Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06135/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. NOTIFICAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. AVALIAÇÃO. PRESSUPOSTOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A falta de remessa dos elementos que enformaram o acto da 1.ª avaliação aquando da respectiva notificação ao sujeito passivo, não constitui vício que afecte a legalidade desse anterior acto, já que a notificação enquanto comunicação desse acto, lhe é exterior e posterior;
2. A transmissão onerosa de metade indivisa do direito de propriedade sobre prédio urbano, depois da entrada em vigor do CIMI, obrigava à entrega da competente declaração para efeitos de inscrição/actualização da respectiva matriz;
3. Por força da entrega de tal declaração, habilitado ficava o chefe de finanças para proceder à avaliação de tal prédio e na sua totalidade, já que a lei não regula a avaliação de metade ou outras percentagens indivisas do direito de propriedade sobre tais prédios.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por despacho do Relator de 10-11-2010, transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Ficando provado e sendo seguro que o imóvel em questão se transmitiu, para a ora recorrente e para a sua irmã, por óbito de seus Pais, ocorridos em 06/11/1976 e 09/03/2001, respectivamente;
b)Sendo estas as datas, salvo melhor opinião, aquelas em que a transmissão real e efectiva se deu para ambas as herdeiras, tal como se encontra estabelecido nos artigos 2031º e 2050 do Código Civil, e não a data da realização da Escritura de Partilhas, que apenas ocorreu em 29/06/2005 e que mais não representou do que um instrumento legal para obter a divisão de coisa comum, ou seja, um processo legal de divisão da herança entre os herdeiros,
c)Muito embora a recorrente tenha adquirido, pela Escritura de Partilhas, a metade indivisa do prédio à Irmã,
d)Tendo presente o instituído no nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que aprovou a Reforma do Património, como a recorrente só adquiriu metade indivisa do imóvel através da citada Escritura de Partilhas, já depois, portanto, da entrada em vigor do citado diploma, nem por isso, salvo devido respeito por melhor opinião, não haveria lugar à sua avaliação, como aconteceu;
e)Portanto, tendo-se transmitido, não a totalidade, mas apenas metade, e figurando na previsão legal do nº 1 do artigo 15º, a avaliação dos prédios urbanos (e não parte de prédios urbanos) já inscritos na matriz, nos termos do CIMI, aquando da sua transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor,
f)Com o devido respeito, que é muito, a recorrente está convicta de que só as transmissões da totalidade dos prédios urbanos inscritos na matriz à data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei e que fossem objecto de primeira transmissão, é que passaram a estar sujeitas à avaliação, nos termos do CIMI, ou,
g)Quando muito, só a metade transmitida e não a totalidade, é que poderia ser objecto de avaliação, o que não aconteceu.
h)Pensa, pois, a recorrente, com o devido respeito, que a avaliação de todo o imóvel está ferida de ilegalidade, pelo que deve ser anulada e,
i)Além da invocada ilegalidade, parece à ora recorrente, que a questionada avaliação, encerra em si, ainda, o vício de falta de fundamentação, uma vez que não existe no termo de avaliação o fundamento para que fosse, como foi, utilizado na fórmula de cálculo do Valor Patrimonial, o coeficiente de localização 3,00 e não outro, sendo ele variável entre 1,70 e 3,00, nos termos da Portaria 1426/2004, de 25 de Novembro e o coeficiente de qualidade e conforto 1,02 e não outro, relativamente à cave e sub-cave, partes do prédio sem luz do dia e com acesso à via pública por escadas.
j)Por todo o exposto, salvo melhor opinião em contrário, parece poder concluir-se pela ilegalidade da avaliação, por violação do nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro e 77º da Lei Geral Tributária e,
k)Com o devido respeito, que é muito, pela ilegalidade da sentença que não se pronunciou, quer sobre a legalidade ou ilegalidade da avaliação, quer sobre a inexistência de fundamentação clara e explícita.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a Douta sentença recorrida e proferida nova decisão de mérito, favorável á recorrente, que declare a anulabilidade do acto da questionada avaliação do imóvel.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, já que a recorrente não logra colocar em crise a fundamentação expendida na sentença recorrida com base na qual a impugnação foi julgada improcedente, ou, caso assim se não entenda, sempre a bondade do decidido se afigura irrefutável, devendo ser confirmado.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a recorrente deixou de afrontar ou contraditar os fundamentos da sentença recorrida pelos quais a impugnação foi julgada improcedente; E respondendo-se negativamente, se a mesma padece do vício formal de omissão de pronúncia; E respondendo-se negativamente, de novo, se a transmissão de metade indivisa do direito de propriedade de prédio urbano, depois da entrada em vigor do CIMI, não reunia os pressupostos para haver lugar à sua avaliação; E se em sede de recurso é de conhecer de questão nova que não foi conhecida na sentença recorrida que também não seja de conhecimento oficioso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante tornou-se proprietária da totalidade do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Sebastião da Pedreira sob o artigo 632 com a adjudicação em partilha da metade indivisa que ainda não lhe pertencia (certidão da escritura de partilha, de 29/06/2005, junta a fls.96);
2. Após a realização daquela escritura de partilha, a impugnante procedeu à entrega da “Declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz” modelo 1, de Imposto Municipal sobre Imóveis, de que fez constar, no campo reservado a “motivo da entrega da declaração”, “1ª transmissão na vigência do IMI” (fls. 34);
3. No seguimento da declaração, foi levada a efeito pela Administração fiscal a avaliação do imóvel e a impugnante notificada do resultado da avaliação através dos ofícios do Serviço de Finanças de Lisboa – 10, de 17/01/2006, que constam de fls. 14 a 24 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
4. A impugnação foi apresentada em 10/04/2006, conforme carimbo aposto a fls. 3.

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto da 1.ª avaliação considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a transmissão onerosa ou gratuita, para a ora recorrente, depois de 1-1-2004, de prédio ou parte dele, obrigava à entrega de declaração modelo 1, pelo que legitimada ficava a AT para proceder a tal avaliação e que a falta de menção aquando da notificação dessa avaliação, dos respectivos pressupostos, não podia inquinar tal acto em si, não tendo efeitos invalidantes dessa avaliação.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura conducente à sua revogação ou declaração da sua nulidade, continuando a pugnar que a aquisição da metade indivisa do prédio após a entrada em vigor do CIMI, não havia lugar à respectiva avaliação, já que a avaliação é dos prédios e não apenas, de uma sua parte, quando muito dessa metade, que tal avaliação não se encontra fundamentada e que tal sentença não conheceu da legalidade/ilegalidade da avaliação e nem sobre a inexistência de fundamentação clara e explícita.

Vejamos então.
Atento o recorte da matéria das conclusões das alegações recursivas acima efectuado, a invocação da Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, que a recorrente não afronta ou esgrime as razões da discordância com a sentença recorrida não é de acolher, já que, pelo menos, numa sua parte, na matéria das suas conclusões d) a h), a ora recorrente apresenta algumas que, no seu entender, contradizem as razões fundamentadoras da sentença recorrida, quanto a tal fundamento de no caso não haver lugar à avaliação, ainda que tais conclusões possam não ser exuberantes no sentido de contraditar a fundamentação da sentença recorrida, entende-se, contudo, que satisfazem o mínimo legal para o efeito, então previsto no n.º1 do art.º 690.º do CPC, não havendo lugar ao efeito cominatório fixado no n.º4 do mesmo artigo (não conhecimento do objecto do recurso).

Na matéria da sua conclusão k) parece a recorrente pretender invocar a omissão de pronúncia da sentença recorrida, por não se haver pronunciado sobre a legalidade/ilegalidade da avaliação efectuada, quer sobre a inexistência de fundamentação da mesma, parecendo querer subsumir tal vício no art.º 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ainda que não tenha, expressamente, feito tal subsunção e nem efectuado o correspondente pedido de declaração da sua nulidade.

Porém, tal censura à sentença recorrida não escapa à mais leve análise, desde que atenta, já que do texto da mesma se pode colher que o M. Juiz do Tribunal “a quo” não deixou de conhecer da legalidade de tal avaliação, na vertente que entendeu que havia sido colocada pela ora recorrente, na sua petição de impugnação, tendo concluído, “não se verifica, pois, o invocado erro nos pressupostos legais de que depende a avaliação”, não tendo contudo conhecido da inexistência de fundamentação clara e explícita dessa avaliação, por tal vício jamais ter sido invocado como fundamento desta impugnação, mas apenas, como se pode colher da matéria dos art.ºs 27.º e segs da sua petição de impugnação, da falta da respectiva remessa aquando da respectiva notificação, como dos seus excertos claramente resulta ...”Não figuram das notificações os fundamentos que presidiram à avaliação...visto das notificações não figurarem os critérios que levaram o avaliador a atribuir ao imóvel aquele valor ...Porque das notificações que a ora impugnante recebeu não figurou a fundamentação da decisão que presidiu à fixação do referido valor patrimonial”..., o que o M. Juiz do Tribunal “a quo” não deixou de salientar, desta forma essa não foi uma questão colocada como fundamento de tal impugnação, pelo que não pode ocorrer omissão de pronúncia pelo seu não conhecimento, tendo de resto, na mesma sentença, sido conhecido do vício de falta de fundamentação na vertente colocada pela mesma ora recorrente, de tal fundamentação do acto de avaliação não lhe ter sido enviada ou remetida com tal notificação, e onde conclui e bem, que tal falta não constitui um vício que inquine de ilegalidade o anterior acto comunicado – o acto de avaliação – desta forma, não podendo ocorrer as invocadas nulidades por omissão de pronúncia da sentença recorrida.

Passemos agora a conhecer se a transmissão de metade do direito de propriedade sobre o prédio urbano em causa para a ora recorrente pode fazer, legalmente, desencadear o procedimento de avaliação.

Como é sabido, o actual Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo art.º 2.º do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com entrada em vigor em 1-12-2003 – cfr. seu art.º 32.º - teve por propósito proceder à reforma da tributação do património, desde logo no que às avaliações diz respeito, sabido que estas constituem uma zona onde os conflitos se localizam na maior parte das vezes, entre a AT e os contribuintes.

Desde logo do respectivo preâmbulo, ressalta a preocupação de, em termos objectivos, proceder à avaliação da propriedade, especialmente da propriedade urbana, onde, a subida exponencial dos seus valores cria desajustamentos e não contribuía para um sistema fiscal justo.

A este respeito, o seu preâmbulo mostra-nos esta preocupação ao nele se fazer realçar:
...
Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.
É também um sistema simples e menos oneroso, que permitirá uma rapidez muito maior no procedimento de avaliação.
...
Consagram-se, pois, no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) os contornos precisos da realidade a tributar, partindo para isso de dados objectivos que escapem às oscilações especulativas da conjuntura, de modo que sirvam de referência a uma sólida, sustentável e justa relação tributária entre o Estado e os sujeitos passivos.
...
No caso, a dissensão entre a ora recorrente e a sentença recorrida reside em que esta considerou que a transmissão onerosa de prédio urbano ou apenas de metade do respectivo direito, obriga à entrega pelo contribuinte da declaração modelo 1 e logo, abre a possibilidade de haver lugar tal avaliação, cabendo ao chefe do serviço de finanças a iniciativa de a promover ou não, ao passo que a recorrente continua a pugnar que tal transmissão não dá lugar a tal avaliação, ou, quando muito, de apenas nessa metade transmitida.

Sobre a epígrafe Matrizes prediais, no art.º 12.º do CIMI, define-se o que destas deve constar, designadamente o seu valor patrimonial tributário, e no seu art.º 13.º, sobre quem impende a obrigação de entregar as declarações para inscrição ou actualização de prédios na matriz, sendo que, efectivamente, como bem se fundamenta na sentença recorrida, a transmissão onerosa ou gratuita, de um prédio ou parte de prédio (o que a recorrente, em sede das conclusões do presente recurso, por completo omite), como expressamente então constava da alínea i) do n.º1 do citado artigo, constituía um fundamento que obrigava à entrega de tal declaração para inscrição/actualização na matriz, por parte do respectivo sujeito passivo, como a ora recorrente veio, então, a fazer.

A partir daqui, por força do disposto no n.º1 do art.º 37.º do mesmo CIMI, a iniciativa da avaliação de um prédio urbano cabia ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha, pelo que no caso, perante tal declaração entregue, legitimada ficou a AT para proceder a tal avaliação, desse prédio, na sua totalidade, já que a lei não distingue entre os casos em que a declaração é entregue por força da sua transmissão na sua totalidade daqueles outros casos em que a transmissão é apenas numa sua parte, bem como nenhumas normas regulam a avaliação de prédios em partes, mas apenas pela sua totalidade, sendo que tal prédio se encontrava inscrito na mesma matriz, a favor das duas partilhantes (entre elas a ora recorrente), em comum e sem determinação de parte ou direito, como se pode ler da mesma escritura pública, ou seja existia um direito de propriedade encabeçado pelas duas titulares, que passou a encontrar-se na titularidade da ora recorrente apenas por força de tal transmissão ocorrida já no âmbito da vigência do CIMI, como se não encontra em causa, sendo que a norma do art.º 15.º, n.º1 do CIMI invocada pela recorrente, não se reporta aos prédios urbanos mas sim aos prédios rústicos, antes sendo o seu n.º2 que se reporta aos prédios urbanos e apenas quanto ao objecto e tipo de avaliação (cadastral, não cadastral e directa), não se vendo que possa ter que ver com os pressupostos para a AT poder, legalmente, desencadear a avaliação, acima referidos.

Em suma, por expressa disposição legal, a transmissão, mesmo de parte de prédio urbano, obrigava ao respectivo sujeito passivo à entrega da declaração para efeitos de inscrição/actualização da correspondente matriz e esta entregue, era ao chefe de finanças a quem a lei acometia a competência para desencadear o procedimento de avaliação do mesmo, pelo que no caso se encontravam reunidos os pressupostos em ordem a tal avaliação, a qual assim não pode padecer dos vícios atinentes à sua falta.

Na matéria da sua conclusão i) das alegações recursivas, pugna ainda a recorrente que tal avaliação, em si, padece do vício de falta de fundamentação (formal), nas vertentes que ora indica (coeficiente de localização e de qualidade e conforto), questão que não foi conhecida na sentença recorrida e nem pela mesma foi invocada na matéria dos artigos da sua petição de impugnação, como acima se já fundamentou, sendo por isso uma questão nova, fora do objecto do presente recurso, de reexame da decisão recorrida, já que também não é de conhecimento oficioso por parte do tribunal, pelo que ao seu abrigo não pode o presente recurso deixar de estar condenado ao fracasso.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,23/04/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
BENJAMIM BARBOSA
PEDRO VERGUEIRO