Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:481/15.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL
DEFICIT INSTRUTÓRIO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXECUÇÃO MATERIAL DO DECIDIDO
Sumário:I - O ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, donde constitua uma nulidade processual. Não estando, outrossim, dependente de vista prévia ao DMMP, o qual não obstante assumir uma função de garante e controlo da legalidade, não tem de pronunciar-se sobre um ato que está no arbítrio e discernimento do julgador.
II - A realização das diligências instrutórias pressupõem a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada e relevante para a decisão da causa, não se mostrando, assim, útil a inquirição das testemunhas arroladas quando os factos redundarem em meras conclusões e bem assim quando os autos reunirem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, inexistindo, assim, qualquer violação do inquisitório.
III - O dever que a AT ficou constituída por efeito da anulação judicial do ato administrativo coaduna-se com a emissão dos atos, ora, impugnados expurgados do vício legal, e não com a emissão, como propugna a Recorrente, de um novo procedimento de avaliação, conforme se retira do regime constante no artigo 100.º, nº1 da LGT, mostrando-se, outrossim, conforme com o consignado no artigo 173.º, nº1 do CPTA.
IV - A imutabilidade da decisão judicial em que se caracteriza a autoridade de caso julgado significa que apreciada uma causa de invalidade, o tribunal fica vinculado a aplicar a decisão tomada, mesmo em distintas controvérsias que perante ele venham a ser colocadas, donde a autoridade da decisão que levou à anulação dos atos de segunda avaliação, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra decisão.
V - Comportando a arguição do vício formal da falta de fundamentação um inadmissível ius novarum e não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, porquanto tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:l – RELATÓRIO

S…, S.A. (doravante Recorrente) interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de segunda avaliação dos quatro lotes de terreno destinados a construção, sitos na freguesia de Santa Maria, em Covilhã, entretanto extinta e que infra se descrevem:
- Artigos urbanos n.ºs 1…., lote …, 1…., lote …, 1….., lote … e 1…., lote …, todos da urbanização “Q………….”.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

“1. A Impugnante indicou que a prova testemunhal por si requerida na p.i. incidiria sobre a matéria de facto a que se reportam os artigos 3, 4, 6, 10, 11, 27 a 36, 63, 65, 67, 70, 81 e 107 a 111 da pi, acima transcritos e que por brevidade se dão aqui como reproduzidos.

2. O Tribunal a quo entendeu dispensar a produção dessa prova testemunhal.

3. Contudo, aquela factualidade era passível de prova testemunhal, era relevante para a decisão de mérito e não estava cabalmente comprovada mediante a prova documental.

4. Pelo que deveria ter sido ordenada a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente.

5. A produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392 do CC).

6. Por força do disposto no artigo 114 do CPPT, o Juiz deve ordenar todas as diligências de prova necessárias.

7. Como se extrai do nº 1 do artigo 113.º do CPPT, a dispensa da prova testemunhal apenas pode ocorrer após vista ao Ministério Público — o que não foi o caso.

8. Por força do artigo 115.º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente a prova testemunhal.

9. Era necessário complementar a prova documental produzida com prova testemunhal.

10. Nos termos do artigo 265.º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio - princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.

11. Assim, o Tribunal "a quo" deveria ter previamente ordenado a produção de prova testemunhal.

12. Não tendo sido o caso, a douta Sentença violou os sobreditos preceitos legais, padece de erro de julgamento de facto (e, consequentemente, de Direito) e défice instrutório (artigo 5132 do CPC).

13. Por outro lado, tendo sido negada a produção de prova testemunhal, ocorreu uma nulidade processual, já que aquela omissão de prova é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195 nº 1 do CPC).

14. Essa nulidade processual tem como consequência a anulacão dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida (cfr. artigos 195 nº 2 do CPC e 98 nº 3 do CPPT).

Sem prescindir, a título subsidiário, por mera cautela de patrocínio

15. Deveria ter sido dado por provado que as avaliações respeitam aos lotes 2, 3, 19 e 20 da urbanização "Q………….".

16. Também deveria ter sido dado por provado que as avaliações foram realizadas em 03.03.2015.

17. Deveria ter ficado provado que estas avaliações diferem das anteriores avaliações dos mesmos lotes no que concerne ao coeficiente de localização (Cl).

18. As anteriores avaliações dos 4 lotes de terreno, realizadas em 24.10.2007, foram anuladas.

19. No âmbito das avaliações ora em crise, a comissão de 2 avaliação não fez inspecção directa aos lotes de terreno — matéria de facto que também deveria ter sido dada por provada.

20. As avaliações aqui em questão reportam-se a declarações modelo 1 originariamente apresentadas nela Q… em 04.05.2004 - matéria de facto que também deveria ter sido dada por provada.

21. Tendo a Q… apresentado, em 04.04.2005, ao abrigo do artigo 76 do CIMI, os pedidos de segunda avaliação - também esta matéria de facto deveria ter sido dado por provada.

22. Conforme ficou provado, nesses pedidos de 2ª avaliação foi expressamente referido pela Q… que os valores patrimoniais atribuídos eram manifestamente exagerados, "quando comparados com o respectivo valor de mercado", e que os lotes de terreno foram negociados por metade dos valores tributários.

Posto isto

23. A AT não deu cabal cumprimento às decisões judiciais especificadas em i) e j) dos factos provados (e que ordenaram a anulação das anteriores avaliações).

24. A anulação judicial das avaliações efectuadas em 2007 e a sua substituição por novas avaliações implicava necessariamente a realização de novas 1ªs avaliações e notificação das mesmas (cfr. artigos 100º da LGT e 173º nº 1 e 2 do CPTA ex vi do artigo 146º nº 1 e 2 do CPPT),

25. e que fosse concedida novamente ao contribuinte a oportunidade de, ao abrigo do artigo 76º do CIMI, pedir novamente 2s avaliações - uma vez que estas novas avaliações assentaram em novos parâmetros avaliativos, designadamente ao nível do Cl.

26. Com efeito, por imposição daqueles preceitos legais, a AT estava obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se os actos tributários judicialmente anulados (avaliações de 2007) não tivessem sido praticados.

27. O esgotamento prévio dessas fases administrativas antecedentes é condição de (nova) Impugnação Judicial (cfr. artigo 134º nº 7 do CPPT).

28. Aliás, assim entende a própria AT — deve reiniciar-se todo o processo avaliativo.

29. Por imposição dos princípios da igualdade, boa-fé, segurança jurídica, protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, a AT está juridicamente vinculada à sua própria doutrina interpretativa (artigos 559 e 689-A da LGT, 55º do CPPT, e 102 do CPA e 266º nº 2 da CRP).

30. Ao invés, o SF, indevidamente, partiu logo para a realização de novas 2s avaliações, remetendo o contribuinte para Impugnação Judicial imediata, caso discordasse — não cumprindo, pois, as decisões judiciais anulatórias das avaliações de 2007, transitadas em julgado.

31. Ao entender em sentido oposto, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento, viola o caso julgado e as sobreditas disposições legais.

Por outro lado,

32. Os VPT's atribuídos aos 4 lotes de terreno em questão eram manifestamente exagerados, pois eram substancialmente superiores aos respectivos valores de mercado.

33. Nos termos do artigo 372 nº 4 do CIMI, a avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz (ou seja, à data da apresentação da declaração modelo 1) - o que no caso sucedeu em 04.05.2004, conforme prova documental produzida.

34. Os valores patrimoniais tributários (VPT) finais (2ª avaliações) devem acompanhar os valores de mercado, não podendo basear-se apenas na aplicação de uma fórmula matemática.

35. Os lotes de terreno foram vendidos por precos muito inferiores aos VPT's que lhes foram atribuídos — conforme escrituras públicas juntas, indevidamente negligenciadas na douta Sentença.

36. Esta factualidade, provada documentalmente e não controvertida, é relevante para a decisão de mérito, pelo que deveria ter sido conduzida ao probatório, enquanto matéria de facto provada.

37. A comissão de avaliação que esteve na génese das avaliações ora em crise não atendeu aos valores de mercados dos lotes de terreno à data a que se reportam as avaliações - contrariando inclusivamente a doutrina veiculada pela própria AT — Direcção de Serviços de Avaliações, à qual a AT está juridicamente vinculada (vide supra).

38. Esta factualidade, porque relevante para a decisão de mérito, também deveria ter sido dada por provada.

39. Foi violado o artigo 76 do CIMI.

40. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção em questão não foi determinado por aplicação do método comparativo dos valores de mercado.

41. Quando a aplicação das fórmulas matemáticas previstas na lei conduzem a avaliações distantes dos valores normais de mercado, como é o caso, as avaliações devem ser efectuadas por "aplicação do método comparativo dos valores de mercado" (artigo 76 nº 4 do CIMI, redação da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

42. Por conseguinte, também aqui a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.

Sendo certo que,

43. O artigo 1… (lote 20) foi vendido pelo preço de Euro 218.224,04, ou seja, por menos de 1/3 do VPT que lhe foi atribuído.

44. O artigo 10…. (lote 2) foi vendido pelo preço de Euro 257.600,00, ou seja, por cerca de 1/2 do VPT que lhe foi atribuído.

45. O artigo 103…… (lote 3) foi vendido pelo preço de Euro 362.250,00 -ou seja, por cerca de 1/2 do VPT que lhe foi atribuído.

46. O artigo 104….. (lote 19) foi vendido pelo preço de Euro 402.500,00-ou seja, por cerca de 1/2 do VT que lhe foi atribuído.

47. Toda esta matéria de facto, porque manifestamente relevante para a decisão de mérito, deve ser aditada ao probatório, enquanto matéria de facto provada (cfr. escrituras públicas juntas aos autos).

48. As 2s avaliações são, pois, completamente desajustados em relação aos valores de mercado dos lotes de terreno à data a que se reportam as avaliações.

49. Os lotes de terreno foram vendidos a terceiros, completamente estranhos à Impugnante e à Q….

50. As 2as avaliações assentaram em meras fórmulas e coeficientes matemáticos, não reflectindo, indevidamente, os valores reais de mercado dos lotes (indiciados pelos preços de venda dos mesmos) ou de lotes congéneres na zona.

51. Das regras de cálculo e apuramento do VPT previstas no CIMI não pode resultar um valor desproporcionado e desajustado em relação ao valor de mercado.

52. A AT está obrigada a respeitar, entre outros, o princípio da proporcionalidade (artigos 52º nº 2 do CPA, 46º do CPPT, 52 nº 2 e 55º da LGT, e 266º nº 2 da CRP).

53. A tributação deve obedecer à efectiva capacidade contributiva dos contribuintes, expressão do princípio da igualdade (artigos 42 nº 1 da LGT e 104º nº 3 da CRP).

54. E deve obedecer ao princípio da justiça (artigos 55º da LGT e 266 nº 2 da CRP).

55. O que não sucede quando a avaliação dos imóveis é determinada segundo um valor meramente teórico e abstracto, resultante da automatização de uma fórmula matemática, sem qualquer adesão à realidade dos factos e do mercado.

56. As 2s avaliações estão previstas, não meramente para aplicar fórmulas matemáticas, mas para introduzir os necessários factores de ajustamento quando dessas fórmulas resultam valores ostensivamente desajustados dos valores de mercado.

57. A administração pública deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, por forca do princípio do inquisitório (artigos 56 do CPA e 58 da LGT).

58. A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens objecto de tributação (artigo 83 n 1 da LGT).

59. São precisamente os "valores de mercado" que o legislador visou tributar.

60. Para se determinar o "valor de mercado" do imóvel (e, consequentemente, para se proceder à sua correcta avaliação), deve-se pelo menos levar em linha de conta o preço de venda do imóvel no mercado.

61. Todos os imóveis em questão, à excepção apenas de um (negociado em 1998), foram negociados em 2004 (data da celebração dos contratos promessa) - ano a que se reportam as avaliações em causa.

62. Os actos tributários avaliativos e a douta Sentença recorrida violam, pois, as ditas normas e princípios jurídicos.

63. Na zona, incluindo no mesmo loteamento, outros lotes de terreno congéneres foram negociados e vendidos por preços substancialmente inferiores aos VPT's aqui atribuídos.

64. As avaliações aqui impugnadas são totalmente omissas quanto à discrepância abissal entre os VPT's e o valor de mercado dos imóveis.

65. Pelo que tais actos avaliativos estão deficientemente/insuficientemente fundamentados, em violação, entre outros, dos artigos 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP (vide igualmente o artigo 135º nº 2 do CPA).

66. Por conseguinte, também aqui a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.

Acresce que

67. Como é Jurisprudência unânime do STA, na determinação do VPT dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do CIMI,

68. não havendo lugar à consideração de coeficientes de afectação (ca). localização (cl) e de qualidade e conforto (cci) — porque estes parâmetros iá estão inclusos na fixação da percentagem do valor da área de implantação (artigo 45º nº 2 e 3 do CIMI).

69. As avaliações em causa violam, pois, o artigo 45 º da LGT.

70. Pelo que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação deste preceito legal.

Finalmente

71. Por não terem sido alvo de inspecção directa/vistoria, as avaliações em questão violaram os artigos 14.º e 15.º do CIMI.

72. Aliás, esta matéria, apesar de alegada pela Impugnante/Recorrente, não foi apreciada na douta Sentença recorrida - a sua apreciação não estava prejudicada pela solução das demais questões.

73. Pelo que a douta Sentença recorrida, para além do mais, padece de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 125º nº 1 do CPPT, 608 nº 2 e 615 nº 1 d) e nº 4 do CPC).

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, declarando a nulidade da douta Sentença recorrida ou julgando a presente Impugnação procedente, com a consequente anulação das avaliações aqui impugnadas, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTICA.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não contra-alegar.

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O Digno Magistrado Ministério Público (DMMP), junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

c) A 15/02/2007 foi lavrada a acta n.º 1… da Q…, Empreendimentos I……, S.A., ficando consignado a deliberação sobre a dissolução da sociedade com liquidação imediata por transmissão global do seu património a favor da sua sócia única, a sociedade S…, S.A. (cfr. cópia de acta de fls. 41 e s42 dos autos);

d) A 31/03/2015 foi emitida notificação da 2.ª avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 10….., da extinta freguesia de Santa Maria, Covilhã, onde se lê “Demonstração do cálculo do valor patrimonial tributário “VT = VC x (A x % + (Ac + Ad) x Cl x Ca x Cq = 600,00 x (2.528,000x 25% + (3,0000 + 0,0000) x 1,20 x 1,00 x 1,000 =457.200,00 (cfr. documento de fls. 58 dos autos);

e) A 31/03/2015 foi emitida notificação da 2.ª avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 10…., da extinta freguesia de Santa Maria, Covilhã, onde se lê “Demonstração do cálculo do valor patrimonial tributário “VT = VC x (A x % + (Ac + Ad) x Cl x Ca x Cq =600,00 x (3.510,000x 25% + (3,7500 + 0,0000) x 1,20 x 1,00 x 1,000 =634.500,00 (cfr. documento de fls. 62 dos autos);

f) A 31/03/2015 foi emitida notificação da 2.ª avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 104….., da extinta freguesia de Santa Maria, Covilhã, onde se lê “Demonstração do cálculo do valor patrimonial tributário “VT = VC x (A x % + (Ac + Ad) x Cl x Ca x Cq = 600,00 x (3.890,000x 25% + (6,2500 + 0,0000) x 1,20 x 1,00 x 1,000 =704.700,00 (cfr. documento de fls. 65 dos autos);

g) A 31/03/2015 foi emitida notificação da 2.ª avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 10….., da extinta freguesia de Santa Maria, Covilhã, onde se lê “Demonstração do cálculo do valor patrimonial tributário “VT = VC x (A x % + (Ac + Ad) x Cl x Ca x Cq =600,00 x (3.890,000x 25% + (6,2500 + 0,0000) x 1,20 x 1,00 x 1,000 =704.700,00 (cfr. documento de fls. 68 dos autos);

h) A 29/03/2005 foi requerida segunda avaliação do prédio urbano inscrito na matriz com o artigo P 10…, P 10…. (cfr. fls. 105, 108 dos autos);

i) A 28/09/2011 foi proferida sentença neste Tribunal, em impugnação intentada contra a avaliação dos prédios urbanos identificados pelos artigos 10…, 10…, 10… e 10… da freguesia de Santa Maria, que correu termos com o n.º17…../08, onde se decidiu “julgar procedente a impugnação judicial, condenando-se a Fazenda Pública em consequência do que se anulam as avaliações / liquidações efectuadas e se condena a sua substituição por outras conformes à lei aplicável”, com fundamento na não aplicação de portaria n.º1022/2006, de 20/9 (cfr. cópia de sentença de fls. 75 dos autos);

j) Pelo Supremo Tribunal Administrativo foi decidido manter a decisão a que se refere a alínea anterior (cfr. acórdão de fls. 84 e ss. dos autos);

k) A 20/10/2006 foi lavrada escritura relativa à compra e venda do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo P 10…, onde se declarou ser o preço do negócio de 218.224,18€ (cfr. cópia de escritura de fls. 128 e ss. dos autos);


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Ficou consignado como factualidade não provada o seguinte:

“Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

l) Na sequência da aquisição dos lotes de terreno para construção inscritos como prédios urbanos na matriz da freguesia de Santa Maria, concelho da Covilhã sob os artigos 10…, 10…, 10…, 10…, a Recorrente, apresentou a 04 de maio de 2004, as respetivas declarações Modelo 1 (facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);

m) Em resultado do referido na alínea l), relativamente ao prédio inscrito sob o artigo 103… foi efetuada avaliação a 28 de dezembro de 2004 e fixado o VPT de 502.920,00 €, conforme infra se descreve:


(facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);

n) Em resultado do referido na alínea l), relativamente ao prédio inscrito sob o artigo 10… foi efetuada avaliação a 28 de dezembro de 2004 e fixado o VPT de 697.950,00 €, conforme infra se descreve:


(facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);

o) Em resultado do referido na alínea l), relativamente ao prédio inscrito sob o artigo 10… foi efetuada avaliação a 09 de maio de 2005 e fixado o VPT de 775.170,00€, conforme infra se descreve:


(facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);

p) Em resultado do referido na alínea l), relativamente ao prédio inscrito sob o artigo 10…. foi efetuada avaliação a 09 de maio de 2005, e fixado o VPT de 775.170,00 €.


(facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);

q) A 05 de fevereiro de 2013, foi deduzida execução do julgado anulatório referido em i), tendo sido julgada parcialmente procedente e, em consequência, decretado o seguinte:

a) Fixar o prazo de 20 (vinte) dias para a Administração Tributária, anular os VPT fixados em 24-10-2007, referentes aos lotes de terreno, destinados a construção urbana, inscritos na matriz predial respectiva, da freguesia de Santa Maria, sob os artigos 10…, 10…, 10… e 10…, no valor total de € 2.751.210,00, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, nos termos dos artigos 3.º, n.º 2 e 169.º, ambos do CPTA;

b) Improceder no demais.

(cfr. fls. 98 a 102 dos autos);

r) A 10 de fevereiro de 2022, foi prolatado Acórdão pelo TCA Sul, no âmbito do processo referido na alínea antecedente, tendo sido julgado parcialmente procedente, como se descreve:
i. Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que não declarou a nulidade das liquidações de IMI originadas nos actos de fixação de valores patrimoniais anulados, bem como na parte em que não condenou a AT no pagamento à exequente de juros de mora entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito;
ii. Declarar a nulidade das liquidações de IMI consequentes dos actos de fixação de VPT anulados;
iii. Condenar a AT a restituir à Exequente a quantia peticionada de 26.136,59€ correspondente ao montante pago das liquidações declaradas nulas;
iv. Condenar a AT no pagamento à Exequente de juros de mora entre a data de 02/10/2012 e a data da emissão da nota de crédito;
v. No mais, confirmar a sentença recorrida.

(facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de execução julgado 17…/08-A, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

h) Não se conformando com os resultados das avaliações evidenciados em m) a p), a Impugnante requereu segundas avaliações, as quais mantiveram inalterados os VPT fixados na primeira avaliação, tendo a Impugnante, ora Recorrente, deduzido impugnação judicial a qual correu termos no TAF de Castelo Branco com o número de processo 17…/08, e foi julgada procedente conforme descrito em i) (facto não controvertido; facto que se extrai do teor da documentação constante na plataforma SITAF no âmbito do processo de impugnação judicial 17…/08, e bem assim do teor da factualidade constante na sentença);


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de segunda avaliação dos quatro lotes de terreno destinados a construção, sitos na freguesia de Santa Maria, em Covilhã, entretanto extinta e referente aos artigos urbanos n.º 10…, lote 2, n.º 10…, lote 3, n.º 10…, lote 19 e n.º 10…, lote 20, todos da urbanização “Q…”.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i. Questão prévia: admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso;

ii. A decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não foi analisada a questão atinente à falta de inspeção direta/vistoria no âmbito da comissão de avaliação, em clara violação dos artigos 14.º e 15.º do CIMI?

iii. Há nulidade processual decorrente da dispensa de prova testemunhal na medida em que, por um lado, deveria ter sido precedida de vista ao DMMP, e por outro lado, encontramo-nos perante um ato suscetível de influenciar a decisão da causa?

iv. O Tribunal a quo incorreu em deficit instrutório ao ter dispensado a produção de prova testemunhal, violando o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material?

v. Subsidiariamente, incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto não computou factualidade relevante para o dissídio, aquilatando, desde logo, do cumprimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

vi. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto na sequência da anulação judicial da segunda avaliação tal deveria ter determinado a realização de um novo procedimento de avaliação.

vii. Existe erro de julgamento de direito, na medida em que foi alegado o desfasamento do VPT com o valor de mercado, e a avaliação não teve em consideração essa realidade, não computando o método comparativo dos valores de mercado?

viii. Os atos de avaliação violam os princípios da proporcionalidade, por manifestamente desajustados? Preterindo, igualmente, o princípio da capacidade contributiva e da justiça?

ix. Os atos de avaliação padecem de falta de fundamentação?

x. Existe violação de lei na determinação do VPT, na medida em que estando em causa terrenos para construção não devem ser computados os coeficientes de localização, qualidade, conforto e afetação?

Comecemos, então, pela questão prévia da admissibilidade dos documentos juntos em fase de recurso.

Vejamos.

A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista(2) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”.

Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários(3).

Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado(4).

In casu, quanto aos documentos juntos com as alegações de recurso, os quais consubstanciam uma informação da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Direção de Serviços do Imposto Municipal de Imóveis, datada de 23 de janeiro de 2013, e correspondente sancionamento mediante parecer e despachos datados, respetivamente, de 20 de fevereiro e 25 de fevereiro ambos de 2013, e bem assim o parecer nº …/2013, datado de 06 de fevereiro de 2013, os mesmos devem ser objeto de recusa, visto que, nos encontramos, desde logo, perante documentos que têm data anterior à dedução da presente impugnação judicial, donde poderiam ter sido entregues em data anterior, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva, de resto, nem, tão-pouco, alegada.

Por outro lado, os mesmos não revestem interesse para a presente lide, na medida em que representam informações proferidas em processos administrativos sem qualquer conexão com os presentes autos e nem, tão-pouco, com a Recorrente, donde não revestem relevo para a apreciação do mérito do presente recurso. Ademais, como é consabido as informações administrativas em nada vinculam o Tribunal, podendo, quando muito e se assim se entender, consistir em mero subsídio interpretativo.

Concluindo, dada a sua impertinência, devem os documentos juntos aos autos com as respetivas alegações serem desentranhados e restituídos à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.

Analisemos, ora, a arguida nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida a apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(5) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .

Apreciando.

A Recorrente sustenta, ab initio, que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não foi analisada a questão atinente à falta de inspeção direta/vistoria no âmbito da comissão de avaliação, em clara violação dos artigos 14.º e 15.º do CIMI.

Atentando na petição inicial constata-se que a Recorrente no seu articulado, ainda que de forma conclusiva, alega no seu artigo 120.º o seguinte: “Por não terem sido alvo de inspecção directa/vistoria, sem qualquer razão objectiva, a comissão de avaliação, ao avaliar os lotes de terreno em questão, violou os artigos 14.º e 15.º do CIMI.”

E a verdade é que, atentando na decisão recorrida verifica-se, efetivamente, que inexiste pronúncia sobre o alegado, a qual representa uma questão autónoma e não se encontrava prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, face a todo o exposto, não tendo, como visto, a sentença tomado conhecimento da questão supra expendida e não resultando, outrossim, o conhecimento de tal questão prejudicada pelo conhecimento de outras, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito, relegando-se o seu conhecimento para fase ulterior.

Atentemos, ora, na arguida nulidade processual.

Como visto, a Recorrente advoga, desde logo, que o Tribunal a quo praticou nulidade processual decorrente da dispensa de prova testemunhal na medida em que, por um lado, deveria ter sido precedida de vista ao DMMP, e por outro lado, encontramo-nos perante um ato suscetível de influenciar a decisão da causa, o qual acarreta a anulação de todo o processado, em ordem ao consignado no artigo 195.º, nº2 do CPC.

Apreciando.

De harmonia com o consignado nos artigos 195.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

De relevar, outrossim, que as mesmas se subdividem em nulidades principais e nulidades secundárias, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.

Com efeito, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeita ao contemplado no artigo 199.º CPC.

Atentando nos aludidos normativos, retira-se como, é bom de ver, que a dispensa de prova testemunhal não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199º CPC(6).

No atinente ao alcance da expressão “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, visto que a lei não fornece uma definição para esse efeito, convoca-se o doutrinado por ALBERTO DOS REIS, o qual, a este propósito, tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela(7) “.

Mais importa ter presente que “ [o]legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109.(8)”

Ora, tendo presente os considerandos supra, ter-se-á de concluir no sentido da improcedência da aludida arguição, e isto porque o ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente.

Note-se que, no âmbito do processo judicial tributário compete ao juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.

O mesmo se diga quanto à prévia necessidade de vista ao DMMP, o qual, não obstante assumir uma função de garante e controlo da legalidade, não tem de pronunciar-se sobre um ato que está no arbítrio e discernimento do julgador. Ademais, o artigo 113.º do CPPT não está previsto e regulado para essas situações, mas, tão-só, para as situações de “conhecimento imediato do pedido”, em que não existe, tão-pouco, lugar à fase de alegações escritas, o que, conforme resulta do teor do despacho de dispensa de prova testemunhal, não sucede no caso vertente.

Assim, face a todo o exposto, improcede a arguida nulidade processual.

Atentemos, ora, na alegada violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.

Neste particular, defende a Recorrente que nos termos do artigo 265.º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, sendo que o seu incumprimento acarreta a violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.

Mais sublinhando que, a factualidade convocada pela Recorrente, em sede própria, era passível de prova testemunhal, relevante para a decisão de mérito e não estava cabalmente comprovada mediante a prova documental, razão pela qual deveria ter sido ordenada a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente, logo o seu incumprimento acarreta deficit instrutório com a competente anulação da decisão recorrida.

Porém, não lhe assiste razão. Senão vejamos.

De relevar, ab initio, que na senda do alegado pela Recorrente o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício e concreto deficit instrutório.

Com efeito, como doutrinado pelo Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº0289/11, de 16 de novembro de 2011: “[a]ntes do mais, poderíamos interrogarmo-nos se pode agora a Recorrente, que não interpôs recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, questionar em sede de recurso da sentença a falta da produção da prova testemunhal. Manifestamente, sim, não havendo sequer que averiguar aqui se aquele despacho é ou não necessário e se, a ser proferido, faz ou não caso julgado formal. (…)

Por outro lado, o Tribunal de recurso sempre pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (…).”

Atentemos, então, da bondade do alegado pela Recorrente, relevando, desde já, que não lhe assiste razão.

Como já evidenciado anteriormente, a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

Ora, in casu, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal porquanto entendeu que a realidade fática a que a Recorrente tinha manifestado intenção de produzir prova testemunhal mais não representa que “conclusões, que não a alegação de factos concretos”. E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, não só se validando, por um lado, tal entendimento como, por outro lado, atento o âmbito e extensão da presente lide -e conforme se analisará em sede própria- sempre a produção de prova testemunhal seria manifestamente irrelevante.

Aduza-se, em abono da verdade, que não se pode perder de vista tendo, natural e necessariamente, que ser valorado que as segundas avaliações visadas promanam e são executórias de decisões judiciais, logo limitam-se a dar cumprimento ao sentenciado, logo a prova testemunhal não pode abarcar realidade já abrangida pela autoridade do caso julgado, podendo, assim, afiançar-se que a inquirição das testemunhas não tem qualquer interesse para a decisão da causa.

Assim, tendo presente, como vimos, que a realização das diligências instrutórias pressupõem a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada relevante para a decisão da causa, e que, em ordem ao prosseguimento desse desiderato, no caso sub judice, a inquirição das testemunhas arroladas não se mostra útil, atendendo à natureza dos factos para cuja prova foram arroladas, por redundarem em meras conclusões e tendo presente, outrossim, que os autos reúnem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, conclui-se que a dispensa da produção de produção de prova testemunhal não acarretou qualquer violação do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo o Tribunal a quo atuado dentro dos meandros da lei sem que lhe possa ser apontado qualquer deficit instrutório.

Termos em que improcedem as alegações de recurso atinentes à dispensa de produção de prova testemunhal e às cominações a ela inerentes.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(9).

Sendo que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC(10).

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto, requerendo aditamentos por complementação, no entanto, nem sempre são cumpridos os requisitos contemplados no citado normativo.

Vejamos, então, cada uma das realidades alegadas per se.

A Recorrente requer o aditamento da seguinte factualidade:

1. Deveria ter sido dado por provado que as avaliações em causa respeitam aos lotes 2, 3, 19 e 20 da urbanização "Q…" - atenta a prova documental produzida, designadamente as notificações das avaliações e respectivas declarações modelo 1 de inscrição matricial.

2. Deveria ter sido dado por provado que as avaliações aqui em questão foram realizadas em 03.03.2015, conforme resulta dos respectivos termos de avaliação.

3. Também deveria ter ficado provado que “estas avaliações diferem das anteriores avaliações dos mesmos lotes no que concerne ao coeficiente de localização (Cl)”.

4. A pendência de execução de julgados a correr termos sob o nº 17…/08.2BECTB, deveria constar como matéria de facto provada, em conformidade com a respetiva cópia da decisão judicial, junta à p.i. como doc. 5.

5. Deveria estar contemplado como facto provado, em conformidade com o que resulta dos termos de avaliação, que “a comissão de 2 avaliação não fez vistoria/inspecção directa aos lotes de terreno em causa”.

6. O mesmo sucedendo quanto à origem, devendo ficar consignado no probatório, que “As avaliações aqui em questão reportam-se a declarações modelo 1 originariamente apresentadas pela Quinta da C… em 04.05.2004, data em que os lotes de terreno ainda eram propriedade da mesma” conforme resulta das cópias das respetivas declarações, juntas aos autos, para além de se tratar de matéria de facto não controvertida.

7. E em conformidade com o documento 6 junto com a p.i., ficar consignado como facto assente que “Tendo a Quinta da C… apresentado, em 04.04.2005, ao abrigo do artigo 76 do CIMI os pedidos de segunda avaliação.”

8. “No processo avaliativo (incompleto, como se disse) foram juntas cópias dessas escrituras públicas de venda, não lhes tendo contudo sido dado qualquer relevo, conforme resulta desse procedimento administrativo. Esta factualidade, provada documentalmente e não controvertida, é relevante para a decisão de mérito, pelo que deveria ter sido conduzida ao probatório, enquanto matéria de facto provada.”

9. A comissão de avaliação que esteve na génese das avaliações ora em crise não atendeu minimamente aos valores de mercados dos 4 lotes de terreno à data a que se reportam as avaliações - contrariando inclusivamente a doutrina veiculada pela própria AT — Direcção de Serviços de Avaliações no seu manual de "Instruções para os Serviços e Peritos Avaliadores", de 15 de Abril de 2009, o que deveria ficar consignado como factualidade provada face ao teor do doc. 7 junto à p.i.

10. O artigo 10…. (lote 20) foi vendido pelo preço de Euro 218.224,04, a M… e C…, conforme consta da respectiva escritura de venda, celebrada em 20.10.2006 (cfr. doc. 8 junto à p.i. e k) dos factos provados).

Este lote de terreno foi vendido, pois, por menos de 1/3 do VPT que lhe foi atribuído.

11. O artigo 103… (lote 2) foi vendido pelo preço de Euro 257.600,00, à C…, Lda., conforme consta da respectiva escritura de venda, celebrada em 22.11.2006 (cfr. docs. 11, 12 e 13 juntos à P1). Esta matéria de facto, porque manifestamente relevante para a decisão de mérito, deve ser aditada ao probatório, enquanto matéria de facto provada.

12. O artigo 103… (lote 3) foi vendido pelo preço de Euro 362.250,00, também à C…, Lda., conforme consta da respectiva escritura de venda, celebrada em 22.11.2006 (cfr. docs. 14, 15 e 16 juntos à P1). Também esta matéria de facto, porque manifestamente relevante para a decisão de mérito deve ser aditada ao probatório, enquanto matéria de facto provada.

13. O artigo 10… (lote 19) foi vendido pelo preço de Euro 402.500,00, a Má…, conforme consta da respectiva escritura de venda, celebrada em 20.10.2006, (cfr. doc. 17, 18 e 19 juntos à p.i.). Também esta matéria de facto, porque manifestamente relevante para a decisão de mérito, deve ser aditada ao probatório, enquanto matéria de facto provada.

Vejamos, então.

Quanto aos três primeiros factos que a Recorrente requer o seu aditamento, e ainda que inexista uma menção clara de qual o teor do facto a constar na factualidade, o que, per se, obstava, desde logo, ao cumprimento dos requisitos mencionados no citado artigo 640.º do CPC, sempre se dirá que não se vislumbra a necessidade de qualquer aditamento por complementação, desde logo, face ao teor dos factos enunciados em d) a g), sendo certo que são realidades fáticas não controvertidas os prédios urbanos objeto de avaliação.

Ademais, é conclusiva a menção constante em 3), sendo que o tem de constar no probatório é o teor da demonstração de cálculo do VPT, para depois o Tribunal retirar as devidas conclusões, realidade que, como visto, se encontra contemplada no probatório nas evidenciadas alíneas.

Face ao exposto, improcede, assim, o aludido aditamento.

Prosseguindo.

No atinente à expressa consignação da factualidade atinente à execução de julgados, a mesma encontra-se prejudicada uma vez que o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição já procedeu ao aditamento que reputou conveniente para o efeito e concatenado com a pendência da aludida ação, e desfecho da mesma.

No concernente, ao ponto 5), entende a Recorrente que deveria estar contemplado como facto provado, em conformidade com o que resulta dos termos de avaliação, que “a comissão de 2ª avaliação não fez vistoria/inspecção directa aos lotes de terreno em causa”, contudo, para além de tal alegação redundar em alegação eminentemente conclusiva, a verdade é que, face à natureza executória das segundas avaliações, e conforme analisaremos em sede própria, tal factualidade não reveste relevo para a presente lide, improcedendo, assim, o aludido aditamento.

Relativamente aos pontos 6) e 7), à semelhança do já evidenciado para a factualidade contemplada em 4), a mesma encontra-se prejudicada na medida em que já foram realizadas as competentes alterações, sendo certo que, sempre se dirá que as mesmas não cumpriam os requisitos contemplados no citado artigo 640.º do CPC.

Atentemos, ora, nos pontos 8) e 9), os quais se coadunam com as escrituras públicas e bem assim com a circunstância de não terem sido atendidos os Valores de Mercado.

No atinente ao ponto 8), não se encontram, desde logo, reunidos os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, na medida em que não é avançada qualquer redação do facto cujo aditamento se pretende realizar, nem a devida evidenciação do respetivo meio probatório, não bastando, para o efeito, uma evidência genérica a cópias de escrituras genéricas(11). Ademais, atento o âmbito e delimitação da presente lide e conforme analisaremos infra, tal realidade fática não releva para o dissídio em questão.

Idênticas observações se extraem quanto ao ponto 9), sendo certo que pese embora inexista qualquer redação do facto a aditar, atento o nela explanado a mesma sempre seria eminentemente conclusiva, logo insuscetível de integrar o probatório. De relevar, outrossim, que a evidência de doutrinas administrativas consolidadas num “Manual de Instruções” carece de relevância para a apreciação do mérito da causa.

In fine, e quanto aos factos elencados em 10) a 13), e ainda que, mais uma vez, a Recorrente não concretize com a devida substanciação a roupagem dos factos que pretende que sejam aditados, existindo, inclusive, assunções fáticas eminentemente conclusivas e valorativas, mormente, coadunadas com as conclusões advenientes dos valores de venda se terem materializado em pelo “menos de 1/3 do VPT que lhe foi atribuído”, tais asserções, face à delimitação da lide e à figura da autoridade do caso julgado -e conforme analisaremos infra- não assumem relevo para a presente lide recursiva.

E por assim ser, improcedem, na íntegra, as visadas alterações ao probatório.


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto não cumpriu o julgado anulatório, na medida em que a anulação judicial da segunda avaliação deveria ter determinado a realização de um novo procedimento de avaliação, e não a elaboração de uma nova segunda avaliação.

Com efeito, aduz a Recorrente que deveria ter sido repetida a primeira avaliação, o que não sucedeu no caso vertente, pois a Recorrente apenas foi notificada de novas segundas avaliações, delas apenas podendo deduzir impugnação judicial, sendo que só dessa forma estaria devidamente executada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco e bem assim o Aresto do STA que a confirmou.

Mais advoga que em ordem ao consignado nos artigos 100.º da LGT e 173.º nº1, e 2 do CPTA, ex vi artigo 146.º nºs 1 e 2 a AT estava obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se os atos tributários judicialmente anulados não tivessem sido praticados.

Ora, vejamos.

Para cabal apreciação da questão é imperioso convocar a realidade fática que antecedeu à realização dos atos impugnados, competindo analisar o âmbito e extensão das decisões judiciais que determinaram a sua prolação.

Vejamos, então.

Na sequência da aquisição dos lotes de terreno para construção inscritos como prédios urbanos na matriz da freguesia de Santa Maria, concelho da Covilhã sob os artigos 10…, 10…, 10…, 10…, a Recorrente apresentou a 04 de maio de 2004, as respetivas declarações Modelo 1.

Em resultado do supra aludido, foram realizadas as respetivas avaliações, cuja inconformação motivou o pedido de segundas avaliações, os quais não lograram o efeito pretendido, tendo sido mantidos os valores dos VPT anteriormente fixados, o que motivou a dedução de impugnação judicial, a qual correu termos com o número de processo nº 17…/08, tendo a 28 de setembro de 2011, sido prolatada sentença que julgou procedente a impugnação judicial, por errónea interpretação da lei e em consequência foi determinado a anulação das avaliações efetuadas, condenando a AT “à sua substituição por outras conformes à lei aplicável.”.

Com efeito, atentando pormenorizadamente na aludida decisão judicial verifica-se que a mesma analisou individualmente os seguintes vícios: i) Do desajustamento entre os valores tributários e os valores de mercado ii) Da violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva iii) Irregularidades da comissão de avaliação e iv) Falta de fundamentação no coeficiente de localização aplicado, tendo depois concluído pela “procedência da impugnação em razão do que devem as avaliações em questão ser anuladas e realizadas outras em substituição conformes à legislação aplicável nos moldes expostos.”

Os três primeiros vícios foram julgados, totalmente, improcedentes, apenas tendo logrado provimento a questão atinente ao coeficiente de localização, com a fundamentação que infra se reproduz:
“Disserta, por fim, a autora acerca da falta de fundamentação do coeficiente de localização encontrado e aplicado, 1,32. Ora, para além das circunstâncias que entendeu ficarem por explicar haverá que apurar se foi legal a exclusão da aplicabilidade da Portaria nº 1022/2006, de 20/09, expressamente referida pelos peritos na reunião da comissão da segunda avaliação que teve lugar. Atenda-se, ainda, que as segundas avaliações foram todas elas requeridas antes da entrada em vigor da aludida portaria mas decididas já em momento posterior ( 01/04/2005 e 29/06/2005 e 24/10/2007). A Portaria nº 1022/2006, publicada em 20/09, alterou o zonamento dos coeficientes de localização e da percentagem dos terrenos para construção, designadamente reduzindo aquele que anteriormente estava definido para os prédios urbanos da freguesia de Santa Maria, concelho da Covilhã como coeficiente 1,32 para coeficiente 1,20. Vejamos: Verifica-se o cumprimento por parte da autora da obrigação legal de proceder à entrega do modelo 1 de IMI para efeitos de avaliação dos imóveis que lhes advieram à sua propriedade. Tal avaliação teve lugar em conformidade com as disposições aplicáveis do CIMI, designadamente art. 37º e seguintes de tal diploma legal. Aqui salienta-se o nº 4 do art. 37º que refere que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição do prédio na matriz. Esta ocorre, em conformidade com o disposto no art. 13º da CIMI, quando o sujeito passivo comunica, no prazo de 60 dias a contar do facto que consubstanciou uma nova titularidade ou existência objectiva. Nessa conformidade, e com os coeficientes de localização vigentes à data – 1,32 para o caso dos prédios urbanos sitos na freguesia de Santa Maria do concelho da Covilhã – foi fixado o valor patrimonial dos quatro imóveis de que é proprietária a autora e que resultam enunciados na matéria assente. Discordando dos valores fixados procedeu a impugnante ao pedido de realização de uma segunda avaliação, Esta segunda avaliação tem lugar em 24/10/2007 mantendo os valores definidos na primeira avaliação, designadamente por aplicação do mesmo coeficiente de localização que anteriormente fora aplicado porque vigente de acordo com o contido nas portarias nº 982/2004 e 1426/2004. Sucede que, desde 21/09/2006, vigoravam novos coeficientes de localização por alteração dos zonamentos dos prédios urbanos sitos na freguesia de Santa Maria, concelho da Covilhã por via da entrada em vigor da já mencionada Portaria nº 1022/2006, de 20/09. No art. 5º desta portaria refere-se que a mesma é aplicável a partir do dia seguinte ao da sua publicação e aplica-se a todos os prédios urbanos cujas declarações modelo 1 a que se referem os arts. 13º e 37º do CIMI sejam entregues a partir dessa data. Ressalva, porém, o artigo subsequente que nos casos de revisão dos coeficientes de localização, ao abrigo do disposto no art. 26º do preâmbulo do CIMI, desde que as alterações aprovadas pela portaria sejam mais favoráveis, o novo zonamento e os novos coeficientes de localização são de aplicação retroactiva, originando a repetição das avaliações efectuadas. Este art. 26º estabelece a respeito da revisão dos elementos aprovados pela CNAPU remetendo para o art. 62º, nº 1, al. a) e b) do próprio Código. Perscrutando este preceito legal, refere-se o mesmo à propositura pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos de novos coeficientes de localização e zonamento a aplicar em cada município. Retornando, então, à Portaria, emanou esta de proposta de alteração dos aludidos coeficientes de zonamento e localização. O que cabe neste momento ao Tribunal é avaliar, então, se a invocada falta de fundamentação a que se refere a impugnante está, com efeito, verificada na apreciação do seu requerimento de segunda avaliação posto que à data em que ocorre está a ser aplicado coeficiente de localização inferior a imóveis análogos aos seus. Parece de facto ter existido por parte de quem presidiu à segunda avaliação, quem a validou e manteve os valores nele definidos uma violação do comando legal que o legislador claramente quis transmitir com a portaria. Pretendeu a excepcional aplicação retroactiva dos coeficientes definidos pela Portaria 1022/2006, quando se mostrem mais favoráveis aos contribuintes, dando mesmo lugar a repetição de avaliações já efectuadas. Por maioria de razão deveria a Comissão de avaliação ter atendido a tal intenção uma vez que estava em curso uma avaliação, dando cumprimento ao que o legislador pretendeu com uma interpretação conforme e não contrária à própria norma como é o caso. Conclui-se, pois, pela procedência da impugnação em razão do que devem as avaliações em questão ser anuladas e realizadas outras em sua substituição conformes à legislação aplicável nos moldes expostos.” (destaques e sublinhados nossos).

Contemplando o seu dispositivo o seguinte teor: “(…)julga-se procedente a impugnação judicial, condenando-se a Fazenda Pública em consequência do que se anulam as avaliações / liquidações efectuadas e se condena à sua substituição por outras conformes à lei aplicável.”

Por seu turno, na sequência de interposição de recurso jurisdicional por parte da Fazenda Pública, para o STA, na qual foi, exclusivamente, questionada “a aplicação retroactiva (que a decisão recorrida entendeu dever ser de efectuar) do factor coeficiente de localização, por tipo de afectação, consagrado no anexo III da portaria nº 1022/2006 de 20 de Setembro” foi mantida a decisão recorrida, mediante Acórdão prolatado a 14 de junho de 2012, extratando-se na parte que para os autos releva, o seguinte:

“(…)
Uma vez que no anexo II da aludida portaria se prevê para o Município da Covilhã (onde se situam os imóveis habitacionais avaliados) um coeficiente de localização máximo de 1,20 verifica-se que foi reduzido o coeficiente que anteriormente estava definido para os prédios urbanos da freguesia de Santa Maria, concelho da Covilhã que era de 1,32.
Cremos pois que tem lugar a aplicação retroactiva da portaria 1022/2006 de 20/09 ao caso dos autos pelas seguintes razões:
Por as alterações introduzirem um coeficiente de localização mais favorável ao sujeito passivo.
Por o anexo III da portaria prever o local onde se situam os imóveis avaliados.
Por
as alterações de coeficientes serem alheias ao caso concreto em análise resultando da iniciativa da CNAPU ditada por errada qualificação ou quantificação, conclusão adquirida, não pelo caso concreto dos autos, mas com base nos elementos fornecidos pelos serviços competentes da Direcção Geral dos Impostos a coberto da previsão legal do nº 2 do artº 26º do D.L. 287/03 de 12/11.
Aqui chegados, e salvo o devido respeito, não tem qualquer razão a recorrente ao pretender efectuar a interpretação do preceito acabado de referir como impondo uma errada qualificação ou quantificação concretizada na situação dos autos como implicitamente se infere do teor da conclusão de recurso 13ª.

Também não se vê qualquer razão para efectuar uma interpretação restritiva no sentido de que a aplicação retroactiva da portaria só é de conceder aos casos de “ errada qualificação ou quantificação” dos elementos referidos nas alíneas a) e b) do artº 62ºdo CIMI ficando de fora os casos de “zonamento desactualizado” previstos no nº 2 do mesmo preceito. A portaria a que nos vimos referindo pretendeu abranger as três situações como expressamente nas suas motivações exprimiu:
“Com a publicação do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu-se à reforma da tributação do património, sendo aprovados os novos Códigos do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

O sistema de avaliação dos prédios urbanos instituído pela reforma da tributação do património ficou concluído com a publicação das Portarias n.ºs 982/2004 e 1426/2004, respectivamente de 4 de Agosto e de 25 de Novembro, nas quais foram aprovados, e dada publicidade, designadamente o zonamento e os coeficientes de localização previstos no artigo 42.º do CIMI.
Decorridos cerca de 19 meses e estando avaliados mais de um milhão de prédios urbanos, a Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU), no âmbito das suas competências, veio desenvolvendo estudos no sentido da melhoria do sistema de avaliação do património, designadamente apreciando as reclamações e propostas de alteração ao zonamento que entretanto foram apresentadas por peritos avaliadores, municípios ou contribuintes, ao abrigo do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e do artigo 62.º do CIMI.
Considerando que do resultado desse trabalho se evidenciam situações que configuram, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, uma errada qualificação ou quantificação dos elementos referidos nas alíneas a) e b) do artigo 62.º do CIMI, ou situações que, encontrando-se o zonamento desactualizado, se enquadram no n.º 2 do artigo 62.º do CIMI, importa pois proceder às correcções necessárias (…).
Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
a)O nº 34 do artº 37º do CIMI estipula que “ A avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição do pedido na matriz”.
b)A portaria 1022/2006 de 20/09 consente aplicação retroactiva como resulta do seu nº 6, verificadas que sejam as condições ali previstas.
c)A dita portaria aplica-se ao caso dos autos em que a declaração modelo 1 de IMI foi apresentada em 04/05/2004 porquanto:
1-As alterações introduzirem um coeficiente de localização mais favorável ao sujeito passivo.
2-O anexo III da portaria prevê o local onde se situam os imóveis avaliados.
3-As alterações de coeficientes serem alheias ao caso concreto em análise resultando da iniciativa da CNAPU ditada por errada qualificação ou quantificação, conclusão adquirida, não pelo caso concreto dos autos, mas com base nos elementos fornecidos pelos serviços competentes da Direcção Geral dos Impostos a coberto da previsão legal do nº 2 do artº 26º do D.L. 287/03 de 12/11.
Assim sendo,
a decisão recorrida que fez aplicação retroactiva da citada portaria de 20/09/2006 merece confirmação.” (destaques e sublinhados nossos).

Ulteriormente, após trânsito em julgado da decisão recorrida foi deduzida ação de execução de julgado anulatório, peticionando a Exequente, ora Recorrente, “a condenação da executada a (i) anular as avaliações fiscais referentes aos lotes de terreno, destinados a construção urbana, inscritos na matriz predial respectiva, da freguesia de Santa Maria, sob os artigos 10…, 10…, 10… e 10…, no valor total de € 2.751.210,00 e, consequentemente, a (ii) pagar à Exequente a quantia de € 32.908,17, acrescida de juros de mora vincendos, até integral e efectivo pagamento, com custas e procuradoria e as demais consequências legais.”, o que logrou o provimento expendido em 9).

Ora, uma vez analisado o percurso e as decisões que antecederam e fundamentaram os atos impugnados, importa, então, responder se a executoriedade do dirimido judicialmente, acarretava a emissão de novo procedimento de avaliação, ou se, conforme ajuizado pelo Tribunal a quo passa, tão-só, pela emissão de novas segundas avaliações.

E, de facto, in casu, ajuizamos que o dever que a AT ficou constituída por efeito da anulação do ato administrativo se coaduna com a emissão dos atos, ora, impugnados expurgados do vício legal, e não com a emissão, como propugna a Recorrente, de um novo procedimento de avaliação.

Note-se que, tal é o que resulta do regime constante no artigo 100.º, nº1 da LGT, mostrando-se, outrossim, conforme com o consignado no artigo 173.º, nº1 do CPTA, o qual preceitua que: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

Como doutrinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha(12), em anotação ao aludido artigo 173.º do CPTA:

“os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos:

(a) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação;

(b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava;

(c) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas”

Com efeito, no caso sub judice, a emissão dos atos de segunda avaliação em contenda representa, efetivamente, o cumprimento do julgado na exata extensão do ordenado judicialmente.

E isto porque, conforme expendido anteriormente, o Tribunal a quo ordenou a anulação das avaliações sub judice e condenou-independentemente da bondade ou do respetivo acerto condenatório no âmbito de um processo de impugnação judicial- à realização de outras em sua substituição conformes à legislação aplicável e de acordo com o dirimido, como visto, que respeitassem a aplicação retroativa do coeficiente de localização dimanante da Portaria 1022/2006, de 20 de setembro, ou seja, que passasse a contemplar o coeficiente de localização de 1,20, em vez do coeficiente de localização 1,32.

No fundo, o Tribunal condenou a AT a praticar um ato administrativo com determinado conteúdo, e foi, exatamente, isso que a AT realizou conforme se pode aquilatar dos resultados de segunda avaliação cuja demonstração do cálculo do VPT atesta o expurgo do coeficiente reputado ilegal (1,32), e a aplicação do coeficiente que, judicialmente, foi declarado legal (1,20).

Aliás, a própria Recorrente anui, na sua petição inicial, mormente, no artigo 5.º que foi alterado o item reputado ilegal, o que entende é que a extensão do julgado anulatório acarretaria o retomar de todo o procedimento de avaliação, o que, como visto, não se compadece com a realidade sindicada no caso vertente. De todo o modo, sempre se dirá que mesmo que se equacionasse tal preterição de formalidade essencial a mesma degradar-se-ia em não essencial, na medida em que, como veremos, todas as questões atinentes à avaliação propriamente dita, e “aos parâmetros avaliativos” porque direta e expressamente analisadas na decisão prolatada no processo nº 17…/08, estão cobertas pela autoridade do caso julgado, não podendo, nessa medida, acarretar um conteúdo avaliatório diferente.

De salientar, in fine, que em nada pode relevar, neste e para este efeito, quaisquer instruções administrativas dimanantes da própria AT, não só porque as mesmas não são vinculativas, como têm caráter genérico carecendo, naturalmente, da aferição casuística do que foi dirimido judicialmente. Note-se que, a AT está vinculada a cumprir as decisões judiciais nos moldes e exatos termos em que os mesmos foram julgados, pelo que, face a todo o expendido anteriormente, inexiste a aduzida violação do princípio da boa fé, segurança jurídica, proteção da confiança e das legítimas expetativas dos contribuintes.

De enfatizar a final que, contrariamente ao alegado pela Recorrente tal entendimento em nada coarta quaisquer garantias processuais, mormente, as dimanantes do convocado artigo 76.º do CIMI, e isto porque, conforme já evidenciado e analisaremos infra, estando, aliás, em conformidade com o artigo 173.º do CPTA, a prática do novo ato administrativo, tem de respeitar os limites ditados pela autoridade do caso julgado, não podendo, nessa medida, a Recorrente sindicar realidades que já foram decididas e que se encontram consolidadas na ordem jurídica.

E por essas mesmas razões, inexiste qualquer violação dos artigos 14.º e 15.º do CIMI, -ainda que a Recorrente não o substancie, com o devido rigor e cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica-na medida em que as segundas avaliações ao representarem a execução do julgado dirimido no âmbito do processo nº 17…/08, não teriam de ser precedidas de qualquer prévia inspeção direta/vistoria, e isto porque, como visto, a única pretensão que logrou provimento no aludido processo de impugnação judicial nº 17…/08 e já devidamente densificado anteriormente, coadunou-se, tão-só, com a errada aplicação do coeficiente de localização, tendo sido julgados integralmente improcedentes todos os demais vícios alegados-os quais não foram sindicados em tempo e em sede própria pela Recorrente-, razão pela qual nada foi imposto -e bem- no sentido das segundas avaliações serem precedidas dessas formalidades.

E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as aludidas preterições de formalidades arguidas pela Recorrente.

Prosseguindo.

A Recorrente sustenta, igualmente, que existe erro de julgamento de direito, na medida em que foi alegado o desfasamento do VPT com o valor de mercado e a avaliação não teve em consideração essa realidade, não computando o método comparativo dos valores de mercado, porém não lhe assiste razão, desde logo, porque como evidenciado anteriormente a questão da distorção do valor de mercado já foi analisada no âmbito do processo nº 17…/08, no sentido da improcedência, sem sindicância da Recorrente, estando, por isso, coberta pela autoridade do caso julgado.

Explicitemos, então, porque assim o entendemos.

De harmonia com o consignado no artigo 619.º, nº 1, do CPC, transitada em julgado a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, ficando, assim, a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro do processo e fora nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC, e sem prejuízo do consignado nos artigos 696.º a 702.º do CPC. É o que se designa por caso julgado material.

Dir-se-á, portanto, que a nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão, logo o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado conforme decorre do artigo 628.º do CPC.

Daí que ao caso julgado material sejam atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva, coadunada com a autoridade do caso julgado e uma função negativa consubstanciada na exceção do caso julgado(13).

Com efeito, a função negativa do caso julgado, como visto, traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão, opera por via da exceção dilatória do caso julgado, nos termos previstos nos artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º todos do CPC, impedindo, por conseguinte, que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

Neste particular doutrina TEIXEIRA DE SOUSA(14) que “ a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” acrescentando ainda que “quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

Verifica-se, assim, o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580.º nº1, in fine, do CPC). Preceituando, por isso, o artigo 581.º do CPC quanto aos requisitos do caso julgado que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1), havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4).

No concernente ao alcance do caso julgado, diz o artigo 621.º do CPC que:a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Sublinhando, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”(15).

Feitos estes considerandos de direito, e transpondo os mesmos para o caso vertente ter-se-á de concluir que a questão inerente ao desfasamento do valor de mercado se encontra coberta pela autoridade do caso julgado, não podendo este Tribunal, naturalmente, contrariar o que anteriormente foi dirimido e que se encontra consolidado na ordem jurídica.

É certo que este Tribunal não descura que inexiste plena identidade do âmbito das lides e dos pedidos, porquanto os atos de avaliação são distintos, porém, como já evidenciado anteriormente, a figura da autoridade do caso julgado não carece da aludida identidade, como expressamente evidencia o Aresto do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 23201/17, datado de 11 de outubro de 2018(16).

Como doutrinado no Aresto do TCAS, proferido no processo nº 013409/16, datado de 02 de agosto de 2016:

“Em geral, a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração a obrigação de desenvolver uma actividade de execução com a finalidade de pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão anulatória, obrigação que, de acordo com o disposto no art. 173º n.º 1, do CPTA, subdivide-se em dois deveres concretos:- dever de respeitar o julgado, conformando-se com as limitações que dele resultam para o eventual exercício dos seus poderes [efeito preclusivo, inibitório ou conformativo], e- dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado [efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo].

II - O respeito pelo caso julgado significa que a Administração, a repetir o acto anulado, terá de o fazer desprovido da(s) ilegalidade(s) que motivou(aram) a anulação, não podendo reincidir nessa(s) ilegalidade(s) - pois o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos determina-se pelo(s) vício(s) que fundamentou(aram) a decisão -, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. art. 133º n.º 2, al. h), do CPA de 1991/art. 161º n.º 2, al. i), do CPA de 2015, e arts. 158º n.º 2 e 179º n.º 2, ambos do CPTA).

III - A imutabilidade da decisão judicial em que se caracteriza a autoridade de caso julgado significa que, apreciada uma causa de invalidade, o tribunal fica obrigado a aplicar, dentro do processo e fora dele, a decisão tomada (cfr. art. 619º n.º 1, do CPC de 2013).” (destaque e sublinhado nosso).

No mesmo sentido, se prolatou, neste Tribunal, no âmbito do processo nº 629/05, de 17 de janeiro de 2021, segundo o qual “A autoridade daquela decisão, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra decisão(17).”

Logo, “a imutabilidade da decisão judicial em que se caracteriza a autoridade de caso julgado significa que apreciada uma causa de invalidade - seja no sentido da procedência seja no sentido da improcedência -, o tribunal fica vinculado a aplicar a decisão tomada, mesmo em distintas controvérsias que perante ele venham a ser colocadas [cfr. art. 619º n.º 1, do CPC de 2013 (“Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (…)”)].(18)” (destaque e sublinhado nosso).

Assim, por forma a, casuisticamente, se aferir da imposição da decisão de mérito proferida no processo nº 17…/08, como pressuposto inegável, na presente lide, é basilar a convocação da fundamentação jurídica constante no mesmo, transcrevendo-se, ora, o que sobre essa questão foi decidido:

“DO DESAJUSTAMENTO ENTRE OS VALORES TRIBUTÁRIOS E OS VALORES DE MERCADO

Principia a autora a sua impugnação com a imputação de um grave desajustamento de valores entre aquele que é definido como o patrimonial tributário e o real de mercado, variando este último entre ½ e 1/3 do primeiro. Em seu abono cita os princípios enformadores da própria reforma da tributação do tributário e ensaia a sua demonstração por via testemunhal. Ora, não deixando o Tribunal de ser sensível às discrepâncias que podem efectivamente ocorrer entre os mencionados valores, designadamente em períodos de quebra do mercado imobiliário, a verdade é que “dura lex sede lex”. Ou seja, independentemente da sua justeza para definição do valor patrimonial para efeitos tributários em determinado momento são atendidos a critérios objectivos e previamente fixados pelo legislador. Com efeito, o art. 38º do CIMI enumera a título taxativo e vinculativo os critérios segundos os quais se tem que pautar a comissão de avaliação que é encarregue de proceder à avaliação de determinado imóvel. São eles o valor base dos prédios edificados, a área bruta de construção mais a área excedente a área de implantação, o coeficiente de afectação, o coeficiente de localização, o coeficiente de qualidade e conforto e o coeficiente de vetustez. Tais critérios são atendidos de acordo com parâmetros previamente definidos e balizados e a sua ponderação é efectuada em conformidade com a fórmula descrita no nº 1 do citado art. 38º do CIMI. Em face do exposto, e pesembora o projecto intencional do legislador fosse o de “aproximar” o valor patrimonial tributário do valor real de mercado, o mesmo não veio a ser traduzido expressamente enquanto tal. Falece, pois, este fundamento da impugnação.”

Ora, face ao exposto, por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no processo (17…/08), na medida em que a questão de direito e de facto ali apreciada e decidida atinente ao valor de mercado, é a mesma que a Recorrente aqui pretende ver apreciada e discutida. Dito de outro modo, a decisão proferida no processo 17…/08 abrange os mesmos fundamentos de facto e de direito que a suportam, donde seria posta em causa, se de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo (19).

Sublinhe-se, mais uma vez, que as segundas avaliações, ora, realizadas mais não representam que a execução material do decidido judicialmente, logo as questões de facto e de direito nela decididas encontram-se consolidadas e cobertas pela autoridade do caso julgado, não podendo, assim, determinar a reabertura de discussão de contenciosa, razão pela qual não se vislumbra, de todo, que a AT tenha violado o inquisitório e a descoberta da verdade material.

No fundo, se, como visto, o tribunal anulou e condenou a AT a praticar um ato administrativo com determinado conteúdo, o que a Recorrente pode sindicar é se foi praticado ato com conteúdo diferente, em rigor, o que a Recorrente pode sindicar é um incorreto cumprimento do julgado, donde se foi aplicada, adequada, acertada e retroativamente a Portaria nº 1022/2006, de 20 de setembro e, por conseguinte, respeitado o coeficiente de localização reputado legal, a saber, 1,20, podendo, outrossim, sindicar, eventuais vícios atinentes ao decurso dessa avaliação que permitam inferir um desrespeito da aludida lide judicial. Logo, como é bom de ver, não pode reabrir-se a possibilidade de discussão dos vícios já analisados e reportados à mesma realidade fática.

Note-se que de acordo com o disposto no artigo 635º n.º 5, do CPC “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”(20).

Como expendido, em Aresto já citado do TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 13409/16:

“as questões invocadas nas conclusões III a X, das alegações de recurso (suficiência da fundamentação consistente na oposição do Tribunal de Instrução Criminal à concessão de autorização à entrevista, conjugada com o disposto no art. 75º n.º 5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, e existência de segredo de justiça), já foram apreciadas na sentença exequenda de 27.2.2015, a qual transitou em julgado, pelo que não podem ser novamente apreciadas, pois, como acima referido, a imutabilidade da decisão judicial em que se caracteriza a autoridade de caso julgado significa que, apreciada uma causa de invalidade, o tribunal fica obrigado a aplicar, dentro do processo e fora dele, a decisão tomada (cfr. art. 619º n.º 1, do CPC de 2013).

Se a recorrente considerava que o decidido na sentença de 27.2.2015 era desconforme com o direito, deveria, oportunamente, ter interposto recurso jurisdicional da mesma. Não o tendo feito, deixando transitar em julgado tal decisão, não pode vir agora discutir questões relativas a matéria sobre a qual se formou caso julgado.” (destaques e sublinhados nossos).

E por assim ser, a autoridade daquela sentença, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, devendo, nessa medida, validar-se a improcedência decretada pelo Tribunal a quo, ainda que com a presente fundamentação.

O mesmo sucede no atinente à alegada violação do princípio da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da igualdade.

Senão vejamos.

No concernente à aludida violação dos princípios constitucionais basilares, consta na decisão proferida no processo nº 17…/08, o seguinte:

“DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, PROPORCIONALIDADE E CAPACIDADE PRODUTIVA Na sequência do antecedente fundamento, entende a impugnante que pela circunstância de o valor patrimonial tributário se distanciar enormemente do valor real pelo qual foram efectivamente transaccionados os imóveis, foram infringidos princípios constitucionais basilares a que a Administração Fiscal se encontrava adstrita. Apelando aqui ao que acima se referiu, a Administração Fiscal actuou de acordo com os critérios que se lhe impunha aplicando a invocada fórmula. Mais, recordando que tais princípios em matéria fiscal se reconduzem a um necessário tratamento de igual forma aos cidadãos / contribuintes que se encontrem em igualdade de circunstâncias, efectuando interpretações para situações de natureza tributária que se mostrem em tudo idênticas e proporcionais entre si. Neste mesmo sentido podem ver-se, entre outros Os Senhores Professores Glória Teixeira e José Casalta Nabais. A tese da autora mostra-se, pois, desprovida de fundamentação nessa medida não se vislumbrando tais ofensas de direitos perante a lei fiscal aplicável.”

E, portanto, reiterando e dando por reproduzido o já evidenciado quanto à autoridade do caso julgado, ter-se-á de concluir no sentido da improcedência do aludido vício.

De relevar, neste particular, que pese embora inexista uma expressa alusão ao princípio da justiça, a verdade é que atentando no supra expendido, concatenado com o âmbito e extensão deste princípio, particularmente, face ao desdobramento com a igualdade e a proporcionalidade-aliás, essa violação foi abordada, desde logo, com essa linha de desdobramento, conforme resulta dos artigos 77.º da p.i. e 112.º das alegações- ter-se-á de inferir que o mesmo congrega a sua improcedência, porquanto, como visto, é ajuizado que “a Administração Fiscal actuou de acordo com os critérios que se lhe impunha aplicando a invocada fórmula”, e a verdade é que a Recorrente conformou-se com tal improcedência, fazendo com que a questão se encontre consolidada na ordem jurídica.

Note-se que, “[a] justiça é perspectivada para além da mera legalidade, enquanto dever que impende sobre a administração pública desdobrando-se a ideia de justiça nas vertentes da igualdade e da proporcionalidade, ou seja, num «somatório de todos os outros princípios gerais de direito(21) »”. “Daqui decorre a possibilidade de serem invalidados os actos que colidam de modo gravoso e censurável com princípios basilares como a boa fé e a tutelada confiança, por uma questão de justiça material (decisão legal e justa) (22).”

Mantém-se, assim, o juízo de improcedência decretado pelo Tribunal a quo, com a presente fundamentação.

Prosseguindo.

Analisemos, ora, a arguida errada ponderação dos coeficientes de localização, qualidade e conforto e afetação.

No concernente à aludida errada ponderação dos citados coeficientes, atenta a natureza do prédio urbano em contenda, ainda que no atinente aos coeficientes de qualidade, conforto e afetação inexista uma expressa apreciação da questão no sentido da inclusão desses coeficientes no cômputo de determinação dos VPT dos terrenos para construção, a verdade é que aquiesceu-se a sua validação, na medida em que é evidenciado que “o art. 38º do CIMI enumera a título taxativo e vinculativo os critérios segundos os quais se tem que pautar a comissão de avaliação que é encarregue de proceder à avaliação de determinado imóvel. São eles o valor base dos prédios edificados, a área bruta de construção mais a área excedente a área de implantação, o coeficiente de afectação, o coeficiente de localização, o coeficiente de qualidade e conforto e o coeficiente de vetustez .” e que foi essa a fórmula adotada para o seu cálculo. Ou seja, o Tribunal entendeu como ponto assente e não controvertido a aplicação da aludida fórmula para o caso em contenda, e que a mesma não enfermava de qualquer ilegalidade-questão, como visto, não sindicada pela, ora, Recorrente e por isso consolidada na ordem jurídica, note-se que não obstante o ganho da ação a Recorrente poderia/deveria ter sindicado a improcedência desses fundamentos, mormente, ampliando o objeto do recurso- ressalvada apenas a questão da concreta aplicação do coeficiente de localização, a qual motivou a anulação dos atos anteriormente impugnados e a sua substituição pelos atos, ora, impugnados expurgados da sentenciada ilegalidade.

De todo o modo e sem embargo do exposto, sempre se dirá que os coeficientes de afetação, qualidade e conforto utilizados se cifraram em 1,00, logo perfeitamente inócuos para o caso em contenda.

Relativamente ao coeficiente de localização a questão é abordada com expressa assunção da sua aplicação, ou seja, é não controvertido que é de aplicar tal coeficiente de localização, apenas se entendendo ser de aplicar um coeficiente de localização inferior atenta a aplicação retroativa da Portaria 1022/2006, de 20 de setembro, realidade essa, exatamente, retratada nas segundas avaliações, ora, impugnadas.

Pelo que, como é bom de ver, não pode, ora, em clara contradição e violação do julgado anterior analisar-se e sindicar-se uma realidade dada por assente e firmada na ordem jurídica.

Com efeito, e conforme já evidenciado anteriormente foi doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo 1122/11, de 14 de junho de 2012, a aplicação retroativa da Portaria 1022/2006, de 20 de setembro aos terrenos para construção em análise, o que, no caso, se traduz na aplicação do coeficiente de 1,20 e não de 1,32, desiderato que foi, integralmente, cumprido na realização das segundas avaliações, ora, impugnadas.

E por assim, face a todo o expendido, no atinente à autoridade do caso julgado ter-se-á de concluir pela improcedência dos aludidos vícios.

Subsiste, ora, por analisar a questão da falta de fundamentação.

Quanto a este vício formal, a Recorrente limita-se a, conclusivamente, evidenciar que os atos avaliativos estão deficientemente/insuficientemente fundamentados, em violação, entre outros, dos artigos 77.º nº 1 e 2 da LGT e 268.º nº 3 da CRP, na medida em que as avaliações são totalmente omissas quanto à discrepância entre os VPT e os valores de mercado.

Porém, para além desse vício formal não estar, desde logo, devidamente substanciado impossibilitando, per se, o seu conhecimento, a verdade é que tal alegação consubstancia uma questão nova, a qual nunca foi alegada na petição inicial, sendo que, é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (23).

E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pela Recorrente e não sendo, como visto, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.

Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, os atos impugnados não padecem de nenhum dos vícios arguidos pela Recorrente, pelo que o juízo de improcedência decretado pelo Tribunal a quo, ainda que com a presente fundamentação, deve manter-se.


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Resta, ora, analisar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.


No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014(24): resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.


No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-Ordenar o desentranhamento e restituição à Recorrente dos documentos juntos com as alegações de recurso.


- Julgar parcialmente nula, a sentença por omissão de pronúncia, no atinente à arguida violação dos artigos 14.º e 15.º do CIMI, e, em substituição, julgar improcedente a aludida arguição, no mais NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, com a presente fundamentação, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

-Condenar a Recorrente nas custas do incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória e nesta instância, fixando-se, quanto àquele primeiro, a taxa de justiça em 1 UC, e com a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.


Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de março de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.
(3) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.
(4) Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230
(5) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(6) Vide neste sentido, designadamente, Acórdão do STJ 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1.
(7) JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pag. 486
(8) Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011.
(9) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(10) Conforme doutrina o Ac. STJ. de 03/03/2016, no processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S.
(11) Não são permitidos recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo; Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
(12) Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, 2010, Almedina, página 1117.
(13) Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo TCA Sul, nos processos nºs 469/19, e 161/09, de 14.01.2020 e de 05.06.2019.
(14) Vide António Santos Abrantes Geraldes e outros-CPC anotado, Almedina, Vol. I, p.743, em anotação artigo 619.º, citando o autor no artigo intitulado O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.
(15) in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579
(16) No mesmo sentido vide “Um Polvo chamado Autoridade do Caso Julgado”, Revista da Ordem dos Advogados, III-IV-2019, ponto 2.3, p.695.
(17) Vide, igualmente, o processo nº 161/09 de 05 de junho de 2019: “[a] autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões [(8) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1), de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB)].”
(18) In já citado processo nº 013409/16, datado de 02.08.2016.
(19) Vide, neste sentido, o já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 23201/17, datado 11.10.2018.
(20) Vide, designadamente, Aresto do STJ, proferido no processo nº 106/11, de 22.09.2016.
(21) Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Do mea culpa à reposição da legalidade, Almedina: Cadernos IDEFF, nº19, 3ª edição revista e actualizada, pág. 118.
(22) Ob. Cit, pág.119.
(23) cfr. Ac. do STA, proferido no processo nº 13331, de 22 de janeiro de 1992; Ac.TCA Sul,2ª. Secção, proferido no processo nº proc.2442/08, de 1 de março de 2011 e Ac.TCA Sul-2ª. Secção, processo nº 6817/13, de 9 de julho de 2013.
(24) integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.