Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:322/04.1BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
CULPA DO LESADO
ALTERAÇÃO DO PACTO SOCIAL DE SOCIEDADE
OMISSÃO DE COMUNICAÇÃO A ENTIDADE BANCÁRIA
CAUSA ADEQUADA
RECONHECIMENTO DE ASSINATURAS EM CARTÓRIO NOTARIAL
NEXO DE CAUSALIDADE INDIRETO
EQUIDADE
Sumário:
I – Para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, nos termos previstos no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, cumpre apurar se se encontra verificado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa deste e o dano.
II – Se após a alteração do pacto social da sociedade, os seus representantes demoram mais de um ano a comunicar à entidade bancária as modificações referentes às assinaturas necessárias para movimentação da conta e contratação de empréstimos, existe uma conduta omissiva imputável à sociedade.
III – Se antes desta comunicação ocorre contratação de empréstimo e a movimentação da conta bancária da sociedade, a omissão de comunicação constitui causa adequada da produção dos danos originados por esses factos, tratando-se de atuação censurável, pois a comunicação prévia à entidade bancária obrigaria esta a impedir os danos.
IV – Constitui igualmente causa adequada do dano a ação de dois sócios gerentes da autora que, junto do Cartório Notarial e da entidade bancária, diligenciaram pelo reconhecimento das assinaturas, vinculação da sociedade, abertura do contrato de crédito e transferência das quantias creditadas, sendo inelutável a censurabilidade da sua conduta.
V - A existência de uma relação de causalidade adequada entre a conduta da autora e os danos ocorridos não é suscetível de afastar um eventual nexo de causalidade adequada entre os factos que aquele invocou e o dano.
VI – Verifica-se um nexo de causalidade indireto entre o facto invocado pela autora/recorrente, o reconhecimento de assinaturas realizado por duas funcionárias do Cartório Notarial da Guarda, e o dano, os pagamentos que a autora/recorrente teve de fazer à entidade bancária, por força do financiamento que esta lhe concedeu, na medida em que aquele facto não produziu diretamente o dano, mas proporcionou a ocorrência de outro facto, a disponibilização de fundos na conta à ordem da autora, que levou aos danos desta, pois está provado que aquela entidade não teria disponibilizado à autora o crédito sem aquele reconhecimento.
VII - O referido artigo 570.º, n.º 1, impõe que se atenda à gravidade das culpas das partes e respetivas consequências, não autorizando o julgamento de acordo com juízos de equidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

……………………………………., Lda., instaurou ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra Maria……………………, Maria …………………., Direção-Geral dos Registos e Notariado e Estado Português, na qual apresentou pedido de condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização no valor de € 315.739,06 relativa a danos patrimoniais.
Em síntese, alega a autora ter suportado perdas e danos em consequência do comportamento negligente de duas funcionárias do Cartório Notarial da Guarda que, em 13/08/1992, reconheceram as assinaturas de dois dos seus sócios em carta minuta de aceitação de crédito em conta corrente, com a menção de que dispunham de poderes, quando não os detinham; assim permitiram a obtenção de financiamento e que contra a autora fosse instaurada ação executiva por parte da ………………………, S.A., vindo a pagar a esta o valor de 66.607.961$00.
Por despacho de 20/12/2004, o TAF de Castelo Branco julgou procedentes a exceção da litispendência em relação às rés Maria………………….. e Maria ………………….., e a exceção de falta de personalidade judiciária da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, absolvendo-as da instância.
Por sentença de 29/05/2017, o TAF de Castelo Branco julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu Estado Português a pagar à autora a quantia de € 62.959,28, sendo absolvido quanto ao demais peticionado.
Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª.- O Estado [através dos funcionários de cartórios notariais] confere fé pública a um reconhecimento de assinatura com menção de que os intervenientes têm poderes para vincular uma sociedade comercial.
2ª.- Sem a fé pública, que o reconhecimento com a menção de poderes para o acto confere, os intervenientes tendem a não querer celebrar o contrato ou, pelo menos, a não querer considerá-lo eficaz.
3ª.- A conduta dos funcionários do Cartório Notarial da Guarda, foi causa directa e necessária à produção do evento danoso.
Na verdade ...
4ª.- Os funcionários do cartório notarial, sabiam, ou não podiam deixar de saber, é do senso comum de qualquer funcionário de cartório notarial medianamente competente, preparado e responsável, que a alteração dos pactos sociais é uma constante da vida comercial das sociedades.
5ª.- Os funcionários do cartório notarial sabiam, ou não podiam deixar de saber, que o reconhecimento das assinaturas com menções especiais vinculava a sociedade.
6ª.- Os funcionários devem adoptar uma conduta responsável que os prestigie a si próprios e ao serviço público
7ª.- O reconhecimento por conhecimento pessoal é uma prática que envolve riscos evidentes pelo que se exige ao funcionário prudência, cautela e um cuidado acrescido.
8ª.- Não resulta dos autos, que os funcionários do cartório se tenham comportado com o cuidado acrescido que se impunha, pelo contrário agiram de forma leviana e irresponsável.
9ª.- A conduta dos funcionários foi consciente, representaram como possível a alteração do pacto social, porque tal decorre da normalidade do comércio jurídico, ainda que acreditassem que tal circunstância não ocorrera.
10ª.- O "pecado original" na génese dos danos resulta do acto notarial.
11ª.- Em consequência, há que concluir, como já foi doutamente decidido em sede de julgamento dos embargos de executado, opostos pela A. à …….., que foi a acção notarial que provocou a ocorrência do evento danoso, pelo que só ao Estado Português, enquanto titular da acção notarial, cabe a responsabilidade e obrigação de ressarcir.
12ª.- Foram violados os artºs 570º. e 571º. Do C.C.”
Em sede de contra-alegações o recorrido Estado Português pugnou pela improcedência deste recurso.
Igualmente inconformado, o réu Estado Português interpôs recurso da sentença, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª Constitui objecto do presente recurso a douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Estado a pagar à autora a quantia de € 62.959, 28 por efectivação de responsabilidade civil extracontratual;
2ª Com todo o respeito, não concordamos com a douta decisão proferida, por, e salvo melhor opinião, ter procedido a erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade do art.º 2.º do DL 48 051, de 21/11/67, e dos art.ºs 483.º, 487.º, 494.º, 496.º, 563.º a contrario, 566.º, 570.º, n.º 1, e 572.º, todos do C. Civil que foram violados nos termos infra expostos e que deviam ter o sentido infra referido;
3ª Ora, quanto ao caso sub judice, desde logo não cumpriu a Autora, ora Recorrida, o ónus da prova que sobre o mesmo impendia relativo aos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Réu Estado Português, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C. Civil;
4ª Acresce, e concretizando o supra exposto, os próprios factos dados como provados sob os números 27 a 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido, contrariam a fundamentação da douta sentença recorrida no sentido da condenação do Estado.
5ª Na verdade, tendo presente o objecto do litígio fixado no despacho saneador, é forçoso concluir perante a referida factualidade dada como provada que o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento para disponibilizar os montantes referidos uma vez que resulta do referido probatório que as transferências efectuadas pela …… foram anteriores a 12 de Outubro de 1992, altura em que na ficha de assinaturas constava a assinatura de um dos sócios-gerentes, sendo que só após essa data foi averbada a assinatura de outros dois sócios- gerentes.
6ª Assim não se verifica o exigido nexo causal entre os factos imputados às agentes do Estado e os prejuízos invocados;
7ª Com efeito, a negligência e o facto causador do prejuízo patrimonial peticionado pela Autora na presente acção não resultou do alegado irregular reconhecimento notarial de duas assinaturas em carta minuta de aceitação dos termos de contrato de abertura de crédito a favor da …………., antes sim resultou, conforme se extrai dos factos dados como provados, da omissão, por parte da Autora, do dever de comunicação à …….. da alteração do seu pacto social e a forma como a sociedade se passava a obrigar com a actualização da ficha de assinaturas.
8ª Diga-se, de resto, que as alterações de quem obriga a sociedade não geram automaticamente uma alteração simultânea da ficha de assinaturas, sendo necessário que a parte interessada - os restantes sócios-gerentes- vá ao banco e actualize a ficha com a assinatura dos novos gerentes.
9ª Acresce que, na nossa opinião e sempre salvo o devido respeito, não se verifica, ao contrário do entendido pela Mmª Juiz a quo qualquer nexo indirecto.
10ª Deste modo, deverá considerar-se afastado o nexo causal entre o facto e o dano e prejuízos invocados (Ac. do TCA Sul, proc. n.0 08408/ 12, de 02-06- 2016).
11ª Atendendo ao exposto, os alegados prejuízos são de atribuir exclusivamente à conduta da própria autora atrás descrita e constante do probatório e exclui a responsabilidade civil do ora Recorrente/Estado, nos termos dos art.ºs 563.º, a contrario, e 570.º, n.º 1, do C. Civil;
12ª Deverá em conclusão, a nosso ver, ser revogada a douta sentença recorrida, não podendo o Réu Estado Português ser condenado com os fundamentos ali expostos mas sim, ao invés, ser absolvido do pedido
13ª Assim, não tendo a Autora demonstrado os factos constitutivos do seu direito atrás explicitados, nos termos expostos, e tendo o Réu demonstrado documentalmente - cfr requerimento do Estado de 28 de Abril de 2017 - factos que o eximem de responsabilidade civil, deve ocorrer a absolvição total do Estado Português do pedido e a acção ser julgada improcedente, por não provada, nos termos expostos -art.º 572.º do C. Civil;
14ª- Por último, sem conceder, sempre se dirá que se reputa elevado o montante indemnizatório em que o Réu foi condenado.”
A autora apresentou contra alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª- Invoca o recorrente que os factos dados como provados sob os nºs 27 a 29 contrariam os fundamentos da douta sentença.
2ª.- Na opinião do recorrente, o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento para disponibilizar os montantes referidos, uma vez que, as transferências efectuadas pela ……. foram anteriores a 12 de Outubro de 1992, altura em que na ficha de assinatura constava a assinatura de um sócio gerente, sendo que só após essa data foi averbada a assinatura de outros dois sócios.
3ª.- Pelo que é forçoso concluir que o prejuízo patrimonial da A. não resultou do alegado irregular reconhecimento das assinaturas inseridas na minuta de aceitação de contrato de abertura de crédito, antes resulta da omissão do dever, por parte da Autora., de comunicar à ……… a alteração do pacto social.
4ª.- A recorrida não pode concordar com este raciocínio.
5ª.- Desde logo, impõe-se perguntar para que serviria o reconhecimento das assinaturas, e porque ele não foi dispensado pela Caixa.
6ª.- A crer, nesta tese, o reconhecimento das assinaturas, não teria, nunca, qualquer relevância jurídica e seria sempre dispensável.
7ª.- Longe de ser uma mera burocracia, o reconhecimento de assinatura, agrega segurança aos documentos particulares,
8ª.- Confere-lhe fé pública, geradora da presunção de veracidade, atestando que a assinatura aposta em documento particular é autêntica, e assinada pela parte identificada, conferindo ao documento valor que não tinha antes.
9ª.- Os reconhecimentos que se discutem nestes autos, atestavam, que aqueles que assinavam, tinham poderes para, em nome da sociedade que representavam, a vincularem às obrigações emergentes do contrato a celebrar com a caixa.
10ª.- Dúvidas não restam, que o reconhecimento das assinaturas tem relevância, relevância jurídica para aferir das responsabilidades das partes neste dissídio.
11ª.- Pelas razões expostas e o demais que consta dos autos deve improceder o presente recurso.”
*

Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as seguintes questões:
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela verificação de culpa da lesada;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela existência de nexo de causalidade entre facto e dano;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, quanto ao montante da indemnização.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) Em 05/03/1990 Germano……………………… e Maria ……………………….. assinaram o documento designado por “Sociedade”, o qual tem o teor que consta de fls. 58 e 59, numeração dos autos em suporte de papel, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta que “(...) constituem entre si uma sociedade comercial por quotas (...)” com a “(...) denominação ………………, Limitada (...)” e que “(...) A gerência da sociedade (...) pertence a ambos os sócios que desde já ficam nomeados gerentes, sendo necessária e suficiente a assinatura de qualquer deles para obrigar a sociedade (...)”.
2) Em 08/06/1990 a autora foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Guarda com o n.º 747/900608
[cf. documento n.º 2, da petição inicial, junto a fls. 61 a 66, dos autos em suporte de papel, maxime fls. 62, verso].
3) Em 08/06/1990 foi inscrito no registo comercial da autora o seguinte: “Gerência: pertence a ambos os sócios – Forma de obrigar: uma assinatura”
[cf. documento n.º 2, da petição inicial, junto a fls. 61 a 66, dos autos em suporte de papel, maxime fls. 62, verso].
4) Em 06/08/1991 Germano……………………………., na qualidade de primeiro outorgante, Maria……………………….., na qualidade de segunda outorgante, Mário……………………….., na qualidade de terceiro outorgante, e Sidónio………………….., na qualidade de quarto outorgante prestaram perante Mário …………………………., ajudante do cartório notarial da Guarda, as declarações que constam do documento designado por “AUMENTO DE CAPITAL E ALTERAÇÃO DE PACTO”, o qual tem o teor que consta de fls. 67 a 70, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta que “(...) alteram a redacção dos artigos (...) QUARTO (...) que passam a ter a seguinte redacção: (...) // QUARTO // A gerência da sociedade (...) pertence a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes, sendo necessária a intervenção conjunta de três gerentes para obrigar a sociedade. A (...) contratação de empréstimos de financiamento ficarão dependentes de prévia aprovação em assembleia geral (...)”
[cf. documento n.º 3, da petição inicia, junto a fls. 67-70, dos autos em suporte de papel].
5) Em 27/01/1992 o descrito no ponto anterior foi inscrito no registo comercial da autora, do qual passou a constar o seguinte “ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE SOCIEDADE COM REFORÇO DO CAPITAL” (...) “Gerência: pertence a todos os sócios – Forma de obrigar: três assinaturas conjuntas”
[cf. documento n.º 2, da petição inicial, junto a fls. 61 a 66, dos autos em suporte de papel, maxime fls. 62, verso].
6) Em 31/01/1992 Mário ……………………., Isabel……………………….., na qualidade de primeiros outorgantes, Sidónio ………………….., na qualidade de segundo outorgante, Piedade …………………………, na qualidade de terceira outorgante, Germano ………………………….. e Maria ………………………………, na qualidade de quartos outorgantes, prestaram perante António……………………………….., notário do cartório notarial da Guarda, as declarações que constam do documento designado por “DIVISÃO E CESSÃO DE QUOTAS E VENDA DE USUFRUTO DE QUOTA”, com o teor de fls. 71-72, dos autos em suporte de papel, do qual consta que os primeiros outorgantes dividem a quota que Mário……………………………… à data possuía da autora em duas, que reservam para si uma, cujo usufruto vendem à terceira outorgante, e que vendem a outra à terceira outorgante.
7) Em 27/02/1992 o descrito no ponto anterior foi inscrito no registo comercial da autora
[cf. documento n.º 2, da petição inicial, junto a fls. 61 a 66, dos autos em suporte de papel, maxime fls. 62, verso, e 63].
8) Em 27/04/1992 Mário…………………………, Isabel…………………………., na qualidade de primeiros outorgantes e Piedade…………………….., na qualidade de segunda outorgante, prestaram perante António ……………………., notário do cartório notarial da Guarda, as declarações que constam do documento designado por “CESSÃO E UNIFICAÇÃO DE QUOTAS” com o teor de fls. 73-74, dos autos em suporte de papel, do qual consta que os primeiros outorgantes vendem a quota que Mário…………………. à data possuía da autora à segunda outorgante, a qual a unifica com a quota que detinha à data.
9) Em 27/04/1992 foi inscrito no registo comercial da autora o descrito no ponto anterior e a cessação de funções de Mário ………………………… como gerente da autora
[cf. documento n.º 2, da petição inicial, junto a fls. 61 a 66, dos autos em suporte de papel, maxime fls. 62, verso, e 63].
10) Em data que não se logrou apurar, mas anterior a 03/08/1992 foi entregue na …… um documento designado por “Crédito à Indústria e Serviços // Proposta de Crédito // Proposta n.º 2.360.6.301” assinado por Germano…………………………, datado de 22/10/1991, com o teor que consta de fls. 77 e 78, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
«(...)
«imagem no original»
(...)

«imagem no original»

(...)

«imagem no original»

(...)»
[nenhuma prova produzida é suficiente para alicerçar a convicção do tribunal quanto à concreta data em que o documento foi entregue na …….. – cf. fundamentação infra do ponto A), porém de fls. 79, dos autos em suporte de papel, decorre que a mesma aconteceu antes de 03/08/1992, pois esta é a data do documento no qual foi aposto o despacho de aprovação do financiamento].
11) A ……… aprovou a concessão de um financiamento à autora no valor de €748.196,85 [150.000 contos], com concessão de um crédito em conta corrente até €249.398.95 [50.000 contos]
[cf. fls. 79 dos autos em suporte de papel, que consiste num documento da …… do qual consta o despacho de autorização do financiamento datado de 07/08/1992 e não de 03/08/992 como alega a autora].
12) A …….. enviou à autora um ofício com o n.º 3290, datado de 10/08/1992, a coberto do qual lhe enviou a minuta da carta de aceitação e do qual consta o seguinte:
«(...)

«imagem no original»

(...)
«imagem no original»

(...)
«imagem no original»


[cf. cópia do ofício junto a fls. 80-83, dos autos em suporte de papel].
13) Germano ……………………, Maria………………………… assinaram um documento que tem o seguinte teor:
«imagem no original»

[acordo – cf. artigo 26.º da petição inicial, o qual não foi objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostra em contradição com a defesa tomada no seu conjunto; cf. fls. 84, numeração dos autos em suporte de papel].
14) Em 13/08/1992 no verso do documento descrito no ponto anterior foi inscrito o seguinte:

«imagem no original»


[acordo – cf. artigo 28.º da petição inicial, o qual não foi objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostra em contradição com a defesa tomada no seu conjunto; cf. fls. 84, verso, numeração dos autos em suporte de papel].
15) A inscrição descrita no ponto anterior foi elaborado pela escriturária Maria …………………………… e assinada pela ajudante Maria…………………………… ambas do cartório notarial da Guarda
[acordo – cf. artigo 28.º da petição inicial, o qual não foi objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostra em contradição com a defesa tomada no seu conjunto; cf. fls. 84, verso, numeração dos autos em suporte de papel].
16) A …….. não teria disponibilizado à autora o crédito em conta corrente referido em 11) se o reconhecimento descrito em 14) não tivesse sido efectuado com menção de poderes para o acto
[a convicção do tribunal quanto à prova deste facto sustenta-se no teor do documento junto a fls. 80-83, dos autos em suporte de papel, elaborado pela …….., do qual constam as condições necessárias para a concessão de crédito em conta corrente e do qual consta expressamente que a ……. só consideraria o contrato perfeito com a remessa de carta de aceitação, cuja minuta a ……. remeteu e da qual consta que a assinatura dos representantes da autora devia ser reconhecida por notário público na qualidade e com poderes para o acto, de onde o tribunal conclui que se o reconhecimento descrito em 14) não tivesse sido feito com a menção de poderes para o acto a …….. não teria considerado o contrato perfeito e, em consequência, não ter disponibilizado o crédito em conta corrente].
17) A autora nunca teve à sua disposição qualquer verba proveniente do crédito em conta corrente no montante de €249.398.95 [50.000 contos] referido em 11)
[a convicção do tribunal quanto à prova deste facto sustenta-se nas declarações de parte da autora prestadas pela sócia e gerente Piedade……………….., que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1992 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, tendo prestado, quanto a aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada e pormenorizada, o que lhe empresta credibilidade].
18) A pedido de Germano …………………….. e Maria ………………………… €236.929,00 [47.500 contos] do crédito em conta corrente referido em 11) foram creditados na conta de depósitos à ordem da autora n.º……………………, junto da ……., e foram transferidos para as contas pessoais de Germano ……………………… e Maria…………
[a convicção do tribunal quanto à prova deste facto sustenta-se nas declarações de parte da autora prestadas pela sócia e gerente Piedade ……………….., que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1991 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, uma vez que consultou os extractos, tendo prestado, quanto a este aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada, pormenorizada e de forma congruente com os documentos de fls. 553 e 554, dos autos em suporte de papel; especificamente do documento de fls. 553, que constitui cópia do extracto da conta, constam discriminados os movimentos a crédito provenientes da conta corrente e a débito, referentes às transferências ordenadas em 20/08, 02/09, 24/09 e 06/10 de 1992, respectivamente, nos valores de 25.000 contos, 10.000 contos, 5.000 contos e 7.500 contos].
19) A ……….. debitou na conta de depósitos à ordem da autora n.º………………, junto da ………. pelo menos €12.469.95 [2.500 contos] a título de juros vencidos e não pagos relativos ao crédito em conta corrente referido em 11) [a convicção do tribunal quanto à prova deste facto sustenta-se nas declarações de parte da autora, prestadas pela sócia e gerente Piedade…………………………, que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1991 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, tendo prestado, quanto a este aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada, pormenorizada e de forma congruente com os documentos de fls. 553 e 554, dos autos em suporte de papel; especificamente dos documentos de fls. 554, verso, 555 e 556 decorre que na conta da autora a ………. debitou 2.773.490$00 e €2.748.820 a título de encargos vencidos relativos à conta corrente].
20) Em Dezembro de 1994 a ………. fez dar entrada no Tribunal Judicial da Guarda de uma petição inicial que tem o teor que consta de fls. 212 a 224, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual a, ora, autora figura como executada e da qual consta o seguinte:
« (...)
«imagem no original»



«imagem no original»


(...)»
[acordo – cf. artigo 58.º da petição inicial, o qual não foi objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostra em contradição com a defesa tomada no seu conjunto; cf. fls. 212 a 224, numeração dos autos em suporte de papel].
21) Em 22/05/1995 a autora apresentou no processo descrito no ponto anterior um requerimento inicial de embargos de executado, o qual tem o teor que consta de fls. 334 a 352, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido
[acordo – cf. artigos 60.º a 62.º, da petição inicial, os quais não foram objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostram em contradição com a defesa tomada no seu conjunto].
22) Em 13/06/2000 foi proferida sentença nos embargos descritos no ponto anterior, a qual tem o teor que consta de fls. 115-133, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se decidiu pela total improcedência dos embargos e da qual consta o seguinte:
« (...)

«imagem no original»

(...)»
[acordo – cf. artigo 63.º da petição inicial, o qual não foi objecto de impugnação (cf. artigos 45.º e 46.º, a contrario, da contestação do réu Estado) e não se mostra em contradição com a defesa tomada no seu conjunto].
23) A autora pagou à ……. €311.748,68, relativos a capital e juros do crédito em conta corrente referido em 11)
[o tribunal formou a sua convicção com base nas declarações de parte da autora prestadas pela sócia e gerente Piedade …………………. que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1991 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, tendo prestado, quanto a este aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada, pormenorizada e de forma congruente com os documentos juntos a fls. 134 (o qual consiste numa informação dirigida pela ……. a um dos sócios e gerentes da autora, da qual consta que a autora pagou 62.500.000$00, o que equivale a €311.748,68) e a fls. 577 (o qual consiste no comprovativo de depósito em 25/08/2000 na conta à ordem da autora exactamente no valor de 62.500.000$00)].
24) A autora pagou à ………. €3.990,38 relativos a custas de processos judiciais
[o tribunal na formação da sua convicção ponderou as declarações de parte da autora prestadas pela sócia e gerente Piedade ……………… que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1991 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, tendo prestado, quanto a este aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada, pormenorizada e congruente com o teor dos documentos juntos a fls. 134 e 556, dos autos em suporte de papel (que consistem em comunicações da ………. dirigidas aos sócios gerentes da autora relativas, entre outros assuntos, aos montantes pagos a títulos de custas pela autora nos vários processos judiciais que corriam entre a autora e a ………)].
25) A autora pagou à ……….. €3.047,71 relativos a processos judiciais relacionados com o crédito em conta corrente referido em 11)
[o tribunal na formação da sua convicção ponderou as declarações de parte da autora prestadas pela sócia e gerente Piedade ………….., que faz parte da sociedade desde Janeiro de 1991 – cf. ponto 6), dos factos provados – e que por este motivo revelou possuir conhecimento directo deste facto, tendo prestado, quanto a este aspecto, depoimento de forma segura, contextualizada, pormenorizada. Porém, contrastando as suas declarações com a prova documental junta aos autos resulta que o valor que a autora pagou a este título não foi de 800 contos (como indicou a autora nas suas declarações), mas sim de €3.0471,71 (cerca de 611 contos) – dos documentos juntos a fls. 134 e 556, dos autos em suporte de papel (que consistem em comunicações da …….. dirigidas aos sócios gerentes da autora relativas, entre outros assuntos, aos montantes pagos a títulos de custas pela autora nos vários processos judiciais que corriam entre a autora e a ………), decorre que os 800 contos a que a autora se refere nas declarações de parte da sua sócia e gerente dizem respeito a pelo menos 3 processos judiciais, sendo que apenas em relação a um [processo n.º 505/95 e respectivo apenso A] se provou que diz respeito ao crédito em conta corrente referido em 11, conforme decorre da conjugação desses documentos com o documento de fls. 115-133. Em relação aos outros dois (processos n.ºs 375/96 e 348/96, respectivamente, acções de impugnação pauliana e acção de falência) a prova produzida não permite saber se têm, ou não, relação com o crédito em conta corrente referido em 11), motivo pelo qual o tribunal considera que apenas se provou que a autora entregou à …….. €3.047.71 para pagamento de custas relativas aos processos judicias que corriam entre as partes referentes a litígios emergentes do crédito em conta corrente referido em 11), isto é, provou-se que autora pagou menos do que alegou].
26) Em 28/02/2002 no processo descrito em 20) foi proferida a seguinte decisão
«Mostrando-se pagas a quantia exequenda e acrescido e as custas em dívida, julgo extinta a presente execução, nos termos do art. 919.º do CPC. Notifique.»
[cf. fls. 505, numeração dos autos em suporte de papel].
27) Desde que foi aberta a conta da autora junto da agência da …… da Guarda com o n.º ………………..e até 12/10/1992 constavam do contrato com a ….. que para os levantamentos era necessária a assinatura de Germano …………….. ou de Maria …………………………..
[o tribunal formou a sua convicção quanto à veracidade deste facto com base nos documentos de fls. 619 (que consiste em cópia da folha de assinaturas de 16/03/1990), de fls. 620 (que consiste em cópia da folha se assinaturas de 12/10/1992) e de fls. 622 (que consistem num ofício da ……….), todas dos autos em suporte de papel; na formação da sua convicção o tribunal ponderou que, em rigor, as declarações de parte da autora prestadas pela sua sócia e gerente Piedade ……………………. não contrariam estes documentos, nem infirmam a veracidade do facto, na medida em que a própria, embora se refira à existência de uma folha de assinaturas que teria sido entregue na ……. em após a escritura descrita em 8) (em Abril de 1992) acaba por admitir que não foi ela a entregar pessoalmente a ficha na ……., mas sim Germano ……….. e que mais tarde a ……. a informou que que tal folha não se encontrava no arquivo].
28) Em 12/10/1992 a autora averbou na ficha de assinaturas da conta bancária referida no ponto anterior o nome dos gerentes Piedade …………….. e Sidónio …………… e que eram necessárias três assinaturas para movimentar a conta bancária.
[o tribunal formou a sua convicção quanto à veracidade deste facto com base nos documentos de fls. 620 (que consiste em cópia da folha se assinaturas de 12/10/1992) e de fls. 622 (que consistem num ofício da ……), os quais foram confirmados pelas declarações da autora prestadas pela sua sócia e gerente Piedade ……………………..].
29) Os movimentos descritos em 18) foram realizados antes de 12/10/1992
[o tribunal formou a sua convicção quanto à veracidade deste facto com base nos os documentos de fls. 553 e 554, dos autos em suporte de papel; especificamente do documento de fls. 553, que constitui cópia do extracto da conta, do qual constam discriminados os movimentos a crédito provenientes da conta corrente e a débito, referentes às transferências ordenadas em 20/08, 02/09, 24/09 e 06/10 de 1992, respectivamente, nos valores de 25.000 contos, 10.000 contos, 5.000 contos e 7.500 contos].

Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou, designadamente, não se provou que:
A) O documento descrito em 10) foi entregue na …….. em 22/10/1991, que foi preenchido e entregue por Germano ………………………………….
[apenas de provou o descrito em 10) com base no documento ai identificado; a prova produzida é insuficiente para alicerçar a convicção do tribunal quanto à veracidade deste facto, pois o mesmo não é suportado por prova documental e as declarações de parte prestadas pela sócia e gerente Piedade …………………….. não são idóneas para sustentar a convicção do tribunal na medida em que, por um lado, não se trata de facto no qual tenha tido intervenção (i.e. não é um facto pessoal) e, por outro lado, das suas declarações decorre que não possui conhecimento directo do mesmo, mas sim que sobre este aspecto tece opiniões que formou com base em factos dos quais teve conhecimento indirecto (por terceiros ou no âmbito de acções judiciais), sendo de notar que em 22/10/1991 Piedade ……………………… não era sócia e gerente da autora – cf. ponto 6)].
B) Em 22/10/1991 os sócios da autora que não Germano ……………………… não tinham conhecimento do descrito em 10)
[a prova produzida é insuficiente – cf. o ponto anterior quanto à fundamentação da insuficiência da prova].
C) O descrito em 11) ocorreu em 03/08/1992
[foi produzida prova em sentido contrário – cf. fundamentação do ponto 11)].
D) Em 13/08/1992 as funcionárias do cartório notarial da Guarda referidas em 15) tinham conhecimento de que o pacto social da autora tinha sido alterado por escritura da 06/08/1991, lavrada no referido Cartório e inscrita no registo comercial em 27/01/1992 e que era necessária a intervenção de três gerentes para obrigar a sociedade e a prévia aprovação em assembleia geral para a contratação de empréstimos de financiamento
[nenhuma prova produzida sustenta a convicção do tribunal quanto à prova deste facto – cf. quanto à valoração das declarações de parte da sócia e gerente Piedade ………………….. o que ficou dito no ponto A) quanto à falta de conhecimento directo; o tribunal considera, ainda, que da circunstância da escritura de 06/08/1991 ter sido lavrada no cartório notarial da Guarda nada pode deduzir quanto efectivo conhecimento por pate das funcionárias referidas em 15) quanto ao teor da referida escritura, uma vez que nela não tiveram intervenção – cf. ponto 4) do qual decorre que quem interveio foi Mário …………………, ajudante do cartório notarial da Guarda].
E) Em 13/08/1992 as funcionárias do cartório notarial da Guarda referidas em 15) efectuaram o reconhecimento descrito em 14) com base nas afirmações proferidas em 13/08/1992 por Germano …………………….. e Maria …………………………….
[apenas de provou o descrito em 15), isto é, que o reconhecimento com menção de poderes para o acto foi feito com base em conhecimento pessoal, porém nenhuma prova produzida permite afirma que tal conhecimento adveio às funcionárias do cartório notarial da Guarda proferidas por declarações pelos intervenientes - cf. quanto à valoração das declarações de parte da sócia e gerente Piedade …………………………… o que ficou dito no ponto A) quanto à falta de conhecimento directo].
F) Em 13/08/1992 as funcionárias do cartório notarial da Guarda teriam recusado efectuar o reconhecimento descrito em 14) se tivessem exigido a exibição do pacto social actualizado ou certidão de registo comercial da autora
[nenhuma prova produzida permite sustentar a convicção do tribunal quanto à prova deste facto, pois não se trata de saber se funcionárias do cartório notarial da Guarda deveriam ter recusado o reconhecimento caso tivessem exigido a comprovação documental dos poderes dos intervenientes para o acto, mas se, de facto, o teriam feito; ora tratam-se de factos psicológicos sobre a conformação da vontade às regras de condutas aplicável, portanto, são factos absolutamente pessoais das funcionárias, em relação aos quais não foi produzida qualquer prova idónea – cf. o que ficou dito no ponto A) quanto à falta de idoneidade das declarações de Piedade …………………….. para a prova deste facto, por falta de conhecimento directo do mesmo].
G) A ………. remeteu à autora os extractos da conta referida 27) para a Estrada Nacional 16 Guarda, a qual constava do seu ficheiro como a sede da autora, e dos quais constavam os movimentos descritos em 18)
[não foi produzida qualquer prova; em relação ao documento junto a fls. 554, frente e verso, ao contrário do que entende o réu o mesmo não é idóneo para provar este facto, pois é apenas o extracto de conta, dele não constando qualquer elemento quanto ao seu envio para a autora, nem quanto ao local para o qual a ……… o terá remetido].
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO


Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
Quanto ao recurso da autora
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela verificação de culpa da lesada;
Quanto ao recurso do réu
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela existência de nexo de causalidade entre facto e dano;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, quanto ao montante da indemnização.

- RECURSO DA AUTORA
a) da culpa da lesada

Invoca a autora recorrente, em síntese, o seguinte:
- a conduta dos funcionários do Cartório Notarial da Guarda foi causa direta e necessária à produção do evento danoso, pois conferiu fé pública ao reconhecimento de assinaturas e assim vinculou a sociedade comercial;
- sabiam, ou não podiam deixar de saber, que a alteração dos pactos sociais é uma constante da vida comercial das sociedades e que tal reconhecimento vinculava a sociedade, exigindo-se aí aos funcionários um cuidado acrescido, que no caso não adotaram, antes agiram de forma leviana e irresponsável.
- foi a ação notarial que provocou a ocorrência do evento danoso, pelo que só ao Estado Português, enquanto seu titular, cabe a responsabilidade e obrigação de ressarcir.
Conclui que a sentença violou os artigos 570.º e 571.º do Código Civil (CCiv).
Para o aqui recorrido, Estado Português, o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento do invocado dano, pois à data das transferências em causa apenas constava da ficha de assinaturas a de um dos sócios-gerentes, e só mais tarde foi averbada a assinatura de outros dois sócios-gerentes, concluindo não se verificar o nexo causal entre os factos imputados às agentes do Estado e os prejuízos invocados.
Alegação esta que se entrecruza com a questão suscitada no recurso interposto pelo réu Estado Português e que adiante merecerá mais detida apreciação.

A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Aos factos em causa, que datam de agosto de 1992, é aplicável o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, que regulava a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública, posteriormente revogado pela Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro.
A obrigação de indemnizar constava do artigo 2.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei n.º 48051, com os seguintes termos:
“O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto;
- a ilicitude;
- a culpa;
- o dano;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ainda que verificados estes pressupostos, se um facto culposo do lesado concorreu para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, cf. artigo 570.º, n.º 1, do CCiv.
Sendo equiparado ao facto culposo do lesado o facto culposo dos seus representantes legais, cf. artigo 571.º do CCiv.
E cabendo àquele que alega a culpa do lesado a prova da sua verificação, cf. artigo 572.º do CCiv.

Na sentença sob recurso, entendeu-se estarem verificados os referidos cinco pressupostos, concorrendo, contudo, um facto culposo da sociedade lesada, o que levou à redução da indemnização.
A presente questão circunscreve-se então a saber se bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela verificação de culpa (concorrente) da lesada, não se cuidando aqui de saber se estão verificados os aludidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, cf. artigo 635.º, n.º 2 (anterior 684.º, n.º 2), do CPC.
Tendo presente que, para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, nos termos do citado artigo 570.º, n.º 1, importa que a conduta ilícita e culposa imputada à lesada se mostre causal da produção do dano, à luz da teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do STJ de 19/04/2018, proc. n.º 595/14.1TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt).
Consta da factualidade provada que em agosto de 1991 foi alterado o pacto social, passando desde então a exigir-se a intervenção de três gerentes para obrigar a sociedade, e ficando a contratação de empréstimos de financiamento dependente de prévia aprovação em assembleia geral.
Só bem mais de um ano depois foi dado conhecimento desta alteração à …………………………., em 12/10/1992.
A esta data já se tinha concretizado o contrato de crédito em conta corrente, bem como já se tinham verificado as transferências da conta corrente da sociedade autora para a sua conta à ordem e desta para as contas dos sócios Germano ………………. e Maria ………………………….
Afigura-se, assim, evidente que existe uma conduta omissiva da parte da autora, ao abster-se de comunicar atempadamente à entidade bancária as alterações ao pacto social, que influíam diretamente na respetiva relação financeira.
Nesta medida, não suscita então dúvidas que a inércia da autora constituiu causa adequada da produção dos danos, pois, como bem entendeu o Tribunal a quo, se tivesse diligenciado mais cedo por dar esse conhecimento, a entidade bancária não teria considerado o contrato de crédito em conta corrente perfeito apenas com a assinatura de Germano ……………………….. e de Maria ………………………… e teria a obrigação de impedir as transferências ordenadas por estes em seu benefício.
Por outro lado, a ação destes dois sócios gerentes da autora constitui igualmente causa adequada da produção dos danos, pois são eles quem, junto do Cartório Notarial e da entidade bancária, diligenciam pelo reconhecimento das assinaturas, vinculação da sociedade, abertura do contrato de crédito e transferência das quantias creditadas.
Sendo inelutável a censurabilidade da sua conduta.
Quanto à omissão, deve ter-se igualmente como censurável o comportamento dos representantes da sociedade autora, pois que lhes era exigível fazer atempadamente, aqui se podendo dizer que lhes cabia à evidência fazê-lo antes de decorrido um ano, a comunicação à entidade bancária, passando a recair sobre esta a obrigação de recusar quaisquer contratos de crédito que não respeitassem o pacto social.
Devendo ter-se como especialmente exigível, como muito bem se assinala na sentença recorrida, que a comunicação fosse realizada pelos sócios gerentes mais recentes, Sidónio ……………….. e Piedade ………………………., principais interessados em assegurar que a …………… conhecesse a alteração do pacto social, quando esta entidade apenas tinha conhecimento dos anteriores poderes de obrigação da sociedade dos dois outros sócios gerentes.
Em boa verdade, no presente recurso a autora parece não disputar esta conclusão, contra a qual não dirige quaisquer argumentos, limitando-se a invocar que a conduta dos funcionários do Cartório Notarial da Guarda foi causa direta e necessária da produção do evento danoso, pois conferiu fé pública ao reconhecimento de assinaturas e assim vinculou a sociedade comercial, estando eles cientes que a alteração dos pactos sociais é uma constante da vida comercial das sociedades e que tal reconhecimento vinculava a sociedade, exigindo-se aí aos funcionários um cuidado acrescido.
Como se alvitra na sentença recorrida, uma coisa não invalida a outra, posto que a atuação da autora é uma causa que concorre, a par da atuação do réu, para a produção dos danos.
Assente a culpa da autora, em função do nexo causal entre as atuações omissiva e comissiva dos seus sócios gerentes e os danos que sofreu, bem como a censurabilidade de tais atuações, necessariamente improcede o recurso por si apresentado.


- RECURSO DO RÉU
b) do nexo de causalidade

Invoca o réu, em síntese, o seguinte:
- os factos dados como provados sob os números 27 a 29 contrariam a fundamentação da condenação do Estado, dos quais decorre que o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento para disponibilizar os montantes referidos, pois as transferências efetuadas pela ……. foram anteriores a 12/10/1992, altura em que na ficha de assinaturas constava a assinatura de um dos sócios-gerentes, sendo que só após essa data foi averbada a assinatura de outros dois sócios-gerentes;
- não se verifica o exigido nexo causal entre os factos imputados às agentes do Estado e os prejuízos invocados, pois a negligência e o facto causador do prejuízo patrimonial não resultam do alegado irregular reconhecimento notarial de duas assinaturas em carta minuta de aceitação dos termos de contrato de abertura de crédito a favor da ………….., antes sim resultou, conforme se extrai dos factos dados como provados, da omissão, por parte da Autora, do dever de comunicação à ………. da alteração do seu pacto social e a forma como a sociedade se passava a obrigar com a atualização da ficha de assinaturas;
- igualmente não se verifica um nexo indireto, devendo considerar-se afastado o nexo causal entre o facto e o dano e prejuízos invocados, que são de atribuir exclusivamente à conduta da própria autora.

Já se deu nota na questão antecedente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se a verificação cumulativa dos pressupostos facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Disputa o réu/recorrente a verificação deste último pressuposto.
A necessidade de existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano encontrava-se prevista no já citado artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967: “[o] Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício” (sublinhado nosso).
Prevendo o artigo 563.º do Código Civil, com a epígrafe 'nexo de causalidade', que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Aqui se consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, “segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo” (acórdão do STJ de 05/07 /2017, proc. n.º 4861/11.0TAMTS.Pl.Sl, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ensina Antunes Varela que podem ocorrer “danos que o lesado muito provavelmente não teria sofrido se não fosse o facto ilícito imputável ao agente, e que, no entanto, não podem ser incluídos na obrigação de indemnização, porque isso repugnaria ao pensamento da causalidade adequada, que o art. 563º indubitavelmente quis perfilhar. (...) [P]ara que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” (Direito das Obrigações, Vol. I, 1991, p. 899).
Uma condição deixará de ser causa adequada se for irrelevante para a produção do dano, segundo as regras da experiência, ocorrendo essa irrelevância quando a ação não é de molde a agravar o risco de verificação do dano (Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1982, pág. 321).
E o facto tem de ser, em concreto, condição sine qua non do dano, e ao mesmo tempo constituir, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1984, pág. 518).
Por outro lado, constitui entendimento (ao que se sabe) consensual da doutrina e da jurisprudência que a existência de uma relação de causalidade adequada entre a conduta do lesado e os danos que invoca (como já se viu ter aqui ocorrido) não é suscetível de afastar um eventual nexo de causalidade adequada entre os factos que aquele invocou e o dano.
Estaremos perante uma causalidade adequada indireta, quando o dano não decorre imediatamente do facto ilícito, mas subsiste o nexo de causalidade (indireto), na medida em que esse facto é causa adequada de outro que produz o dano (vejam-se, por todos, os acórdãos do STA de 27/10/2004, proc. n.º 01214/02, e de 16/05/2006, proc. n.º 0874/05, e a doutrina e jurisprudência aí invocadas; mais recentemente, o acórdão do TCAN de 25/01/2013, proc. n.º 00462/07.5BEVIS, e os acórdãos deste TCAS de 26/03/2015, proc. n.º 08446/12, e de 16/04/2015, proc. n.º 08958/12, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, o facto invocado pela autora é o reconhecimento de assinaturas em Cartório Notarial, que terá permitido a obtenção irregular de um financiamento, constituindo o dano o pagamento que a autora teve de realizar à entidade bancária que o concedeu. E já vimos que se verifica a culpa do lesado, ou seja, este concorreu para a produção do dano.
Quanto às circunstâncias em que ocorreu o reconhecimento de assinaturas e o referido financiamento, retira-se do probatório o seguinte:
- Germano ……………………. e Maria ……………….. foram os primeiros sócios da autora, sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Guarda em 08/06/1990, pertencendo então a ambos a respetiva gerência e necessária uma assinatura para a obrigar;
- desde 27/01/1992 consta do registo comercial da autora que a gerência pertencia a todos os sócios e eram necessárias três assinaturas conjuntas para a obrigar.
- desde 27/04/1992 consta do registo comercial da autora que eram seus sócios Piedade ……………….., Sidónio …………, Germano ………. e Maria …………………;
- em data anterior a 03/08/1992 foi entregue na …….. um pedido de financiamento à autora, assinado por Germano …………., datado de 22/10/1991;
- a …….. aprovou a concessão de um crédito em conta corrente à autora e enviou-lhe ofício datado de 10/08/1992, contendo a minuta da carta de aceitação;
- Germano ………. e Maria …………. assinaram documento de resposta à ……., dando o seu acordo em nome da autora;
- em 13/08/1992, duas funcionárias do Cartório Notarial da Guarda apuseram neste documento o reconhecimento daquelas assinaturas, na qualidade de sócios gerentes da sociedade autora, com poderes para o ato e por reconhecimento pessoal;
- antes de 12/10/1992, a pedido de Germano …………… e Maria ……………….. foi creditada em conta da autora a quantia de € 236.929,00 do crédito em conta corrente, a qual foi transferida para as contas pessoais daqueles;
- a ……… não teria disponibilizado à autora o crédito em conta corrente se o referido reconhecimento de assinaturas não tivesse sido efetuado com menção de poderes para o ato;
- até 12/10/1992, para levantamentos da conta da autora junto da ……. era apenas necessária a assinatura de Germano ……………. ou de Maria ……………………..;
- nesta data, foram averbados na ficha de assinaturas da conta bancária da autora os nomes dos gerentes Piedade …………… e Sidónio ……………, e que eram necessárias três assinaturas para a movimentar;
- na sequência de ação judicial, a autora pagou à ……. as quantias de € 311.748,68 e € 3.047,71, relativas àquele crédito em conta corrente.

Entre o facto invocado pela autora/recorrente, o reconhecimento de assinaturas realizado pelas duas funcionárias do Cartório Notarial da Guarda, e o dano, os pagamentos que a autora/recorrente teve de fazer à ………, por força do financiamento que esta lhe concedeu, a Mma. Juiz a quo considerou verificado um nexo de causalidade indireto. Porquanto o reconhecimento das assinaturas não produziu diretamente o dano, mas proporcionou a ocorrência de outro facto, a disponibilização de fundos na conta à ordem da autora, que levou aos danos desta.
É patente o acerto da decisão, ao contrário do invocado pelo réu/recorrente.
Da factualidade dada como assente resulta necessariamente a solução jurídica do caso, consignando-se expressamente que a …….. não teria disponibilizado à autora o crédito em conta corrente referido em 11) se o reconhecimento descrito em 14) não tivesse sido efetuado com menção de poderes para o ato - ponto 16 dos factos provados.
E o réu/recorrente não impugnou a sua fixação.
Temos assim que claramente se perspetivam causas concorrentes do dano, que não se materializam apenas nos factos ilícitos e culposos assacáveis aos representantes da autora, seja por omissão, inércia na falta de atualização da ficha de assinaturas junto da entidade bancária, seja por ação, a obtenção do financiamento e desvio das quantias depositadas na conta da autora, mas também no reconhecimento das assinaturas, facto ilícito e culposo praticado por duas funcionárias do Estado Português.
Como já visto, o artigo 563.º do CCiv consagra a teoria da causalidade adequada, admitindo a possibilidade de uma pluralidade de factos serem causa do dano, seja de forma direta ou indireta.
E é inequívoco que o reconhecimento das assinaturas atuou como causa adequada do dano, pois como se assinala no probatório, sem aquele reconhecimento a entidade bancária não procederia à transferência do crédito para a conta da sociedade autora.
Não merece, pois, qualquer censura o decidido em primeira instância.


c) do montante da indemnização

De forma assaz singela, sustenta o réu/recorrido que se reputa elevado o montante indemnizatório em que foi condenado.
Vejamos o discurso fundamentador que, nesta sede, foi apresentado na sentença sob recurso:
“[E]stamos perante uma situação em que a conduta do réu e a conduta da autora concorreram para a produção dos danos, porém a conduta do segundo à causa indirecta dos danos e a conduta da autora é causa directa.
Com efeito, como supra explicado a próprio do nexo de causalidade a conduta do réu permitiu que a ………. disponibilizasse à autora fundos de um crédito em conta corrente no valor de 47.500 contos, o que só por si não conduz à produção dos danos, mas permitiu que estes se verificassem, na medida em que se tais fundos não tivessem sido disponibilizados não poderiam ter sido locupletados por dois sócios gerentes da autora em detrimento desta.
Ora, não fora a actuação dos sócios gerentes Germano …………….. e de Maria …………………… a autora tinha beneficiado dos fundos provenientes do contrato em conta corrente [caso em que, rigorosamente, não existiria uma diminuição do seu património] ou não teria sequer usado o crédito em conta corrente e, naturalmente, nunca teria entrado em incumprimento.
Deste modo, proporcionalmente a autora contribuiu mais para a produção dos danos do que a conduta do réu.
(ii) Quanto à gravidade das culpas para efeitos do artigo 570.º do CC e quanto à culpa na modalidade de negligência distingue-se a culpa grave [que corresponde a uma negligência grosseira, intolerável, em que só uma pessoa extremamente desleixada poderia incorrer], da culpa leve [que é aquela em que um bonus pater familias não incorreria] e da culpa levíssima [que é aquela em que só as pessoas dotadas de excepcional atenção e cuidado poderiam ter evitado].
Do que supra ficou dito a propósito do pressuposto da culpa decorre que a conduta das funcionárias do cartório notarial da Guarda reveste a forma de negligência inconsciente leve, pois, em face dos factos provados, não se pode afirmar que tenham agido com extremo desleixo, mas também não se rodearam das cautelas que um funcionário médio colocado nas suas concretas posições teria adoptado.
Em relação à conduta da autora, há que distinguir a conduta dos sócios gerentes Germano ………………. e de Maria ………………………… da conduta dos restantes sócios gerentes, designadamente, Sidónio …………………… e Piedade ………………………….
Em relação aos últimos apenas se provou que não foram diligentes na comunicação da alteração do pacto social à …….., pelo que a sua culpa é também uma culpa leve.
Diferentemente, a conduta de Germano ……………… e de Maria ……………….. é objecto de uma censura particularmente grave já que aquando do reconhecimento de assinaturas de 13/08/1992 e aquando das transferências descritas em 18) não podiam ignorar a alteração ao pacto social de Agosto de 1991, pois tiveram intervenção escritura pública descrita em 4).
Assim, quando agiram no modo descrito em 13), 14), e 18), não poderiam ignorar que a sua conduta produziria o resultado ilícito [violação das disposições do pacto social e dos deveres do artigo 64.º do CSC].
É certo que não se provou qualquer facto que permita ao tribunal concluir que Germano …………………. e Maria ……………………….. se conformaram com a produção do resultado ilícito como consequência possível da sua conduta, mas era-lhes exigível que o previssem tendo agido levianamente, sendo a sua negligência grave, grosseira, a raiar o dolo eventual.
Do exposto decorre, então, que proporcionalmente a autora contribuiu mais para a produção dos danos e a sua culpa é superior à culpa do réu, pelo que o tribunal segundo um juízo de equidade decide que a indemnização do réu Estado Português deve ser reduzida para 20% do valor, isto é, para € 62.959,28 [€314.796,39 x 20%], montante que o réu será, a final, condenado a pagar à autora.
Ainda que à míngua de qualquer argumentação que coloque em crise a presente fundamentação, cabe analisar a adequação da decisão a que se chegou.
Foi equacionada a culpa das funcionárias do Estado Português e a dos representantes da sociedade autora, concluindo-se pela maior gravidade desta (o que o réu/recorrente não disputa). E com recurso, ali se sustenta, a um juízo de equidade, foi decidido que a indemnização do réu Estado Português devia ser reduzida para 20% do valor total.
Não se obstando a esta conclusão, haverá que reconhecer que o caminho para lá chegar não será propriamente o ali identificado, merecendo então a breve nota que se segue.
O artigo 570.º, n.º 1, do CCiv prevê que “[q]uando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
E de acordo com o artigo 4.º deste diploma legal, os tribunais apenas podem recorrer à equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.
A equidade, vulgarmente vista como a justiça do caso concreto, comporta razões de conveniência, de não subordinação a critérios normativos fixados na lei, contra o que o legislador ali reage, fixando os casos em que o tribunal pode recorrer a tais juízos, procurando evitar desacordos na aplicação das leis (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, pág. 56).
Ora, o citado artigo 570.º, n.º 1, impõe que se atenda à gravidade das culpas das partes e respectivas consequências, não autorizando o julgamento de acordo com juízos de equidade.
Isto posto, a apreciação conclusiva contida na sentença sob recurso não merece censura, posto que se afigura de substancial maior gravidade a culpa dos representantes da autora, por comparação com a culpa das funcionárias do réu, sendo adequada a fixação da indemnização em 1/5 do peticionado.
Pelo que será de manter a condenação do Estado Português, no montante decidido na primeira instância.

Em suma, é de negar provimento a ambos os recursos, julgando-os improcedentes, assim se mantendo a sentença recorrida.
*


III. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos da autora e do réu, julgando-os improcedentes.
Custas a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 9 de maio de 2019.

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)