Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:834/11.O BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
FUNDAMENTO DA CORREÇÃO
EFICÁCIA NO ATAQUE DA SENTENÇA
Sumário:I. Sustentando-se a fundamentação do ato tributário na não dedutibilidade do IVA suportado, atento o disposto no art.º 19.º, n.º 1, al. a), do CIVA, e não na circunstância de se estar perante indícios de emissão de faturas falsas e tendo sido feita nesse prisma a apreciação pelo Tribunal a quo, o recurso que se centra na consideração de se verificarem tais indícios está votado ao insucesso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 01.07.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por N. E. SGPS, SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas a 2007 (2.º e 3.º trimestres).

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga parcialmente procedente a impugnação deduzida pela Impugnante N. E. SGPS S.A. na parte referente à liquidação adicional de IVA n.º 10006689 relativa ao período de €0709T, no valor de € 21.000,00, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 10006689 no valor de € 1.765,15.

B. Foi a Impugnante alvo de procedimento inspectivo, em sede de IVA e de IRC, referente aos anos de 2007 e de 2008, aberto ao abrigo das OI n. º OI200903095 e n.º OI200903096, de que vieram a resultar as liquidações de IVA impugnadas nos autos, e em particular, as liquidações em causa no presente recurso, resultado de duas facturas emitidas em 15-09-2007 e 24-09-2007 por F. A. Lda, com o NIF ….400, referentes a custos de publicidade e propaganda, no montante, respectivamente, de € 48.400,00 e de € 72.600,00, com IVA incluído nos valores de € 8.400,00 e € 12.600,00.

C. E, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, quanto a tais facturas foram recolhidos indícios fundados da não materialização dos serviços na mesma contidos: prestação de serviços de publicidade prestados pela sociedade F. A. S.A. à Impugnante, conforme resulta notório dos factos índice plasmados no Relatório de Inspecção Tributária constantes da alínea C) do probatório da douta sentença, e supra enunciados em 10. a 20..

D. Tais factos decorrentes do Relatório de Inspecção Tributária, porque constantes de informações oficiais prestadas pela inspecção tributária e constantes do probatório, fazem fé nos termos da lei, constituindo-se como meio de prova ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 76.º da LGT e artigo 115.º do CPPT, e como tal deveriam ter sido considerados pelo Tribunal a quo.

E. Por outro lado, do probatório deverá constar o seguinte facto: Os cheques alegadamente destinados ao pagamento dos serviços foram enviados ao fornecedor de serviços em 2009 por via postal, com endereçamento para a sede da empresa, correspondente à morada aposta nas facturas - cf. afirmado pela Impugnante, artigo 56.º da p.i., e fls. 4 da douta sentença – note-se que, a mesma morada visitada em sede de procedimento inspectivo e sem indício de qualquer ocupação desde há três anos.

F. Devendo, ademais, constar como factos não provados os seguintes: (i) Não demonstrou a Impugnante a existência de quaisquer contactos com a empresa fornecedora dos serviços, via correio electrónico ou outros; (ii) Não demonstrou, por qualquer meio, a Impugnante o efectivo pagamento dos alegados serviços, nem demonstrou a quem foi tal pagamento efectuado.

G. E, por outro lado, não consta dos factos provados que à data da emissão das facturas em questão nos autos fosse efectivamente a Impugnante parte do grupo de sociedades em que se integrava a sociedade N. E. – A. M. P. S.A., pelo que, o raciocínio do Tribunal a quo se apresenta assente em considerações objectivas não demonstradas, e, portanto, em facto não constante do probatório – recorde-se que à data da emissão das facturas a designação social da Impugnante não incorporava qualquer menção ao grupo ou marca N. E..

H. Atentos os indícios recolhidos pela AT, mostra-se cumprido o ónus da prova que sobre a mesma impendia, sendo que à Impugnante se impunha produzir prova da efectiva prestação dos serviços, não tendo a Impugnante demonstrado que foi a empresa F. A. S.A. que prestou o serviço, e/ou que o alegado serviço foi prestado à Impugnante aqui recorrente.

I. A Impugnante não apresenta comprovativos de pagamento do serviço, os alegados anúncios publicitários respeitantes ao serviço dizem respeito a entidade colectiva diversa, não apresenta quaisquer comprovativos de troca de correspondência, afirma não saber da localização da sede da empresa, e apresenta como único contacto pessoa incontactável, não apresentando, pois, prova idónea da materialidade das operações tituladas pelas facturas postas em causa; a que acresce a ausência de estrutura empresarial da alegada prestadora de serviços.

J. O que determinou fosse afastada a indispensabilidade do custo associado às facturas nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, bem como afastada a admissibilidade da dedução do IVA nos termos do artigo 19.º do Código IVA.

K. Pelo que, a douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão, conforme indicado, mais incorrendo em erro de julgamento de direito por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA.

Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências.

Sendo que V. Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de, tendo a administração tributária (AT) reunido indícios suficientes de se estar perante uma situação de utilização de faturas falsas, a Impugnante não ter logrado demonstrar a efetividade das operações e de não ter ficado provado que a N. E., SA, era do grupo da Impugnante?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) N. E. SGPS, SA (ou impugnante) encontra-se, em sede de IVA, enquadrada no regime de periodicidade trimestral (fls 45, da RG);

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200903095 a impugnante foi alvo de Inspecção Tributária (IT) de âmbito parcial ao IRC e IVA dos exercícios de 2007 e 2008 (fls 44, da RG);

C) Em 18 de Dezembro de 2009 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (doc nº 1, da pi):

«(…).

C- Outras situações

Por consulta à base de dados da DGCI, verificou-se que o Sujeito Passivo, N. E. SGPS S.A., consta no cadastro com o CAE 06810 ¯compra e venda de bens imobiliários", tendo resultado da redenominação da empresa “L. S.G.P.S., S.A.”, tendo iniciado a actividade em 2001/04/01.

O sujeito passivo em análise é uma sociedade anónima, designadamente, uma sociedade gestora de participações sociais, inserida num grupo de empresas ligado à área dos serviços de media e de publicidade, sendo o seu responsável o Dr. P. B., com o NIF … 497.

O seu domicílio fiscal está registado no B. G. como já atrás foi referido, no entanto o processo inspectivo decorreu no escritório, sito na Ava M. T. n° .. -9º, em Lisboa, onde a empresa exerce efectivamente a sua actividade comercial, sendo a TOC responsável a Sr.a D.a A. L..

(…).

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITEMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

IRC 2007

Em sede de IRC, o sujeito passivo está enquadrado no regime geral de tributação, entregando com regularidade as respectivas declarações modelo 22, assim como, as declarações anuais de informação contabilística e fiscal.

Da análise efectuada aos elementos contabilísticos, nomeadamente na conta Publicidade e propaganda com um total de custos de 100 000,00 €, destaca-se o seguinte:

(Valores em €)

1 - As duas facturas contabilizadas foram emitidas pelo sujeito passivo – F. A., Lda", com o NIF … 400, mencionam:

A factura n° …6 -concepção, storyboard e acompanhamento na produção do anúncio institucional - Produção realização e coordenação dos direitos de imagem para anúncio escolhido"

A factura n° …7 “compra de espaço publicitário”, estas duas facturas foram emitidas para a empresa N. E. SGPS S.A., Anexo 1 de 1 folha.

2 -Analisámos também a conta deste fornecedor 2211025, verificámos que a conta já vinha com um saldo de 42 350,00 € do exercício de 2006, este saldo refere-se a duas facturas a n°..02 e n°..06 uma de 28/12/2006 e outra de 29/12/2006. No cadastro a empresa consta como tendo iniciado a actividade em 07/12/2006. Todas as facturas têm o nome do sócio da empresa F. em carimbo, o que não é normal.

3 - No exercício de 2007 é emitido o cheque n°…359 do BES com data de 2007-10-23 no montante de € 26 000,00 continuando a conta deste fornecedor com um saído para 2008 de € 137 500,00, o mesmo saldo transita ainda para o ano de 2009 e só em Janeiro, Fevereiro e Março deste mesmo ano, é que é totalmente liquidado o saldo da conta do fornecedor “F. A., Lda.”, com a emissão de 4 cheques, folhas 9 a 12 do Anexo 2.

4. Deslocámo-nos à morada que consta no cadastro da empresa e a indicada nas facturas da "F. A., Lda", R. M., .. r/c – Q. L. – 28..-1.. B., trata-se de um pequeno prédio bastante degradado e não se encontra ninguém, foi-nos informado ser desconhecida esta empresa e no local há já cerca de três anos que ali não reside ninguém e que esta morada foi alvo de buscas por parte da polícia, cujo alvo seria o Sr. H. M. NIF …058, único nome que consta como sendo sócio da empresa “F. A., Lda.”, e que este senhor se ausentou do País.

5. Foi ouvida em termo de declarações a Dr.a A. L., que como atrás já foi referido é a TOC e Directora Financeira do sujeito passivo, para prestar esclarecimentos sobre o fornecedor “F. A., Lda.”, conforme Anexo 2 de 12 folhas.

6. Em resposta à questão n°2 - Concretize a localização do escritório/ instalações e responsável pela gerência ……foi-nos dado apenas um contacto telefónico ....91 de P. M. ligámos diversas vezes, mas todas elas foram infrutíferas.

7. Na questão n°5 - Juntar fotocópia de troca de correspondência com o fornecedor, foi-nos dito: Os contactos eram só feitos pelo telefone.

8. Na questão n°7 - Outras Declarações, foi-nos dito que os cheques foram enviados pelo correio.

Foram ainda efectuadas diligências junto dos responsáveis pela contabilidade da empresa “F. A., Lda.”, R. Q. NIF …530, foi o marido desta Sr. R. N. NIF ….854, que nos atendeu e confirmou a ausência do Sr. H. M., tendo enviado para os nossos Serviços um FAX Anexo 3 de 2 folhas, confirmando o que já nos tinha dito pessoalmente.

Para além de tudo o que já foi dito atrás acresce-se ainda que, a suposta publicidade, ainda que tenha sido efectuada pela empresa F., refere como adquirente da mesma, a empresa N. E. A. M. P. S.A. NIF …300 e não a N. E. SGPS S.A. NIF…127, (Anexo 2 folhas 6 e 7). Daí que este custo não concorreu assim para a formação dos proveitos do sujeito passivo em análise, pelo vão ser acrescidos os 100 000,00 € à matéria colectável do exercício de 2007 (art°23 do CIRC).

De referir que até à presente data a empresa “F. A., Lda", nunca entregou nenhuma declaração anual nos Termos do estipulado na alínea c) do n°1 do art°109° do CIRC, nem nunca apresentou as Declarações de Rendimentos conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do art°109° do CIRC

Na conta 62232 - Conservação e reparação foram contabilizadas duas facturas emitidas pela empresa E. A. A. NIF ….224: uma com o n° ..1 com o valor de 2 698,30 €/lVA incluído, e o n° ..2 com o valor de 2 420,00 €/IVA incluído, ambas com data de 04-05-2007, que referem -Alteração de habitação no B. G., n°.. B. Projecto de Execução - 1a Fase. Não vão ser aceites como custos uma vez que se trata da habitação do sócio da empresa, embora a morada conste como sede da empresa, toda a actividade relacionada com esta, se desenvolve nos escritórios no 8.º e 9° pisos na Av.ª M. T.. Acresce à matéria colectável o montante de 4 230,00 € (art°23° do CIRC) Junta-se Anexo 5 de 4 folhas.

(…).

IVA 2007

Como já atrás referido o sujeito passivo deduziu IVA em facturas cujos serviços não vão ser aceites como custo fiscal, o IVA deduzido nessas facturas vai ser corrigido artº 19º nº 1 al a) e 26º (actual 27º) do CIVA.

Facturas emitidas pelo fornecedor F. A., Lda

Factura …6 – 8.400,00

Factura ..7 – 12.600,00

Total 21.000,00

Facturas emitidas por E. e contabilizadas em Conservação e reparação

Factura nº ..1 –IVA – 468,00

Factura nº …2 – IVA – 420,00

Total 888,30

D) Em 12 de Janeiro de 2010 a ora impugnante foi notificada do RIT (facto aceite por confissão);

E) Na sequência das correcções foram efectuadas as seguintes liquidações adicionais e de juros compensatórios:

- Liquidação adicional de IVA nº 10006687, relativa ao período de 0706T, da qual resulta imposto adicional a pagar no valor de €888,30 (doc nº 2, da pi);

- Liquidação de juros compensatórios nº 10006688, relativa ao período 0706T, da qual resultam juros compensatórios a pagar de €83,52 (doc nº 3, da pi);

- Liquidação de IVA nº 10006689 relativa ao período de €0709T, da qual resulta imposto adicional a pagar de €21.000,00 (doc nº 4, da pi);

- Liquidação de juros compensatórios nº 10006690, relativa ao período 0709T, da qual resultam juros compensatórios a pagar de €1.765,15 (doc nº 5, da pi);

F) Em 18 de Fevereiro de 2010 a impugnante foi notificada das liquidações identificadas no ponto anterior (facto aceite por confissão);

G) Em 7 de Junho de 2010 foi instaurado o processo de execução fiscal nº …233, pelo valor de €23.736,97 acrescido do valor de €357,08 (doc nº 6, da pi);

H) Em 7 de Junho de 2010 a impugnante pagou, através da Modelo 10, a dívida em execução fiscal identificada no ponto anterior (doc nº 7, da pi);

I) Em 14 de Junho de 2010, a impugnante intentou reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, identificadas em F) a que foi atribuído o nº 3328-2010/0400078.1 (doc nº 9, da pi);

J) A impugnante exerceu direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa e, em 27 de Outubro de 2010 foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, cujos fundamentos são os constantes da Informação Rec 992/2010, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (fls 360 a 362, da RG):

K) Em 27 de Outubro de 2010 a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (doc nº 10, da pi);

L) Com data de 04/05/2007, a sociedade E. A. Lda. emitiu à sociedade L. SGPS, S.A, contribuinte n.º …127, com morada no “B. G. n.º .., 1…-1.. L.” a factura n.º ..1, no valor de € 2 230,00 (acrescido de IVA no montante de € 468,30), com a seguinte descrição no campo - designação: «Alteração de habitação no B. G., n.º .., B., Estudo Prévio» - Anexo 5 ao RI;

M) Com data de 04/05/2007, a sociedade E. A. Lda. emitiu à sociedade L. SGPS, S.A, contribuinte n.º … 127, com morada no – B. G. n.º .., 1…-1.. L. a factura n.º ..2, no valor de € 2 000,00 (acrescido de IVA no montante de € 420,00), com a seguinte descrição no campo - designação: «Alteração de habitação no B. G., n.º .. B., Projecto de Execução – 1.ª fase» - Anexo 5 ao RI;

N) Com data de 15/09/2007, a sociedade F. A. Lda. emitiu à sociedade L. SGPS, contribuinte n.º … 127, com morada no B. G. n.º .., 1.-1.. L. a factura n.º …6, no valor de € 48 400,00 (acrescido de IVA no montante de € 8 400,00), com a seguinte descrição no campo ¯designação: «conceção, storyboard e acompanhamento na produção do anúncio institucional - Produção realização e coordenação dos direitos de imagem para anúncio escolhido» (Anexo I ao RI e doc nº 11, da pi);

O) Com data de 24/09/2007, a sociedade F. A. Lda. emitiu à sociedade L. SGPS, contribuinte n.º …127, com morada no B. G. n.º .., 1.-1.. L. a factura n.º ..7, no valor de € 72 600,00 (acrescido de IVA no montante de € 12 600,00), com a seguinte descrição no campo - designação: «Compra de espaço publicitário» (Anexo I ao RI e doc nº 12, da pi);

P) Dos suportes publicitários produzidos pelos serviços referidos em N) e O) consta a menção – N. E. A. M. S.A. sem qualquer referência ao número de identificação fiscal – docs nºs 16 a 19, da pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

Q) Em 2007, o administrador da Impugnante tinha como domicílio fiscal – B. G. n.º .., L. – cfr. fls. 146 e 147 do processo de reclamação graciosa apenso;

R) As notificações relativas à liquidações adicionais e juros compensatórios à impugnante, foram remetidas para a Avª M. T. …, 1..-1.. L. (doc nº 3, da pi);

S) Os escritórios da impugnante situam-se na Avª M. T. (facto aceite por confissão);

T) Em 20 de Abril de 2011 deu entrada a presente impugnação judicial”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se fez qualquer prova relativamente aos seguintes factos:

1) O imóvel sito no b. G. nº .., em Lisboa, serve presentemente para o desenvolvimento de actividades do grupo em que se insere a impugnante;

2) O espaços onde se situam os escritórios da impugnante – Avª M. T. – não permitem que se desenvolvam toads as actividades próprias e essenciais ao correctyo funcionamento e prossecução da actividade da impugnante;

3) Nas instalações do B. G. funcionam como escritório do Dr. P. B., onde se realizam as reuniões do Conselho Executivo, as reuniões com os consultores externos da empresa, as reuniões com os Colaboradores e Clientes que a impugnante considera mais importantes e reuniões com os representantes das empresas suas participadas;

4) O imóvel sito no B. G nº .. tinha o propósito de receber outros sócios ou membros do grupo em que a impugnante se insere;

5) Nesse tempo as reuniões da impugnante realizam-se da sede da impugnante sita no B. G., nº ., em L. por as instalações oferecerem a possibilidade de pernoita.

Com efeito a impugnante não fez qualquer prova, quer em sentido negativo ou positivos dos factos elencados de 1) a 5)”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório e da posição das partes”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

U) No relatório mencionado em C), foi apreciado o alegado pela Impugnante, em sede de exercício do direito de audição, constando do mesmo designadamente o seguinte a esse respeito:

Imagem: original nos autos

(…)

…” (cfr. fls. 56 e 57 do documento com o n.º 004005356 de registo no SITAF neste TCAS).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente insurgiu-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto. No entanto, considerando a questão central suscitada, relega-se para momento ulterior a sua apreciação, porquanto a mesma só se justifica se se concluir que o relatório de inspeção tributária (RIT) se sustentou na falta de materialidade da operação titulada pelas faturas que estão na origem da correção.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, foram reunidos, pela AT, indícios suficientes que permitem concluir que as faturas emitidas não corresponderam a efetivos serviços prestados e não resultou provado nos autos o contrário.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura" (1)

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações das vulgarmente designadas faturas falsas, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais. (2) Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Apliquemos estes conceitos, in casu.

O Tribunal a quo considerou, na sentença, que a correção em causa, relativa a custos com publicidade que vieram a ser desconsiderados pela administração, se sustentou exclusivamente na circunstância de se ter entendido que os mesmos não concorreram para a formação dos proveitos da Impugnante.

Concordamos com tal interpretação do RIT, que se consubstancia como o fundamento da correção em causa.

Com efeito, compulsado o mesmo, verifica-se que dele consta a descrição de uma série de verificações efetuadas pelos serviços de inspeção e resultados das mesmas, designadamente:

a) A análise dos saldos das contas de fornecedor;

b) A conclusão de que parte das faturas foi paga em 2007, só tendo o saldo do cliente sido integralmente liquidado em 2009;

c) A data do início da atividade da sociedade emitente das faturas;

d) A circunstância de as faturas terem o nome do sócio em carimbo;

e) A explanação, na sequência de deslocação à morada da sede da emitente das faturas, de que se trata de prédio degradado e sem ninguém, tendo sido informado que se desconhece quem seja a emitente das faturas, que na morada ninguém reside há cerca de três anos e que foi alvo de buscas, cujo alvo seria H. M. (sócio da emitente das faturas);

f) A Impugnante informou que os contactos que fazia com aquela empresa eram via telefone e que os cheques eram enviados pelo correio;

g) Os responsáveis pela contabilidade da empresa emitente das faturas confirmaram a ausência do sócio dessa empresa;

h) A suposta publicidade refere como adquirente da mesma a empresa N. E, A. M. p., SA, pelo que o custo não concorreu para a formação dos proveitos da Impugnante;

i) A emitente das faturas nunca apresentou declaração anual nem declaração de rendimentos para efeitos de IRC.

Em termos de sustentação legal da correção, a mesma reside, para efeitos de IVA, no art.º 19.º, n.º 1, al. a), do CIVA (nos termos do qual: “1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”) e no então art.º 26.º (relativo à obrigação de pagamento).

Ora, do que resulta do RIT é a menção a uma série de circunstâncias, das quais nenhuma conclusão se extrai, exceto no que respeita à conclusão de que a publicidade respeitava a outra empresa do grupo. Aliás, em bom rigor, não é posta em causa a realização da publicidade (que foi analisada pela própria AT), o respetivo pagamento (que é referido no RIT e não é posto em causa) e a sua faturação.

Nunca é referido pela AT nada que leve a concluir no sentido de se estar a chamar à colação a não materialização dos serviços, o que entra em consonância com a circunstância de a sustentação legal ter sido a mencionada e não o n.º 3 do art.º 19.º do CIVA.

Não basta à AT fazer um elenco das verificações que efetuou, tem de extrair daí conclusões.

No caso, essas conclusões não foram retiradas nos termos defendidos pela Recorrente, o que bem se compreende, porquanto, em bom rigor, a efetividade da operação nunca foi verdadeiramente posta em causa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente, o que necessariamente implica que não seja de apreciar o alegado em torno da decisão proferida sobre a matéria de facto, na medida em que tal se sustenta no entendimento de que as correções se basearam na existência de indícios em torno da não materialização dos serviços e, consequentemente, na falta de prova da efetividade das operações, o que, reiteramos, não decorre do RIT.

Quanto à efetiva fundamentação da sentença, a Recorrente apenas refere que não resulta provado que a sociedade N. E. – A. M. P S.A. fizesse parte do grupo da Impugnante. Ora, analisando o RIT, na parte atinente à apreciação do alegado em sede de direito de audição, verifica-se que a AT ali claramente identifica a sociedade N. E. – A. M. P. S.A. como sendo do grupo da Impugnante. Trata-se, pois, de facto não controvertido, que resulta expressamente do RIT e da posição ali assumida pela AT, pelo que mal se compreende que agora venha a ser posto em causa. Logo, o único ataque à efetiva fundamentação da sentença não tem fundamento, sendo que tudo o mais alegado gravita em torno da alegada fundamentação na não realização do serviço de publicidade, que, como referimos, não sustentou a correção em crise.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)


(Patrícia Manuel Pires)

















1) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01).
2) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).