Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1196/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
TAXA REDUZIDA
TAXA INTERMÉDIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PRODUTOS SEM GLÚTEN
Sumário:
I. A fundamentação de um ato tributário deve ser de molde a permitir a apreensão do itinerário cognoscitivo percorrido pela administração.

II. A circunstância de as Listas I e II anexas ao CIVA terem um conteúdo e um âmbito circunscritos não implica que a interpretação das mesmas não seja destituída de dificuldades.

III. Como tal, e não obstante as caraterísticas das mencionadas listas, havendo um entendimento por parte da AT, no sentido de que o administrado considerou incorretamente abrangidos pelas Listas I e II determinados produtos, há que proceder a uma subsunção da realidade fática ao direito, explanando a motivação atinente a tal entendimento.

IV. Não contendo o RIT, lido na sua integralidade (ou seja, atendendo aos seus anexos), elementos suficientes que permitam aferir o itinerário cognoscitivo percorrido, as liquidações nele sustentadas padecem de falta de fundamentação.

V. Tendo sido feita correção pela AT, no sentido de um determinado produto não ser abrangido na verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, por não ser destinado a alimentação especial, e provando-se que se trata de produto sem glúten, a correção efetuada padece de erro sobre os pressupostos de facto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.03.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente (na parte em que não foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide) a impugnação apresentada por P....., Lda. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento parcial da reclamação graciosa atinente às liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas a 2006.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação, deduzida da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA, relativas ao ano de 2006 e correspondentes juros compensatórios, no valor total de € 625.572,14 e com a qual a Administração Tributária não se conforma.

II.O douto Tribunal “a quo” considerou que as liquidações adicionais de IVA de 2006, padecem de falta de fundamentação, culminando na procedência da presente impugnação.

III. Somos de opinião que a AT, através dos serviços de inspeção, carrearam elementos de facto e de direito, plasmados no Relatório de Inspeção e no seu Anexo VII, os quais sustentam as correções efetuadas, consubstanciadas nas liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 2006.

VI – Em suma, o thema decidendum consiste em aferir se os elementos de facto e de direito, ínsitos no Relatório de Inspeção, cumprem os requisitos do dever de fundamentação dos atos tributários, consagrado no artigo 77.º da LGT.

VII – O douto Tribunal a quo respondeu a esta questão de forma negativa, considerando não existir fundamentação fáctica e fundamentação de direito suficiente, de molde a sustentar as correções efetuadas.

VIII - Face a este entendimento, é convicção da Fazenda Pública haver erro na apreciação da prova, senão vejamos:

IX - A Sexta Diretiva do IVA estatui a aplicação pelos Estados Membros de um tipo geral de IVA de taxa não inferior a 15%, embora permita aos Estados membros a aplicação de tipos reduzidos de IVA, exigindo para tal que as operações sejam mencionadas no Anexo H da Diretiva e desde que obedeçam a determinadas condições, como o limite mínimo de taxa de 5%.

X – O artigo 18.º do CIVA transpõe para ordem jurídica interna a mencionada Diretiva, prevendo as taxas do imposto aplicáveis, determinando que para as importações transmissões de bens e prestações de serviços constantes da Lista I se aplica a taxa reduzida que era à data de 5%.

XI - A Lista I do CIVA está subdividida em 5 números, os quais não são passíveis de uma interpretação extensiva que permita a inclusão de produtos que não integram a natureza inerente ao respetivo conceito.

XII – O legislador inscreveu, em cada um destes números, os produtos que considera deverem ser aí incluídos, tendo em consideração a Diretiva Comunitária, o que mostra que os bens que não sejam expressamente contemplados na Lista I, não podem beneficiar da taxa reduzida de IVA.

XIII – Caso assim não fosse, como não a lei não contém uma definição do que considera produto alimentar, estaria entregue ao critério do intérprete o preenchimento do conceito e a determinação da taxa aplicável, configurando tal possibilidade uma violação do princípio de reserva de lei (Cfr. artigo 103/2 da CRP) em vigor no Direito fiscal e uma forma de defraudar a diretiva comunitária, obrigatória para todos os Estados membros.

XIV – Pelo exposto, conclui-se que a Lista I do CIVA tem natureza pautal, é uma lista taxativa, que prevê os produtos que podem beneficiar da taxa reduzida do CIVA, posição esta assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 06-18-2014, no Processo n.º 1689/13.

XV – E este raciocínio ora exposto aplica-se, mutatis mutandis, para os bens e serviços incluídos na Lista II da do CIVA, por consistir igualmente numa taxa reduzida de IVA, embora aplicável por motivos distintos, mas que ainda assim se reconduzem à discriminação positiva de determinados bens e serviços, balizadas pela legislação comunitária,

XVI – Porquanto o imposto sobre o valor acrescentado tem a sua base no direito comunitário, sendo a sua introdução uma exigência decorrente da adesão de Portugal à União Europeia – Cfr. artigo 12°, n° 3, al. a), 3° parágrafo, da Sexta Diretiva.

XVII - Assim, a determinação da taxa aplicável a uma operação, em sede de IVA, faz-se por referência às regras dispostas no CIVA, isto é atentando em primeiro lugar a natureza do bem (ou serviço) em causa, e posteriormente o teor das Listas previstas no artigo 18° do CIVA.

XVIII - Do Relatório de Inspeção decorre a identificação expressa e clara de todos os produtos/bens que foram considerados como “comercializados a uma taxa incorreta”, bem como a sua inclusão na taxa normal de IVA ou na Lista I e II do CIVA e identificação da respetiva Verba aplicável a cada bem, atentas as designações constantes das mencionadas Listas anexas ao CIVA.

XIX - E esta classificação, resulta em primeira linha do Relatório de Inspeção, derivando igualmente do Anexo VII do referido Relatório, no qual é identificada e individualizada a taxa normal de IVA ou a concreta Verba da Lista I e II do CIVA que foi aplicada em sede de procedimento inspetivo.

XX – Da leitura e análise do Relatório de Inspeção e do seu Anexo VII (que faz parte integrante do Relatório de Inspeção para todos os efeitos legais) sobressai a descrição e menção dos elementos de facto e a fundamentação jurídica que sustentam as correções.

XXI - Seguindo a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, face ao fim instrumental que o instituto da fundamentação dos atos administrativos prossegue, um ato considera-se devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar conhecedor do sentido da decisão e das razões que a sustentam, permitindo ao destinatário do ato a apreensão do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.

XXII - No caso em análise, é evidente o iter cognoscitivo do autor do ato, o qual decorre de todos os elementos constantes do Relatório de Inspeção, o qual inclui o Anexo VII, muitos deles carreados para os autos pela própria impugnante,

XXIII – Pois que os fundamentos que sustentam a classificação e inserção dos produtos/bens nas Listas I e II do CIVA e a aplicação da taxa normal de IVA são claros e constam expressamente do Relatório de Inspeção e do seu Anexo VII, tendo o seu autor tido o cuidado de discriminar as Verbas que entendeu aplicáveis para cada produto/bem.

XXIV – É assim forçoso concluir que a fundamentação constante do Relatório de Inspeção foi, além de expressa e clara, também suficiente e consistente, esclarecendo a taxa de IVA aplicada a alguns bens suscetíveis de maior “perplexidade” na determinação da respetiva taxa de IVA aplicável e por remissão relativamente aos restantes produtos.

XXV - A fundamentação por remissão, expressamente prevista no artigo 125º, nº 1 do CPA (aplicável à data dos factos) consente a remissão para os termos de uma informação, parecer ou proposta que contenha, ela mesma, a motivação do ato, de tal modo que uma declaração de concordância sobre elas exarada deve ser entendida no sentido de que o ato administrativo absorveu e se apropriou da respectiva motivação ou fundamentação, que, assim, dele ficará a fazer parte integrante.

XXVI - O Relatório de Inspeção contém a indicação da Verba das Listas do CIVA aplicável, bem como os bens aos quais é aplicável a taxa normal de IVA, afigura-se-nos que foi cumprido in totum o dever de fundamentação do ato, de harmonia com o preceituado no artigo 77.º da LGT e 125.º do CPA, tanto mais que a impugnante entendeu quais os elementos de facto concretos que determinaram a aplicação das taxas de IVA em causa.

XXVII - Do ato em causa, suas remissões para os elementos insertos no procedimento e que são de inteiro e pleno conhecimento da impugnante, resulta a motivação do mesmo e o seu concreto objeto, realidades que aquela sabe e conhece inequivocamente e isso demonstrou no procedimento de reclamação graciosa e em sede de impugnação judicial, irrelevando, nessa medida, a alegada necessidade de individualização, e identificação dos produtos ou categorias de bens pelas suas características intrínsecas, no Relatório de Inspeção strictu sensu.

XXVIII - O Relatório de Inspeção (e o seu Anexo VII) procede à classificação dos bens nas Verbas das Listas I e II do CIVA, bem como a identificação unitária dos bens aos quais é aplicável a taxa normal de IVA, nos termos do disposto no artigo 18.º do CIVA, constando expressamente do citado documento a menção às normas jurídicas que constituem a fundamentação de direito do ato tributário.

XIX – Face ao exposto, a douta sentença proferida a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorrecta valoração da prova documental que a fundamenta, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica a decisão impugnada e, consequentemente, liquidação em causa.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1. Nestes termos, entende a Impugnante que a fundamentação deve permitir ao interessado apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro, situação que, estranhamente, não ocorreu no presente caso.

2. Assim, consideram o Professor Diogo Leite de Campos, e os Juízes Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in Lei Geral Tributária comentada e anotada, Ed 2000), que se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado

3. Acrescentando os referidos juristas que, haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Ocorrerá contradição da fundamentação com as razões invocadas para decidir justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. A fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão".

4. Atendendo ao supra exposto, considera a Recorrida que as correcções efectuadas pela AT, salvo nos casos de seguida identificados, estão enfermas do vício de falta de fundamentação pelo facto de a parca (dir-se-ia mesmo inexistente) fundamentação utilizada não permitir descortinar, suficientemente, quais as razões que presidiram à mesma.

5. A AT limita-se a apresentar, na larga maioria dos casos, quadros, nos quais identifica os valores de IVA liquidado e o que, alegadamente deveria ter sido liquidado (apurando o IVA em falta pela diferença entre taxas) nos quais refere a título de enquadramento a verba das listas anexas ao Código do IVA, que, no seu entendimento, considera aplicável aos produtos, sem apresentar qualquer justificação para o efeito sentindo apenas tal "necessidade" para alguns produtos (atendendo à eventual perplexidade que os mesmos podiam suscitar).

6. Deste modo, não pode a ora Recorrida aceitar que se considere fundamentado um relatório que inclui correcções à aplicação de taxas de IVA a diversos e diferentes produtos, e seja apresentada fundamentação relativamente a 2 (dois).

7. A tal acresce ainda considerar o disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT, segundo o qual "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."

8. Assim, não pode a Administração Tributária alegar a incorreção das taxas de IVA praticadas e depois limitar-se a indicar a verba que, no seu entender, considera válida para o produto(s) em questão,

9. ... sem que, tenha se dado ao trabalho de analisar, efetivamente, o(s) produto(s) para aferir se a mera designação incluída num ficheiro Excel é correta e indica a verdadeira natureza do bem comercializado.

10. A obtenção da verdade material é o fim do processo fiscal.

11. Ora, o princípio da verdade material, erigido em finalidade do procedimento e do processo fiscal, vai tornar indispensável que todo o processo se estruture segundo o princípio do inquisitório, ou de forma mais exata, o princípio da investigação e não segundo o princípio do dispositivo.

12. O procedimento e o processo não pode nem deve ser visto como um processo de partes, no sentido da expressão processual de interesses contrapostos.

13. A AT participa no processo tributário em nome não de um interesse financeiro autónomo, de maximização ou cobrança de receitas, mas de realização de um interesse público de cumprimento exato de uma obrigação fiscal criada por lei.

14. Sobre a AT impende pois, para além dos princípios específicos da legalidade fiscal, o dever de imparcialidade, isto é a proibição de se assumir como parte, prevista pelo n.°2 do artigo 266.° da CRP.

15. Porém, e não obstante a existência destes princípios e regras basilares da atuação da AT, não raras são as vezes que o funcionário fiscalizador nem se apercebe que, para além de referir no seu relatório determinados factos que para si são evidentes, deverá também, sempre, juntar provas inequívocas (ou fundamentar de forma clara e credível) das suas afirmações, porque é à AT que cabe o ónus da prova da existência do facto tributário que está na origem da liquidação.

16. Assim, não pode a AT, efetuar as correcções em apreço sem que tenha feito uma análise mínima dos produtos, demonstrando em muitas situações um perfeito desconhecimento dos mesmos.

17. Pelo que conclui a Impugnante que as correcções efectuadas pela Administração Tributária tiveram por base as "designações"/"expressões" utilizadas pela Impugnante no ficheiro Excel facultado à equipa de inspeção.

18. Ao proceder dessa forma, inverteu, de forma manifestamente ilegal, o ónus da prova que sobre si impendia e que era o de demonstrar que as taxas de IVA praticadas relativamente aos produtos objeto de correção estavam incorretamente aplicadas.

19. Porém, conforme se verificou ao longo de todo o processo, tal dever de fundamentação não ocorreu quer em sede inspetiva, quer, bem assim em sede de análise à reclamação graciosa apresentada.

20. Na verdade, se em sede de inspeção tributária foi elaborado um relatório em que apenas em dois casos foi apresentada alguma fundamentação para as correcções efetuadas,

21. ... sendo a totalidade das correcções efectuadas apenas por análise à listagem em formato Excel que foi facultada e tendo por base as designações comerciais dos produtos inscritos na mesma,

22. em sede de resposta (deferimento parcial) aos argumentos apresentados em sede de reclamação graciosa, a Administração Tributária voltou a demonstrar um enorme "desrespeito" pela sua obrigação de fundamentação.

23. Assim, resta concluir que por uma questão de segurança jurídica a AT deverá fundamentar convenientemente as suas posições e não inverter o ónus da prova a seu belo prazer, sem que para o efeito haja qualquer justificação.

24. Ora, como refere António Lima Guerreiro - in Lei Geral Tributária Anotada - "Efectivamente, um sistema fiscal que faça assentar no contribuinte todo o ónus da prova da inexistência total ou parcial do fado tributário, possibilita a Administração Tributária efectuar a liquidação sem que tenha previamente de formar uma inequívoca convicção de certeza da legalidade da liquidação, podendo bastar-se com meros indícios, o que alimenta a injustiça e desigualdade, dada a dificuldade que se reveste ordinariamente a prova de um facto negativo".

25. Deste modo, entende a Recorrida que bem andou o Tribunal Tributário de Lisboa ao fazer justiça por clara e manifesta falta de fundamentação das correcções que originaram as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios que lhe foram notificadas por referência ao ano de 2006,

... não merecendo a mesma qualquer censura, nem tendo a Fazenda Pública, por muito que tenha tentado, abalar, minimamente, a fundamentação produzida no Arresto recorrido.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado

IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO, NESTA PARTE, DA SENTENÇA RECORRIDA”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, porquanto o relatório de inspeção tributária (RIT) não padece de falta de fundamentação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A impugnante tem como atividade o comércio a retalho em supermercados e hipermercados – cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

2. Em cumprimento da ordem de serviço nº ....., de 31/07/2008, foi realizado procedimento externo de inspeção aos elementos contabilístico-fiscais da impugnante, do exercício de 2006 – cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;
3. Por despacho do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária (DSIT) de 11/02/2009 foram sancionadas correções ao IVA, expressas no Relatório de Inspeção Tributária, de acordo com a seguinte fundamentação:





- cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

4. No seguimento das correções, enunciadas supra, foram realizadas as liquidações adicionais de IVA para o ano de 2006, como a seguir se indica:

- cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

5. Em 30/04/2009, é deduzida reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, identificadas no ponto anterior- cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

6. Em 18/06/2009, a impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal com nº ....., para proceder ao pagamento da quantia exequenda no valor de € 471.205,69- cfr. fls. 303 verso dos autos;

7. Em 01/07/2009, a impugnante, junto da Caixa Geral de Depósitos, constitui a garantia bancária nº ....., pelo valor de € 589.007,11, para suspensão do processo de execução fiscal nº ....., referente a IVA e Juros Compensatórios – cfr. fls. 305 dos autos;

8. Em 07/07/2009, a impugnante apresenta no Serviço de Finanças de Lisboa-2, requerimento dando conta da prestação de garantia e solicitando a suspensão do processo de execução fiscal – cfr. fls. 301 dos autos;

9. Por despacho de 31/03/2010, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, procedendo à anulação parcial das correções formuladas no âmbito do procedimento de inspeção, nos seguintes termos:

- cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

10. Através do ofício nº ....., de 01/07/2010, a Divisão de Justiça Administrativa remete, ao Serviço de Finanças de Lisboa-2, despacho para concretização da decisão expressa no despacho de deferimento parcial do IVA/2006 - cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

11. Na pendência da presente impugnação, por despacho da Diretora de Finanças Adjunta de 15/10/2010, foram revogados parcialmente os valores de imposto (IVA/2006) determinados em sede de reclamação graciosa, conforme quadro que se indica:

- cfr. fls. 356 dos autos;

12. A impugnante procedeu ao pagamento parcial das liquidações de IVA/2006 e respetivos juros compensatórios, como se indica no quadro seguinte:

- cfr. fls. 130 a 142 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, expressamente referidos no probatório supra”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

13. O RIT mencionado em 3. continha sete anexos, sendo o anexo VII relativo a IVA – Bens comercializados a uma taxa incorreta e os demais relativos a IRC (cfr. fls. 348 a 402 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

14. Os doces light de pêssego e light de frutos silvestres, marca ....., mencionados no anexo VII referido em 13., continham no seu rótulo a indicação de serem aptos para celíacos (cfr. fls. 204 e 209 dos autos – numeração em suporte de papel).

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto não provada:

A. Os doces light de frutos exóticos, mini sortidos e mini morango, marca ....., mencionados no anexo VII referido em 13., contêm no seu rótulo a indicação de serem aptos para celíacos (nada consta dos autos neste sentido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que a leitura do texto do RIT, em conjunto com o seu Anexo VII, faz concluir que os atos impugnados não padecem de falta de fundamentação, sublinhando ainda que o teor das Listas I e II anexas ao Código do IVA (CIVA) é taxativo.

Vejamos então.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Nos termos do então art.º 18.º do CIVA:

“1 - As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 5%;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 12%;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 21%”.

Já quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos em geral, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(1), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Atento o RIT, concretamente o seu ponto III.3., decorre que a AT considerou que determinados produtos comercializados pela Recorrida, aos quais foi aplicada a taxa de 5%, deveriam ter sido vendidos considerando a taxa de 12% ou a taxa de 21% e outros, aos quais foi aplicada a taxa de 12%, deveriam ter sido vendidos atentando na taxa de 21%.

Vejamos, antes de mais, o teor do RIT a este respeito. Ali se refere:

“A partir da listagem de produtos fornecida pela empresa foram verificadas as taxas de IVA aplicadas aos mesmos, tendo-se concluído que relativamente a alguns produtos o sujeito passivo efectuou a liquidação de IVA à taxa de 5% e 12 %, quando nos termos do artigo 18 do Código do IVA (CIVA), deveria de ter aplicado a taxa de 12% (em vez de 5%) ou 21%, no caso dos produtos não terem enquadramento nas Listas I e II, anexas ao CIVA.

No sentido de proceder à aplicação das taxas correctas, foi solicitado à empresa através de notificação efectuada no dia 21 de Outubro de 2008, o montante das vendas mensais com IVA, tendo o sujeito passivo fornecido a informação solicitada em suporte informático.

1. De acordo com as verbas constantes na Lista II anexa ao CIVA, são tributadas à taxa de 12% em vez de 5%, as seguintes transmissões:

1.1.) Verba 1.2.1 - “Conservas de moluscos, com excepção das ostras

1.2.) Verba 1.3.1 - “Conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas";

De harmonia com a verba 1.13 da Lista I, anexa ao CIVA, são passíveis de IVA à taxa de 5% as transmissões de “produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”.

Os bens abrangidos pela verba 1.13 da Lista I, anexa ao Código do IVA, são produtos de âmbito muito específico, designadamente pelo facto de serem desprovidos de glúten, proteína não tolerada pelos doentes celíacos, ou destinados a um tipo especial de nutrição - a nutrição entérica.

O Decreto-Lei n.° 227/99 de 22 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.° 285/2000, de 10 de Novembro, determina as regras a aplicar na comercialização destes produtos, designadamente, no que diz respeito à indicação dos seus ingredientes, características e objectivo nutricional dos mesmos.

De conformidade com o citado diploma, torna-se obrigatória a indicação das substâncias ou ingredientes no rótulo das embalagens destes géneros alimentícios, devendo ainda ter a indicação de produtos destinados à nutrição entérica ou a doentes celíacos. Tal obrigatoriedade inclui também a sua declaração às instâncias competentes no sentido de obter a necessária autorização da menção na rotulagem e na apresentação dos produtos adequados a alimentação especial.

Assim, e conforme entendimento expresso pela Direcção de Serviços de Administração do IVA, se os produtos reunirem os requisitos que permitam a sua inclusão na referida verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de IVA à taxa de 5%, caso contrário serão tributados de acordo com as taxas que lhes forem aplicáveis, nos termos das verbas da Listas II anexa ao CIVA, ou à taxa normal se dela não constar.

Deste modo, considerando que os produtos - Compota .....arandos e framboesas Die. 280grs., Doce de ameixa .....280grs. Compota .....framboesa Diet. 280 grs., Compota .....Pêssego Diet. 280 grs. Compota .....Morango Diet. 280 grs., Compota .....alperce Diet. 280 grs. e Doce de laranja Diet. .....280 grs., foram já autorizados pela Direcção Geral de Saúde como sendo géneros alimentícios destinados a alimentação especial, as suas transmissões são enquadráveis na citada verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, sendo consequentemente, passíveis de Iva à taxa de 5 %.

Face às restantes compotas ou geleias, incluindo aquelas que embora assim não se designem comercialmente, mas que possuem efectivamente características de compotas de frutos, bem como os produtos destinados a crianças, constituídos apenas por frutos (baby food frutos), as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1. da Tabela II (taxa de 12%);

1.3.) Verba 1.4.1 - “Conservas de produtos hortícolas, designadamente em molhos, vinagre ou salmoura e suas compotas”;

1.4.) Verba 1.5.2 - “Margarinas de origem animal e vegetal”;

1.5.) Verba 1.8- “Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”;

1.6) Verba 1.9 — "Aperitivos ou snaks à base de estrudidos de milho e trigo, à base de milho moído e frito ou de fécula de batata, em embalagens individuais

1.7) Verba 1.10- “Vinhos comuns”;

1.8) Verba 2.1 - "Flores de corte, folhagem para ornamentação e composições florais decorativas. Exceptuam-se as flores e folhagens secas e as secas tingidas”;

1.9) Verba 2.2 - “Plantas ornamentais

1.10) De harmonia com a verba 1.1.4 da Lista I, anexa ao CIVA, são passíveis de IVA taxa de 5% as transmissões de “Massas alimentícias e pastas secas similares. (Excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli Cannelloni, Tortellini e semelhantes”.

Segundo entendimento expresso pela Direcção de Serviços do IVA (ofício n.° ..... de 07.03.1989), as massas do tipo Raviolli, Tortellini, Cannelloni e semelhantes (v. as massas tipo Bologna e Lasagna), também denominadas "massas laminadas" diferenciadas das restantes quer pelo seu processo de fabrico, quer pela sua utilização. Estas massas são sempre para consumir recheadas, podendo ser já recheadas na origem e então são comercializadas ou frescas ou congeladas ou, recheadas no acto de confecção culinária, pelo que as transmissões destes bens são passíveis de tributação à taxa de 12%.

Tendo por base a leitura dos pontos constantes da Lista II anexa ao ClVA e dos entendimentos supra mencionados, proceder-se-á ao correcto enquadramento,
à taxa de 12%, dos bens comercializados pelo sujeito passivo à taxa de 5%, identificados no anexo VII, fls. 2 a 7.

2. Relativamente aos bens constantes do anexo VII, fls. 8 a 24, por não se enquadrarem nas verbas constantes das Listas I e II anexas ao CIVA, são tributados à taxa de 21% em vez de 5% e 12%.

Face ao exposto e dado o sujeito passivo ter aplicado as taxas de 5% e 12% quando deveria ter aplicado a taxa de 12% (em vez de 5%) e 21% (em vez de 5% ou 12%), de acordo com os cálculos efectuados em mapa anexo VII, fl. 1 encontra-se imposto em falta no montante de € 569.890,52”.

Desde já se refira, antecipadamente, que o argumento esgrimido pela Recorrente, no sentido de o caráter das Listas I e II anexas ao CIVA ser taxativo, em nada colide com a obrigação de fundamentação do ato.

Com efeito, sendo certo que tais listas se apresentam com um conteúdo e âmbito circunscritos, uma vez que preveem casos excecionais de não tributação à taxa normal do IVA, tal não significa que o seu teor seja isento de dúvidas interpretativas.

Aliás, não obstante este caráter taxativo, tanto a litigância em torno de questões como as ora em apreciação como a própria atividade da AT, em termos de emissão de instruções administrativas, são reveladoras das dificuldades inerentes à interpretação das mencionadas listas.

Ademais, para a subsunção da realidade fática ao direito, é imprescindível uma cabal explanação e análise daquela, pois sem tal explanação e análise não é possível aferir do percurso cognitivo que levou a determinada solução de direito.

Portanto, posto isto, é efetivamente exigível um mínimo de fundamentação do ato tributário, nos termos já explanados, que evidencie as situações fáticas e o motivo pelo qual essas mesmas situações foram consideradas incorretamente abrangidas nas Listas I ou II anexas ao CIVA.

Vejamos se aqui tal se verifica.

Desde já se refira que a AT, no RIT, incluindo o seu Anexo VII, nunca faz qualquer menção às concretas verbas das listas I ou II anexas ao CIVA (exceto em dois casos, a que nos referiremos infra) nas quais a Recorrida considerou enquadrarem-se os produtos em causa. Portanto, desde logo por aí, se fica na ignorância quanto a este respeito.

Por outro lado, verifica-se que o RIT:

a) Para a quase globalidade das situações que a Recorrida entendeu serem tributáveis à taxa de 5% e que a AT considerou serem tributáveis à taxa de 12%, limita-se a indicar o número da verba da Lista II anexa ao CIVA e respetivo descritivo.

Nada é dito quanto aos produtos em concreto abrangidos nem por que motivo a configuração efetuada pelo administrado não está correta.

O anexo VII, não permitindo aferir qual a verba da Lista I anexa ao CIVA considerada pela Recorrida, dado nada constar do mesmo a este respeito, apenas permite ver o descritivo dos produtos e a verba considerada correta pela AT.

Não se pode, pois, daqui extrair qualquer análise casuística que permita apreender o itinerário cognoscitivo percorrido;

b) Nas situações às quais a Recorrida aplicou as taxas de 5% e 12% e a AT entendeu ser de aplicar a taxa de 21%, o RIT também é meramente conclusivo, não sendo, pelos motivos já assinalados, possível suprir este caráter lacónico com a leitura do Anexo VII, dado, como referimos, o mesmo não conter dados fundamentais para a aferição da fundamentação.

Portanto, quanto à globalidade das situações, é clara a ocorrência de falta de fundamentação.

Resta-nos apenas abordar as situações relativas à verba 1.3.1 - “Conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas” e à verba 1.1.4 “Massas alimentícias e pastas secas similares. (Excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes”.

Como resulta da análise do RIT, nestes dois casos a AT procedeu a uma análise mais detalhada.

Vejamos, então, se a mesma se revela suficiente, do ponto de vista do dever de fundamentação.

Começando pela correção relativa à verba 1.3.1. da Lista II anexa ao CIVA, trata-se de uma das duas situações em que é percetível qual o enquadramento feito pela Recorrida.

Assim, esta procedera ao enquadramento dos produtos em causa na verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA (“Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”).

Neste contexto, a AT refere quais as situações em que o enquadramento foi correto, face à existência de elementos que permitem concluir estar-se perante aquela tipologia de produtos.

Nos demais casos de compotas ou geleias, dado não ter sido demonstrado pela Recorrida que os produtos em causa eram destinados a alimentação especial, a AT considerou serem os mesmos de enquadrar na verba 1.3.1.

Assim, enquanto a Recorrida considerou tais produtos enquadráveis na verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA (“Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”), a AT entendeu que os mesmos eram enquadráveis na verba 1.3.1. da Lista II (“Conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas”).

Portanto, no RIT, consta a menção às conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas, e, bem assim, a menção à verba da Lista II anexa ao CIVA, na qual, como referido, a AT entendeu que a Recorrida deveria ter enquadrado determinados produtos. E tal fundou-se no entendimento de que esses produtos não se integram na verba 1.13 da Lista I, dado não ter sido apresentado qualquer certificado de registo dos produtos da DGS, representando exceção o caso de algumas compotas da marca “.....”.

Assim, decorre do RIT que a AT se fundou no facto de não ter sido demonstrada a existência de elementos evidenciadores de que os produtos em causa eram destinados a alimentação especial, para que, em termos de rotulagem, se possa falar na existência de um produto passível de enquadramento na Lista I anexa ao CIVA.

Em termos de identificação concreta dos produtos, a mesma resulta do Anexo VII do RIT, onde expressamente estão elencados os produtos, a verba em que a AT considera que deveriam ter sido incluídos e o mês a que respeitam.

Como tal, o RIT não padece nesta parte de falta de fundamentação, assistindo, neste segmento, razão à Recorrente.

Quanto ao constante do RIT, a propósito verba 1.1.4 da Lista I anexa ao CIVA, também aqui é possível, desde logo, aferir que a Recorrida considerou que os produtos em causa eram enquadráveis em tal verba, relativa a “Massas alimentícias e pastas secas similares. (Excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes.)”.

Paralelamente a AT refere que às massas laminadas é sempre aplicável a taxa de 12%, sendo feita uma análise abstrata e não concreta, ao contrário do que se verifica em relação à correção anterior.

Ademais, nada é dito relativamente à verba da Lista II anexa ao CIVA que a AT considera aplicável. Tal não é igualmente aferível pela análise do Anexo VII. Com efeito, como referimos, este Anexo VII não contém a identificação da verba considerada pela Recorrida. Assim, faltando este elemento e faltando a indicação no RIT da verba da Lista II anexa ao CIVA que a AT considerou aplicável, não é possível aferir que produtos foram concretamente abrangidos por esta correção.

Como tal, também neste caso, o itinerário cognoscitivo percorrido se revela afetado, na medida em que não se consegue entender por que motivo as massas laminadas foram tributadas a 12%, dado nada ter sido dito quanto à concreta verba da Lista II considerada aplicável, não sendo apreensível a que concretos produtos se refere a AT.

Portanto, nesta parte, não assiste razão à Recorrente.

Em suma, assiste apenas razão à Recorrente relativamente à fundamentação da correção respeitante à verba 1.3.1. da Lista II anexa ao CIVA. Estando nós perante atos divisíveis, a falta de fundamentação de que padece a restante parcela da correção não afeta este segmento em específico.

III.B. Do erro sobre os pressupostos de facto invocado pela Impugnante

Atento o exposto em III.A. e considerando que o Tribunal a quo não apreciou o erro sobre os pressupostos de facto, no tocante à correção respeitante à verba 1.3.1. da Lista II anexa ao CIVA, alegado na petição inicial, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Quanto a estes produtos, na petição inicial, a Recorrida invoca erro nos pressupostos de facto relativamente um conjunto de produtos, por se tratarem de produtos sem glúten – que indica, em parte, no teor da petição, remetendo ainda para os elementos juntos como documento n.º 4.

Nessa sequência, a AT veio a revogar, em parte, a correção efetuada, o que conduziu à impossibilidade superveniente parcial da presente lide.

Analisado o ato de revogação, verifica-se que foram considerados incorretamente corrigidos os casos relativos aos seguintes produtos:

a) Citrinada de laranja .....345gr;

b) Doce amora .....345gr;

c) Doce light morango .....320 gr;

d) Geleia de morango .....345gr;

e) Geleia marmelo .....345gr.

Atendendo ao elenco de produtos indicado pela Recorrida na sua petição inicial e indicados nos elementos que consubstanciam o documento n.º 4 junto com aquele articulado, verifica-se que cumpre, então, no presente momento, apreciar o alegado, relativamente aos produtos não incluídos na revogação.

Antes de mais, refira-se que, da análise do Anexo VII ao RIT, decorre que foram objeto de correção as seguintes tipologias de produto:

a) Citrinada de laranja .....345gr;

b) Doce amora .....345gr;

c) Doce light fr exóticos .....320gr;

d) Doce light fr silvest .....320gr;

e) Doce light morango .....320 gr;

f) Doce light pêssego .....320 gr;

g) Doce mini sortidos .....8x25g;

h) Doces mini morango .....8x25g;

i) Geleia de morango .....345g;

j) Geleia marmelo .....345g.

Portanto, cumpre apenas aferir se os produtos, não abrangidos pela revogação, estão isentos de glúten, tal como alegado.

Logo, o referido pela Impugnante quanto a alguns dos doces (framboesa, gila, ginja, tomate, etc.) carece de materialidade, dado não terem sido objeto de correção.

Quanto aos demais, em relação aos doces mini morango, doces mini sortidos e light de frutos exóticos da marca ....., nada foi provado.

Já quanto aos doces da marca ..... (light de frutos silvestres e light de pêssego), à semelhança e nos mesmos termos em que foram considerados pela AT em sede de revogação, foi demonstrado que os mesmos são produtos sem glúten, porque próprios para celíacos, como resulta da factualidade provada aditada na presente sede.

Como tal, assiste quanto a estes razão à Impugnante.

Vencidas ambas as partes são as mesmas responsáveis pelas custas na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º do CPC).

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte relativa à correção atinente à verba 1.3.1. da Lista II anexa ao CIVA;

a.2. Em substituição e quanto a tal correção, na parte não abrangida pela impossibilidade superveniente da lide, julgar a impugnação parcialmente procedente e anular as liquidações na parte relativa à correção atinente a doces da marca ..... (light de frutos silvestres e light de pêssego), mantendo-as no demais;

b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 0,2% pelo P....., Lda e 99,8% pela Fazenda Pública, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 08 de julho de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha
___________________
(1)Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.