Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:76/17.1BESNT
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS NA FASE DE RECURSO
CONDENAÇÃO DA CGA A FIXAR A PENSÃO AO ACIDENTADO
Sumário:I) -Dispõe o artº423, do C. P. Civil (princípio da oportunidade da prova) que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.

II) -Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.425º, do C.P.C.), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.

III) -A verificação das circunstâncias elencadas tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende terem de ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº423, nº1do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.443, do mesmo compêndio legal.

IV) -No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº1, do C. P. Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.

V) -É manifesto que, atendendo à data do facto a que o documento junto pela CGA, na fase recursória se reporta- dia 05-09-2017-, ela não o podia ter junto com a contestação, mas já podia ter apresentado em sede da audiência prévia que teve o seu início no dia seguinte e que continuou no dia 20 de Outubro o que vale por dizer que o documento junto pela recorrente com as alegações do recurso não visa provar factos com natureza superveniente, nem se torna necessário, em virtude do julgamento da 1ª instância, pelo que não se pode autorizar a pretendida junção.

VI) -Se o tribunal “a quo” condenou a CGA a proferir decisão sobre a pensão reconhecida ao Autor, foi porque ainda não tinha finalizado esse procedimento, e, se não tinha ainda concluído o processo era porque o mesmo estava em curso, não havendo qualquer razão para proceder à alteração da matéria de facto, para dizer, por outras palavras, o que o tribunal recorrido já deu por assente, visando a Recorrente, tão só, desresponsabilizar-se por eventuais delongas na conclusão do procedimento administrativo tendente a fixar a pensão ao Autor, que sabe bem que não pode, por imposição legal, afastar a sua responsabilidade na decisão final daquele procedimento.

VII) -E isso é do conhecimento da recorrente porque é ela própria que o diz na sua alegação recursória, ao afirmar que o Tribunal recorrido “diga-se, nenhuma ilegalidade cometeu“, razão pela qual não pode vir pedir a este tribunal de recurso que revogue o que foi decidido.

VIII) -Ora, apurar se o Município da Amadora, também réu, não fornece à recorrente os elementos necessários à prolação da decisão final no procedimento administrativo de fixação da pensão devida ao Autor pelo acidente sofrido em serviço – que é o que a CGA verdadeiramente pretende - é questão que não pode ser aqui apreciada deve-o ser, antes em processo próprio, pois a sua indagação colidia com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido-atentas as pretensões que o Autor manifestou na petição inicial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO

JOSÉ..... intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra o MUNÍCIPIO ....., a C....., S.A [agora denominada S....., S.A, por força da fusão e incorporação, conforme certidão permanente do registo comercial, consultável, in https://bde.prtaldocidadão.pt.] a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [doravante, também, CGA] e a ADSE, I.P.- INSTITUTO DE PROTECÇÃO E ASSISTÊNCIA NA DOENÇA, I.P. [ou, ADSE] uma acção administrativa, com citação urgente, pedindo, na procedência da acção, que:
«a) A 1ª Ré seja solidariamente condenada a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar por não ter participado tempestivamente o sinistro à 4ª Ré para efeitos de determinação da incapacidade temporária absoluta do Autor;
B A 4ª Ré seja condenada a efectuar a avaliação pericial adequada para efeitos de verificação e determinação da incapacidade temporária absoluta do Autor;
c) A 3ª Ré seja condenada a fixar a incapacidade parcial permanente para o trabalho do Autor e a determinar a pensão e ou indemnização correspondente ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 503/99, de 20 de Novembro;
d) As 1ª e 2ª Rés solidariamente condenadas no pagamento, ao Autor de uma indemnização no valor 30.000,00 a título de incapacidade parcial permanente e de 10.000,00 € a título de danos futuros, nomeadamente, prejuízos patrimoniais futuros que o Autor terá de suportar com as cirurgias e os tratamentos que carece realizar de molde a minimizar os efeitos estéticos e dolorosos resultantes do sinistro;
e) As 1ª, 2ª e 3ª Rés condenadas no pagamento dos juros civis vencidos e vincendos, sobre o capital indemnizatório fixado, desde a citação e até ao efectivo integral pagamento.»
Regulamente citados os Réus contestaram.
A Ré, CGA, respondeu defendendo absolvição da instância, por falta de interesse em agir do Autor, visto que já está em curso o procedimento administrativo para lhe fixar o grau de incapacidade para o trabalho decorrente do acidente em serviço que sofreu, bem como determinação da pensão ou indemnização correspondente; ou, caso assim não se entenda, pede a sua absolvição do pedido.
Também a ADSE contestou, pedindo que a acção seja julgada improcedente.
O Réu, Município ..... apresentou, igualmente, articulado de contestação, sustentando a improcedência dos pedidos, alegou, entre o mais, que reconheceu /qualificou o acidente sofrido pelo A. como acidente em serviço, e só não promoveu a apresentação do Autor à Junta Médica da ADSE, porque não se verificam, in casu, os pressupostos da sua realização, em face do plasmado no artigo 19º do DL nº503/99, de 20-11.
E, ainda sustenta que a responsabilidade pela indemnização pedida ao Município, é da CGA.
Do mesmo modo, a C....., agora S....., S.A, veio contestar. Por excepção arguiu, a ineptidão da petição inicial, argumentando que o Autor não fez prova de facto nem de direito das razões que sustentam os pedidos de condenação. E, por impugnação, aduz que já indemnizou o Autor por todos os danos decorrentes do acidente e ainda esclarece que é da CGA a responsabilidade de “qualquer indemnização pela eventual incapacidade permanente ao Autor”
O Autor respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência, conforme articulado junto a fls. 156/159 [já enviado via fax].
Por requerimento entrado em juízo, via fax, no dia 12 de Outubro de 2017, O Autor veio desistir da instância quanto à Ré, ADSE.
Notificada, a ADSE aceitou o pedido de desistência, o qual foi homologado por sentença prolatada no dia 26 desse mês, tendo a instância sido declarada extinta quanto a esta Ré.
Foi realizada audiência prévia para os fins previstos no artigo 87-A, nº1, alíneas a) d), f) e g). [vide acta de fls. 241/245].
Em 22-11-2017, a Senhora Juíza “a quo” foi proferida sentença em que se decidiu, julgar:
«a) improcedente o pedido de condenação da 1ª Ré a pagar ao Autor a quantia que vier a ser apurada por não ter participado tempestivamente o sinistro à ADSE;
b) extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de condenação da CGA na fixação da incapacidade parcial permanente;
c) procedente o pedido de condenação da CGA na prática de um acto que proceda à determinação da pensão e/ou outras prestações a que haja lugar pela incapacidade permanente fixada;
d) improcedente o pedido de indemnização pela incapacidade parcial permanente e por danos futuros».
Inconformada com esta decisão, Ré CGA dela apelou para este Tribunal Central Administrativo, formulando na sua motivação, as seguintes conclusões:
«I-IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Em face do que resulta dos pontos M. e N. dos Factos Assentes, não se compreende o critério do Tribunal a quo, que:
• decidiu levar à matéria Assente o facto da CGA não ter proferido ainda decisão no processo administrativo em curso (alegando trata-se de matéria «confessada»);
• mas já não levar à matéria Assente o facto do Réu Município não ter dado resposta ao pedido de informações a que alude o ponto M. dos Factos Assentes;
2.ª O que a CGA afirmou na Contestação oferecida a estes autos – e que poderia relevar para efeitos de confissão – é que existia (e existe) um “…procedimento administrativo actualmente em curso na CGA.”, (cfr. artº26º da Contestação), o qual fora desencadeado pelo Município ..... em 2016-07-25 (cfr. artºs 24º e 25.º da Contestação)
Em face da defesa apresentada pela CGA – que fez a prova, levada, aliás, à Matéria Assente, de que pedira ao Réu Município um conjunto de elementos informativos necessários à fixação da pensão por acidente – mal andou o Tribunal a quo ao limitar-se a fazer constar – por confissão – em N. dos Factos Assentes que “Pela Ré CGA não foi proferida decisão…”, pois a relação – que o Tribunal a quo, não estabeleceu – entre um e outro facto, acabou por determinar o sentido da decisão proferida, em claro prejuízo da CGA, que nenhuma ilegalidade cometeu.
4.ª Pelo que se requer a alteração da redacção da citada alínea para a seguinte, mais consentânea com a prova produzida nos autos (e com a fixada em M. dos Factos Assentes): «N. O procedimento administrativo tendente a reparação do acidente, nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, continua atualmente em curso»
5.ª Ou, caso se prefira manter a redacção dada a N. dos Factos Assentes(que o Tribunal considerou poder ser obtida mediante o critério da «confissão») então, por igualdade de critérios, haverá também que levar à matéria Assente – por aditamento – que o «o Réu Município não deu ainda resposta ao pedido de informações a que alude o ponto M. dos Factos Assentes»
II– QUESTÃO DE FUNDO
6.ª Não obstante ter dado como assente que a Ré CGA pediu em 2017-02-15 ao Réu Município um conjunto de elementos informativos necessários à fixação da pensão por acidente (cfr. M) dos Factos Assentes), considerou o Tribunal a quo a CGA violou “…o dever de decisão que sobre aquela Demandada recaía…” determinando-lhe que “…proceda à determinação da pensão e/ou outras prestações a que haja lugar nos termos do disposto nos arts. 34º e ss. do DL nº 503/99, de 20.11.” (cfr. antepenúltimo parágrafo de pág. 8 da Sentença)
7.ª Mas como pode a CGA proferir decisão se ainda hoje aguarda que lhe sejam enviados pela entidade empregadora os elementos de informação necessários à fixação da pensão a que alude o ponto M. dos Factos Assentes (a saber: Remuneração mensal ilíquida auferida pelo Autor à data do acidente, remunerações acessórias auferidas entre 2014-07-19 e 2015-07-18, valor dos subsídios de Natal e de férias de 2015 e informação sobre eventual indemnização paga por terceiro por força deste acidente)?
8.ª Sendo ainda de assinalar que os elementos necessários à fixação da pensão, cuja transmissão a CGA ainda aguarda do Réu Município, também não constam da Matéria de Facto considerada Assente pelo Tribunal a quo.
9.ª A condenação da CGA configura uma decisão injusta e irrazoável, porque desprovida de factualidade que o justifique, sendo que a mesma decisão, ao condenar a CGA a fixar uma pensão cujos elementos necessários à sua concessão ainda não lhe foram transmitidos, vem ainda colocar sérios problemas ao nível da sua execução.
10.ª Não fazendo sentido condenar-se a CGA numa situação em que o procedimento administrativo se encontra ainda em curso, a aguardar resposta ao pedido de informações referenciado em M. dos Factos Assentes.
11.ª Cumprindo ainda informar que em 2017-09-05 a CGA insistiu no pedido de resposta junto do Réu Município (cfr. Doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos), o que não foi ainda satisfeito por aquela entidade.
12.ª Mantendo a CGA a convicção de que não praticou qualquer ato que tenha dado causa à presente ação.
Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida, na parte em que condena a CGA, e substituída por outra que a absolva do pedido.»
Notificado da admissão do recurso, o Autor, ora recorrido, contra-alegou, aí concluindo do modo que segue:
«a. A decisão do Tribunal a quo é justa e razoável ao condenar a Recorrente Caixa Geral de Aposentações a fixar uma pensão e/ou outras prestações a que o Recorrido legitimamente e licitamente tem direito.
b. O pedido do documentação necessário para determinação e atribuição da pensão e/ou outras prestações ao recorrido foi realizado em 15-02-2017; ao Réu Município ....., sem que este tenho dado resposta, mas isso não justifica a falta de decisão para fixação e atribuição da pensão e/ou outras prestações ao Recorrido, em virtude da incapacidade de 3%.
c. Devia o Recorrente socorrer-se de todos os meios extrajudiciais e judiciais para conseguir a informação necessária para determinar a pensão e/ou outros prestações a que o Recorrido tem direito;
d. Em última análise, solicitar a colaboração do Recorrido, pedindo-lhe a informação e os esclarecimentos que o Recorrente necessita;
e. Pois toda a informação que o Recorrente necessita consta nos recibos de renumeração e IRS do Recorrido.
f. O Recorrente, Caixa Geral de Aposentações, tinha 90 (noventa) dias úteis, a contar da data em que foi desencadeado o procedimento administrativo para determinar e atribuir a pensão e/ou outras prestações ao Recorrido;
g. Esse processo foi desencadeado em 25-07-2016 (cfr. Art.24 e 25 da contestação).
h. O Recorrente, Caixa Geral de Aposentações, violou desta forma o prazo para decidir e violou o dever de decisão que lhe são impostos por lei.
i. Espera-se um comportamento mais proactivo do Recorrente, Caixa Geral de Aposentações do que ficar à espera durante meses sem que o Réu Município ....., lhe dê uma resposta;
j. Porque, se o Réu Município ..... nunca responder às questões da Recorrente, esta não poderá ficar eternamente à espera;
k. E em consequência disso, nunca determinar nem atribuir a pensão e/ou outras prestações a que o Recorrido tem direito.
l. A Recorrente alega que o procedimento administrativo está em curso e que só não decidiu por não ter a documentação necessária, e por isso, não cometeu nenhuma ilegalidade;
m. Pese embora tais argumentos a verdade é que é exigível uma atitude mais proactiva da Recorrente, procurando extrajudicialmente ou judicialmente obter as respostas/documentos que necessita;
n. Porque a sua falta de proatividade compeliu-a a violar o prazo de decisão e o dever de decidir.
o. Por conseguinte o Recorrido não pode ficar desprotegido em consequência da inércia das instituições que têm obrigações públicas e sociais acrescidas.
p. Acresce que até à decisão do Tribunal a quo, o Recorrente alegou, mas não provou que tinha solicitado ao Réu Município ....., a documentação necessário para determinação e atribuição da pensão e/ou outros prestações;
q. Por isso, não podia constar na matéria assente tal facto.
r. Nem podia o Mmº. Juiz, conhecer e decidir sobre matéria que extrapolava o pedido do Auto aqui Recorrido, nem sobre matéria que não é de conhecimento oficioso.
s. Pese embora o Recorrente reclamar da inércia do Réu Município ....., no envio da documentação, não requereu ao Tribunal o quo, para que este fosse notificado e compelido a juntar aos autos os documentos solicitados que se encontram em seu poder, ao abrigo do artigo 429º do CPC;
t. Por isso, não é lícito que o Recorrente, venho alegar que sem eles não pode cumprir o dever de decisão, bem como o prazo estipulado para tal conforme estipula o DL 503/99, de 20 de Novembro e o CPTA.
u. A Sentença recorrida não merece ao Recorrido qualquer reparo ou censura.
v. Decidindo como decidiu o Mmº Juiz do Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das regras legais aplicáveis, bem como a adequada valoração da prova.
w. Pelo que é notório a inexistência de qualquer fundamento para interposição do presente recurso pelo Recorrente.
Termos em que deve a Sentença objecto de recurso ser confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto,
Fazendo, assim, a habitual e necessária justiça.»

O DIGNO MAGISTRADO DO MP notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146, nº1 e 147º, ambos do CPTA, quedou-se ao silêncio.
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida, com interesse para a decisão consideraram-se provados os seguintes factos:

«A. O Autor é funcionário da Ré MUNICÍPIO ..... desde 02- 03-2015, na categoria de Assistente Operacional (fls. 13 dos autos);
B. Em 18-07-2015, pelas ....., o Autor sofreu um acidente de viação quando se deslocava do seu local de trabalho para casa (cfr. fls. 15 verso-18 e fls. 21 dos autos);
C. Em 22-07-2015, o acidente foi qualificado como acidente em serviço pelo Réu Município (cfr. fls. 21 dos autos);
D. O Réu Município transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidente em serviço para a Ré S….., através da apólice nº....., cujas condições gerais, especial e particular se dão por reproduzidas (cfr. fls. 22-25 verso dos autos);
E. O Réu Município procedeu à participação do sinistro à Ré S….. a 22.07.2015 (fls. 21 verso);
F. Em 18-07-2015, no dia do acidente, o Autor recebeu tratamento hospitalar e teve alta no mesmo dia (cfr. fls. 20 dos autos);
G. Entre 28-07-2015 e 22-09-2015 o Autor esteve em situação de ausência ao serviço por incapacidade temporária absoluta (cfr. fls. 37/41 verso dos autos);
H. Entre 25-11-2015 e 26-01-2016, o Autor esteve em situação de ausência ao serviço por incapacidade temporária absoluta (cfr. fls. 45 verso/53 dos autos);
I. Em 01-04-2016 foi remetido à CGA o requerimento de Junta Médica de fls. 3 do PA da CGA, cujo teor se dá por reproduzido);
J. Em 07-07-2016, a CGA remeteu ao Município ..... o ofício de fls. 6 do processo administrativo da CGA, cujo teor se dá por reproduzido e no qual foram solicitados elementos para a instrução do procedimento;
K. Em 25-07-2016, o Município ..... remeteu à Caixa Geral de Aposentações, designadamente o Boletim de Acompanhamento Médico (fls. 55 verso e 58 dos autos);
L. Em 11-01-2017 a Ré CGA realizou Junta Médica e fixou ao Autor um grau de incapacidade permanente parcial de 3% (cfr. auto de fls. 23 do PA da CGA, cujo teor se dá por reproduzido);
M. Em 15-02-2017, a Ré CGA remeteu ao Réu Município o ofício de fls. 30 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido e no qual solicitou informações, designadamente a respeito da remuneração mensal ilíquida auferida pelo Autor, outras remunerações acessórias, valor dos subsídios de Natal e férias;
N. Pela Ré CGA não foi proferida decisão quanto à pensão decorrente da incapacidade permanente reconhecida ao Autor (confissão);
O. O Réu Município não procedeu à participação do acidente à ADSE no prazo de 6 dias (confissão);
P. Em 18-01-2017, foi apresentada a Petição Inicial através do SITAF.»
Evidencia-se ainda na mesma sentença que: «Não foram provados outros factos com interesse para a decisão.»
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2.2. Motivação de Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639º do NCPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA.
A essa luz, impõe-se apreciar as questões que a recorrente delineou contra a decisão recorrida.
E, a primeira questão suscitada é a de saber se a matéria de facto é insuficiente ou, deve ser alterada/reformulada, como pretende a Recorrente, de modo a dela constar que o Município ..... ainda não deu resposta ao pedido que aquela lhe dirigiu em 15-2-2017, no intuito de obter os elementos informativos necessários à fixação da pensão do acidente sofrido pelo funcionário do Município, ou, pelo mesmo, se se devia ter fixado no probatório o que foi confessado pela recorrente, no artigo 26º do articulado da Contestação, onde afirma que “existia (e existe) um procedimento administrativo actualmente em curso na CGA”.
Isto porque, no ver da Recorrente tal decisão mostra-se indevidamente ajuizada, na medida em que a correlação que o Tribunal “quo” extraiu dos factos levados ao probatório sob as alíneas M) e N), e que foi determinante na decisão que a condenou a proceder à fixação da pensão devida ao Autor, é, em si mesma injusta e irrazoável, porque está desprovida de factualidade que a justifique.
Em reforço desse ponto de vista, a Recorrente anexou à sua alegação um documento e de imediato se coloca a questão de determinar da sua pertinência e da admissibilidade do mesmo, neste momento, atenta a oportunidade da prova.
O recorrido, nas contra-alegações e em síntese, se bem vislumbramos, não se opõe à sua junção, mas questiona a sua oportunidade.
Dito isto, impõe-se desde já apreciar e decidir sobre a admissibilidade da junção do documento de fls. 268, que a recorrente juntou com as suas alegações, tendo justificado tal junção com a circunstância da sua apresentação se ter tornado necessária para comprovar a inércia do Município em transmitir à CGA todas a informações que esta lhe solicitou, razão pela qual esta impossibilidade de fixar ao Autor a respectiva pensão por incapacidade permanente.
No direito português vigora o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª Instância, mas tão-somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº423, do C. P. Civil (princípio da oportunidade da prova) que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.425º, do C.P.Civil), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
A verificação das circunstâncias elencadas tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende terem de ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº423, nº1do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.443, do mesmo compêndio legal (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº1, do C. P. Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida (vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Descendo ao caso dos autos, é manifesto que, atendendo à data do facto a que o documento junto pela CGA, na fase recursória se reporta- dia 05-09-2017-, ela não o podia ter junto com a contestação, mas já podia ter apresentado em sede da audiência prévia que teve o seu início no dia seguinte e que continuou no dia 20 de Outubro.
Quer isto dizer que o documento junto pela recorrente com as alegações do recurso não visa provar factos com natureza superveniente, nem se torna necessário, em virtude do julgamento da 1ª instância, pelo que não se pode autorizar a pretendida junção; razão porque se ordenará, após o trânsito, que se proceda ao seu desentranhamento e que se proceda à restituição de tal documento à apelante, condenando-a, por virtude desse facto, em pena processual de multa, cujo valor se fixa, por adequado, no mínimo legal: 0,5 UC (artº443º nº1 do CPC e 27º nº1 do RC Processuais).
Cumpre, agora, verificar se a sentença enferma ou não do invocado erro de julgamento de facto, e isto, porque se reconhece, que sob o ponto de formal, a ora Apelante cumpriu satisfatoriamente o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do n.º 1 do artigo 640 do CPC) e referiu os concretos meios probatórios, constantes do processo, que – na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 640º), tendo curado de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – como o exige o nº2 do citado do artigo 640º).
Mas se é verdade que tais formalismos foram integralmente respeitados pela ora recorrente, não deixa de ser menos exacto que este tribunal de recurso, tendo presente a sua limitada possibilidade de alterar a matéria de facto (respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e restrição do papel do Tribunal da 2ª instância, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto), não encontra razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo.
Efectivamente a propugnada alteração da alínea N) da matéria assente, no sentido de dela passar a constar que: «O procedimento administrativo tendente à reparação do acidente, nos termos do Decreto-Lei nº503/99, de 20/11, continua actualmente em curso», não tem um significado objectivamente diferente da redacção levada ao probatório e que nos revela que “Pela Ré CGA não foi proferida decisão quanto à pensão decorrente da incapacidade permanente reconhecida ao Autor»
Como diria La Palisse, se o tribunal “a quo” condenou a CGA a proferir decisão sobre a pensão reconhecida ao Autor, foi porque a recorrente ainda não tinha finalizado esse procedimento, e, se não tinha ainda concluído o processo era porque o mesmo estava em curso, não há pois qualquer razão para proceder à alteração da matéria de facto, para dizer, por outras palavras, o que o tribunal recorrido já deu por assente.
Como também não existe fundamento para aditar ao probatório o facto que a recorrente entende como relevante e com a seguinte redacção: «O Réu Município não deu ainda resposta ao pedido de informações a que alude o ponto M. dos Factos Assentes».
Salvo o devido respeito por outra e melhor opinião, o que verdadeiramente a Recorrente pretende com acrescento daquele facto à sentença é, tão só, desresponsabilizar-se por eventuais delongas na conclusão do procedimento administrativo tendente a fixar a pensão ao Autor, que sabe bem que não pode, por imposição legal, afastar a sua responsabilidade na decisão final daquele procedimento
E sabe porque é ela própria que o diz na sua alegação recursória, ao afirmar que o Tribunal recorrido “diga-se, nenhuma ilegalidade cometeu“., razão pela qual não pode vir pedir a este tribunal de recurso que revogue o que foi decidido.
Ora, apurar se o Município ....., também réu, não fornece à recorrente os elementos necessários à prolação da decisão final no procedimento administrativo de fixação da pensão devida ao Autor pelo acidente sofrido em serviço – que é o que a CGA verdadeiramente pretende - é questão que não pode ser aqui apreciada deve-o ser, antes em processo próprio, pois a sua indagação colidia com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido-atentas as pretensões que o Autor manifestou na petição inicial.
Por tudo isto, entendemos que a sentença não enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que a Recorrente lhe assaca.

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3.- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto pelo Caixa Geral de Aposentações e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 24 de Maio de 2018


[José Gomes Correia]

[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]

[Sofia David]