Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13251/16
Secção:CA
Data do Acordão:08/19/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO; NULIDADE DA SENTENÇA POR CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Sumário:I - Por condenar em objecto diverso do pedido, é nula a sentença proferida em processo onde a requerente pediu a intimação da entidade requerida a autorizar e disponibilizar a consulta da documentação de suporte dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e não universal, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e o tribunal, considerando que tal não era possível, mas que o objectivo da requerente era alcançado de outra forma, intimou a entidade requerida a fornecer o montante global dos custos e dos rendimentos apresentados por cada operadora da prestação do serviço postal universal e não universal, relativos aos aludidos anos.

II - Salvo quando estão em causa matérias secretas ou confidenciais, a Administração encontra-se vinculada a facultar a consulta e reprodução de documentos e/ou a emitir certidões no prazo de 10 dias contados da data em que lhe for feito o pedido nesse sentido; e decorrido que seja esse prazo de 10 dias, sem que a consulta seja permitida ou as certidões passadas, pode o interessado, dentro dos 20 dias subsequentes, solicitar ao Tribunal, a intimação da autoridade requerida, em ordem à satisfação do seu pedido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

D………………., LDA intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa processo de intimação para a prestação de informação e a passagem de certidão contra o ICP - AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ICP-ANACOM), pedindo ao Tribunal a sua intimação a (a) autorizar e disponibilizar “a consulta da documentação de suporte (i) dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP - ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, nos termos do disposto nos artigos 5º, 11º, n.º 1, alínea b), 13º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, 104º e 105º do CPTA” e (b) “a autorizar a requerente a reutilizar (no todo ou em parte) os documentos a consultar, passando para o efeito certidão do respectivo teor se solicitado pela requerente”.

Por sentença de 18/01/2016 o TAC de Lisboa intimou “a entidade requerida a prestar à requerente, no prazo de 15 dias, o montante global dos custos da prestação do serviço universal e não universal, apresentados por cada operadora, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, bem como os rendimentos auferidos nos mencionados anos que serviram de base à determinação dos custos de regulação e, consequentemente, à fixação da taxa anual de prestação de serviços postais referentes aos mesmos”.
Inconformados, requerente e entidade requerida interpuseram recurso jurisdicional.

O recurso interposto pela entidade requerida culmina com as seguintes conclusões:
“1.ª Com os presentes autos de intimação para a prestação de informações e passagem de certidões, a Requerente, ora Recorrida, pediu ao Tribunal a quo que intimasse a ANACOM «a autorizar e disponibilizar à Requerente a consulta da documentação de suporte (i) dos custos por incorridos [sic] com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo /CP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013”;
2.ª Todavia, o douto Tribunal a quo decidiu pela intimação da Recorrente para prestar à Recorrida «o montante global dos custos da prestação do serviço universal e não universal, apresentados por cada operadora, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, bem como os rendimentos auferidos nos mencionados anos»;
3.ª Por conseguinte, o Tribunal a quo condenou a Recorrente em objecto diverso do pedido, o que implica a nulidade da sentença recorrida, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
4.ª É falso que a Recorrente disponha de elementos que possibilitem conhecer os custos incorridos por cada operadora de serviços postais na prestação do serviço universal;
5.ª A plena compreensão do objecto dos presentes autos e a sua boa decisão dependem da consideração dos factos expostos pela Recorrente nos artigos 14.º e 15.º da Resposta ao Requerimento Inicial, sobre a regulação, supervisão e fiscalização do sector dos serviços postais e a contabilização dos custos gerados por essas actividades, factos esses que devem ser dados como assentes, quer face à prova documental carreada para os autos, quer por acordo das partes;
6.ª Os documentos pretendidos pela Recorrida não existem, uma vez que não existe nas contas da ANACOM qualquer decomposição, entre serviço universal e não universal, do valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, nos anos de 2010 a 2013;
7.ª É pacífico, entre a doutrina e a jurisprudência nacionais, incluindo a CADA, que os serviços públicos só estão obrigados a facultar o acesso a documentos que efectivamente detenham, não estando obrigados a elaborar quaisquer documentos para satisfazer o requerimento de um interessado, designadamente a fazer qualquer trabalho de composição, de síntese ou de elaboração a partir de outros;
8.ª A Recorrida nunca requereu à Recorrente que a autorizasse a consultar os documentos de suporte dos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, de forma agregada (i.e., sem distinguir entre serviço universal e não universal), pelo que recorrente nunca recusou (ou deferiu) esse pedido;
9.ª Por conseguinte, tal pretensão nunca poderia ser atendida pelo Tribunal, por não se encontrarem preenchidos os requisitos de que depende a intimação judicial para prestação de informação, consulta de documentos ou passagem de certidões, previstos no n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, nomeadamente, a recusa da administração em facultar a consulta de documentos, prestar informações ou passar certidões;
10.ª Mesmo que assim não se considerasse, tal exigência seria manifestamente abusiva e desproporcionada, uma vez que abrangeria milhares de documentos contabilísticos;
11.ª E tão pouco pode a recorrente ser obrigada a fornecer toda a documentação de suporte da sua contabilidade, uma vez que publicitou as suas contas nos termos em que está legalmente obrigada;
12.ª Subsidiariamente, mas sem conceder, caso se entendesse que a sentença recorrida não é nula por condenação em objecto diverso do pedido e que seria possível à Recorrente permitir à Recorrida o acesso aos documentos contendo o montante global dos custos da prestação do serviço universal e não universal, supostamente apresentados por cada operadora, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 (que de facto não possui), bem como os rendimentos auferidos por essas empresas nos mesmos anos (o que só se admite por cautela do patrocínio), sempre se concluiria que essa documentação contém informação que reflecte a estratégia comercial das empresas prestadoras de serviços postais, bem como os resultados da mesma;
13.ª Por essa razão, trata-se de "segredo de empresa", cujos documentos de suporte são de acesso reservado, por força do disposto no n.º 6 do artigo 6.º da LADA, e confidenciais, por força do disposto no n.º 1 do artigo 64.º da LGT;
14.ª De resto, em bom rigor, a Recorrida nunca demonstrou qualquer interesse em aceder a documentos contendo os custos e os rendimentos da actividade das suas concorrentes (donde resulta a supra demonstrada nulidade da sentença recorrida por condenação em objecto diverso do pedido) - e muito menos demonstrou qualquer interesse directo, pessoal e legítimo "suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade" que legitimasse o acesso a esses documentos.”

A requerente contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
“A) A Recorrida solicitou ao Recorrente a consulta dos documentos contabilísticos de suporte dos custos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, universais e não universais;
B) O Recorrente não negou a existência de documentos contabilísticos de suporte dos referidos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais mas não autorizou a respectiva consulta;
C) Conformando-se com a inexistência de um documento administrativo que sintetizasse a informação sobre a origem dos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, a Recorrida apresentou junto Douto Tribunal a quo o pedido na origem dos presentes autos, tendo em vista a intimação do Recorrente a autorizar a consulta dos documentos de suporte dos referidos custos;
D) São falsas as afirmações do Recorrente nos parágrafos 41 e 42 e nas conclusões 8.ª e 9.ª das respectivas alegações de recurso, uma vez que, por um lado, o pedido formulado pela Recorrida no requerimento de 2 de Setembro de 2014 e na petição na origem dos presentes autos foi o mesmo e, por outro lado, esse pedido foi indeferido pelo Recorrente através de Ofício de 9 de Outubro de 2014, com a referência ANACOM-5064898/2014-20061364;
E) O requerimento apresentado pela Recorrida junto do Tribunal a quo a
27 de Outubro de 2014, não consubstancia qualquer alteração de pedido, ao contrário do que afirma o Recorrente;
F) Estão reunidos os pressupostos processuais dos presentes autos, previstos nos artigos 104.º e 105.º do CPTA, uma vez que o Recorrente indeferiu o pedido apresentado pela ora Recorrida a 2 de Setembro de 2014 com vista à consulta dos documentos contabilísticos de suporte dos custos do Recorrente com as tarefas de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, universais e não universais;
G) Os documentos contabilísticos de suporte dos custos do Recorrente com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais existem e estão em arquivo do Recorrente;
H) Esses documentos contabilísticos contêm os custos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, universais e não universais e permitirão à ora Recorrida a plena compreensão dos valores que lhe são cobrados a título de «taxa anual de prestação de serviços postais»;
I) Admitindo que o Recorrente não tenha em seu poder um documento administrativo que sintetize a informação sobre a origem dos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, segregando-os consoante respeitem ao serviço universal ou não, por não se encontrar a obrigada a reflectir tal decomposição nas suas contas, como afirmado no Ofício de 8 de Setembro de 2014, com a referência ANACOM-5060201/2014-20061364, tal não significa que não tenha em seu poder a documentação de suporte dos custos em que incorreu para fiscalizar os serviços postais, seja no serviço universal seja no serviço não universal;
J) A satisfação da pretensão da Recorrida não implica que o Recorrente tenha de elaborar quaisquer documentos, bastando-lhe autorizar o acesso aos referidos «milhares de documentos contabilísticos» de suporte dos seus custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais;
K) A consulta dos documentos contabilísticos em referência não impõe ao Recorrente um esforço desproporcional que justifique a recusa do pedido na origem dos presentes autos;
L) Ainda que sem conceder se considerasse que a satisfação da pretensão da Recorrida nos termos do requerimento na origem dos presentes autos efectivamente imporia um esforço desproporcional à Recorrente, a solução adequada ao regime consagrado nos artigos 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b) e 13.º da LADA, passaria por salvaguardar a consulta de tais documentos do modo menos oneroso possível para esta entidade reguladora e não simplesmente negar prontamente a pretensão da ora Recorrida;
M) Interpretação diversa do regime de acesso aos documentos administrativos consagrado nos artigos 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b) e 13.º da LADA, resultaria na violação dos princípios da administração aberta e da transparência, consagrados no artigo 268.º, n.º 2,da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos;
N) A publicação das contas do Recorrente não preclude o direito da Recorrida consultar documentos contabilísticos de suporte dos custos da Recorrida com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, universais e não universais;
O) As contas publicadas pelo Recorrente e os documentos contabilísticos de suporte dos custos que agregados nessas contas são documentos distintos e contêm informação distinta;
P) A consulta dos documentos contabilísticos dos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais permitirá à Recorrida obter informação que lhe é inacessível através da mera consulta das contas publicadas pelo Recorrente.”

O recurso interposto pela requerente culmina com as seguintes conclusões:
“A. A Recorrente apresentou junto do ICP-ANACOM pedido de acesso e reutilização dos documentos administrativos contabilísticos de suporte dos custos desta entidade com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço universal e não universal, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, para poder aferir a origem dos custos que foram relevados por aquela entidade reguladora para o cálculo da «taxa anual de prestação de serviços postais» liquidada em 2013 e 2014;
B. A Sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que o Tribunal a quo não intimou o ICP-ANACOM a permitir à Recorrente a consulta dos referidos documentos contabilísticos;
C. A Recorrente tem direito a aceder aos documentos administrativos contabilísticos de suporte dos custos do ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais universal e não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, ao abrigo dos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 11.º, n.º 1, alínea b), e 13.º da LADA;
D. Os fundamentos que sustentam a Sentença em crise não são aptos a negar à Recorrente o acesso aos documentos em referência;
E. A Recorrente tem direito a consultar os documentos contabilísticos em referência, ao abrigo dos artigos 1.º, 3.º, n.º 1,alínea a), 4.º, 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b), e 13.º da LADA, não obstante, o ICP-ANACOM ter publicado as respectivas contas;
F. Os documentos que a Recorrente pretende consultar constam dos arquivos do ICP-ANACOM, que se encontra adstrito ao dever de conservação dos seus documentos contabilísticos;
G. A procedência do pedido da Recorrente não colide com o princípio da proporcionalidade dado que o ICP-ANACOM apenas terá de assegurar um espaço físico onde possa ter lugar a consulta dos documentos em causa;
H. Ainda que se considerasse que a satisfação da pretensão da Recorrente impõe um esforço desproporcional ao ICP-ANACOM, a solução adequada no caso concreto, nos termos dos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b), e 13.º da LADA, implica salvaguardar a consulta de tais documentos do modo menos oneroso possível para o ICP-ANACOM e não simplesmente negar prontamente a pretensão da Recorrente;
I. Interpretação diversa do regime de acesso aos documentos administrativos consagrado nos artigos 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b), e 13.º da LADA, resultaria na violação dos princípios da administração aberta e da transparência, consagrados no artigo 268.º, n.º 2,da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos;
J. Tão-pouco obstam à procedência do pedido de intimação apresentado pela Recorrente os argumentos invocados em sede de contestação pelo ICP-ANACOM;
K. O direito da Recorrente a aceder aos documentos em causa não foi ainda satisfeito pelo ICP-ANACOM, devendo os presentes autos prosseguir até que essa entidade reguladora seja intimada a autorizar a consulta dos documentos contabilísticos em referência;
L. A consulta dos documentos contabilísticos do ICP-ANACOM encontra pleno respaldo no regime consagrado nos artigos 5.º, 11.º, n.º 1, alínea b), e 13.º da LADA, tal como aliás atestam os diversos pareceres da CADA sobre este tema, não constituindo um exercício abusivo do direito à informação e consulta de documentos.”

A entidade requerida apresentou contra-alegações, concluindo da forma que segue:
“1.ª Como se sustentou em sede de alegações - no recurso interposto pela ora Recorrida da sentença de fls. - não pode pretender a Requerida, ora Recorrente, reformular o pedido apresentado com o seu requerimento de 2 setembro de 2014, dirigido à ANACOM (cf. documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial), e com o Requerimento Inicial que originou os presentes autos, sem antes requerer à ANACOM a consulta dos documentos objecto do pedido modificado;
2.ª Para se encontrarem preenchidos os requisitos do processo de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, previsto no n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, nomeadamente, a recusa da administração (in casu, a ANACOM) em facultar a consulta de documentos, prestar informações ou passar certidões, seria necessário que a ANACOM tivesse sido confrontada pela Recorrente com um pedido de acesso aos documentos na versão modificada que veio apenas a apresentar em juízo;
3.ª O exercício do direito à informação administrativa não procedimental e o correlativo princípio geral da administração aberta ou do arquivo aberto não podem deixar de ser entendidos no quadro geral dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da colaboração da Administração com os particulares;
4.ª Se o dever de prestação de informação não legitima posturas evasivas por parte da Administração, também o direito de acesso à informação não se afigura compatível com posições abusivas ou excessivas por parte dos interessados;
5.ª Significa isto, ao contrário do sustentado pela Requerente, ora Recorrente, que o direito à informação administrativa não procedimental não equivale a um direito de acesso geral e indiscriminado aos registos contabilísticos da ANACOM e a todos os documentos que suportam os custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e não universal nos anos de 2010 a 2013, inclusive;
6.ª Seja como for, entende a ANACOM, ora Recorrida, que foi plenamente satisfeito o direito da Requerente, ora Recorrente, à informação não procedimental, nos termos constantes do ofício de 9 de outubro de 2014 (cf. documento n.º 2 junto com a contestação);
7.ª O pedido formulado pela Requerente, ora Recorrente, em 2 de Setembro de 2014 (doc. 3 junto com o requerimento inicial) e o pedido formulado nos presentes autos, por ser indeterminado, envolvendo o acesso a milhares de documentos contabilísticos, torna-se excessivo e desproporcional, estando, por isso, abrangido pelo disposto no artigo 11º, n.º 5 da LADA, quando aí se determina que «entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extractos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos» (sublinhado acrescentado);
8.ª Não existindo nas contas da ANACOM uma separação contabilística quanto ao valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade dos prestadores dos serviços postais consoante prestem, ou não, o serviço postal universal, nunca poderiam ser fornecidos à Requerente os "documentos administrativos" por esta solicitados de forma desagregada;
9.ª Não tem, por isso, qualquer razão a Recorrente quando alega que basta para a plena satisfação da sua pretensão a possibilidade de consultar in loco os arquivos da ANACOM (§§ 35 e 36 das alegações de recurso);
10.ª A ser deferido o pedido agora reformulado, a Requerente veria o direito à informação administrativa não procedimental transformado num direito de acesso geral e indiscriminado aos registos contabilísticos da ANACOM e a todos os documentos que suportam os custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais nos anos de 2010 a 2013, inclusive, o que configura uma situação de exercício abusivo e desproporcionado do direito de acesso à informação, aproximando-se mais de uma auditoria ao regulador do que de um verdadeiro exercício do direito de acesso à informação não procedimental, suscitando inultrapassáveis problemas de confidencialidade e de acesso a dados pessoais e nominativos;
11.ª A disponibilização deste tipo de informação, sem corresponder a um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, encontra-se vedada pelo artigo 6.º, n.ºs 5 e 6 da LADA;
12.ª O que verdadeiramente subjaz ao presente processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104.º a 108.º do CPTA) é a tentativa da Requerente, ora Recorrente, de reconfigurar os pressupostos de lançamento e liquidação da taxa anual devida pelo exercício da actividade de prestador de serviços postais, fixados pela Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, onde não é feita qualquer distinção entre custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade do prestador do serviço postal universal e custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade dos demais prestadores de serviços postais.”


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto pela entidade requerida e negado provimento ao recurso interposto pela requerente.

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As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida:
(i) É nula por ter condenado em objecto diverso do pedido (cfr. conclusões 1.ª, 2.ª e 3.ª do recurso da entidade requerida);
(ii) Padece de erro de julgamento da matéria de facto (cfr. conclusões 4.ª e 5.ª do recurso da entidade requerida);
(iii) Padece de erro de julgamento de direito (cfr. conclusões 6.ª a 14.ª do recurso da entidade requerida e A) a L) do recurso da requerente).
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

A. Matéria de facto

O TAC de Lisboa considerou provados os seguintes factos:
1 - No dia 2.9.2014, a requerente apresentou à entidade requerida o pedido de informação que constitui o doc. 3 junto ao requerimento de fls. 168 do processo virtual;
2 - A entidade requerida respondeu que não possuía qualquer documento contendo a informação pretendida;
3 - Na pendência dos autos, a entidade requerida desagregou algumas despesas/custos com a regulação, mas não nos termos pedidos pela Requerente.

B. Do Direito
1. Nulidade da sentença (cfr. artigo 615º, n.º 1, al. e) CPC)
Alega a entidade requerida/recorrente que a sentença recorrida condenou em objecto diverso do pedido, na medida em que “a Requerente, ora Recorrida, pediu ao Tribunal a quo que intimasse a ANACOM «a autorizar e disponibilizar à Requerente a consulta da documentação de suporte (i) dos custos por incorridos [sic] com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo /CP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013” e “o douto Tribunal a quo decidiu pela intimação da Recorrente para prestar à Recorrida «o montante global dos custos da prestação do serviço universal e não universal, apresentados por cada operadora, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, bem como os rendimentos auferidos nos mencionados anos».
Vejamos se lhe assiste razão.
A nulidade da sentença prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 615º do CPC relaciona-se directamente com um dos princípios que enformam o direito processual civil, a saber, o princípio do dispositivo e mais especificamente com uma das suas principais manifestações: o princípio do pedido.
Como ensinava Manuel de Andrade, “o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado” (in Noções Elementares de Processo Civil (1976), pág. 372).
O princípio do pedido tem consagração expressa no artigo 3º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…)”.
Cabe ao autor, naturalmente, definir a sua pretensão e requerer ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Assim, dispõe o artigo 552º, n.º 1, al. e) do CPC que “na petição, com que propõe a acção, deve o autor formular o pedido”.
E é o pedido, tal como o autor o formulou, que vincula o tribunal, na medida em que tem de haver uma correspondência entre o mesmo e a decisão.
Com efeito, prescreve o artigo 609º, n.º 1 do CPC que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Como refere Paula Costa e Silva, “o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível"; assim, é o princípio do pedido que “determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (in Acto e Processo, págs. 263 e 583).
A violação da regra vertida no artigo 609º, n.º 1 do CPC, condenando em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma.
Isto posto, regressemos ao caso dos autos.
Sendo de grande importância o modo como o pedido se mostra formulado - na medida em que, como acabamos de referir, a decisão deve conter-se nos estritos limites em que o mesmo foi delineado pelo autor - importa começar por recordar o pedido que a requerente apresentou ao tribunal.
A mesma pediu ao TAC de Lisboa que intime a entidade requerida:
(a) a autorizar e disponibilizar “a consulta da documentação de suporte (i) dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP - ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, nos termos do disposto nos artigos 5º, 11º, n.º 1, alínea b), 13º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, 104º e 105º do CPTA”;
(b) “a autorizar a requerente a reutilizar (no todo ou em parte) os documentos a consultar, passando para o efeito certidão do respectivo teor se solicitado pela requerente”.
O TAC de Lisboa considerou que “A entidade requerida não está obrigada a coligir os elementos pretendidos pela Requerente, pois manifestamente é desproporcionada tal exigência. Tão pouco, pode ser obrigada a fornecer toda a documentação de suporte à sua contabilidade, uma vez que publicitou as suas contas nos termos a que está obrigada”.
Entendendo, porém, que “a entidade requerida dispõe de elementos relativos aos rendimentos totais de cada operadora que também presta serviço universal, bem como dispõe dos custos incorridos por cada uma na prestação de tal serviço” e que “através destes dados, por operadora, a requerente poderá compreender a composição da taxa anual que lhe foi imposta”, o Tribunal a quo intimou “a entidade requerida a prestar à Requerente, no prazo de 15 dias, o montante global dos custos da prestação do serviço universal e não universal, apresentados por cada operadora, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, bem como os rendimentos auferidos nos mencionados anos que serviram de base à determinação dos custos de regulação e consequentemente, à fixação da taxa anual de prestação de serviços postais referentes aos mesmos”.
Como resulta de forma manifesta da sentença recorrida, o que sucedeu foi que o Tribunal a quo cuidou de aferir o propósito da requerente ao pedir o acesso à documentação pretendida - e que é, segundo o mesmo, o de “compreender a composição da taxa anual que lhe foi imposta” - e, considerando que a entidade requerida não está obrigada a facultar esse acesso, entendeu que tal propósito é alcançado através do fornecimento à requerente de determinadas informações, a saber: o montante global dos custos da prestação do serviço postal universal e não universal apresentados por cada operadora nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, e os rendimentos auferidos pelas mesmas nesses anos.
Só que, não cabe ao Tribunal definir a pretensão da requerente e aferir que objectivo pretende com ela prosseguir, nem tão pouco determinar qual a melhor forma de a satisfazer.
Isso é tarefa da requerente; e definidos por ela esses parâmetros o Tribunal está vinculado a observá-los, não podendo decidir por um maius, nem por um aliud.
Ora, foi justamente isso que o TAC de Lisboa fez. A requerente pediu-lhe que intimasse a entidade requerida a autorizar e disponibilizar a consulta da documentação de suporte dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e não universal, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013; e o tribunal, considerando que tal não era possível, mas que o objectivo da requerente era alcançado de outra forma, intimou a entidade requerida a fornecer o montante global dos custos e dos rendimentos apresentados por cada operadora da prestação do serviço postal universal e não universal, relativos aos aludidos anos.
Constata-se, assim, que o Tribunal a quo condenou a entidade requerida em objecto diverso do pedido, violando o princípio do dispositivo (mais especificamente o princípio do pedido), o que acarreta a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. e) do CPC.
2. Declarada a nulidade da sentença, cumpre decidir o objecto da causa, uma vez que os autos fornecem todos os elementos necessários (cfr. artigo 149º, n.º 1 do CPTA), para o que importa, antes de mais, fixar a matéria de facto.
2.1. Mostram-se provados os seguintes factos com relevância para a apreciação das questões que cumpre apreciar e decidir, tendo em consideração os documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados:
A) No dia 2/09/2014 a DHL Express Portugal, Lda requereu ao Presidente do ICP - Autoridade Nacional de Comunicações, que lhe sejam disponibilizados, “através de reprodução por fotocópia ou por qualquer outro meio técnico, designadamente electrónico, os documentos contendo a informação qualitativa e quantitativa (i) dos custos incorridos pelo ICP- ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, bem assim, que seja disponibilizada à requerente (iii) a consulta da documentação de suporte dos referidos custos” (cfr. doc. 3 junto com o requerimento inicial).
B) O ICP-ANACOM respondeu ao pedido referido em A) por ofício com a referência ANACOM-S060201/2014, de 8/09/2014, nos seguintes termos (cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial):
“(…)
Em resposta, cumpre-nos informar o seguinte:
4. Conforme mencionado no número 5 do requerimento sob resposta, na desagregação dos custos (gastos) totais do ICP-ANACOM por tipo de actividade, aprovada por deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM de 14 de Novembro de 2013 (…) e por deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM de 24 de Julho de 2014 (…) não é feita qualquer distinção entre custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade do prestador do serviço postal universal e custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade dos demais prestadores de serviços postais, porque tal distinção não tem expressão nas contas do ICP-ANACOM.
5. Na verdade, resulta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o requerimento sob resposta, que a metodologia de apuramento dos custos de regulação não assenta nos procedimentos administrativos de autorização e registo dos operadores (artigos 24º, n.ºs 1 a 3, 27º a 33º e 34º e 35º da Lei n.º 17/2012).
6. Com efeito, nos termos do anexo A (“metodologia de apuramento dos custos de regulação”) às deliberações citadas e juntas como documentos n.ºs 1 e 2 com o requerimento sob resposta, “o sistema de custeio do ICP-ANACOM foi desenvolvido com base na metodologia ABC e tem como objectivo identificar os custos associados ao desenvolvimento das actividades inerentes às atribuições estatutárias que lhe estão cometidas, bem como dar resposta ao estipulado no n.º 4 do artigo 105º da Lei n.º 5/2004, bem como ao estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 44º da Lei n.º 17/2012, de 26 de Abril”;
(…)
10. Não existe, por isso, na posse do ICP-ANACOM, qualquer “documento administrativo” susceptível de reprodução, que contenha a informação solicitada, uma vez que, como já se disse e é reconhecido no n.º 5 do requerimento sob resposta, não existe nas contas do ICP-ANACOM qualquer decomposição do valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade dos prestadores dos serviços postais nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, em função da sua actividade, isto é, consoante estes prestem, ou não o serviço postal universal.
11. Não se trata de não possuir o documento, nomeadamente para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 14º da Lei n.º 46/2007 (LADA), mas de estar em causa um pedido de acesso a um documento inexistente.
(…)
13. Finalmente refira-se que as contas do ICP-ANACOM obedecem ao SNCV, são auditadas e estão publicadas no respectivo sítio da internet, sendo de acesso público (…), pelo que se encontram à disposição de V. Ex.ªs.”
C) A requerente tomou conhecimento do ofício referido em C) no dia 9/09/2014 (cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial).
D) O requerimento inicial foi remetido ao TAC de Lisboa via site, no dia 26/09/2014 (cfr. fls. 1 dos autos).
2.2. Dispõe o n.º 1 do artigo 268º da CRP que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas”.
Por sua vez, prescreve o n.º 2 do mesmo preceito legal que “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Consagra este preceito constitucional o direito à informação dos particulares face à Administração, no âmbito do qual se distingue o direito à informação procedimental (artigo 268º, n.º 1 da CRP), do direito à informação não procedimental (artigo 268º, n.º 2 da CRP).
Estas duas facetas do direito à informação foram transpostas para o CPA, tratando os artigos 61º a 64º do direito à informação procedimental, e o artigo 65º da vertente não procedimental do direito à informação, consagrando o princípio da administração aberta.
O direito à informação prestado nos termos dos artigos 61º a 64º do CPA reporta-se sempre a um determinado procedimento em concreto, o qual se encontra em curso.
Ao invés, o direito à informação não procedimental consiste no direito que assiste a todos os cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos, “independentemente de serem ou estarem interessados num procedimento administrativo ou numa decisão administrativa, de estarem ou virem a estar em relação jurídica com a Administração” (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, 2ª edição, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).
De acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 2º, n.º 2, al. n) do CPTA, nos termos do qual “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter … a intimação da Administração a prestar informações, permitir a consulta de documentos ou passar certidões”, o exercício da tutela jurisdicional do direito à informação procedimental e não procedimental é assegurado através do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artigos 104º ss do CPTA.
Trata-se de um processo urgente, consagrado como um meio processual autónomo, destinando-se a assegurar a tutela do direito à informação procedimental e extra procedimental.
Dispõe o n.º 1 do artigo 104º do CPTA que “quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção”.
Dúvidas não há que está em causa nos presentes autos o direito à informação não procedimental, previsto nos artigos 268º, n.º 1 da CRP e 65º do CPA aplicável e regulado na Lei n.º 46/2007, de 24/08.
Na medida em que visam objectivos distintos, são também diversos os regimes jurídicos que correspondem ao exercício do direito à informação procedimental e extra procedimental. A diferença fundamental entre ambos os regimes reside no facto de “não haver, no art. 65º, qualquer referência a requisitos subjectivos de titularidade e legitimidade: o direito de acesso é de todos os cidadãos, independentemente de serem ou estarem interessados num procedimento administrativo ou numa decisão administrativa, de estarem ou virem a estar em relação jurídica com a Administração” (in Código do procedimento Administrativo, 2ª edição, pág. 343, M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).
Assim sendo, enquanto o direito à informação procedimental, posto que exercido no âmbito e no decurso de um concreto procedimento administrativo, cabe aos “directamente interessados” no mesmo e, por extensão, aos que, não detendo essa qualidade, demonstrem ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos (cfr. artigos 61º a 64º do CPA), o direito à informação extra procedimental pode ser exercido por qualquer pessoa, não se impondo que o interessado invoque qualquer interesse legítimo ligado aos registos ou documentos a que pretende ter acesso (cfr. artigo 65º do CPA).
Do mesmo modo, o artigo 5º da Lei n.º 46/2007, de 24/08 – LADA – estabelece, como regra geral, o direito de livre acesso aos documentos administrativos, ao prescrever que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.
O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos só é restringido quando estejam em causa “matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” (cfr. artigos 268º, n.º 2 da CRP e 65º, n.º 1 do CPA), assim como “matérias em segredo de justiça”, referentes “a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”, ou à “violação dos direitos de autor ou dos direitos de propriedade industrial” (cfr. artigos 6º e 8º da LADA). Não estando em causa registos ou documentos referentes a estas matérias, a Administração não pode denegar, restringir ou condicionar o acesso de qualquer cidadão aos mesmos.
Deste modo apresentado que seja o requerimento solicitando o acesso a um documento administrativo, deve a entidade administrativa a quem o mesmo for dirigido, no prazo de 10 dias, comunicar a data, local e modo de efectivar a consulta, efectuar a reprodução ou obter a certidão, ou, então, indicar as razões da recusa do acesso ao documento solicitado (cfr. 14º da LADA).
Do indeferimento expresso, da falta de decisão ou da decisão limitadora do exercício do direito de acesso, pode o interessado dirigir queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, sendo que podem ser impugnadas pelo interessado junto dos tribunais administrativos, a decisão ou a falta dela, aplicando-se as regras do processo de intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões, hoje regulado nos artigos 104º e ss do CPTA. (cfr. artigo 15º da LADA).
Em suma: salvo quando estão em causa matérias secretas ou confidenciais, a Administração encontra-se vinculada a facultar a consulta e reprodução de documentos e/ou a emitir certidões no prazo de 10 dias contados da data em que lhe for feito o pedido nesse sentido. E decorrido que seja esse prazo de 10 dias, sem que a consulta seja permitida ou as certidões passadas, pode o interessado, dentro dos 20 dias subsequentes, solicitar ao Tribunal Administrativo, a intimação da autoridade requerida, em ordem à satisfação do seu pedido (artigo 105º do CPTA).
O direito à informação depende, assim, do preenchimento dos seguintes requisitos:
- Apresentação, junto da entidade administrativa competente, de requerimento com vista ao exercício do seu direito à informação;
- Não ter sido dada satisfação ao pedido formulado no prazo de 10 dias;
- A pretensão em causa não verse sobre matérias abrangidas pela previsão dos artigos 62º, n.º 1, 65º, n.º 1 e 6º da LADA;
- A intimação judicial da entidade administrativa deve ocorrer dentro dos 20 dias subsequentes ao termo do referido prazo de 10 dias.
Feito este enquadramento deste meio processual, regressamos ao caso dos autos para aferir do preenchimento dos referidos requisitos.
Mostra-se provado que a requerente apresentou junto da entidade requerida, em 2/09/2014, um requerimento solicitando que lhe sejam disponibilizados, “através de reprodução por fotocópia ou por qualquer outro meio técnico, designadamente electrónico, os documentos contendo a informação qualitativa e quantitativa (i) dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, bem assim, que seja disponibilizada à requerente (iii) a consulta da documentação de suporte dos referidos custos” (cfr. alínea A) do probatório).
A entidade requerida respondeu a esse requerimento por ofício de 8/09/2014, recebido pela requerente no dia 9/09/2014. A pretensão desta não foi satisfeita, alegando a entidade requerida que “não existe (…) na posse do ICP-ANACOM, qualquer “documento administrativo” susceptível de reprodução, que contenha a informação solicitada, uma vez que, como já se disse e é reconhecido no n.º 5 do requerimento sob resposta, não existe nas contas do ICP-ANACOM qualquer decomposição do valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização da actividade dos prestadores dos serviços postais nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, em função da sua actividade, isto é, consoante estes prestem, ou não o serviço postal universal” (cfr. alínea B) do probatório).
Dado que a pretensão de acesso à informação não foi satisfeita pela entidade requerida, a requerente intentou no dia 26/09/2014 a presente intimação (cfr. alínea D) do probatório), cumprindo, pois, o prazo de 20 dias estipulado no artigo 105º, n.º 2 do CPTA. E pediu ao Tribunal que intime a entidade requerida a autorizar e disponibilizar “a consulta da documentação de suporte (i) dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP - ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, nos termos do disposto nos artigos 5º, 11º, n.º 1, alínea b), 13º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, 104º e 105º do CPTA”.
Sustenta a entidade requerida que tal pedido deve ser indeferido, para o que aduz os seguintes argumentos:
- Não se mostram preenchidos os requisitos de que depende a intimação judicial para prestação de informação, consulta de documentos ou passagem de certidões, previstos no n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, nomeadamente, a recusa da administração em facultar a consulta de documentos, prestar informações ou passar certidões, já que (i) os documentos pretendidos não existem, pois inexiste nas contas da ANACOM qualquer decomposição, entre serviço universal e não universal, do valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, nos anos de 2010 a 2013 e (ii) a requerente nunca requereu que a entidade requerida a autorizasse a consultar os documentos de suporte dos custos de regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, de forma agregada (i.e., sem distinguir entre serviço universal e não universal), pelo que esta nunca recusou (ou deferiu) esse pedido;
- A pretensão da requerente é manifestamente abusiva e desproporcionada, uma vez que abrange milhares de documentos contabilísticos;
- Não pode ser obrigada a fornecer a documentação de suporte da sua contabilidade, dado que publicitou as suas contas nos termos em que está obrigada.
Importa referir, em primeiro lugar, que, ao contrário do que a entidade requerida pretende, o pedido que a requerente formulou junto do ICP-ANACOM é idêntico ao que deduziu no âmbito do presente processo.
Efectivamente, a requerente apresentou junto da entidade requerida, em 2/09/2014, um requerimento solicitando que lhe sejam disponibilizados, “através de reprodução por fotocópia ou por qualquer outro meio técnico, designadamente electrónico, os documentos contendo a informação qualitativa e quantitativa (i) dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, bem assim, que seja disponibilizada à requerente (iii) a consulta da documentação de suporte dos referidos custos” (cfr. alínea A) do probatório).
E pediu ao Tribunal que intime a entidade requerida a autorizar e disponibilizar “a consulta da documentação de suporte (i) dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e (ii) dos custos incorridos pelo ICP - ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, nos termos do disposto nos artigos 5º, 11º, n.º 1, alínea b), 13º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, 104º e 105º do CPTA”.
Ou seja, o que a requerente pretende, e foi isso que solicitou junto da entidade requerida e posteriormente ao TAC de Lisboa, é ter acesso à documentação em poder daquela que lhe permita saber quais os custos incorridos pelo ICA-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, tendo requerido junto da Administração “ a consulta da documentação de suporte dos referidos custos”.
A entidade requerida, alegando que os documentos pretendidos não existem, pois inexiste nas contas da ANACOM qualquer decomposição, entre serviço universal e não universal, do valor dos custos incorridos com a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços postais, nos anos de 2010 a 2013, não facultou a informação pretendida.
A verdade, porém, é que acaba a entidade requerida por referir que a pretensão da requerente abrange milhares de documentos contabilísticos, sendo, por isso, abusiva. Ou seja, a entidade requerida admite que possui os documentos pretendidos pela requerente, alegando, contudo, ser abusivo e desproporcionado o pedido da requerente, na medida em que está em causa um número muito elevado de documentos contabilísticos.
O artigo 11º da LADA estabelece as várias formas de acesso aos documentos administrativos, que podem consistir na consulta gratuita, efectuada nos serviços que os detêm [cfr. n.º 1, al. a)], na reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual, sonoro ou electrónico [cfr. n.º 1, al. b)] ou mediante certidão [cfr. n.º 1, al. c)].
O regime de acesso aos documentos administrativo previsto no referido preceito contém, porém, uma ressalva, a qual se mostra prevista no seu n.º 5, nos termos do qual “A entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extractos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos”.
É essa ressalva que a entidade requerida invoca, ao alegar que a pretensão da requerente é manifestamente abusiva e desproporcionada, uma vez que abrange milhares de documentos contabilísticos.
Esquece, contudo, a entidade requerida que no requerimento de acesso aos documentos pretendidos, a requerente pediu, além do mais - provavelmente antevendo alguma dificuldade originada pela manipulação de um elevado número de documentos - que lhe fosse facultada a consulta da documentação de suporte dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e não universal nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, o que permite ultrapassar as dificuldades invocadas pela Administração.
Também não assiste razão à entidade requerida quando alega que não tem o dever de fornecer à requerente a documentação de suporte da sua contabilidade, uma vez que publicitou as suas contas. Como é bom de ver, uma coisa é a publicitação das contas e outra, completamente distinta, são os documentos contabilísticos que lhe servem de suporte, sendo certo que a requerente pretende obter encontra-se plasmada nos mesmos.
Cumpre, por fim, referir que vem agora a entidade requerida, já em sede de recurso jurisdicional, invocar que os documentos pretendidos contêm informação que reflecte a estratégia comercial das empresas prestadoras de serviços postais, pelo que os mesmos são de acesso reservado, por força do disposto no n.º 6 do artigo 6.º da LADA, e confidenciais, por força do disposto no n.º 1 do artigo 64.º da LGT.
O certo é que nunca antes a entidade requerida aduziu este argumento, nem em sede de resposta ao pedido que a requerente lhe apresentou, nem mesmo na oposição que deduziu no âmbito da presente intimação judicial. Só agora o fez, sem que tenha concretizado e demonstrado, como lhe competia, em que medida é que os documentos pretendidos contêm “segredo de empresa”.
Concluímos, em face do exposto, que se mostram preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o deferimento do presente pedido de intimação.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença recorrida e, em substituição, intimar a entidade requerida a disponibilizar à requerente, no prazo de 15 dias, a consulta da documentação de suporte dos custos incorridos pelo ICP-ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização do serviço postal universal e do serviços postal não universal, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013.
Custas pela entidade requerida em ambas as instâncias.


Lisboa, 19 de Agosto de 2016
Conceição Silvestre
Pedro Marchão
Jorge Cortês