Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:199/08.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
REMUNERAÇÃO ACESSÓRIA
AQUISIÇÃO VIATURA
VALOR DE MERCADO
EQUIVALÊNCIA PECUNIÁRIA
Sumário:I- Consideram-se rendimentos do trabalho dependente, entre o mais, as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e que constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente a aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal (artigo 2º, nº3, b), 10 do CIRS).

II- A quantificação desse rendimento em espécie é regulada pelo artigo 24º, nº 6 do CIRS (redação anterior à introduzida pelo nº2 do artigo 26º do OE para 2003, Lei nº 32-B/2002, de 30 de dezembro), nos termos do qual a equivalência pecuniária dos rendimentos resultantes da aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social corresponde à diferença positiva entre o respetivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatórios dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.

III- Se o legislador fez uma opção clara e inequívoca sobre um critério de equivalência económica, então a Administração Tributária não pode socorrer-se de critérios ad hoc, criados à revelia do legislador, para delimitar a incidência objetiva e o quantum do rendimento alegadamente omitido pelo Recorrido, na sua declaração de rendimentos, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária vertido no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

IV- Fundando-se a correção, que está na base da liquidação impugnada, num critério sem cobertura legal, padece de vício de violação de lei (artigo 24º, nº6 do CIRS), devendo ser cominada com a anulabilidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J....., tendo por objeto o ato de liquidação adicional emitido com o nº 2……., relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2002.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por J....., contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2002, no montante de € 1.253,46.

II- A fundamentação da sentença recorrida assenta em síntese, no entendimento de que a Administração Tributária não, logrou provar a existência de todos os requisitos previstos na subalínea 10) da alínea b) do nº 3 do artº 2º do CIRS, relativamente à aquisição de uma viatura por parte do impugnante à sua entidade patronal.

III- Destarte salvo o devido respeito, somos de opinião, que a douta sentença ora recorrida fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço,

IV- Desconsiderou a Meritíssima Juiz que o resultado dos cálculos e elementos devidamente evidenciados no relatório de Inspecção, se consubstanciam em correcções puramente técnicas, relativos a valores contabilizados pela entidade empregadora, a quem o impugnante enquanto trabalhador da mesma, adquiriu nessa qualidade, uma viatura automóvel.

V- Verifica-se que a entidade empregadora SIVA, solicitou informação vinculativa à Direcção de Serviços de IRS à data dos factos, sobre qual o enquadramento tributário em sede de IRS relativa às operações de vendas de viaturas automóveis pela entidade patronal aos seus trabalhadores, no respeito pelo preceituado no do artigo 2º nº 3 alínea b) subalínea 10) do CIRS, informação que foi dada à entidade patronal através do oficio nº 727, de 11 de Janeiro de 2005 e nº 2 de 23 de Fevereiro de 2005,conforme fls 101 a 107 dos autos, tendo sido nestes elementos que os SIT se basearam para apurar o cálculo dos valor omitidos pelo impugnante, e que contraria o decidido na douta sentença ora recorrida.

VI- Qualquer viatura que faça parte do património de uma empresa, esteja afecta ao seu imobilizado ou esteja afecta às sua existências, gera encargos para a mesma, seja por via da aquisição da viatura, da sua importação ou mesmo da sua produção.

VII- Concluímos portanto, que não corresponde à verdade o argumento vertido na Douta Sentença de que não se verifica a existência cumulativa dos requisitos previstos no da subalínea 10) da alínea b) do nº 3 do artº 2º do CIRS, para que se verificasse que a aquisição da viatura por parte do impugnante à sua entidade patronal fosse tributada em IRS , uma vez que , os preceitos exigidos foram todos verificados.

VIII- Consequentemente também a condenação de pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT á impugnante, deve ser revogada, porquanto não se verificou qualquer erro de facto ou de direito praticado pela AT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada com as devidas consequências legais.

PORÉM V.EXªS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com base na documentação junta aos autos e constante do processo administrativo, bem como na posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

a) O ora Impugnante desempenhou funções na empresa SIVA no ano de 2002 – Cfr. informação a fls. 136 e segs., acordo;

b) Mediante a Ordem de Serviço nº 92 327 de 14/06/2004,com vista ao controlo interno da declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2002, referente ao ora Impugnante, J....., foi elaborado o Relatório de Inspecção, do qual consta o seguinte:

“II - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas ao rendimento colectável

Em consequência da auditoria tributária realizada por parte da Direcção Geral de Impostos – Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT) à entidade empregadora “ S..... – S....., S.A. – NIPC 5……..verificou-se que procedeu à(s) aquisição (ões) de viatura (s) automóvel (eis) com a(s) seguinte(s) característica(s), (…), que foi(ram) subtraída(s) à tributação em sede de IRS, a título de rendimentos em espécie, conforme estatui o art.º 24º conjugado como o art. 2º, ambos do CIRS, conforme quadro que se apresenta: (…)

I -Conclusões/Propostas

Quadro resumo do Rendimento Declarado Corrigido, sujeito a tributação em IRS no exercício em análise.


Cfr. documento a fls. 136 e segs. do processo administrativo junto aos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) Na sequência da acção inspectiva referida em b), que antecede, foi elaborada a Liquidação Adicional n.º 2……., de 23 de Dezembro de 2004, relativa a IRS do ano 2002 no valor de € 1.253,46 – Cfr. documento 1 junto com a p.i., fls. 231 e 239 do PAT;

d) Em 16 de Maio de 2005 o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional referida na alínea c) do probatório – Cfr. documento 3 junto com a p.i. e constante a fls. 2 e segs do processo administrativo junto aos autos;

e) Em 26 de Fevereiro de 2008, foi o Impugnante notificado do despacho de indeferimento datado de 18 de Fevereiro de 2008 que recaiu sobre a reclamação graciosa referida na alínea antecedente – Cfr. documento a fls. 159 e aviso de recepção a fls. 160 do processo administrativo junto aos autos;

f) As viaturas automóveis vendidas pela entidade patronal do Impugnante (SIVA) aos seus trabalhadores fazem parte das Mercadorias cuja comercialização constitui o objecto da sua actividade, e integram-se nas suas Existências – Cfr. Informação a fls. 102 e seguintes;

g) Consta dos autos quadro resumo no qual consta como preço de venda de viatura ao Impugnante o valor de € 11.949,41 e como preço de custo o valor de € 11.159,15 – Cfr. documento 7 junto com a p.i., não impugnado;”


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”

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III.) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS, do ano de 2002.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por, face aos factos apurados, designadamente, determinação do rendimento constante do relatório de inspeção, deveria o Tribunal a quo ter concluído, pela verificação dos pressupostos de incidência constantes no artigo 2.º, nº 3, alínea b), subalínea 10 do CIRS.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo desconsiderou o resultado dos cálculos e elementos devidamente evidenciados no relatório de Inspeção Tributária, sendo que a própria entidade empregadora S....., solicitou informação vinculativa à Direção de Serviços de IRS, sobre qual o enquadramento tributário relativamente às operações de vendas de viaturas automóveis pela entidade patronal aos seus trabalhadores, e foi com base nesses elementos que os serviços de Inspeção Tributária se basearam para apurar o cálculo dos valores omitidos pelo Recorrido, o que contraria, assim, o decidido na sentença recorrida.

Ademais, qualquer viatura que faça parte do património de uma empresa, esteja afeta ao seu imobilizado ou às suas existências, gera encargos para a mesma, estando, assim, verificados os requisitos cumulativos previstos na subalínea 10) da alínea b) do nº 3 do artº 2º do CIRS, donde, a aquisição da viatura sujeita à correspondente tributação.

Termina dizendo que inexistindo qualquer erro de facto ou de direito praticado pela Administração Tributária a condenação de pagamento de juros indemnizatórios, deve, igualmente, ser revogada.

Vejamos, então, se estão verificados os pressupostos de incidência constantes no normativo 2.º, nº 3, alínea b), subalínea 10 do CIRS.

Para o Tribunal a quo, a resposta é negativa, tendo, no julgado, nesse sentido, sido aduzido o seguinte discurso:


“ [o] valor médio de mercado a ter em conta pela AF deveria ser o considerado pelas associações do sector automóvel, o que no caso dos autos, a AF não logrou demonstrar que tivesse acolhido, pelo que se conclui pela não verificação de tal requisito.

Já no que se refere ao requisito de a aquisição da viatura pelo trabalhador ter dado origem a encargos para a entidade patronal, igualmente não se encontra o mesmo verificado.


Conforme resulta do probatório (alínea f)), a actividade da entidade patronal do ora Impugnante consiste na comercialização de viaturas automóveis. Ao que acresce o facto, espelhado na alínea g) do probatório, de a entidade patronal ter vendido ao ora impugnante a viatura por preço superior ao de custo, o que significa que tal alienação não constituiu um encargo para a entidade patronal. Para além do mais, as viaturas aqui em causa encontravam-se registadas na contabilidade da entidade patronal como Existências – Mercadorias, não fazendo parte do seu activo imobilizado.”


Apreciando.


Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.


De harmonia com o consignado no artigo 2.º, nº3, alínea b), subalínea 10, com a redação à data aplicável, são considerados rendimentos do trabalho dependente:


“A aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal”.


Mais consignando, à data, o artigo 24.º do CIRS, sob a epígrafe de “rendimentos em espécie”, no seu número 6, que a equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie: “No caso de aquisição de viatura pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respetivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.”


Ora, da interpretação conjugada dos citados normativos legais dimana que é considerada como remuneração acessória objeto de tributação na categoria A, enquanto trabalho dependente, a aquisição de uma viatura automóvel pelo trabalhador à sua entidade patronal sempre que a mesma seja adquirida a preço inferior ao valor de mercado determinado pelas associações do sector, e a viatura tenha originado encargos para a entidade patronal.


Encontramo-nos, assim, perante a presença de três requisitos de índole cumulativa, a saber:


Ø Aquisição de uma viatura automóvel pelo trabalhador à sua entidade patronal;


Ø A preço inferior ao valor de mercado determinado pelas associações do sector;


Ø Com ocorrência de encargos para a entidade patronal.


Vistos os conceitos de direito e os pressupostos legais que subjazem à tributação na categoria A, vejamos, então, se, in casu, os mesmos se verificam e, nessa medida, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento.


Atentando no Relatório de Inspeção Tributária verifica-se que os fundamentos que fundaram a correção assentam no seguinte: “o valor de mercado da viatura indicado pela Administração Fiscal que o sujeito passivo contesta por falta de determinação e fundamentação, foi fornecido pela própria empresa, que o considerou como preço de mercado “aconselhado” e não como preço máximo de venda ao público. Acrescente-se que mesmo admitindo a existência de alguma flutuação de descontos praticados, pois existem diversos tipos de clientes, que por sua vez beneficiem de diversos preços, na falta de definição de um preço único de mercado (alegado pelo sujeito passivo), a Administração Fiscal limitou-se a aceitar o preço que a própria S..... admite (ou melhor “aconselha”) em vender no mercado em condições de concorrência a(s) viatura(s) em causa.”


Concretizando, outrossim, quanto aos encargos gerados pela viatura que “[n]ão é pelo facto da viatura ser nova, ou que esteja contabilizada em existências, ou que não tenha gerado despesas com combustíveis, seguros, reparações ou amortizações, ou que a sua alienação tenha gerado lucro, que se possa considerar que estejam reunidas as condições para se poder afirmar que a “viatura não originou encargos para a entidade patronal, conforme o sujeito passivo contesta na resposta enviada (…) qualquer viatura que faça parte do mesma, seja por via da aquisição da viatura, da sua importação ou mesmo da sua produção, pelo que não é aceite a documentação apresentação pela sujeito passivo”.


Face ao supra aludido, e contrariamente ao defendido pela Recorrente, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento, tendo interpretado adequada e corretamente o quadro normativo com a devida transposição à situação fática.


E isto porque, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a Administração Tributária não respeitou as regras a que supra fizemos alusão, mormente, a determinação do valor de mercado de acordo com as associações do sector.


Conforme resulta expresso do supra expendido, e dimana da factualidade assente não impugnada, a Administração Tributária para aferir o valor de mercado da viatura transmitida ao Recorrido, lançou mão do valor que lhe havia sido facultado pela S....., enquanto preço de venda aconselhado ao público e não do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel.


É certo que do teor do aludido Relatório se extrai que a aludida determinação não se afigura possível pela “falta de definição de um valor único de mercado”, mas a verdade é que se não era possível obter um valor determinado de acordo com as regras legais, então a Administração Tributária deveria ter-se abstido de tributar.


O Tribunal não descura, de todo, essa alegada dificuldade efetiva na determinação do valor de mercado à data da verificação do facto tributário, aliás tal dificuldade refletiu-se, desde logo, na alteração que o nº 6 do artigo 24º do CIRS sofreu, deixando a lei de se referir ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel para passar a referir-se ao respetivo valor de mercado, considerando-se como tal (cfr. nº7 do artigo 24º do CIRS) o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização constante de tabela a aprovar por portaria do Ministro das Finanças.


Mas, a verdade é que à data da prática do facto tributário, a lei de forma clara e inequívoca estatuía que o valor de mercado era determinado pelas associações do sector, pelo que ao fundar-se em valor que lhe foi disponibilizado pela S..... decorrente dos preços de venda ao público recomendados aos concessionários, a Administração Tributária lançou mão de um critério ad hoc, criado à revelia do legislador, para delimitar a incidência objetiva e o quantum do rendimento alegadamente omitido pelo Recorrido, na sua declaração de rendimentos, o que, como é bom de ver, se encontra expressamente vedado pelo princípio da legalidade tributária vertido no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.


Neste particular, importa chamar à colação o estudo elaborado por Maria dos Prazeres Rito Lousa(1) , do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “A problemática suscitada pela determinação do valor tributável das vantagens acessórias, atribuídas em espécie, é de crucial importância na abordagem do respectivo regime fiscal. Na verdade, não pode ignorar-se que a tributação efectiva de certas vantagens em espécie está dependente do facto de as mesmas serem susceptíveis de avaliação pecuniária e, mesmo na hipótese de o serem, de ser encontrado o justo valor que traduzirá o benefício auferido pelo trabalhador.


A delicadeza e a relevância dos aspectos quantitativos das vantagens acessórias são, aliás, bem enfatizadas pela OCDE ao referir que «em certos casos, as dificuldades de avaliação podem paralisar as administrações fiscais, de tal forma que a vantagem não seja tributada, o que, a prazo, pode dar a impressão de que certas categorias de vantagens estão isentas de imposto, senão de direito, pelo menos de facto»“

Por isso, dada a complexidade do assunto e a constatação por parte dos estudiosos destes problemas que a actual situação de enquadramento da problemática das remunerações acessórias deixa muito a desejar entre nós, o assunto foi objecto de ponderação por parte de duas comissões relativamente recentes que produziram documentação publicada. Trata-se da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (CDRF), cujo relatório foi publicado em Abril de 1996, e da Comissão de Revisão do IRS, cujo texto final remonta a 1998.» Cfr. Vasco Valdez, “As remunerações acessórias e a reforma da tributação do rendimento”, Fisco, nº 99/100 (2001), págs. 85 e ss.
E, mais adiante:
«Entretanto, a Assembleia da República aprovou uma lei de reforma dos impostos sobre o rendimento (Lei n° 30-G/2000, de 29 de Dezembro).
Neste âmbito, em primeiro lugar deve realçar-se a nova redacção do artigo 2º do Código do IRS com fortes implicações no que concerne à presente matéria.
Assim, estipula-se que sejam consideradas remunerações de trabalho dependente (categoria A), no que se refere a viaturas (…):
(…)
- os benefícios resultantes da aquisição pelo trabalhador ou membro do órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura originando encargos para a entidade patronal;
(…)
No segundo caso, dispõe o n° 6 do citado artigo 24°:
“No caso de aquisição de viatura pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento anual corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e a importância paga a título de aquisição”.
Evidentemente, que o primeiro ponto será a determinação do que será o valor de mercado considerado pelas associações do sector. Todos conhecemos a utilização de vários indicadores que servem para efeitos de companhias de seguros, de revistas da especialidade, etc. Não nos parece que sejam estes valores que agora interessam. Terão de ser aqueles que as associações venham a acordar entre si. A nosso ver, enquanto não houver tais valores e os mesmos não sejam publicitados para efeitos de eficácia externa, a norma não poderá ser aplicada na prática.»

Com efeito, “não se oferece como critério objetivo do valor de mercado da viatura em causa nos autos os valores indicados pela entidade patronal, como recomendação dirigida aos concessionários, porquanto, seja a prática do sector documenta a existência de descontos e de preços diferenciados em função da espécie ou categoria de entidade adquirente, seja porque não existe acordo entre as associações do sector sobre o valor médio de mercado para aquela produto, requisito exigido pela norma de incidência material (artigo 24.º/6 do CIRS). Donde resulta que o valor médio de mercado considerado pela AT, como base da presente tributação, não tem base probatória ou legal adequada(2).”


Note-se, outrossim, que carece de relevância o aduzido nas conclusões relativamente ao pedido de informação prévia vinculativa, desde logo, porque tal fundamentação não é contemporânea do ato impugnado, não sendo feita qualquer referência ao mesmo em sede de relatório inspetivo. De todo o modo, sempre se dirá que -conforme a Recorrente expressamente o reconhece- o aludido pedido foi solicitado pela S..... relativamente ao enquadramento tributário em sede de IRS concernente às operações de vendas de viaturas automóveis pela entidade patronal aos seus trabalhadores, o qual para além de só vincular a Administração Tributária na qualificação e respetivo enquadramento jurídico, em nada pode desvirtuar a determinação da “equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie” expressamente consignada, na lei ,para o efeito.


De relevar, a final, que não se aquilata o alcance do alegado em IV das conclusões, uma vez que o Tribunal a quo, em nada desconsiderou a forma de determinação das correções e bem assim a sua natureza aritmética, o que, em rigor, entendeu -e bem- foi que a Administração Tributária se socorreu de um critério que não correspondia ao plasmado na lei.


In fine, no que concerne aos encargos incorridos, e não obstante a cumulatividade dos requisitos obste, per se, à tributação enquanto rendimento acessório da categoria A, sempre se dirá que o entendimento da Recorrente não poderia, outrossim, lograr provimento, dado que, conforme resulta evidenciado pelo Tribunal a quo, não resultam demonstrados esses encargos, sendo certo que o ónus probatório competia à Administração Tributária.


Note-se que carece de relevância qualquer alegação vaga, genérica e consubstanciada na inferência de qualquer viatura acarretar um conjunto de encargos. Dito de outro modo, não basta a mera alegação desprovida da competente substanciação fática para se provar que à viatura visada corresponderam encargos, impõe-se fazer prova efetiva dos mesmos, o que, no caso vertente, não sucedeu, de todo.


Face a todo o exposto, improcedem na íntegra as questões colocadas, devendo a decisão recorrida que decretou a anulação do ato de liquidação com a inerente condenação em juros indemnizatórios, manter-se, integralmente, na ordem jurídica.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 13 de dezembro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)



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(1).intitulado “Aspectos Gerais Relativos à Tributação das Vantagens Acessórias”, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, nº 374, Abril-Junho de 1994, páginas 9 e seguintes e 89 e 90, citado no Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 01135/04, de 19/0372009 e bem assim no Aresto deste TCA Sul, proferido no processo nº 06447/13, de 27 de março de 2014.
(2)Vide Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 1848/08.3 BELRS, de 19.09.2017, proferido em situação similar à dos autos.