Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1077/21.0BELRS
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO;
ANULAÇÃO DO ATO
Sumário:I. O dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito de acesso aos tribunais.

II. Como tal, a eventual verificação da falta de fundamentação no caso não é cominada com a sanção da nulidade, prevista para a ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nos termos que constam do artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
J… instaurou a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Ordem dos Advogados, pedindo que a entidade requerida seja intimada a proceder à nomeação de patrono ao requerente.
Por sentença de 14/08/2021, o TAC de Lisboa julgou a presente ação improcedente, absolvendo, em consequência, a entidade requerida.
Inconformado, o requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“a) O despacho de arquivamento proferido pela Ré encontra-se manifestamente desprovido de qualquer fundamentação;
b) Além de sequer ter sido notificado ao Autor (tanto que não há evidências da sua recepção!);
c) Sequer contem referência/transcrição das questões determinantes para a decisão ou das normas aplicáveis e/ou aplicadas;
d) A fundamentação dos actos administrativos, nomeadamente dos que, como o acto em apreço, negam, restringem e afectam direitos e interesses legalmente protegidos, e legalmente exigida - alínea a) do n° 1 do art. 152° do CPA (a data dos factos alínea a) do n° 1 do art. 124°).
e) E é constitucionalmente exigida - n° 3 do art. 268° da CRP - tanto mais que esta em causa o exercício de um direito fundamental - o acesso ao direito e aos tribunais (art. 20° da CRP).
f) Assim, para além de inconstitucional, a decisão de arquivamento é nula por falta de (qualquer) fundamentação - art. 161° do CPA (a data dos factos art. 133° do CPA).
g) Por outro lado, ao dirigir-se a um cidadão, numa posição naturalmente mais diminuída face a sua, de decisor, a actuação da administração deve reger-se por princípios basilares, nomeadamente o princípio da boa-fé - art. 10° do CPA (a data dos factos art. 6° do CPA) e art. 266° da CRP.
h) E bem sabia a entidade administrativa, ao notificar um particular que não se encontrava acompanhado de advogado, que não era exigível conhecer os prazos e as formas de reacção a decisão administrativa, pelo que deveria tê-lo feito constar da própria notificação.
i) Conforme legalmente imposto - alínea c) do n° 2 do art. 114° do CPA (a data dos factos alínea c) do n° 1 do art. 68° do CPA). i) O que não sucedeu, pelo que não se pode verificar a validade e perfeição da notificarão da decisão de arquivamento ao Autor, ora Recorrente.
j) Não obstante, sempre se verifica e resulta do processo instrutor junto pela Ré, que, o Autor/Recorrente manifestou perante a Ré variadíssimas vezes a sua não conformação com a decisão/acto praticado por esta, alegando factos que em seu entender obstavam a mesma.
k) Tendo-o feito, pois, dentro de qualquer eventual prazo de impugnação.
l) E nada obstando a que tais requerimentos - não se denominando formalmente “impugnação” - fossem tratados como tal - uma vez que, materialmente, de “impugnação” se tratavam.
m) Não entendeu assim a Ré tratá-los em conformidade, assim como entendeu nunca comunicar ao Autor/Recorrente a forma e prazo de impugnação, pelo que não poderá - não deverá - agora vir prevalecer-se de uma situação que promoveu.
n) Não se verificando da parte do Autor, ora Recorrente, qualquer actuação negligente, conforme a que o n° 2 do art. 38° do CPTA visa penalizar, muito pelo contrário: foi diligente e persistente, lançando mão do que sabia e podia saber.
o) Contrariamente ao que se poderia imputar a Ré, tanto mais quando estamos perante a concessão/negação do exercício de um direito constitucionalmente consagrado de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, conforme dispõe o n° 1 do art. 20° da CRP.”

A entidade requerida apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. O ato praticado - decisão de arquivamento - foi tomada em estrita observância do princípio da legalidade e em conformidade com as normas que regem o acesso ao direito e aos tribunais, respeitando as atribuições da Requerida previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados e na referida lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais:
2. Os vícios que o Requerente assaca nas suas alegações ao ato de recusa de nomeação, concretamente, a alegada preterição do direito de audiência prévia e a falta de fundamentação, são sancionados, pelo legislador, com o desvalor da mera anulabilidade, cominada no 163.°, n.° 1, do CPA;
3. O Requerente não impugnou judicialmente tal despacho, pelo que este tornou-se inimpugnável pelo decurso do prazo de 3 (três) meses previsto no artigo 58.°, n.° 1, alínea b), do CPTA;
4. Não o tendo feito, conformou-se com o despacho e consequentemente, não o poderá fazer através da presente intimação para defesa de Direitos, Liberdades e Garantias proceder, pelo que terá que improceder a alegação do Requerente quanto à alegada nulidade por eventual falta de fundamentação e audição prévia do Requerente, o que se alega com todas as legais consequências;
5. Não pode o Requerente vir através da presente Intimação afastar o ónus de impugnação que sobre si impendia, à data da prática do ato, de apresentação de uma ação de impugnação de ato administrativo se pretendia assacar vícios ao ato;
6. A impugnação contenciosa do ato administrativo é um procedimento judicial e como tal tramitado pela entidade competente - O tribunal, pelo que nunca a Ordem dos Advogados poderia entender os requerimentos apresentados pelo Requerente como uma impugnação judicial e tratá-los como tal;
7. O ato praticado pela Ordem dos Advogados e que o Requerente ora coloca em crise não está sujeito a impugnação administrativa necessária, pode imediatamente ser impugnado contenciosamente, pelo que não é aplicável a alínea c) do n.° 2 do artigo 114o do CPA;
8. Não estando a entidade pública, nos termos da lei, obrigada a informar, na notificação realizada, que o ato pode ser impugnado nos tribunais Administrativos e qual o prazo para a sua impugnação, tal decorre da lei e o prazo será aferido em conformidade com o vício a apontar ao ato (nulidade ou anulabilidade), pelo que não padece a notificação de qualquer vício de forma;
9. Bem andou o tribunal a quo ao proferir a decisão ora posta em crise”.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que a falta de fundamentação do ato administrativo não é geradora de nulidade (apenas de anulabilidade), e no mais estamos perante novas questões que não foram abordadas nos articulados, nem foram objeto de apreciação e decisão na sentença recorrida, pelo que aqui não podem ser conhecidas, sendo certo que o mesmo foi notificado da decisão em apreço.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões suscitadas cingem-se aos erros de julgamento da sentença recorrida:
- ao não considerar o despacho de arquivamento da ré desprovido de qualquer fundamentação e como tal nulo;
- quanto à falta de notificação deste despacho ao autor.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) No âmbito do processo de apoio judiciário com a ref “…/2012”, a Segurança Social concedeu ao ora Requerente apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, por se ter comprovado a insuficiência económica invocada pelo beneficiário, sendo tal apoio judiciário destinado a intentar “Acção Declarativa - DL 108/2006 - Propôr Acção” - cfr. doc. n° 1 junto com a p.i.;
2) Na sequência da decisão identificada no ponto antecedente, foi nomeado ao ora Requerente, pela Ordem dos Advogados, no processo com a ref “…/2012”, a Sra. Dra. S… - cfr. fls. 1 do PA junto aos autos;
3) Na sequência da nomeação referida no ponto anterior, a advogada então nomeada para patrocinar o aqui Requerente dirigiu ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados o instrumento de fls. 2 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 2 do PA junto aos autos;
4) Com data de 16/08/2012, o ora Requerente solicitou, junto do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, a nomeação da Sra. Dra. C…, em substituição da advogada anteriormente nomeada - cfr. fls. 3-5 do PA junto aos autos;
5) Em 29/08/2012 foi nomeada para patrocinar o aqui Requerente a advogada Dra. C…, em substituição da Sra. Dra. S… - cfr. fls. 6-8 do PA junto aos autos;
6) Através de requerimento datado de 25/07/2014, a Sra. Dra. C… solicitou a sua substituição na nomeação efectuada, invocando, em súmula, o seguinte: “(...) Até hoje nunca falou comigo acerca desta acção nem me entregou qualquer documentação referente à mesma, demonstrando total desinteresse nesta nomeação, pelo que será então minha vontade ser substituída nesta nomeação por não haver possibilidade de continuação no Patrocínio pelas razões acima invocadas” - fls. 9 do PA junto aos autos;
7) Em 28/08/2014 foi proferido pelo Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário, no âmbito do processo identificado em 2) antecedente, o seguinte despacho: “1. Atento o disposto no artigo 34° da Lei do Apoio Judiciário, analisado o requerimento apresentado pelo(a) Senhor(a) Advogado(a) nomeado(a) e atentos os fundamentos invocados concede-se a escusa requerida com produção de efeitos a partir da presente data.
2. Atenta a comunicação do(a) Senhor(a) Advogado(a) nomeado(a) quanto à manifesta falta de colaboração do(a) Senhor(a) beneficiário(a) e o disposto no Artigo 11°, alínea b) da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 44/2007 de 28/08, arquive- se o Processo de Nomeação.
3. Notificar o(a) Senhor(a) Advogado(a), e o(a) Beneficiário(a) do Apoio Judiciário que o Processo de Nomeação de Patrono foi arquivado.”
- cfr. fls. 10 do PA junto aos autos;
8) O despacho identificado no ponto antecedente foi comunicado ao Requerente através do ofício n° …, de 27/10/2014, o qual foi recebido pelo mesmo “no início de Novembro de 2014” - cfr. fls. 12 do PA junto aos autos; doc. n° 6 junto com a p.i. e fls. 20 do PA;
9) Através de requerimento apresentado junto do Presidente do CDL da OA em 28/10/2014, nos termos do instrumento de fls. 13 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, veio o Requerente solicitar a substituição da advogada Dra. C… - cfr. fls. 13 do PA junto aos autos;
10) Em 14/12/2015, o ora Requerente dirigiu ao Presidente do CRL da OA o requerimento de fls. 15 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando novamente a substituição da advogada anteriormente nomeada, Sra. Dra. C… - cfr. fls. 15 do PA junto aos autos;
11) Sobre o requerimento do ora Requerente, recaiu o seguinte despacho, proferido em 17/12/2015:
“1 . O Processo de Nomeação de Patrono, em apreço, foi arquivado por Despacho de 28/08/2014.
2. Compulsados os autos, apesar da exposição do Senhor beneficiário, decide-se,
a) Manter o arquivamento do presente Processo de Nomeação de Patrono.
b) Notificações habituais.”
- cfr. fls. 16 do PA junto aos autos;
12) A decisão referida no ponto anterior foi comunicada ao ora Requerente em 22/12/2015, através do ofício n° ... - cfr. fls. 17 do PA junto aos autos;
13) Com data de 25/01/2016, o ora Requerente apresentou recurso hierárquico do despacho identificado em 11), nos termos do instrumento de fls. 19-21 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. fls. 19-21 do PA junto aos autos;
14) Por despacho da Sra. Vogal do Conselho Geral da OA, Dra. A…, aprovado por unanimidade em sessão plenária do Conselho Geral da OA de 13/07/2016, foi o recurso hierárquico mencionado no ponto antecedente rejeitado, com a consequente confirmação do despacho de arquivamento recorrido - cfr. fls. 103-112 do PA junto aos autos;
15) O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao ora Requerente mediante ofício recepcionado em 21/07/2016 - cfr. fls. 113-115 do PA junto aos autos;
16) Em 11/11/2016, o Requerente dirigiu ao Presidente do CRL da OA o instrumento de fls. 28 do PA, através do qual solicita a nomeação do Sr. Dr. R…, que apresentou declaração de aceitação do patrocínio - cfr. fls. 26-28 do PA junto aos autos;
17) Em 18/11/2016, foi proferido pelo Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário o seguinte despacho, comunicado ao Requerente por ofício de 22/11/2016:
Atenta a exposição do Senhor beneficiário, decide-se,
a) O presente Processo de Nomeação de Patrono está arquivado desde 28/08/2014, arquivamento que se reiterou em 17/12/2015, não existindo nos autos qualquer elemento novo a apurar.
b) Atendendo a que a situação se mantém, manter o Despacho de Arquivamento.
c) Notifique-se o Senhor beneficiário. ”
- cfr. fls. 30 e 33 do PA junto aos autos;
18) Em 25/05/2017, foi proferido pelo Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário o seguinte despacho, comunicado ao Requerente mediante ofício datado de 29/05/2017:
Compulsados os autos, decide-se,
1. O Processo de Nomeação, em apreça, está arquivado desde 28/08/2014, arquivamento que se mantém.
2. Notifique-se, ainda, o Senhor beneficiário de que, tendo sido notificado, há meses, o Senhor Advogado, Dr. R…, para vir explicitar a conexão que, eventualmente, existe entre Processos, o mesmo não o fez, indeferindo-se, assim, o solicitado. ”
43 do PA junto aos autos;
19) Em 23/10/2017, o ora Requerente solicitou, junto da Vogal do CRL da OA, a realização de uma reunião, a fim de, designadamente, “justificar as razões no que respeita ao NP …/2012 (...)” - cfr. fls. 48 do PA junto aos autos;
20) Na sequência do mencionado requerimento, emitiu o Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário, em 16/11/2017, o seguinte despacho, comunicado ao Requerente através de ofício datado de 28/11/2017: “ 
Compulsados os autos, decide-se,
1. Notificar o Senhor beneficiário de que, o Processo de Nomeação, em apreço, foi arquivado por Despacho de 28/08/2014, reiterado em 17/12/2015 e 18/11/2016, como bem sabe, não se vendo, assim, razão para o agendamento de reunião, solicitação que se indefere.
2. Notificar, ainda o Senhor beneficiário de que em 07/12/2016, o Senhor Advogado, Dr. R…, foi notificado para vir estabelecer a conexão entre os Processos que patrocina e o Processo, em apreço, situação que não se verificou.
Na verdade, o Senhor Advogado juntou Declaração de Aceitação mas que não preenche os requisitos que levem à apreciação da alegada “conexão".
3. Notifique-se.
- cfr. fls. 49 e 50 do PA junto aos autos
21) Com data de 11/12/2018, o ora Requerente solicitou, junto da Vogal do CRL da OA, a nomeação de novo patrono - cfr. fls. 51 e 52 do PA junto aos autos;
22) Sobre o requerimento mencionado no ponto anterior, foi elaborado, pelo Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário, o seguinte despacho, do qual foi o Requerente notificado através do ofício n° …, de 28/12/2018: “
Despacho:
Analisado o requerimento apresentado pelo Senhor (a) J…, notifique-se o(a) requerente do seguinte:
1. O processo de nomeação de patrono encontra-se arquivado logo não pode este Conselho Regional proceder a nova nomeação de patrono.
2. No entanto, a lei, concretamente o artigo 22º da Lei do Apoio Judiciário, obriga a que requerimento de pedido de protecção jurídico, seja apresentado nos Serviços da Segurança Social, embora possa ser entregue, em qualquer um dos seus serviços de atendimento ao público.
J. Podemos no entanto e desde já esclarecer que:
a) O requerimento é formulado em modelo próprio e acompanhado dos documentos nele solicitados e que possam comprovar a Insuficiência Económica do requerente.
b) A Protecção Jurídica na modalidade de Apoio Judiciário poderá requerer-se, cumulativamente ou autonomamente, nas modalidades legalmente previstas de:
Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo; Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
Pagamento da remuneração do solicitador de execução designado;
Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de compensação de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de execução designado;
Pagamento de honorários de defensor oficioso
c) Analisado o requerimento e a provada alegada insuficiência económica pela entidade competente, sendo concedido o Apoio Judiciário, nomeadamente, na modalidade de nomeação de Patrono, a Segurança Social notificará a Ordem dos Advogados - Conselho Regional territorialmente competente - para proceder à nomeação de Advogado para o patrocínio.
d) Entretanto, existindo Processo pendente e tendo sido requerida a modalidade de nomeação de Patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos no Tribunal, do documento comprovativo da apresentação do pedido de concessão do Apoio Judiciário
e) Feita a nomeação do Patrono, então sim por este Conselho Regional, ela é notificada ao requerente, ao Patrono nomeado e. no caso de existir Processo ia correr termos, ao respectivo Tribunal/Autoridade Judiciária, reiniciando-se o prazo entretanto interrompido
f) O requerente, procedendo às diligências adequadas á sua pretensão e aqui sumariamente descritas, acede ao Sistema do Acesso ao Direito e aos Tribunais, contemplado na Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto, onde se promove que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social, cultural ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer ou fazer valer os seus direitos. 
- cfr. fls. 60 e 61 do PA junto aos autos;
23) Com data de 30/01/2019, o ora Requerente solicitou novamente junto do CRL da OA a substituição da advogada Dra. C… - cfr. fls. 62 e 63 do PA junto aos autos;
24) Nesta sequência, foi emitido, em 07/02/2019, o despacho do Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário, do qual foi o ora Requerente notificado por comunicação datada de 12/02/2019, e de cujo teor se extrai o seguinte: “
Analisado o requerimento apresentado pelo(a) Senhor (a) J…, notifique-se O(a) requerente do seguinte, o processo d a nomeação de patrono foi arquivado logo não é possível proceder a qualquer nomeação de advogado
- cfr. fls. 64 e 65 do PA junto aos autos;
25) Em 21/02/2019, o ora Requerente remeteu novo requerimento ao Presidente do CRL da OA, solicitando a nomeação de patrono, tendo, nessa sequência, o Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário emitido o seguinte despacho, datado de 28/02/2019 e comunicado ao Requerente através de ofício de 06/03/2019:
Analisado o requerimento apresentado pelo<a) Senhora) J…, notifique-se o(a) requerente que o processo de nomeação de patrono encontra-se arquivado.
- cfr. fls. 66-68 do PA junto aos autos
26) Em 14/08/2019, o ora Requerente solicitou novamente junto do Presidente do CRL da OA, a nomeação de patrono, designadamente, a nomeação do Sr. Dr. R…, juntando declaração de aceitação subscrita por este advogado em 29/07/2019 - cfr. fls. 69-71 do PA junto aos autos;
27) Em 29/08/2019, foi emitido pelo Vogal com o Pelouro do Apoio Judiciário o despacho com o seguinte teor: “
Informar o beneficiário do Apoio Judiciário que o processo de nomeação de patrono encontra-se arquivado desde 27.10,2014, pelo que não se procede a nova nomeação de patrono. »
- cfr. fls. 72 do PA junto aos autos;
28) O despacho referido no ponto que antecede foi comunicado ao ora Requerente mediante ofício datado de 04/09/2019 - cfr. fls. 73 do PA junto aos autos;
29) A petição inicial do presente processo foi remetida a este Tribunal em 23/06/2021 - cfr. fls. 1 dos autos.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões suscitadas cingem-se a saber se ocorrem erros de julgamento da sentença recorrida:
- ao não considerar o despacho de arquivamento da ré desprovido de qualquer fundamentação e como tal nulo;
- quanto à falta de notificação deste despacho ao autor.

No que concerne a esta segunda questão, como bem salienta o Ministério Público no seu parecer, da mesma não se conheceu na sentença recorrida, até porque não foi alegada pelo recorrente até à presente fase recursiva.
De acordo com o disposto no artigo 635.º, n.º 2, do CPC, pode o recorrente restringir o recurso a qualquer delas quando a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, desde que especifique no requerimento a decisão de que recorre. Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo.
Como é bom de ver, não é possível conhecer de questão nova em sede de recurso que está delimitado pelo decidido, podendo apenas o recorrente restringir o recurso.
Tal limitação apenas não ocorrerá perante questão de conhecimento oficioso, o que no caso manifestamente não ocorre.

No que concerne à primeira questão, consta da decisão objeto de recurso a seguinte fundamentação:
“[Verifica-se] que o Requerente não reagiu contra o acto praticado pela OA no sentido do arquivamento do processo de nomeação de patrono (proferido em 28/08/2014 e do qual tem o Requerente conhecimento desde 2014), não tendo impugnado o acto ou deduzido judicialmente o pedido de condenação à prática do acto devido, antes tendo apresentado várias exposições junto da ER, nos termos das quais solicita que lhe seja nomeado um novo patrono, tendo a OA indeferido todas as suas pretensões (datando a última comunicação remetida pela OA nesse sentido de 04/09/2019) , remetendo para a decisão de arquivamento proferida.
Ora, considerando o disposto nos arts. 58º, nº 1, al. b), e 69º, nº 2, do CPTA, verifica-se que as decisões proferidas pela OA, que o Requerente reputa de ilegais nos presentes autos, por lhe recusarem a nomeação de patrono, se tornaram inimpugnáveis, pois, tendo em conta a data em que as mesmas foram proferidas e comunicadas ao beneficiário do apoio, conforme do probatório se alcança, há muito que se encontra esgotado o prazo de que o ora Requerente dispunha para recorrer à via contenciosa, com vista à impugnação da decisão de arquivamento do processo de nomeação e recusa de nomeação de novo patrono e, consequentemente, à formulação do pedido de condenação da OA na prática do acto que considera devido (a nomeação de um patrono).
Sendo certo que as invalidades que o ora Requerente imputa à actuação da ER sempre seriam, em tese, geradoras da sua mera anulabilidade, encontrando-se, como tal, os actos praticados sujeitos ao prazo de 3 meses previsto nas citadas disposições legais.
Com efeito, ainda que a decisão de recusa de nomeação de novo patrono e arquivamento do processo de nomeação padecesse de erro nos pressupostos, preterição do direito de audiência dos interessados ou falta de fundamentação, tais invalidades, a verificarem-se, sempre gerariam a anulabilidade do acto praticado, nos termos gerais, e não a sua nulidade (cfr. art. 163º, nº1 do CPA). (…)
[Os] actos administrativos de arquivamento e recusa de nomeação de novo patrono emitidos pela ER em 28/08/2014 e em 17/12/2015, confirmados pelos actos subsequentemente praticados no procedimento, consubstanciam decisões que se consolidaram na ordem jurídica, por decurso do respectivo prazo de impugnação [sendo certo que as decisões de indeferimento dos requerimentos apresentados pelo Requerente após a notificação da decisão de arquivamento, designadamente, dos requerimentos de 11/11/2016, de 23/10/2017, de 11/12/2018, de 30/01/2019, de 21/02/2019 e de 14/08/2019, constituem, como se viu, actos confirmativos, que se limitam a reiterar, com os mesmos fundamentos, as decisões já contidas nos actos de 28/08/2014 e de 17/12/2015, pelo que são também tais actos inimpugnáveis por esse motivo – cfr. art. 53º, nº 1 do CPTA], o que implica, adiante-se, a improcedência do pedido formulado neste processo.
Com efeito, compulsado o articulado inicial, verifica-se que o Requerente visa com a instauração da presente intimação a adopção de uma conduta positiva por parte da Requerida – a emissão de uma decisão no sentido da nomeação de um novo patrono. Nessa medida, tendo em conta o pedido e a causa de pedir deduzidos nos presentes autos, forçoso é concluir que a procedência da presente intimação pressupõe o prévio afastamento, desde logo, do acto administrativo praticado pela ER em 28/08/2014, nos termos do qual arquivou o processo de nomeação com a refª “…/2012”, recusando a nomeação de um novo patrono em substituição da advogada anteriormente nomeada.
Sucede que, pressupondo a procedência da presente intimação o afastamento de uma decisão administrativa cujos efeitos se encontram consolidados na ordem jurídica, por a mesma se ter tornado, entretanto, inimpugnável, esta intimação terá necessariamente de improceder.
Contra o que sustenta o recorrente que o despacho de arquivamento em questão é desprovido de qualquer fundamentação e como tal padece de nulidade.
É patente que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.
É indisputável que cabe à administração o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou interesses legítimos dos seus destinatários, devendo ser expostas as razões de facto e de direito que levaram à prática de determinado ato e a que lhe seja dado determinado conteúdo.
Dando conteúdo ao imperativo constitucional plasmado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (“[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”), o CPA prevê o seguinte:
“Artigo 151.º
Menções obrigatórias
1 - Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato:
a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.
2 - As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.
Artigo 152.º
Dever de fundamentação
1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
Artigo 153.º
Requisitos da fundamentação
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.”
Conforme é de há muito jurisprudência consolidada, a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, tendo como objetivos “habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objetivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)” (acórdão do STA de 14/05/1997, proc. n.º 029952, disponível, como os demais a citar, em www.dgsi.pt).
Por outras palavras, o ato está devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário fica esclarecido acerca das razões que o motivaram, isto é, sempre que o mesmo contenha, com suficiência e clareza, as razões de facto e de direito que o justificaram, por forma a que aquele, se o quiser, possa impugná-lo com o necessário e indispensável esclarecimento; a fundamentação é, assim, um requisito formal do ato que se destina a responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário e que, por isso mesmo, varia em função do seu tipo legal e das circunstâncias concretas de cada caso (cf., vg, o acórdão do STA de 24/09/2009, proc. n.º 428/09).
Deve, assim, o conteúdo da fundamentação adequar-se ao tipo concreto do ato e às circunstâncias em que foi praticado, impondo-se que seja expressa, clara, suficiente e congruente.
Ou, vista no sentido inverso, a fundamentação do ato não pode ser obscura, contraditória ou insuficiente (cf., v.g., Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos, 1991, pág. 238).
A falta de fundamentação acarreta, em termos gerais, a anulabilidade do ato, podendo, em situações especiais, implicar a sua nulidade, caso ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental, cf. artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA, como sucederá quando se trate de ato administrativo que toque o núcleo da esfera normativa protegida pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e Vieira de Andrade, op.cit., pág. 293).
Retira-se da peça recursiva que se entende contender a falta de cumprimento do dever de fundamentação com o direito fundamental de acesso aos tribunais, plasmado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Como se observa no citado acórdão do TC, o direito de ação tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, propiciando a fundamentação, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, “a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação.
Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele.”
Com o que se impõe concluir, na senda do citado aresto, que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito de acesso aos tribunais.
Vale isto por dizer que a eventual verificação da falta de fundamentação no caso vertente não é cominada com a sanção da nulidade, prevista para a ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nos termos que constam do artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA.
Em suma, manifestamente improcede a questão suscitada pelo recorrente, impondo-se negar provimento ao recurso.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
Sem custas por isenção objetiva, sendo o requerente / recorrente responsável pelo pagamento dos encargos do processo, nas duas instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário concedido, cf. artigos 4.º, n.º 2, al. b), e n.º 6 do RCP.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Catarina Vasconcelos)