em 30/10/2015, a Impugnante foi notificada do instrumento de fls. 19 a 28 dos autos, cujo teor, por brevidade, aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 18 a 29 dos autos;
G. A Impugnante apresentou junto da Divisão de Contraordenações da Câmara Municipal de Lisboa a sua defesa escrita, via correio postal registado datado de 18/11/2015 – cfr. fls. 30 a 36 dos autos, cujo teor, por brevidade, aqui se dá por integralmente reproduzido;
H. Em 20/03/2018, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Impugnante na sua defesa escrita - cfr. fls. 47 a 50 dos autos;
I. Por decisão da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, C……, de 07/05/2018, foi aplicada à Impugnante uma coima no valor de 700,00 (setecentos euros), pela violação do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30/03, ilícito previsto e punido pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30/03 – cfr. fls. 52 a 60 dos autos, cujo teor, por brevidade, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
J. A decisão referida na alínea antecedente foi comunicada à Impugnante em 05/04/2019 – cfr. fls. 64 a 65 dos autos;
K. Em 06/05/2019, a Impugnante apresentou, via fax, impugnação judicial da decisão referida na alínea I) - cfr. fls. 68 a 81 dos autos;
L. A Impugnante não possui antecedentes contraordenacionais registados na Câmara Municipal de Lisboa – prova por acordo das Partes;
M. À data em que foi elaborada o auto de notícia, a Impugnante tinha 22 anos – cfr. cópia do cartão de cidadão da Impugnante junto ao processo administrativo;
N. O despacho de admissão liminar do presente recurso de contraordenação foi proferido a 06/06/2019 e notificado à Impugnante em 12/06/2019 – cfr. fls. 89 a 90 dos autos e ainda http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx?lang=def, onde está inserida a seguinte informação

”.

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao considerar que:
1) - ainda não decorreu o prazo prescricional;
2) – a conduta da recorrente é punível a título de negligência;
3) - não estão reunidos os pressupostos para que seja aplicada à recorrente a sanção de admoestação;
4) – não se apurou factualidade que permita concluir pela verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima [cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas].

Passando à análise de cada uma destas questões, tendo presente que, de acordo com o disposto no art. 75º n.º 1, do RGCO, a 2ª instância apenas conhece da matéria de direito.


1)

A recorrente invoca que o presente procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito, pois, de acordo com o disposto no art. 27º, do RGCO, o prazo de prescrição é de cinco anos, e já passaram mais de sete anos desde a data em que ocorreu a contra-ordenação (22.3.2012).

Na sentença recorrida considerou-se que ainda não decorreu o prazo prescricional com base na seguinte fundamentação:
No que diz respeito à prescrição do procedimento contraordenacional, dispõe o artigo 27.º do RGCO:
O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;
b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.” (sublinhado nosso).
Já as causas de suspensão da prescrição estão previstas no artigo 27.º-A do RGCO, enquanto o artigo 28.º identifica as causas de interrupção da prescrição.
De todo o modo, e de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, a “prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”
No caso dos autos, o prazo de prescrição é de 5 anos, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do RJUE, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30/03, a contraordenação em causa é punível com uma coima graduada entre € 500,00 e € 200.000,00 para pessoas singulares, ou seja, é superior ao valor máximo estabelecido na alínea a) do artigo 27.º do RGCO.
Decorre também do corpo deste artigo que a contagem do prazo de prescrição se inicia no momento da prática da contraordenação.
Dispõe o artigo 5.º do RGCO, sob a epígrafe “Momento da prática do facto”, que o “facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.”
Como explica Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2011, págs. 43 e 44, em anotação ao artigo 5º:
No caso de contra-ordenação permanente (…), os prazos contam-se desde o dia em que cessa a respectiva consumação, uma vez que o agente cria uma situação antijurídica cuja manutenção depende da sua vontade, como, por exemplo, o estacionamento em local proibido (precisamente nestes termos, GÖLHER, anotação 17.ª antes do § 19.º, e acórdão do TRP, de 31.2.2008, in CJ, XXVIII, 2, 239). Neste caso, a contra-ordenação está em execução permanente desde o dia em que a situação de facto foi modificada pelo agente até ao dia em que a situação de facto é reposta no estado em que estava antes da acção do agente ou até ao dia em que o agente obtém uma licença legal para a modificação da situação de facto. Ao invés, a contra-ordenação de estado (…) consuma-se instantaneamente, mas os seus efeitos protelam-se no tempo, criando uma situação com efeitos permanentes, como sucede com (…) a alteração de uma fachada de um prédio urbano sem a respectiva licença camarária (caso do acórdão do TRP, de 21.5.2007, in CJ, XXXII, 3, 234) (…) a instalação de uma sucata sem autorização legal (caso do acórdão do TRG, de 20.3.2006, in CJ, XXXI, 2, 279) e a execução de um desaterro para construção de um armazém sem licenciamento municipal (caso do acórdão do TRL, de 25.3.2002, in CJ, XXVIII, 2, 134). Nestes casos, o prazo de prescrição começa a correr no dia da conclusão da obra de construção, alteração (…) ou desaterro (…)” (sublinhados nossos).
Decorre do exposto que, no que respeita às operações urbanísticas sem a necessária licença ou comunicação prévia, o prazo de prescrição inicia-se na data da conclusão da dita operação, ainda que os efeitos da infração se prolonguem no tempo – cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28/02/2018, processo n.º 210/17.1BELLE, disponível em www.dgsi.pt.
Isto posto, e voltando ao caso sub judice, o auto de notícia foi elaborado em 22/03/2012 e nesta data as obras de conservação ainda estavam em curso, mas nem o auto de notícia nem a decisão administrativa impugnada concretizam o dia e o ano em que as obras foram concluídas.
No entanto, a falta desse elemento permite, ainda assim, ao Tribunal proferir uma decisão quanto à questão da prescrição invocada.
E isto porque, dispõe o artigo 28.º do RGCO, sob a epígrafe «Interrupção da prescrição»:
1- “A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
E o artigo 27.º-A do RGCO, sob a epígrafe «suspensão da prescrição», dispõe o seguinte:
1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Da factualidade provada resulta que a Impugnante foi notificada para apresentar defesa escrita em 30/10/2015, facto este que interrompe a prescrição nos termos previstos na alínea c), do n.º 1, do artigo 27.º do RGCO, ou seja, nesta data iniciou-se um novo prazo prescricional de 5 (cinco) anos que ainda não se mostra precludido.
No entanto, há que atender ao prazo máximo da prescrição, neste caso, sete anos e seis meses, e ainda às causas de suspensão. Assim, também resultou provado que o despacho de admissão liminar do presente recurso de contraordenação foi proferido a 06/06/2019 e notificado à Impugnante em 12/06/2019, estando assim, verificada a causa de suspensão prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 27.º-A do RGCO, a qual não pode exceder seis meses.
Assim, e atendendo a que em 12/06/2019 ocorreu a suspensão da prescrição e que ainda não foi proferida decisão transitada em julgado nem decorreu o prazo máximo de seis meses previsto no n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, é de concluir que o prazo prescricional encontra-se suspenso e ainda não decorreu a prescrição do mesmo, improcedendo esta alegação do recurso de contraordenação.”.

Do ora transcrito decorre que na sentença recorrida se concluiu no sentido de que ainda não decorreu o prazo prescricional com base, em suma, nos seguintes argumentos:
- nas operações urbanísticas sem a necessária licença o prazo de prescrição inicia-se na data da conclusão da dita operação (cfr. arts. 5º e 27º, corpo, ambos do RGCO);
- no caso sub judice o auto de notícia foi elaborado em 22.3.2012 e nesta data as obras de conservação ainda estavam em curso, mas nem o auto de notícia nem a decisão administrativa impugnada concretizam o dia e o ano em que as obras foram concluídas [ou seja, apenas se pode afirmar que a prescrição começou a correr em data não concretamente apurada, mas posterior a 22.3.2012], no entanto, é possível afirmar que a prescrição ainda não decorreu, pois:
- o prazo de prescrição é de 5 anos (cfr. art. 27º, al. a), do RGCO, conjugado com o disposto no art. 98º n.ºs 1, al. a), e 2, do RJUE, na redacção do DL 26/2010, de 30/3);
- a ora recorrente foi notificada para apresentar defesa escrita em 30.10.2015, facto que interrompeu a prescrição (cfr. art. 28º n.º 1, al. c), do RGCO), ou seja, nesta data iniciou-se um novo prazo prescricional de 5 anos, embora haja que atender ao prazo máximo da prescrição, neste caso de sete anos e seis meses (cfr. art. 28º n.º 3, do RCGO), e ainda às causas de suspensão, concretamente à prevista no art. 27º-A n.º 1, al. c), do RGCO - a qual não pode exceder seis meses (cfr. art. 27º-A n.º 2, do RGCO) -, pois o despacho de admissão liminar do recurso de contra-ordenação, proferido em 6.6.2019, foi notificado à ora recorrente em 12.6.2019;
- em 12.6.2019 ocorreu a suspensão da prescrição e ainda não foi proferida decisão transitada em julgado nem decorreu o prazo máximo dessa suspensão (6 meses), pelo que é de concluir que o prazo prescricional ainda não decorreu, encontrando-se o mesmo suspenso.


A recorrente discorda deste entendimento, constatando-se a este propósito que na alegação de recurso repete os argumentos que já tinha vertido na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa [cabendo salientar que o presente recurso jurisdicional (o corpo da alegação de recurso é constituído por 49 artigos e as respectivas conclusões são de A) a QQ)) traduz-se numa cópia integral da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa (cujo corpo é constituído por 49 artigos e as respectivas conclusões são de A) a QQ))] e aos quais foi dada resposta na decisão recorrida, não concretizando o(s) específico(s) erro(s) em que a sentença recorrida incorreu ao julgar improcedente esta questão.


Com efeito, e a título de exemplo, a recorrente nunca põe em causa que o prazo de prescrição se interrompeu em 30.10.2015, com a sua notificação para apresentar defesa escrita, face ao estatuído no art. 28º n.º 1, al. c), do RGCO, ou que tal prazo se suspendeu em 12.6.2019, com a notificação do despacho - proferido em 6.6.2019 - de admissão liminar do recurso de contra-ordenação.


Assim, não imputando a recorrente um concreto erro à sentença recorrida quanto à questão da prescrição, e sendo certo que não se divisa tal erro face à valia dos argumentos em que a mesma assenta [sendo apenas de acrescentar que, nos termos do art. 28º n.º 1, als. a), b) e d), do RGCO, o prazo de prescrição também se interrompeu em 20.3.2018 (data em que foram inquiridas duas testemunhas – cfr. alínea H), dos factos assentes), 7.5.2018 (data em que foi proferida a decisão administrativa – cfr. alínea I), dos factos assentes) e 5.4.2019 (data em que foi notificada à arguida a decisão administrativa – cfr. alínea J), dos factos assentes), e que a causa de suspensão do prazo de prescrição prevista no art. 27º-A n.º 1, al. c), do RGCO, de acordo com o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2011, publicado no DR, 1ª série, de 11.2.2011, abrange a fase de recurso no tribunal de 2ª instância], só se pode concluir no sentido de que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento quando considerou que ainda não decorreu o prazo prescricional.


2)

A recorrente alegou em sede de impugnação judicial que agiu sem culpa, por total falta de consciência da ilicitude, sendo que o erro em que incorreu não lhe é censurável (cfr. art. 9º, do RGCO), dado que se informou junto de familiares, amigos e outras pessoas residentes na mesma zona, bem como junto do empreiteiro a quem adjudicou a obra, sendo convencimento comum que a realização das obras de conservação mencionadas no auto de notícia não necessitava de licença. Acrescentou a este propósito que consultou o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), publicado na 2ª Série, do DR, de 13.1.2009, tendo sido induzida em erro pela redacção deficiente do respectivo art. 5º - o qual deve ser lido conjuntamente com o RJUE -, nomeadamente das suas alíneas c) e d), pois ao ler tal normativo ficou convencida de que não era necessária a obtenção de licença para as obras em questão. Referiu ainda que parte das obras que realizou destinaram-se a remover graves problemas de electricidade, canalizações, esgotos e segurança e correspondendo as demais (pinturas e azulejos) a acabamentos para garantir a limpeza, higiene e salubridade do espaço, não alterando o interior do edifício.


A sentença recorrida considerou que a conduta da recorrente é punível a título de negligência, defendendo a recorrente que tal entendimento enferma de erro, mas sem razão, como se passa a demonstrar.

Estatui o art. 8º, do RGCO, sob a epígrafe “Dolo e negligência”, o seguinte:
1 - Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

2 - O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo.

3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.” (sublinhados nossos).


E prescreve o art. 9º, do RGCO, sob a epígrafe “Erro sobre a ilicitude”, que:
1 - Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.

2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.”.

Como explica Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2011:
- A pág. 63, em anotação ao art. 8º, “O erro sobre a proibição é a especialidade do regime do erro no direito das contra-ordenações, pois supõe o tratamento logo ao nível do dolo do tipo de situações de erro que o direito penal trata, em regra, ao nível do dolo da culpa. Isto deve-se à natureza eticamente neutral do objecto do ilícito contra-ordenacional, sendo o conhecimento da proibição indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto. Ele inclui as seguintes situações típicas: (1) o erro sobre a ilicitude da acção; (2) o erro sobre a existência de um dever de garante; e (3) o erro sobre o significado dos elementos normativos do tipo.” (sublinhado nosso);
- E a págs. 65 e 66, em anotação ao art. 9º, “No direito das contra-ordenações strictu sensu (…) o erro sobre a ilicitude tem um campo de aplicação muito reduzido, uma vez que o artigo 8.º já prevê o “erro sobre a proibição”, como causa de exclusão do dolo do tipo. (…)
O erro sobre a ilicitude no direito das contra-ordenações strictu sensu fica, pois, restringido às seguintes situações típicas: (1) o erro sobre a existência e os limites de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa e (2) o erro sobre a validade da norma.” (sublinhados nossos).

Assim, a falta de consciência da ilicitude do facto alegada pela recorrente subsume-se no art. 8º n.º 2 (e não no art. 9º), do RGCO, ou seja, exclui o dolo [isto é, a ignorância da proibição constitui, quanto à contra-ordenação, sempre, erro relevante, em termos de excluir o dolo], ficando ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais (cfr. n.º 3 do art. 8º, do RGCO), o que é expressamente admitido quanto à infracção contra-ordenacional ora em causa (cfr. art. 98º n.º 9, do RJUE, na redacção do DL 26/2010, de 30/3, nos termos do qual a negligência é punível).

Ora, in casu e conforme salientado na sentença recorrida, a recorrente foi punida pelo cometimento da infracção a título de negligência [cfr. decisão da autoridade administrativa, descrita em I, dos factos provados, na qual se consignou designadamente o seguinte: “A arguida ao proceder à realização das referidas obras sujeitas a licença administrativa, sem o necessário alvará de licenciamento para o efeito, violou os deveres objetivos e subjetivos de cuidado a que está obrigada e que é capaz, pelo que atuou de forma negligente. (…) Conforme exposto em sede de fundamentação, a culpa da arguida é mediana por negligente, não se esboçando qualquer justificação razoável para os factos praticados” – cfr. fls. 47, dos autos em suporte de papel].

De acordo com o disposto no art. 15º, do Código Penal, ex vi art. 32º, do RGCO, age com negligência quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, o que tem como consequência a realização do facto proibido por lei.

No caso em apreciação a recorrente não agiu de acordo com a diligência devida, atendendo às circunstâncias e às capacidades pessoais.

Com efeito, e conforme a este propósito se escreveu na sentença recorrida:
Ora, na concreta situação dos autos, este juízo de censurabilidade, no nosso entender, está dependente do cumprimento ou não do dever de informação que recaía sobre a Impugnante sobre a legislação aplicável, mais concretamente, sobre a necessidade de obter licença para efetuar as obras de conservação.
E, perante os elementos que resultam dos autos, julgamos que a Impugnante não cumpriu esse dever de se informar.
Com efeito, mesmo admitindo que a Impugnante poderia não saber que só poderia dar início às obras após a obtenção da respetiva licença, não pode deixar de considerar-se que violou um dever objetivo de cuidado ao iniciar as obras sem ter a preocupação de se informar junto da Câmara Municipal de Lisboa da necessidade de licença para executar as obras e/ou se existia alguma condicionante prévia. Ao invés de se informar junto de amigos, familiares e outras pessoas sobre a necessidade da licença, deveria ter-se dirigido à entidade com competência para o efeito – a Câmara Municipal de Lisboa –, o que estava perfeitamente ao seu alcance, mas não o fez. ” (sublinhados nossos).

Aliás, esta falta de preocupação da recorrente em se informar junto da Câmara Municipal de Lisboa é indubitavelmente censurável, uma vez que o imóvel onde foram realizadas as obras encontra-se integrado em conjunto de imóveis classificados ou em vias de classificação – Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica e é do conhecimento geral que relativamente aos imóveis situados nessas zonas as restrições urbanísticas são mais elevadas (e, portanto, a necessidade de recolha de informação junto da Câmara Municipal é mais premente).

Acresce que esta necessidade de recolha de informação junto da Câmara Municipal de Lisboa também se encontra justificada pelo facto de a recorrente alegar ter apenas estudado noções básicas de direito, ou seja, por ter conhecimentos muito rudimentares de direito [sendo certo que um jurista mediano não teria qualquer dificuldade em constatar que as obras de conservação levadas a cabo pela recorrente estão sujeitas a licença administrativa, pois, por um lado, o art. 3º n.º 2, do RJUE, na redacção do DL 26/2010, de 30/3, expressamente prescreve que os regulamentos administrativos (como é o caso do RMUEL) não podem contrariar o nele disposto, designadamente quanto ao procedimento de controlo prévio a que operações urbanísticas estão submetidas, e, por outro lado, o art. 4º n.º 2, al. d), desse diploma, é claro ao estatuir a sujeição a licença administrativa das obras de conservação de imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, o art. 6º n.º 1, al. a), desse mesmo diploma, ao declarar isentas de controlo prévio as obras de conservação, é igualmente claro ao ressalvar o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 4º e o art. 6º-A, do citado diploma, ao definir as obras de escassa relevância urbanística (as quais, de acordo com o estatuído no art. 6º n.º 1, al. c), estão isentas de controlo prévio), também de forma clara ressalva da sua aplicação as obras em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação (cfr. a al. c) do seu n.º 2)].

Conclui-se, assim, que a recorrente agiu de forma negligente – visto que não actuou com o cuidado que lhe era exigível, informando-se e esclarecendo-se convenientemente sobre a proibição legal -, pelo que o presente recurso também deverá nesta parte improceder.


3)

A recorrente alegou em sede de impugnação judicial que estavam verificados os requisitos para ser proferida uma admoestação, nos termos do art. 51º, do RGCO.


A sentença recorrida considerou que não estão reunidos os pressupostos para que seja aplicada a sanção de admoestação, defendendo a recorrente que tal entendimento enferma de erro, mas sem razão, pelos motivos a seguir enunciados.

Dispõe o art. 51º, do RGCO, sob a epígrafe “Admoestação”, que:
1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.”.

Do n.º 1 deste art. 51º decorre que a prolação de uma admoestação depende, desde logo, da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos:
- reduzida gravidade da infracção, e
- reduzida gravidade da culpa do agente.

Ora, nenhum destes dois requisitos se encontra preenchido.

Efectivamente, e como a este propósito se afirmou na sentença recorrida:
Ora, no caso vertente, entendemos que a contraordenação praticada pela Impugnante não poderá considerar-se de reduzida gravidade, em termos de se poder justificar que seja sancionada com uma mera admoestação, sendo que estamos perante um tipo de contraordenação que tutela, simultaneamente, o interesse público do Estado e[m] que as obras sejam executadas nos termos previstos na legislação aplicável, salvaguardando a segurança de pessoa e bens. Acresce que, no caso concreto, também estão presentes interesses de salvaguarda do património cultural e arquitetónico, atenta a especial localização do imóvel (Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica).
Por outro lado, ainda que a conduta da Impugnante assuma a forma negligente, entende-se que a sua culpa não poderá ser tida como reduzida, posto que, inexiste suporte factual provado que possa levar a considerar que essa conduta tenha tido subjacente circunstâncias ou elementos que possam fundamentar um juízo de censurabilidade que se afaste daquele que corresponde ao grau médio para situações idênticas.”.

Assim sendo, o presente recurso jurisdicional deverá igualmente nesta parte improceder.


4)

A recorrente alegou em sede de impugnação judicial que deverá ser especialmente atenuada a coima, com fixação no mínimo legal.


A sentença recorrida considerou que não se apurou factualidade que permita concluir pela verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima, defendendo a recorrente que tal entendimento enferma de erro, mas sem razão, como se passa a demonstrar.

Os pressupostos do regime da atenuação especial previstos no art. 72º, do Cód. Penal, aplicam-se no âmbito contra-ordenacional, por força do estatuído no art. 32º, do RGCO [neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, cit., pág. 86], pelo que há lugar à atenuação especial da coima quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à contra-ordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente (estando a moldura especialmente atenuada da coima fixada no art. 18º n.º 3, do RGCO).

Ora, como se referiu na sentença recorrida:
Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.
Há que ver, então, se se justifica, no caso concreto, a atenuação especial da coima.
Conforme resulta dos factos provados, a conduta, negligente, da Impugnante traduziu-se em realizar obras de conservação de imóvel sem a necessária licença, uma vez que este integrava um conjunto de imóveis classificados ou em vias de classificação – Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica.
Como referido supra, a contraordenação praticada pela Impugnante não poderá considerar-se de reduzida gravidade e a culpa não poderá ser tida como reduzida, nos moldes já explicitados.
(…)
Acresce que, há aqui um benefício económico para a Impugnante, que se prende com os custos inerentes ao concreto procedimento de licenciamento que não teve de suportar.” [Constatando-se a este propósito que na conclusão AA., da alegação de recurso – apresentada em Setembro de 2019 -, a recorrente afirma que vai diligenciar, “imediatamente”, junto dos serviços competentes da Câmara Municipal, pela realização de todos os procedimentos necessários à legalização da obra, afirmação que já constava da defesa apresentada em Novembro de 2015 (cfr. o respectivo ponto 6.) e da impugnação judicial entregue em Maio de 2019 (cfr. a respectiva conclusão AA.), ou seja, até à data, a recorrente não diligenciou pela legalização das obras, facto que corrobora a conclusão de que inexistem circunstâncias que diminuem por forma acentuada a culpa do agente].

Nestes termos, o presente recurso jurisdicional deverá também nesta parte improceder.



*

A recorrente, dado que ficou vencida, deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 513º n.º 1, do CPP, ex vi art. 74º n.º 4, do RGCO, e arts. 93º n.º 3 e 94º n.º 3, ambos deste último diploma legal), considerando-se adequado o montante de € 250 de taxa de justiça (cfr. art. 8º n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida.
II – Condenar a recorrente nas custas do presente recurso jurisdicional, fixando-se a taxa de justiça em € 250 (duzentos e cinquenta euros).
III – Notifique – também à autoridade administrativa.
*
Lisboa, 7 de Novembro de 2019




(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Paula de Ferreirinha Loureiro – 1ª adjunta)



(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)