Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04512/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/12/2012
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA - ILEGALIDADE ABSTRACTA E CONCRETA DA DÍVIDA EXEQUENDA - CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES -PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA-OPOSIÇÃO AO ENCARGO COM PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA-ACÇÃO ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL-CONVOLAÇÃO
Sumário: I) A imposição de encargo com pensões de sobrevivência que foi à oponente e que deu lugar ao processo executivo fiscal não é atacável mediante oposição com o fundamento na alínea a) do artº 204º do CPPT.

II) A oposição é um meio processual inadequado para a satisfação da pretensão da oponente, porque nela se suscita uma questão que envolve a discussão da ilegalidade da dívida exequenda, que não se prende com uma “questão fiscal”, pois que a matéria controvertida é conexa com acto administrativo, praticado por uma autoridade administrativa, no âmbito dos seus poderes e dentro das competências prosseguidas, que deve ser objecto de uma Acção Administrativa Especial, a apreciar e decidir no TAC de Lisboa.

III) Haveria que encarar a possibilidade de convolação da oposição em acção administração especial, que seria o meio processual adequado para discutir a ilegalidade do acto de onde provém a divida exequenda (cfr. art.º 46 e ss do CPTA), para cuja cobrança detém competência os Serviços de Finanças.

IV) -Mas, a natureza administrativa de tal questão impede que este Tribunal se pronuncie, por carecer de competência material, sobre a admissibilidade ou não, da instauração da referida acção, antes se impondo a absolvição da instância por ocorrer excepção dilatória (cfr. art.ºs 493º n.º2 e 494 al.a) do CPC), absolvição essa que não impedirá a ora oponente de intentar a competente acção.

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O Relator
J. G. Correia
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1. - A...COMUNICAÇÕES, SA, com os sinais doa autos, veio interpor recurso da sentença do Mª Juiz do Tribunal Tributário de 1a Instância de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº3301200701069837 da Repartição de Finanças do 4° Bairro Fiscal, que lhe move a Fazenda Pública por dívidas provenientes de contribuições à Caixa Geral de Aposentações (CGA), no montante de €1.834.028,59, para o que formulou as pertinentes conclusões.
A recorrida contra -alegou e a EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser provido em concordância com a sentença.
Entretanto, veio o Senhor Chefe do Serviço de Finanças declarar, através de despacho de 12 de Abril de 2011 proferido no âmbito do processo de execução fiscal n°3301200701069837, "extintos os autos acima identificados nos termos da al. a) e b) do art° 176° do CPPT, na medida em que o executado nos autos, antes identificado, efectuou o pagamento parcial da quantia exequenda e acrescidos e os serviços efectuaram a anulação do remanescente por se mostrar indevido".
Na sequência, foi proferido, por este Relator, o Despacho de fls. 907 e seguintes, no qual se julgou "extinta a instância executiva e o próprio Recurso".
Vem agora a recorrente reclamar do mesmo para a conferência, com os seguintes fundamentos:
“Contrariamente ao que é defendido no Despacho de fls. 907 e seguintes, não se verifica a invocada inutilidade superveniente da lide.
Como resulta da petição inicial, além de ter fundado a oposição à execução na inexequibilidade do título executivo e na inexigibilidade das dívidas exequendas, a recorrente também impugnou a liquidação das dívidas exequendas, nos termos previstos nas alíneas a) e h) do n°1 do artigo 204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como decorre da leitura do Despacho de fls. 907 e seguintes, considerou o Senhor Juiz Desembargador Relator que tendo sido "efectuado o pagamento voluntário parcial da dívida exequenda (...) e anulada oficiosamente a parte restante, há-de concluir-se que a oposição, com a qual se visava a extinção do processo executivo, perdeu o seu objecto" e que "Assim sendo, também a este recurso falece o competente objecto, o que o torna de todo inútil em superveniência".
Noutros termos, o Senhor Juiz Desembargador Relator assentou a sua decisão de julgar extinta a presente oposição, no pressuposto de que a presente Oposição visava, única e exclusivamente, a extinção do processo executivo.
Sucede, porém, que a RECORRENTE não pretendeu, apenas, como já referido, a extinção do processo executivo: como decorre da petição inicial e das alegações de recurso a RECORRENTE pretende também, com a presente oposição à execução, discutir a (i)legalidade da liquidação das dívidas exequendas.
Para tanto, além de ter procurado demonstrar a admissibilidade da apreciação da ilegalidade das dívidas exequendas, a RECORRENTE não deixou de invocar os vícios de que aquelas padecem, tendo, a este propósito, apresentado as seguintes conclusões de recurso:
«20.a Sem prejuízo do anterior, alegou ainda a RECORRENTE, a título subsidiário, que, caso o Tribunal a quo viesse a considerar que as certidões de dívida subjacentes ao processo de execução fiscal n.° 3301200701069837 concretizavam, ipso iure, efectivos actos de liquidação, então, tal Tribunal encontrar-se-ia obrigado, em sede de Oposição à Execução e nos termos previstos na alínea h) do n.°1 do artigo 204.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a apreciar a ilegalidade de tais actos à luz dos vícios apontados pela ora RECORRENTE.
21.a Por conseguinte, atendendo à conclusão do Tribunal n quo segundo a qual, "Consistindo o acto de liquidação na extracção da certidão de dívida, não há qualquer liquidação anterior ao procedimento de cobrança coerciva de que a CGA deva notificar a entidade responsável pelo pagamento", impunha-se ao mesmo Tribunal constatar, perante a inexistência de acto prévio de liquidação, com a consequente impossibilidade de impugnar judicialmente, ou de reclamar graciosamente, tal acto (uma vez que os prazos para o exercício destes direitos iniciam-se somente após o decurso do prazo de pagamento voluntário posterior ao acto de liquidação, nos termos do previstos no artigo 102.°, n.°1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), que não fora dada à RECORRENTE a oportunidade de discutir a legalidade daqueles actos em momento anterior ao da instauração da execução.
22.a Coerentemente, deveria o Tribunal a quo ter admitido a apreciação, no âmbito da respectiva Oposição à Execução - e ao abrigo da indicada alínea h) do n.º1 do artigo 204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme peticionado pela RECORRENTE -, da ilegalidade dos indicados actos de liquidação, tal como alegada pela RECORRENTE nos artigos 132.° e ss. da sua p.i. de Oposição à Execução.
23.a Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto na alínea h) do n.º1 do artigo 204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo, em conformidade, ser anulada a sentença ora recorrida.
24.a Não obstante o anterior, e quanto a este aspecto, sustentou ainda o Tribunal a quo, em síntese, que: "no caso dos autos, o que a oponente pretende questionar é, por um lado, a constitucionalidade do comando previsto no n°2 do art°19° da Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro (...). E, por outro, a qualificação daquele comando como acto administrativo, praticado com vícios de forma, por falta de fundamentação e preterição de audiência prévia, conducente à sua invalidade", acrescentando, por fim, que, "discutir a inconstitucionalidade e a ilegalidade do comando contido no artº 19º, nº 2, da Lei n°53-A/2006, já a oponente o podia ter feito, através do meio processual adequado, no seguimento da notificação da CGA referida supra, em 9) do probatório (que fixou o prazo para a obrigação de liquidação e pagamento das- contribuições por essa taxa), não podendo a oposição servir, agora, como uma segunda oportunidade para exercer direitos irnpugnatórios".
25.a Contudo, tendo os actos de liquidação subjacentes ao processo de execução fiscal n.° 3301200701069837 sido praticados, somente - no entender do Tribunal a quo -, com a extracção da respectiva certidão de dívida, será o processo de Oposição à Execução, quer por força da alínea a), quer por força da alínea h), do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o meio de reacção adequado para efeitos de apreciação da ilegalidade abstracta dos respectivos actos de liquidação, mesmo nos casos em que a RECORRENTE pretenda ver discutida a conformidade constitucional do comando legal subjacente à sua prática, in casu, do artigo 19°, n°2, da Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro.
26.a Com efeito, o vício de ilegalidade abstracta - tal como alegado pela RECORRENTE -poderá ser sindicado, no caso específico dos actos em matéria tributária, através do processo de impugnação judicial - nos termos do n°1 do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, ou, alternativamente, através do processo de oposição à execução - com fundamento na alínea a) do n°1 do artigo 204º do mesmo diploma -, independentemente de ter havido, ou não, a possibilidade de impugnar contenciosamente o respectivo acto de liquidação (cf., neste sentido, JORGE lopes DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 2007, p. 324).
27.a Por conseguinte, impõe-se concluir que o Tribunal a quo se encontrava obrigado, por força das alíneas a) e h) do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a apreciar o vício de ilegalidade abstracta, tal como alegado pela ora RECORRENTE nos artigos 132° e ss. da sua p.i. de Oposição à Execução, independentemente de ter havido, ou não, a possibilidade de impugnar previamente o respectivo acto de liquidação (ainda que, no caso concreto, e por inexistência de acto prévio de liquidação, tal momento impugnatório não tenha sido atribuído à recorrente).
28.a Não o tendo feito, o Tribunal a quo, ao entender que "não é possível discutir em processo de oposição, o segmento da ilegalidade (abstracta ou concreta) do acto exequendo que o interessado já pudesse ter contestado através da adequada acção impugnatória", incorreu em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, violando o disposto no artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo, em conformidade, ser anulada a sentença ora recorrida.
29 a Entendeu ainda, neste domínio, o Tribunal a quo, que "discutir a inconstitucionalidade e a ilegalidade do comando contido no art°19°, nº 2, da Lei n°53-A/2006, já a oponente o podia ter feito, através do meio processual adequado, no seguimento da notificação da CGA referida supra, em 9) do probatório (que fixou o prazo para a obrigação de liquidação e pagamento das contribuições por essa taxa), não podendo a oposição servir, agora, como uma segunda oportunidade para exercer direitos impugnatórios".
30.a No entanto, atendendo à inexistência de qualquer conteúdo inovatário no âmbito da notificação referida em 9) do probatório, entende a RECORRENTE que a mesma concretiza um acto atípico, cujo teor se limita a reproduzir a lei aplicável, não sendo susceptível, portanto, de produzir quaisquer efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos da situação contributiva da RECORRENTE perante a CGA, impondo-se concluir, portanto, que a indicada notificação da CGA, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, não era contenciosamente impugnável.
31.a De resto, foi a própria CGA, em resposta a pedido de certidão posteriormente apresentado pela RECORRENTE por referência a notificação de conteúdo idêntico, que veio expressamente confirmar a natureza irrecorrível da indicada notificação, impondo-se concluir, portanto, que a sentença ora recorrida assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, devendo, em conformidade, ser anulada.»
Ora, neste contexto, refere JORGE LOPES DE SOUSA que, "Em regra, o pagamento efectuado no prazo da oposição tornará inútil a apresentação da oposição (...), justificando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (...). Porém, nem sempre será assim, pois, em certas situações, a oposição à execução pode ter objecto a impugnação do acto cie liquidação, designadamente nos casos em que o oponente pretende imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta [alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT] e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [alínea h) do n°1 do art. 204° do CPPT]" (cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, 2007, p. 89).
Neste preciso sentido, também o supremo tribunal administrativo esclareceu, já, que "embora a oposição não seja, em regra, o meio adequado para a apreciação da legalidade, em concreto, da dívida, a lei admite que, em certos casos, a legalidade da liquidação incorporada na dívida constante do título executivo possa ser questionada através deste meio processual" (cf. Acórdão proferido no âmbito do processo n°24/2010, de 2010-05-26), sendo que, nestes casos "a oposição como que se emancipa da execução no âmbito da qual foi deduzida, assumindo-se como uma impugnação judicial, razão pela qual apenas o desaparecimento da ordem jurídica do acto impugnado, e não o pagamento da dívida tributária, determinará a impossibilidade superveniente da lide" (cf. Acórdão proferido no âmbito do processo n°532/09, de 7/10/09).
Vertendo este entendimento para o caso em apreço, sempre se terá de concluir que a Oposição deduzida pela RECORRENTE permanece útil, pois que, sublinha-se uma vez mais, aquela impugnou, nos termos acima expostos, a legalidade da liquidação das dívidas exequendas, imputando às mesmas quer uma ilegalidade concreta (ao abrigo da alínea h) do n°1 do artigo 204.º do CPPT) quer uma ilegalidade abstracta (nos termos da alínea a) do n°1 do artigo 204° do CPPT).
Em face do exposto, a verificada extinção da execução fiscal — em resultado do pagamento voluntário parcial da dívida exequenda e da anulação oficiosa do remanescente—, não tornou inútil o presente recurso, na medida em que se mantém (parcialmente) o objecto do mesmo: a apreciação da invocada ilegalidade das dívidas exequendas.
nestes termos e nos mais de direito, que vossas excelências não deixarão de suprir, deve ser proferido acórdão que revogue a decisão singular proferida a fls. 907 e seguintes e, em consequência, determine o prosseguimento dos AUTOS.
Ouvidos o MP e a recorrida sobre o pedido, apenas a EPGA se pronunciou no sentido de que deve este tribunal conhecer do mérito ou demérito da pretensão da Recorrente nos termos requeridos.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais e de pedida informação ao SF no sentido de saber quais as partes anulada e paga, tendo a mesma sido prestada ficando a através da mesma a saber-se que a anulação se refere a juros de mora indevidamente calculados, havendo a recorrente procedido ao pagamento integral voluntário do valor de €1.836.818,55 (cfr. fls. 934ª 936).
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2. – Tendo em conta os fundamentos que ficaram expostos, há que atentar, antes de tudo, no probatório fixado na sentença recorrida e que releva para a apreciação da presente reclamação:
“1. Contra a oponente foi instaurado, em 22/09/2007, o processo executivo n°3301200701069837 por dívidas de contribuições à Caixa Geral de Aposentações relativas aos períodos de Abril a Agosto/ 2007 (informação de fls. 579 e capa do processo executivo, a fls. 594);
2. Serve de base à execução a certidão de dívida que constitui fls. 585 dos autos, a qual foi extraída, em 18/09/2007, pela Sra. Coordenadora do Gabinete de Planeamento e Gestão Financeira da CGA, dela constando, expressamente, que o valor da dívida é de € 1.811.850,96 correspondendo € 1.759.366,96 a contribuições e € 52.484,00 a juros de mora calculados até 18/09/2007;
3. A oponente foi citada em 28/09/2007 (informação de fls. 579, oficio de citação e documentos anexos e talões de registo postal e A/R, fls. 589 a 593):
4. Conforme consta do anexo à nota de débito que acompanha o título executivo, foram calculados os juros de mora à taxa de 1% ao mês, à razão de 5 meses para a dívida contributiva de Abril/2007, 4 meses para a de Maio, 3 meses para a de Junho, 2 meses para a de Julho e l mês para a de Agosto/2007 (fls. 585 a 587);
5. No ofício de citação consta como "valor da dívida" para além da "quantia exequenda" de € 1.811.850,96, o "acrescido" de € 22.177,63, no qual se incluem juros de mora referenciados a Setembro (fls. 589);
6. A dívida acha-se garantida por fiança (informação de fls. 579);
7. Não foi feita penhora de bens, nem efectuado o pagamento da dívida (informação de fls. 579);
8. A oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 29/10/2007, conforme carimbo aposto a fls. 4;
9. A oponente juntou aos autos o ofício da CGA n°0243, de 07/02/2007, que lhe foi dirigido, de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«A Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), em matéria de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), estabelece, no n°2 do seu art°19°, que as entidades com pessoal relativamente ao qual a CGA seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, devem contribuir para esta Caixa com uma importância igual a 3,75% da remuneração do referido pessoal sujeita a desconto de quota.
Assim, no que se refere a todo o pessoal da Portugal Telecom subscritor da CGA, relativamente ao qual esta Caixa é responsável pelo encargo com as pensões de sobrevivência, deverá a Portugal Telecom, S.A., passar a entregar a respectiva contribuição mensal a esta Caixa, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diga respeito.
Chama-se a atenção para o facto de a contribuição relativa ao passado mês de Janeiro dever ser entregue até ao dia 15 do corrente mês de Fevereiro».
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Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.
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Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova documental dos autos e informação de fls. 579.”
Aplicando o Direito à factualidade apurada, fundamentou o Mº Juiz a sua decisão de improcedência (parcial) da oposição:
“Inexequibilidade do título
Alega a oponente que a certidão que serve de base à execução não foi emitida por entidade competente, que é, nos termos da lei, a própria CGA.
Não se trata da falta de menção, no título, da entidade emissora ou promotora da execução, enquanto um dos requisitos do título (art°163°, n°1, alínea a), do CPPT).
Trata-se da alegação de falta de competência da entidade que emitiu o título e que a oponente diz ser o Sr. Director-Geral dos Impostos.
Entendemos que a falta de competência da entidade que extraiu, ou emitiu, o título, a verificar-se, constitui nulidade a determinar a sua inexequibilidade, (por carência de força executiva), com a consequente extinção da execução e, nessa medida, constitui fundamento de oposição subsumível na alínea i) do n°1 do art°204°, do CPPT.
Todavia, os elementos dos autos contrariam objectivamente o que alega a oponente.
Como resulta de fls. 585, foi a CGA, entidade promotora da execução (art°164°, do CPPT), que emitiu o título que serve de base à execução e através do qual se certifica que a oponente contraiu a dívida com a entidade por incumprimento do disposto no n°2 do art°19° da Lei n°53-A/2006, no valor de €1.759.366,96 de contribuições e € 52.484,00 de juros de mora.
O título foi, pois, emitido por entidade competente, que a oponente não põe em causa ser a própria CGA (vd. art°84°, da p.i.).
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Inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação das contribuições
Alega depois a oponente que não foi notificada da liquidação exequenda.
Todavia, compulsado o Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL n°498/72, de 9 de Dezembro, na redacção vigente ao tempo dos factos, o mesmo não prevê qualquer liquidação oficiosa das contribuições devidas à CGA no caso de omissão da obrigação de pagamento e das atinentes operações de lançamento e liquidação pelas entidades responsáveis.
A nosso ver, a situação é semelhante à que se passa com as dívidas contributivas à Segurança Social, em que, perante a mera constatação da omissão de um pagamento se permite a extracção de certidões de dívida, sem que haja um qualquer acto administrativo ou tributário prévio definidor dessa obrigação.
Consistindo o acto de liquidação na extracção da certidão de dívida, não há qualquer liquidação anterior ao procedimento de cobrança coerciva de que a CGA deva notificar a entidade responsável pelo pagamento.
Como assim, não pode ocorrer inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação antes da citação.
Como assinala o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em "Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado", Vislis, 4a edição (2003), em anotação ao seu artigo 204°, "A certidão para fins executivos que constitui o acto de liquidação, apenas é extraída caso o contribuinte não efectue o pagamento das contribuições no prazo legal e, por isso, o acto a impugnar será sempre, forçosamente, posterior ao termo do prazo de pagamento voluntário da dívida, não prevendo a lei qualquer meio para a sua impugnação contenciosa ".
Nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, a oposição pode ter por fundamento a ilegalidade da dívida, como previsto na alínea h) do n°1 do citado art°204°, do CPPT.
Ou seja, a oposição à execução mostra-se, excepcionalmente, o meio processual próprio para impugnar a liquidação.
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Apreciação da legalidade da dívida com os fundamentos concretamente invocados
Porém, no caso dos autos, o que a oponente pretende questionar é, por um lado, a constitucionalidade do comando previsto no n°2 do art°19° da Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro (OE/2007), o qual estatui que "Para as entidades com pessoal relativamente ao qual a Caixa Geral de Aposentações seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, a contribuição é igual a 3,75% da remuneração do referido pessoal sujeita a desconto de quota ".
E, por outro, a qualificação daquele comando como acto administrativo, praticado com vícios de forma, por falta de fundamentação e preterição da audiência prévia, conducente à sua invalidade.
Ora, discutir a inconstitucionalidade e a ilegalidade do comando contido no art°19°, n°2, da Lei n°53-A/2006, já a oponente o podia ter feito, através do meio processual adequado, no seguimento da notificação da CGA referida supra, em 9) do probatório (que fixou prazo para a obrigação de liquidação e pagamento das contribuições por essa taxa), não podendo a oposição servir, agora, como uma segunda oportunidade para exercer direitos impugnatórios.
Tudo quanto a oponente poderia fazer agora, em sede de oposição, era discutir o cálculo das contribuições ou o montante da dívida resultante da aplicação daquela taxa de 3,75%, que não a inconstitucionalidade, ou ilegalidade, do comando que a fixou.
Ou seja, a nosso ver, não é possível discutir em processo de oposição, o segmento da ilegalidade (abstracta ou concreta) do acto exequendo que o interessado já pudesse ter contestado através da adequada acção impugnatória.
Nessa medida, fica prejudicado o conhecimento das questões atinentes à inconstitucionalidade, ou ilegalidade, do comando contido no art°19°, n°2, da Lei n°53-A/2006.
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Ilegalidade da liquidação de juros moratórias na certidão de dívida
Outrossim, invoca a oponente a ilegalidade da liquidação dos juros de mora contidos na certidão de dívida que serve de base à execução.
A seu ver, se o acto de extracção daquela certidão é o acto de liquidação, então, até à extracção da certidão são devidos juros compensatórios e não juros moratórios, cuja taxa é muito superior à daqueles.
Apoia-se, nomeadamente, em considerações do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na obra citada.
Todavia, não é assim, porquanto, a extracção da certidão de dívida que aquele autor entende como o acto de liquidação, tem eficácia declarativa não sendo constitutiva da obrigação contributiva, nem de entrega das contribuições ("até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diga respeito", sendo a partir desta data que se contam os juros de mora) - artigos 35°, n°1 e 44°, n°1, da LGT e 1°, do DL n°73/99, de 16 de Março.
Com interesse, embora por referência a contribuições para a Segurança Social, pode ver-se o acórdão do STA, de 19/09/2007, proc. 252/07.

Duplicação de juros moratórios em cobrança coerciva
Por último, vem impugnada a liquidação de juros moratórios incluída no «acrescido» constante da citação (vd. fls. 589).
Do ofício de citação consta, textualmente, o seguinte: «O acrescido é constituído por juros de mora e custas processuais, e os juros de mora estão calculados com referência ao mês de Setembro, continuando-se a vencer por cada mês de calendário ou fracção e as custas são actualizadas em função da fase processual e encargos. Sobre coimas e multas não incidem juros de mora».
Estatui o n°1 do art°1°, do já citado DL n°73/99, que "São sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, seja qual for a forma de liquidação em cobrança, provenientes de:
a) Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário;
b) ...... "
Estabelece o n°1 do seu art°3° que, "A taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente".
Na certidão de dívida extraída pela CGA estão calculados juros de mora até 1 8 de Setembro (vd.fls.599 a 601).
Tendo a citação sido efectuada nesse mesmo mês (vd. fls. 603 e ss.), os juros de mora nela incluídos por referência a esse período traduzem uma duplicação na exigência de juros, o que consubstancia violação de lei por erro nos pressupostos, determinante da sua invalidade.
DECISÃO
Com os fundamentos expostos, o tribunal decide:
Julgar a oposição parcialmente procedente quanto aos juros de mora incluídos na citação e referenciados ao mês de Setembro de 2007, devendo ser anulado o montante do «acrescido» na parte correspondente”
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É do seguinte teor o despacho reclamado:
“FLS. 907:
O Sr. Chefe do SF proferiu nos autos de execução de que esta execução é incidente, despacho do seguinte teor:
Declaro extintos os autos acima identificados nos termos da al. a) e b) do artº176º do CPPT, na medida em que o executado nos autos, antes identificado, efectuou o pagamento parcial da quantia exequenda e acrescidos e os serviços efectuaram a anulação do remanescente por se mostrar indevido.
Aos 2011/04/12”.
Importa, por isso, retirar as consequências da conduta da oponente e ora recorrente ao pagar parte da dívida ao mesmo tempo que os SF determinaram a anulação do remanescente.
Ora, provando nos autos que, entrementes, foi efectuado o pagamento voluntário parcial da dívida exequenda (que é a forma de extinção da relação jurídica tributária cfr. artº 40º da LGT e é causa de extinção da execução cfr. artºs. 264º, obrigando o órgão da execução fiscal a essa declaração, cfr. artº 269º, ambos do CPPT), e anulada oficiosamente a parte restante, há-de concluir-se que a oposição, com a qual se visava a extinção do processo executivo, perdeu por isso o seu objecto.
Assim sendo, também a este recurso falece o competente objecto, o que o torna de todo inútil em superveniência.
A figura processual da inutilidade superveniente da lide nada tem a ver com o bem ou mal fundado da pretensão do demandante e implica a abstenção de um juízo sobre essa questão de mérito. Obriga antes a indagar se a pretensão formulada pelo interesse foi satisfeita por acto ulterior da entidade pública (fosse qual fosse o seu fundamento jurídico), privando de qualquer utilidade o eventual triunfo que aquele alcançasse no pleito.
Ainda que fosse julgada a decisão sob recurso, tal acórdão não teria a mínima utilidade, uma vez que o recurso em causa e que se pretendia que fosse julgado perdeu a sua razão de ser face à ocorrência dos actos que conduziam ao efeito útil típico da processo de execução que é a declaração do indevido definitivo da dívida exequenda, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade da lide por já ter sido paga parte da dívida e anulada a restante, faz improceder o recurso imediatamente em virtude de persistir a inutilidade da lide por perda do objecto do recurso com o qual se visava defender a titularidade de um interesse directo e legítimo através do processo de oposição, o que obsta à apreciação dos fundamentos postos no recurso visando a declaração do indevido definitivo da dívida exequenda com a consequente extinção da instância executiva.
É que, a inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, de harmonia com o disposto na al. e) do artigo 287 do Código de Processo Civil é, em tal circunstância, configurável uma excepção peremptória inominada cuja consequência jurídica é a extinção da instância por falta de objecto em virtude do pagamento efectuado nos citados termos e cujo conhecimento é oficioso como decorre dos artºs. 474º,nº.1 al. c) e 500º do CPC e do artº 333º do Ccivil.
Na verdade, a consequência jurídico – processual normal do pagamento voluntário da quantia exequenda é a extinção da execução por falta de objecto – cfr. artºs 264º e 269º do CPPT.
E, correspondendo a oposição à execução fiscal aos embargos de executado em processo civil (artºs. 812º e seguintes do CPC) apesar de apresentar a fisionomia duma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, ela funciona como contestação pois o seu fim específico é impugnar a própria execução fiscal e daí o seu nome oposição. Nesse sentido A José de Sousa e Silva Paixão CPPT, 2ª anotação ao artº 203º.
A essa luz, a declaração de inutilidade é um acto processual que implica, normalmente, a extinção da execução e da oposição que a integra como sua fase típica.
Nada impede, pois, que, conhecendo da excepção em causa, se extraia o efeito jurídico – processual por respeito de um imperativo legal contido no citado artº 269º do CPPT:- “Efectuado o pagamento voluntário, o órgão da execução fiscal onde correr o processo declara extinta a execução” ( sendo que tal despacho nem sequer tem de ser notificado por força do disposto no nº 2 do artº 261º do CPPT, entendimento que sempre foi afirmado no domínio do CPCI e do CPT, como decorre do Ac. do STA de 20/6/79, Recurso nº 1285), implicando essa declaração, a impossibilidade/inutilidade de conhecimento do fundo da causa.
E, quem deu causa à extinção da instância por impossibilidade/inutilidade foi, quanto à parte voluntariamente paga, a oponente/executada mas, quanto ao remanescente que foi anulado por se mostrar indevido, as custas ficarão a cargo da AF.
Assim sendo, julga-se extinta a instância executiva e o próprio recurso, com custas pelas partes em correspondência dos valores pagos pela oponente e anulados pela exequente, respectivamente.
Notifique.
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Lisboa, 30-05-2011”
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3. – São estas as realidades e ocorrências que relevam para apreciar a reclamação sub judice.
Nesse sentido, diga-se que é de sufragar o entendimento da doutrina e da jurisprudência evocado pela reclamante no sentido de que em regra, o pagamento efectuado no prazo da oposição tornará inútil a apresentação da oposição, justificando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e de que há situações em que a oposição à execução pode ter objecto a impugnação do acto de liquidação, mormente quando o oponente pretende imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta [alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT] e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [alínea h) do n.°1 do art. 204.° do CPPT] casos em que, na verdade e no rigor, a oposição como que se emancipa da execução no âmbito da qual foi deduzida, assumindo-se como uma impugnação judicial, razão pela qual apenas o desaparecimento da ordem jurídica do acto impugnado, e não o pagamento da dívida tributária, determinará a impossibilidade superveniente da lide.
Ora, o «thema decidendum» é precisamente o de saber se, no caso posto, estamos perante alguma dessas situações excepcionais, ou seja, se o oponente imputou, de facto, ao acto em causa uma ilegalidade abstracta [alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT] e se a lei não lhe assegurava meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [alínea h) do n°1 do art. 204° do CPPT].
Vejamos.
Os fundamentos de oposição encontram-se enunciados nas diversas alíneas do n°1 do art° 204° do CPPT.
Dado que os títulos executivos na execução fiscal se equiparam a decisões com trânsito em julgado (art° 164°), a oposição deve aproximar-se, o mais possível, dos embargos de executado, em processo comum, relativos à execução fundada em sentença (art° 813° do CPC).
Todavia, a discussão sobre a legalidade em concreto da dívida exequenda só é permitida e possível quando a lei não preveja ou possibilite recurso contencioso ou outro meio judicial de impugnação do acto de liquidação subjacente, nos termos do disposto na al. h) do n°1 do art°204° do CPPT.
É que os fundamentos de oposição são meios de defesa residuais ou sobrantes que, excepto a inexistência de outro meio de defesa, não podem envolver o conhecimento daquela legalidade (cfr. Acs do STA, de 17/9/99, proc° n°24081 e de 20/10/99, proc°23663).
Tal é emanação do princípio de que os vícios próprios do acto exequendo devem ser apreciados na impugnação judicial e dentro dos prazos previstos para o efeito, sendo que só as ilegalidades referentes ao acto executório devem ser conhecidos nos meios previstos na lei de oposição à execução.
Importa, pois, determinar se foi invocado algum fundamento válido de oposição começando por aquilatar se é este o meio próprio para conhecer da factualidade alegada por referência à norma da al. h) do artº204° do Código de Procedimento e Processo Tributário que estabelece, como fundamento da oposição a: “ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.”
Nesse sentido, cumpre salientar que, em regra, a fase executiva é precedida da uma fase administrativa prévia em que é feita a liquidação da dívida exequenda, sendo esta notificada ao interessado, que a pode impugnar pelos meios administrativos e contenciosos previstos na lei (designadamente reclamação graciosa e impugnação judicial), dentro dos prazos legais.
Por isso, como regra, não pode discutir-se na oposição à execução fiscal, a legalidade dessa liquidação, que só pode sê-lo pelos meios próprios de reclamação ou impugnação.
Com efeito, a oposição à execução, em princípio, não pode funcionar como uma segunda oportunidade para poderem fazer valer os seus direitos os contribuintes que deixaram passar os prazos de impugnação administrativa ou contenciosa sem os defenderem.
Como fundamento de oposição à execução, apenas está prevista a designada ilegalidade abstracta da liquidação, por a ilegalidade não residir directamente no acto em que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.
Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 3a edição, 2002, pág. 970 e ss..
Tendo isso presente, há um prius determinante para a decisão da causa e que passa pela qualificação do acto que fez a aplicação da lei ao caso vertente, o que passa pela análise do ofício da CGA n°0243, de 07/02/2007, dirigido à executada, de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte (cfr. ponto 9 do probatório):
«A Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), em matéria de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), estabelece, no n°2 do seu art°19°, que as entidades com pessoal relativamente ao qual a CGA seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, devem contribuir para esta Caixa com uma importância igual a 3,75% da remuneração do referido pessoal sujeita a desconto de quota.
Assim, no que se refere a todo o pessoal da Portugal Telecom subscritor da CGA, relativamente ao qual esta Caixa é responsável pelo encargo com as pensões de sobrevivência, deverá a Portugal Telecom, S.A., passar a entregar a respectiva contribuição mensal a esta Caixa, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diga respeito.
Chama-se a atenção para o facto de a contribuição relativa ao passado mês de Janeiro dever ser entregue até ao dia 15 do corrente mês de Fevereiro».
Ora, da leitura do ofício acabado de transcrever, vemos claramente que aquele não visou a preparação de uma resolução definitiva e executória da AF sobre a aplicação de uma norma tributária material num caso concreto, o que o mesmo é dizer, a declaração da dívida de imposto.
Na verdade, porque só a liquidação afecta, em princípio, os direitos e interesses do contribuinte, só ela é impugnável, abarcando, todavia, essa impugnação todos os referidos actos anteriores, de harmonia com o princípio da impugnação unitária consagrado na nossa lei (impugnação que pode ter por fundamento quaisquer ilegalidades cometidas ao longo do procedimento de liquidação, com vista à respectiva anulação, designadamente a verificação de pressupostos de facto e de direito para determinada isenção que não foi tida em conta pelo órgão liquidador, assegurando-se, desta forma, uma completa e eficaz tutela dos direitos dos contribuintes a não pagarem impostos ilegais).
Vale isto por dizer que a liquidação em sentido estrito se insere num processo típico - processo de liquidação ou liquidação em sentido amplo - e que só esta define a situação jurídica do contribuinte em relação ao imposto.
A liquidação em sentido amplo é o «acto pelo qual se fixa não só o montante da prestação mas todo o conteúdo da relação juridicamente tributária nascida da conjugação do facto concreto com a lei» (cfr. Rodrigues Pardal e Rúben de Carvalho, in "Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado", Vol. I, pág. 43 e A. Xavier, in "Conceito e Natureza do Acto Tributário", pág. 245 e segs.), abarcando toda a actividade desenvolvida pela administração fiscal até à exigência final do tributo: desde a determinação da incidência, das isenções, da matéria colectável, da liquidação propriamente dita (cfr. ob. citada de Rodrigues Pardal e Rúben de Carvalho, pág. 42).
Assim, porque só a liquidação define a situação jurídica do contribuinte em relação ao imposto, só ela pode afectar ou lesar - como prestação pecuniária que é - os seus direitos e interesses, nomeadamente de carácter patrimonial (cfr., aliás, o Acórdão do STA, Pleno, de 27/06/75, in A.D. nº 168, pág. 1637).E porque só ela afecta, em princípio, os direitos e interesses dos contribuintes, só ela é impugnável, abarcando todos os actos anteriores, dentro do princípio da impugnação unitária, sem prejuízo dos chamados actos destacáveis que também definem determinada situação jurídica e que por isso são igualmente impugnáveis (cfr. arts. 120º e segs. do CA...ou arts. 99º e segs. do CPPT, que prevêem a impugnação do acto tributário com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente, vício de forma, incompetência, violação de lei, inexistência de facto tributário, etc., visando sempre a anulação da liquidação).
Dito de outro modo: - não estamos perante uma liquidação a qual, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência fiscais, se traduz numa declaração de vontade da Administração, através dos seus órgãos competentes, no sentido de exercer o seu direito concretizado na exigência de um determinado imposto. Deste modo, ela traduz-se em uma das fases que a relação jurídica do imposto comporta e que, regulando-se por regras e princípios próprios, conserva a sua autonomia em relação às demais, designadamente quanto à cobrança.
E é precisamente por essa razão que se permite a cobrança de dívidas através da execução fiscal que não revestem a natureza ou provêm de “questões fiscais”.
Ora, se não estamos, verdadeiramente, perante uma “questão fiscal” por não estar em causa o acto tributário de “liquidação”, mas um acto de distinta natureza que foi comunicado pelo dito ofício, importará determinar qual a natureza de tal acto para, depois, se aferir se poderia a oponente discutir a Ilegalidade da dívida exequenda por meio da presente oposição à execução fiscal.
Antes disso mas com relevância para isso, deve assentar-se que a lei assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação pelo que, se o acto em apreço se tratasse de uma liquidação, face ao invocado pela oponente, não tendo a mesma reagido contra a ilegalidade da liquidação, em devido tempo e pelo processo adequado, ficaria precludida a sua apreciação em sede de execução fiscal à luz da al. h) do nº 1 do artº204º do CPPT; assim, o processo de oposição à execução não era o instrumento processual adequado para nele ser apreciada a questão da ilegalidade do acto que a própria oponente classifica de “administrativo” e pelos vícios que lhe assaca (falta de fundamentação, falta de audiência prévia ou outros vícios de violação de lei como o erro nos pressupostos de facto e de direito que a oponente entendesse imputar ao acto).
Em face do acabado de expor e sobre a questão da ilegalidade da dívida exequenda adveniente da ilegalidade do comando contido no n°2 do art°19° da Lei n°53-A/2006, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, bem como por, tratando-se de um acto administrativo, falta de fundamentação e por preterição do princípio da audiência previa dos interessados, concorda-se acompanha-se a fundamentação vertida na Sentença recorrida, segundo a qual "...discutir a inconstitucionalidade e a ilegalidade do comando contido no artº19°, nº2, da Lei n°53-A/2006, já a oponente o podia ter feito, através do meio processual adequado, no seguimento da notificação da CGA referida supra, em 9) do probatório (que fixou prazo para a obrigação de liquidação e pagamento das contribuições por essa taxa), não podendo a oposição servir, agora, como uma segunda oportunidade para exercer direitos impugnatórios." (cfr. penúltimo parágrafo de pág. 1O da Sentença recorrida).
Diga-se que nas suas contra -alegações, e no que tange à invocada ilegalidade das dívidas exequendas adveniente da ilegalidade do comando contido no n°2 do artigo 19° da Lei n°53-A/2006, a recorrida sustenta que o n°2 do artigo 19° do referido diploma não constitui um acto administrativo sob a forma de lei.
Para tanto, refere que o acto normativo é geral e abstracto mas que há leis que se traduzem em medidas como naquelas situações em que o legislador, com o intuito de intervir, actua de forma fragmentária, descendo ao particular, ao concreto.
Donde que para a recorrida o n°2 do artigo 19º da Lei n°53-A/2006 não é um acto administrativo sob a forma de lei pois, não obstante ser possível identificar os seus destinatários presentes há no n°2 do artigo 19° uma intenção inequívoca de generalidade: sujeitar todas as entidades que apenas são responsáveis pelo encargo com as pensões de sobrevivência do seu pessoal a contribuir para o financiamento da CGA.
Consequentemente, por não se tratar de um acto administrativo, ao n°2 do artigo 19º não podem ser imputadas a violação do dever de fundamentação e o dever de prévia audiência dos interessados.
Todavia, à primeira vista parece que o Despacho em apreço visa projectar os seus efeitos para fora do âmbito meramente organizativo e inter -orgânico da Administração, servindo de suporte, para a definição de situações jurídicas individuais, deste modo acabando por ter uma repercussão directa na esfera jurídica dos funcionários da Portugal Telecom, que pretendem ver deferido o seu pedido de pensão de sobrevivência pelo que, tendo como destinatários todos os serviços da Portugal Telecom nas aludidas situações, lato sensu, procede a uma efectiva regulação sobre um dos requisitos da atribuição das pensões [o que nos coloca perante normas jurídicas de carácter geral e execução permanente produtoras de efeitos externos], exercida no desempenho do poder administrativo, revestindo assim natureza regulamentar, apresentando-se assim materialmente como despacho normativo embora se lhe não confira formalmente uma tal designação (Sobre o conceito de regulamento, cf., v.g., Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, em anotação ao artº 114º, ali se fornecendo abundante resenha doutrinal e jurisprudencial.)( Por mais recente pode ver-se sobre muitas das questões suscitadas pelos regulamentos, e também com vasta resenha da doutrina e jurisprudência, o Parecer do CC DA Procuradoria-Geral da República, nº 66/2005, in DR.II.Nº 167, de 31 de Agosto de 2005, a p. 12723.).
Ou seja, tudo aponta para que estamos perante um corpo de prescrições que não se esgota no âmbito da organização administrativa, na medida em que, da sua aplicação através de actos administrativos acabam por se operar efeitos em situações individuais e concretas exteriores à Administração, repercutindo-se concretamente na esfera jurídica dos interessados na aposentação, assim modelando a atribuição do respectivo estatuto.
Por esse prisma e em relação aos vícios do acto invocados, dúvidas não sobram de que a oponente veio discutir a legalidade não da liquidação, mas de um acto normativo (ou administrativo) e que a oposição à execução fiscal não é o meio próprio para discutir a legalidade em concreto do mesmo, devendo por isso concluir-se que ela devia ter sido apreciada em sede da acção administrativa especial visando a declaração de ilegalidade de normas (artº 46º nºs1, 2 al. c) do CPTA), meio esse que não foi usado pela oponente.
Na verdade, por via de regra, os actos normativos não eram impugnáveis directamente perante os Tribunais. Só o acto administrativo que os aplicava ao caso concreto podia, na maioria dos casos, ser objecto de apreciação judicial.
Como assinala Vieira de Andrade, "Justiça Administrativa" (Lições), 1998, 100, "A impugnação judicial directa de normas administrativas, designadamente de regulamentos, sempre teve um tratamento próprio na legislação e na doutrina administrativa, em que avulta uma relativa resistência à sua admissibilidade: Num primeiro plano, por estarem em causa regras gerais e abstractas, em princípio insusceptíveis de produzirem lesões directas na esfera dos particulares (a lesão resultaria do acto de aplicação do regulamento, que seria sindicável); num outro plano, quando estavam em causa regulamentos governamentais, por um tradicional respeito pela autoridade normativa do governo, muitas vezes expressão de opções políticas ou quase políticas."
A possibilidade de impugnação directa de normas regulamentares teve tradicionalmente um campo de aplicação muito limitado (artº16, nº1, da LOSTA, artº56, § 1.º, do RSTA e artº828, § único, n.º 2, do CA), campo esse que tem vindo a ser alargado após a reforma legislativa que pôs o complexo processual administrativo actual em vigor (cfr. o art.º4º, n.º 1, al. b) do ETAF).
Depois da revisão constitucional de 1997 teve mesmo consagração na Lei Fundamental, no n.º 5 do art.º 268, onde se afirma que "Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos."
Não se põe a questão da conformidade constitucional das normas processuais administrativas que prevêem os expedientes processuais de impugnação de normas e de pedidos de declaração de ilegalidade de normas com o citado art.º 268, n.º 5 da CRP. Na verdade, se alguns autores se insurgem contra a dicotomia recurso de normas e pedido de declaração de ilegalidade (Marcelo Rebelo de Sousa, "Lições de Direito Administrativo", I, 478 e Vieira de Andrade, "A Justiça Administrativa, Lições, 101) a verdade é que ninguém questiona a fórmula que o legislador ordinário adoptou, designadamente para a formulação daquela norma do CPTA.
Embora não caiba neste âmbito decidir se no caso dos autos estamos em presença de um acto administrativo ou de um acto normativo, acabamos por considerar que o acto em causa reúne as características do primeiro por referência ao artº 120º do CPA.
Isso não obstante seja certo que há uma lesão não meramente potencial ou indirecta, pois estamos perante um acto normativo que opera imediatamente, sendo certo que é inerente a qualquer diploma geral e abstracto, conforme se doutrina no acórdão do Pleno do Contencioso Administrativo de 25.6.97, proferido no R. 30808, "São características do acto normativo a generalidade e a abstracção, consistindo aquela na aplicação a pessoas não determinadas nem determináveis, ainda que o possam ser por pertencerem à categoria abstractamente indicada no acto; enquanto a segunda característica se traduz na aplicação a um número indeterminado de casos.”
Determina o nº 1 do artº 46º do CPTA que “Seguem a forma da acção administrativa especial, com a trami­tação regulada no capítulo III do presente título, os processos cujo ob­jecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo.”
E o nº 2 do mesmo preceito explicita, para o que releva ao caso, que
2 - Nos processos referidos no número anterior podem ser formu­lados os seguintes pedidos principais:
a) Anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nuli­dade ou inexistência jurídica;
b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido;
c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo;
(…)”

Vê-se, pois, que esta forma de acção engloba assim o contencioso anulatório e o con­tencioso das omissões administrativas: enquanto processo impugnatório, a acção administrativa especial corresponde ao antigo recurso contencioso de anulação, quando tenha como objecto a impugnação de um acto adminis­trativo, e ao antigo processo de impugnação de normas, quando vise a im­pugnação de uma norma administrativa; no ponto em que se destine a efec­tivar uma pretensão dirigida à prática de um acto administrativo devido ou à emissão de uma norma, a acção administrativa especial dá concretização prática, no plano processual, ao imperativo constitucional decorrente do n.° 4 do art. 268.° (quando garante, no âmbito da tutela jurisdicional admi­nistrativa, o acesso a um tribunal para a determinação judicial da prática de actos devidos).
Como denotam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha in Comentário ao CPTA, 2ª ed., em notas ao artigo em análise, a acção administrativa especial não constitui um meio processual específico, mas antes um modelo de tramitação a que se recon­duzem certo tipo de pretensões judiciais. Cada tipo de pretensão, embora subordinado a uma mesma forma de processo, depende de requisitos pro­cessuais específicos e obedece a um regime jurídico substantivo próprio à luz dos quais o tribunal deverá analisar, respectivamente, a procedibilidade da acção e o mérito da causa.
Nessa conformidade, são quatro os tipos de pretensões que podem ser deduzidos, a título principal, ao abrigo da designada acção administrativa especial: (a) anula­ção de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica - cfr. arts. 50.° a 65.°; (b) condenação à prática de um acto adminis­trativo legalmente devido - cfr. arts. 66.° a 71.°; (c) declaração de ilegalidade de uma norma regulamentar ou de outra norma emitida ao abrigo de dispo­sições de direito administrativo - cfr. arts. 72.° a 76.°; (d) declaração da ile­galidade da não emanação de uma norma regulamentar ou de outra norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administra­tivo (cfr. art. 77.°).
De todo o modo e para o que ao caso releva, ainda segundo os mesmos autores em anotações ao artigo 72º do CPTA, o acto normativo caracteriza-se peia concorrência das notas da generalidade e da abstracção, traduzindo-se a primeira na indeterminação dos res­pectivos destinatários, que não são identificados no respectivo texto e implicando a se­gunda que o comando se não esgote num único acto de aplicação, e seja antes susceptível de ser aplicado a um número indeterminado de casos.
Ao acto geral e abstracto contrapõe-se o acto individual (que se aplica a pessoa ou pessoas determinadas) e concreto (que se aplica apenas numa situação concreta determinada), sendo estas duas vertentes que caracterizam o conceito de acto administrativo, segundo a própria definição constante do artigo 120.° do CPA.
Na senda da doutrinação dos mesmos autores, “Não deixam de ser actos administrativos, distinguindo-se do comando geral e abstracto, os actos colectivos, que têm como destinatário um conjunto unificado de pessoas (v. g., a decisão de dissolver um órgão colegial) e os actos plurais, que se dirigem a uma pluralidade de pessoas perfeitamente identificáveis e cujos efeitos se produzem individualmente em relação a cada uma delas, tudo se passando como se o acto se cindisse em diversas decisões individuais aplicáveis a cada uma das pessoas envolvidas (v. g., o despacho de nomeação de vários funcionários). São ainda actos administrativos "aque­les actos que se aplicam a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem de­terminados, ou determináveis no local", e que poderão designar-se como actos administrativos gerais (v. g., a ordem de dispersão de uma manifestação).
Mais problemática é a caracterização daquelas decisões que, em vista de uma situação concreta, se dirigem a uma pluralidade de pessoas, que não é imediatamente determinável (v. g., o edital de mobilização militar). Estes actos apresentam uma característica de generalidade (aplicam-se a todos os indivíduos que preencham os requisitos neles definidos), mas em contrapar­tida destinam-se a regular uma situação concreta e, desse modo, escapam ao carácter de abstracção que é próprio dos actos normativos. A doutrina tende a incluir estes actos na categoria dos actos administrativos gerais conside­rando que, "dispondo sobre uma situação de facto concreta, esses actos es­gotam os seus efeitos numa única aplicação e perdem toda a razão de ser para o futuro".
A essa luz, propendemos para considerar que, no caso concreto, estamos perante um acto administrativo o qual seria impugnável através de acção administrativa por conter manifestamente efeitos lesivos imediatos de impugnação directa.
Seja como for, mesmo que se tratasse de um acto normativo, a sua ilegalidade teria de ser igualmente conhecida na acção própria que era sempre a acção administrativa especial com observância dos requisitos específicos a que acabámos de aludir.
Significa, pois, que não estamos perante uma “questão fiscal”.
Na esteira do Acórdão deste TCAS de 15-01-2008, Secção do Contencioso Tributário, recurso 02159/07, relatado pelo relator desta formação, publicado em www.dgsi.pt e cuja fundamentação vamos seguir, uma vez que a oponente invoca a ilegalidade daquele acto administrativo, em que assentará a pretensão principal impugnatória a deduzir sob a forma de acção administrativa especial, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, impõe-se determinar se ocorre ou não a incompetência material do Tribunal para conhecer da referida ilegalidade, o que passava necessariamente pela qualificação prévia dos actos impugnados como envolvendo, ou não, “questões de natureza fiscal”.
Preliminarmente, diga-se que, em geral, o conceito de competência é definido como o complexo de poderes funcionais conferidos por lei a cada órgão ou cargo para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado.
O artº 20º, nº 1 da Constituição determina que «a todos é assegurado o acesso ao direito aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos».
Consagra este preceito, além do mais, o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional que implica naturalmente a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva.
Tendo isso presente, o certo é que, a política conformadora do Estado social levou a Administração a invadir os campos mais insuspeitados da actividade individual, tornando os cidadãos cada vez mais dependentes das suas prestações.
Falida a concepção liberal em que se defendia a abstenção do Estado como forma de protecção do cidadão, hoje, adversamente, reclama-se a sua intervenção na vida económica, social e cultural, de forma a criar as condições indispen­sáveis à realização do homem.
O Estado social implica, pois, a existência de uma Administração «constitutiva» ou «conformadora» em ordem à realização de uma ideia de justiça social, extirpando os resquícios de uma Administração eminentemente absten­cionista e «agressiva» típica do Estado anterior, o que acarreta, incontornavelmente, a omnipresença da Administração na vida social e a proliferação de situações em que esta pode colidir com os direitos e interesses do cidadão, com o consequente aumento da conflitualidade.
No reverso, cresce um sentimento generalizado da necessidade de reforço das garantias dos administrados e, na esfera do político, nota-se uma pulverização e democratização do poder com alterações na estrutura organizativa da Administração Pública.
Assim se justificam os movimentos de descentralização e desconcentração das competências administrativas, com a inevitável multiplicação dos órgãos capazes de praticarem actos definiti­vos os quais deixaram, assim, de ser atributo dos poucos órgãos supremos que mereciam um maior crédito quanto à responsabilidade e ao cuidado na obser­vância da legalidade nas suas decisões.
Todavia, se é certo que a fragmentação do poder implicou que a Administração deixasse de ter o monopólio da titularidade e gestão dos interesses gerais, dando origem a que dentro do próprio Estado surgissem novos entes públicos que configu­ram outros tantos centros autónomos de decisão e de poder que concorrem para a realização do interesse público, também o é que no exterior do aparelho estadual se assiste à gestão de interesses colectivos por entes que não fazem parte do complexo orgânico da Administração.
Daí que a Administração e os entes, que não fazem parte do complexo orgânico da Administração mas procedem à gestão de interesses colectivos, esteja agora mais vinculada ao direito, já que não só tem de cumprir as condições e os limi­tes expressamente fixados na lei, mas também tem de respeitar princípios jurídicos fundamentais, nomeadamente os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, ou seja, a Administração, no seu todo, está submetida ao princípio da juridicidade, concepção que traduz com mais rigor a sua vinculação ao direito do que o tradicional princípio da legalidade.
Ora, no Estado social e democrático, os textos constitucionais, reagindo contra uma concepção puramente retórica dos direi­tos fundamentais, consagraram direitos liberdades e garantias eficazes por si mes­mos e vinculativos para todos os poderes públicos e privados e privados.
Todavia, a efectividade do seu reconhecimento exige uma protecção jurisdicional imediata sem a qual as declarações constitucionais não passam de figuras retóricas, de tex­tos declamatórios que formulam ideários, mas não atribuem nem protegem direitos.
Nesse sentido, há que reconhecer e impor mudanças nas relações entre a Administração e os administrados de modo a que se reduza a superioridade da Administração perante o cidadão que deixa de ser mero destinatário da acção administrativa, transmutando-se em sujeito de direitos que a Administração, como qualquer outro poder do Estado, ou privado actuando no âmbito do interesse público, tem de respeitar.
A Administração apresenta-se, segundo esta visão, como um poder autónomo, mas em paridade institucional com os outros poderes, direccionado à realização em concreto do interesse público mediante a prática de actos dotados de poder de imperium, de força de autoridade em que, todavia, as exigências de celeridade e eficiência da sua actuação perdem a natureza de valor absoluto, para, casuisticamente, serem conciliadas com os limites postos pelos direitos fundamentais do cidadão e os prin­cípios constitucionais.
Em vista do caso concreto, entre os direitos fundamentais recolhidos na lei fundamental, há a destacar a consagração do direito à tutela judicial efectiva que visa alcançar um controlo integral e pleno da actividade administrativa como o principal instrumento de defesa dos par­ticulares face à Administração.
Mas isso não era compatível com um contencioso de tipo puramente impugnatório face à multiplicação e complexificação de modos de conduta da Administração que atrás já se assinalaram, quando é certo que tradicionalmente o processo contencioso foi perspectivado e estruturado à luz da configuração bilateral da relação jurídico - administrativa, e a complexidade das tarefas do estado social atestam um aumento crescente das relações jurídicas poligonais.
Este estado de coisas impôs o aperfeiçoamento e adaptação dos meios processuais do Contencioso no sentido de uma plena jurisdição e abertura para as mais variadas formas de acção administrativa com a inevitável desvalorização do acto administrativo como figura nuclear do contencioso administrativo e a relativização da importância que esse acto desempe­nha na dogmática clássica do direito administrativo, quer no plano do direito adjectivo, quer no do direito substantivo.
Respiga-se, a tal propósito, Gomes Canotilho, cfr. «Procedimento Administrativo e defesa do ambiente», RLJ, 123 (1990/91), p. 136 ss: «é tempo de se perguntar se o “eixo” do direito administrativo deve continuar a ser o acto administrativo ou se é metódica e cientificamente mais frutuoso deslocar esse “eixo” para as relações jurídico - administrativas e para a fenomenologia procedimental do desenvolvimento da acção administrativa».
Tendo em conta os precedentes considerandos diga-se que, no âmbito da pessoa colectiva Estado e no quadro da clássica divisão de poderes ou funções - legislativas, administrativas e jurisdicional -, a questão da competência em apreço recorta-se, entre nós, na área jurisdicional, isto é, face às diversas ordens de tribunais.
A questão da competência jurisdicional para o efeito de saber se a relação do recorrente e recorrida tem uma natureza originariamente na totalidade, e parcialmente na actualidade, de direito público coloca-se perante o ramo da alternativa de uma de duas ordens de tribunais - judiciais e administrativos.
Aos referidos tribunais - órgãos de soberania - compete administrar justiça em nome do povo (artigo 205°, n° 1, da CRP).
Os conceitos de jurisdição e de competência traduzem realidades conexas mas distintas, significando o primeiro o poder de julgar genericamente atribuído, na organização do Estado, ao conjunto de tribunais, e o último a medida de jurisdição legalmente atribuída a cada um deles.
A medida de jurisdição de cada um dos tribunais, ou seja, a sua competência é susceptível de variar em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território (artigo 13°, n°1, da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro - LOTJ).
No caso em apreço só releva a divisão interna do poder jurisdicional pelas diferentes categorias de tribunais segundo o critério da natureza da matéria dos litígios, isto é, a vertente da competência material.
A competência em razão da matéria fragmenta-se pelas diversas categorias de tribunais à luz do chamado princípio da especialização inspirado na ideia de vantagem de atribuir a determinados órgãos jurisdicionais o conhecimento de questões reguladas por específicas áreas de direito em razão da sua vastidão ou especificidade.
Compete-lhes, segundo a referida matriz constitucional, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenha por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 214°, n° 3, d CRP).
Em desenvolvimento do estatuído nos artigos 211°, n°1, alínea b), e 214°, n°3, da CRP foram publicados o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril, e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA -, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho e, depois, o CPTA.
A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, com o estatuto de órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 1° do ETAF).
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. artigo 4° do ETAF).
A expressão "contencioso administrativo "é utilizada pelas leis em pelo menos cinco sentidos distintos - orgânico, funcional, material, instrumental e normativo - a maioria deles sem grande rigor.
No presente caso releva o sentido material da expressão contencioso administrativo isto é, "o conjunto de litígios entre a Administração Pública e os particulares, que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com aplicação do Direito Administrativo”.
No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais.
O contencioso administrativo por natureza ou essencial constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.
Na senda do Acórdão deste TCAS de 18.01.2005, no Recurso nº 108/04, igualmente relatado pelo relator desta formação, os tribunais comuns não dispõem de competência em razão da matéria para conhecerem dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativa e fiscais, a qual se radica na ordem de tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
É que, sempre na senda do citado aresto, por força de norma constitucional, a competência para julgar as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, radica-se nos tribunais administrativos e fiscais – art.º 212.º n.º3 da CRP – que não nos tribunais comuns, exercendo estes a sua jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais – art.º 211.º n.º1 da mesma CRP.
Na respectiva pirâmide legislativa, no degrau imediatamente inferior, as leis orgânicas das respectivas ordens de tribunais, vêm secundar aquelas normas constitucionais, desenvolvendo-as, no sentido programado por aquelas.
Assim, a competência em razão da matéria dos tribunais comuns ou judiciais é para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – art.º 18.º da LOTJ na redacção introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro – enquanto que aos tribunais administrativos e fiscais é atribuída a competência para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art.º 1.º do ETAF, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art. 212.º da C.R.P., em que se estabelece que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», norma esta que adoptou, no essencial, a regra que já constava do art. 3.º do ETAF e está actualmente contida na parte final do artigo 1º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Sendo a jurisdição dos tribunais judiciais constitucionalmente definida por exclusão, conforme preceitua o art. 211.º, n.º 1, da CRP (disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no art. 18.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei 3/99, de 13 de Janeiro, doravante LOFTJ).
De acordo como o art. 18° da LOFTJ e 66.° CPC, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.
E, pela voz da doutrina, não se olvida o pensamento de MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91, que nos ensina ser a competência dos tribunais aferida em função dos termos em que a acção é proposta, «seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.»
«A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão» (Obra e local citados).
Este entendimento está, aliás, em sintonia com o direito que a todos os cidadãos é garantido de acederem aos tribunais com o escopo de verem apreciados os direitos de que se arrogam (n.º1 do artigo 20º da Lex Fundamentalis) e tem vindo a ser aceite, no essencial, pelo STJ, STA e Tribunal de Conflitos (veja-se, entre outros, os Acs. do T. Conflitos, de 31.01.91, AD 361 e de 6-7-93 (Conflito nº 253); do STJ, de 03.02.87, in BM 364º-591, de 202-90. BMJ 394º-453, de 12.01.94 e do STA, de 09.03.89,Rec. 25084, de 13.05.93, Rec. 31478, de 27.01.94, Rec. 32278, de 28.05.96, Rec. 39911, de 26.09.96, Rec. 267, de 27.11.96,Rec. 39544, de 19.02.97, Rec. 39589, de 24.11.98, Rec. 43737 de 03.03.99, Rec. 40222, de 23.03.99, Rec. 43973, de 26.05.99, Rec. 40648, de 13.10.99, Rec. 44068, de 26.09.00, Rec. 46024, de 06.07.00. Rec. 46161, de 03.10.00, Rec. 356 e de 11.07.00, Rec. 318).
Temos, assim, que a competência do tribunal se afere face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao «quid disputatum» e não ao «quid decisum», isto é, dito por outras palavras, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do seu mérito.
É consabido que aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, sendo certo que lhes é retirada competência para conhecimento de acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.
É, pois à luz da doutrina e jurisprudência citada, bem como das referidas normas delimitadoras da competência da jurisdição administrativa e da dos tribunais judiciais, que cumpre decidir se o conhecimento da presente acção incumbe aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais.
Vejamos então.
Acolhendo o ensinamento sufragado pela doutrina e jurisprudência, acima mencionada, segundo a qual o tribunal materialmente competente para conhecer a pretensão do A., deve aferir-se em face “ do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba”, irrelevando qualquer indagação acerca do seu mérito, e “ sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo requerente ou autor”, não há dúvidas de que esta secção carece de competência para conhecer do recurso.
Com efeito, sendo, conceptualmente, a competência dos tribunais são os limites dentro dos quais a cada tribunal cabe exercer a função jurisdicional, é a medida de jurisdição dos diversos tribunais, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, sob esse prisma, o que se suscita é, não a falta de poder de o Tribunal Central Administrativo Sul julgar o recurso porque o mesmo não cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstracta daquele Tribunal mas, sim, que a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal o possa fazer.
À denominada “jurisdição administrativa e fiscal”, na qual se integram quer o actual TCA, quer o TT 1ª Instância, incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações administrativas e fiscais (cf. artºs 1º e 4° do ETAF, aprovado pelo D.L. nº129/84 de 27-04 e artº 212 nº 3 da CRP de 1997, anterior artº 214 nº 3).
Mas a “jurisdição fiscal” é distinta da “jurisdição administrativa” por constituir uma especialização dentro desta na qual cabem todas as questões administrativas que não tenham natureza fiscal e cujo conhecimento não seja atribuído a outro Tribunal (cf. artºs 4°, 38º e 49º do ETAF); no âmbito da “jurisdição fiscal», caberão assim todas as questões administrativas de natureza fiscal que são não só as resultantes de resoluções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias, com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como as que os dispensem isentem delas, como ainda, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal (cfr., entre muitos, os Acs. da 1ª Secção do STA de 22/02/90, rec. 26 147, de 29/09/93, rec. 14 739 e de 02/12/93, rec. 32 307).
Nesse sentido, é inquestionável que o acto recorrido foi praticado por entidades administrativas, no exercício das suas funções e no uso dos seus poderes de autoridade e versa sobre «as pensões de sobrevivência».
Daí que o presente litígio não surja no âmbito de relações de natureza tributária, i. é., de uma imposição pecuniária (taxa, imposto, contribuição especial ou outra) de natureza pública e coactiva que nos diz não estarmos perante um tributo.
Aqui não há “questões fiscais”, pois estas são não só aquelas que têm como pressuposto a aplicação de normas relacionadas com a imposição de toda e qualquer prestação pecuniária, com o fim de obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos da pessoa colectiva impositora, como as que emergem de uma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entes públicos, como, ainda, as relações jurídicas que surjam em virtude do exercício da função de imposição de tais prestações ou que com elas estão objectivamente conexas ou tecnologicamente subordinadas.
Destarte e sem se questionar que a oposição seja o meio normal de defesa do executado para reagir contra a execução, relembre-se que a presente oposição foi instaurada ao abrigo da alínea a) do n.º1 do artigo 204º do CPPT.


Em sede de oposição à execução fiscal e, confrontando-se as previsões das als. a), h) e i) do n.º 1 do art. 204.º CPPT, é imprescindível separar e distinguir duas modalidades de ilegalidade; “a ilegalidade abstracta, absoluta ou de primeiro grau” e “a ilegalidade concreta, relativa ou de segundo grau”.
No primeiro caso, versa-se o vício relativo ao momento da edição das normas jurídicas, enquanto, no segundo, está em causa o momento da interpretação e/ou aplicação casuística da lei. Dito de outra forma, na al. a) do citado normativo referencia-se a ilegalidade abstracta da liquidação, provocada por vício da própria norma aplicada e, por isso, independente do conteúdo do específico e particular acto viciado, já nas als. h) e i) só pode estar em causa a ilegalidade em concreto do próprio acto de liquidação.
Nesse sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4ª Edição, Vislis, pág. 872., “Está-se, aqui, perante aquilo que se designa por ilegalidade abstracta da liquidação, por a ilegalidade não residir directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado”.
Cabem na al. a) do n.º1 do artigo 204 do CPPT, todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.
A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.
Ora, no caso vertente, muito semelhante ao tratado no Acórdão deste TCAS de 15-07-2009, Secção: CT-2º Juízo, tirado no Recurso nº02913/09 e publicado em www.dgsi.pt, dúvidas não restam de que a dívida exequenda resulta da imposição das verbas relativas a pensão de sobrevivência a atribuir pela CGA a funcionários da oponente.
E, assim sendo, tendo em conta tudo quanto acima se deixou dito, é de concluir que a oposição à execução fiscal deduzida é um meio processual inadequado para a satisfação da pretensão da oponente, porque nela se suscita uma questão que envolve a discussão da ilegalidade da dívida exequenda, que não se prende com uma “questão fiscal”, pois que, como já se disse, a matéria controvertida é conexa com acto administrativo, praticado por uma autoridade administrativa, no âmbito dos seus poderes e dentro das competências prosseguidas, que, a nosso ver, deve ser objecto de uma Acção Administrativa Especial.
Face ao exposto e atentos os fundamentos invocados, o presente recurso não merece provimento, improcedendo “ in totum” as conclusões de recurso.
Haveria que encarar a possibilidade de convolação da oposição em acção administração especial, que, como se disse, se afigura ser o meio processual adequado para discutir a ilegalidade do acto de onde provém a divida exequenda (cfr. art.º 46 e ss do CPTA), para cuja cobrança detém competência os Serviços de Finanças.
Mas, a natureza administrativa de tal questão impede que este Tribunal se pronuncie, por carecer de competência material, sobre a admissibilidade ou não, da instauração da referida acção, antes se impondo a absolvição da instância por ocorrer excepção dilatória (cfr. art.ºs 493º n.º2 e 494 al.a) do CPC), absolvição essa que não impedirá a ora oponente de intentar a competente acção junto do TAC de Lisboa, beneficiando do regime do artigo 289º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigos 2º al. e) do CPA...e 1º do CPTA).
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Termos em que se acorda desatender a reclamação do despacho do Relator, o qual se mantém com a presente fundamentação.
Custas pela reclamante com 5 UCs de taxa de justiça.
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Lisboa 12/06/2012
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)