Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7168/13.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SISA
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA
AJUSTE DE REVENDA
ÓNUS PROVA
TRADIÇÃO JURÍDICA
Sumário:I-Nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro.

II-Verificados esses pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à Administração Tributária enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.

III-Na falta de prova por parte do promitente comprador de inexistência de ajuste de revenda, não se pode considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorrendo, nessa medida, o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

M......, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto Municipal de SISA, no valor de €5.132,01, e juros compensatórios no montante de €1.798,59, tudo perfazendo a quantia global de €6.930,60.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1ª Porque do disposto no § 2° do art°2° do CIMSSD resulta que, a incidência da SISA depende da verificação de dois requisitos: a existência de um ajuste de revenda entre o promitente comprador e um terceiro e a celebração de escritura da compra e venda entre o terceiro e o primitivo comprador;

2ª Teremos de concluir que só verificando-se esses dois requisitos é que funciona a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente-comprador;

3ª E consequentemente a sujeição ao pagamento de SISA por parte deste.

4ª Porque não se estabelece na lei qualquer presunção quanto à prova destes requisitos.

5ª Teremos de concluir que, face ao disposto no artigo 342º do C. Civil, compete à Administração Fiscal demonstrar a sua verificação.

6ª Porque para fundamentar, a presunção do §2° do art°2° do CIMSISD a Administração Fiscal teria de provar que entre o promitente comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo a fracção autónoma prometida vender, foi acordada a celebração de um negócio que para aquele traga vantagens económica;

7ª Porque não basta a mera alteração de sujeitos entre o que se compromete comprar e o efectivamente compra.

8ª Porque tal prova não foi feita pela Administração Fiscal;

9ª Porque é a prova do ajuste de revenda que apoia a presunção de tradição e não a presunção de ajuste em que se apoia a Administração Fiscal;

10ª Porque a presunção de cedência da posição contratual no presente caso, é uma presunção natural não uma presunção legal (página 10 da sentença);

11ª Teremos de concluir que, não há necessidade de que a ora Recorrente faça prova da não ocorrência do acordo de cedência da sua posição contratual, como ocorreria se se tratasse de uma presunção legal, mas basta que abale a convicção resultante da presunção.

12ª Porque, a ora Recorrente alegou que a declaração foi por si assinada por imposição da promitente vendedora, sendo que desconhecia o alcance do seu conteúdo, se não mesmo o seu verdadeiro conteúdo;

13ª Porque alegou, ainda, que nunca tinha estabelecido qualquer contacto com o Sr. Á......, e que nem sequer o conhecia;

14ª Porque essa ausência de conhecimento e contacto foi confirmado pelo próprio terceiro (Sr. Á......) e considerado como tal quer pela Administração Fiscal, quer pelo próprio Meritíssimo Juiz a quo;

15ª Teremos de concluir que, fica seriamente abalada a presunção de existência de um acordo de cedência da posição contratual da ora Recorrente para o Sr. Á.......

16ª Tal como teremos de concluir que cabia à Administração Fiscal provar a efectiva existência de tal acordo de cedência.

17ª Porque essa prova não poderia ser efetuada com a presunção resultante do documento exibido pela Administração Fiscal, mas com outros elementos probatórios;

18ª Porque tal não aconteceu.

19ª Teremos de concluir que não está demonstrado a verificação dos requisitos necessários para se presumir a tradição do imóvel da vendedora para a ora Recorrente, ou seja a celebração do um ajuste de revenda entre o promitente comprado e um terceiro e a celebração de escritura de compra e venda entre o terceiro e o primitivo comprador;

20ª E, consequentemente, teremos de concluir que não estando demonstrados tais requisitos não se pode presumir a tradição do imóvel para a promitente compradora e aqui Recorrente.

21ª Porque a jurisprudência aponta nesse sentido relativamente à necessidade de prova por parte da Administração Fiscal da existência de um acordo de cedência da posição contratual;

22ª Porque não basta que existência apenas a prova da celebração da escritura entre o vendedor e um terceiro adquirente;

23ª Teremos de concluir que, no presente caso não está provada a tradição da fração "FZ", destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua E……., Lisboa.

24ª Porque a sentença ora recorrida assim não decidiu.

25ª Teremos de concluir que a mesma ficou ferida de invalidade por violação do disposto no § 2° do art°2° do CIMSSD.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência determinar-se a anulação da sentença proferida nos autos e decidindo-se pela anulação da liquidação de Imposto Municipal de SISA constante da notificação operada pelo ofício n°1238, de 22 de agosto de 2001, bem como dos respectivos juros, só assim se fazendo a costumada justiça.


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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) optou por não contra-alegar.


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. A impugnante, por contrato promessa de compra e venda de 26/09/1996 prometeu comprar a "I……, S.A.", pelo preço de Esc.24.250.000$00, a "...fracção autónoma que em virtude da constituição do prédio em propriedade horizontal vier a corresponder à habitação descrita na alínea D) dos considerandos deste contrato", sendo que da alínea D) referida consta: "Do edifício a construir na Rua Eng° V……, na Porta…., fará parte a habitação tipo Tl-C, sita no 4° piso, fazendo igualmente parte o lugar de garagem n°117 na cave-3, tudo conforme assinalado nas plantas que constituem o anexo I do presente contrato..." (cf. fls. 105 dos autos);

2. Por escrito assinado em 23/12/1996 e dirigido à promitente alienante, a impugnante comunica-lhe que cedeu a sua posição no identificado contrato promessa de compra e venda ao Sr. Á…… (cf. fls.137 dos autos);

3. À data da promessa, a construção do prédio em que se situava a fracção objecto da promessa, ainda não estava concluída (depoimento da testemunha M…….);

4. Foi celebrada escritura de compra e venda da identificada fracção em 11/12/1998, tendo a mesma sido adquirida à "I….., S.A." por Á…… (fls. 145 dos autos);

5. No seguimento de um procedimento de fiscalização, foi a impugnante notificada em 23/08/2001, para pagamento no prazo de 30 dias, do imposto municipal de sisa e juros compensatórios, nos montantes de 1.028.875$00 e 360.585$00, devido com respeito "...à liquidação constante do auto de notícia de 23/12/99 e está relacionada com o contrato promessa de compra e venda, efectuado em 26/06/1996 entre V. Exa. e a i….., S.A., referente à aquisição da fracção "FZ" destinada a habitação no prédio..., do qual V. Exa. fez cedência de posição contratual em 17/10/97 a favor de Á……., tendo este por sua vez efectuado a escritura de compra e venda em 11/12/98, lavrada no 16° Cartório Notarial de Lisboa" fls.155 e 156 dos autos);

6. O auto de notícia que se refere na notificação da liquidação consta a fls. 103 dos autos;

7. Foi deduzida reclamação graciosa da liquidação, a qual mereceu decisão de indeferimento (informação a fls.40 do apenso e projecto de decisão de indeferimento a fls. 23 dos autos);

8. Por falta de pagamento voluntário, foi extraída a certidão de dívida em 31/10/2001 e instaurado processo executivo (fls. 173 dos autos);

9. A impugnação foi apresentada em 18/09/2003 conforme carimbo de entrada aposto pela repartição de finanças na p.i.


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Na sentença impugnada ficou ainda consignado, sob o título de “Factos não provados” que “Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante”.

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Evidenciou-se ainda na decisão recorrida que a convicção do tribunal se apoiou na análise do “conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada. A testemunha M......, o que sabe é de conhecimento directo pois é amiga da impugnante e acompanhava-a nas deslocações, nomeadamente à imobiliária; L......, economista de profissão, tudo o que refere é que a impugnante o consultou sobre o melhor modo de se desfazer do negócio da compra do imóvel, no qual entretanto segundo lhe disse, perdera interesse, nada mais sabendo acerca do assunto”.

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de Imposto Municipal de SISA, no valor de €5.132,01, e juros compensatórios no montante de €1.798,59, tudo perfazendo a quantia global de €6.930,60.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação do artigo 2.º, § 2.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD), competindo, para o efeito, aferir se estão reunidos os pressupostos de incidência real do imposto liquidado, conforme decidiu o Tribunal a quo, ou se a Administração Tributária não provou os factos índice como defende a Recorrente, mormente, a existência de ajuste de revenda.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, visto que cabe à Administração Tributária o ónus de provar a verificação dos factos constitutivos do seu direito, cumprindo-lhe, no caso, demonstrar a factualidade que a levou a considerar verificado um ajuste de revenda, não tendo a Recorrente de fazer a prova da não ocorrência do acordo de cedência da sua posição contratual.

No caso vertente, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo não está demonstrada a verificação dos requisitos necessários para se presumir a tradição do imóvel, ou seja, a celebração de um ajuste de revenda entre o promitente comprador e um terceiro e a celebração de escritura pública de compra e venda entre o terceiro e o primitivo comprador.

Conclui que é a prova do ajuste de revenda que apoia a presunção de tradição e não a presunção de ajuste em que se apoia, erradamente, a Administração Tributária.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo decidido que:

“[p]ara que se verifique a sujeição a imposto nos termos do § 2.° do art°2° do CIMSISSD, necessário é que se produzam dois factos:

- Que o promitente adquirente em contrato promessa ceda a sua posição contratual a terceiro;

- Que entre o terceiro adquirente dessa posição contratual (o cessionário) e o promitente alienante seja celebrado o contrato definitivo de transmissão do imóvel.

Concretizando, depois, que “no caso em apreço, apesar de a impugnante referir não conhecer o terceiro que outorgou com a promitente vendedora a escritura de compra e venda do imóvel (Á……..), o que este até confirma (cf. fls.159 dos autos), sempre fica por explicar por que razão assinou a comunicação dirigida à promitente vendedora informando-a da cedência de posição contratual ao identificado Á…… (cf. fls.137) até porque, está bem de ver, a impugnante podia encarregar outra pessoa de tratar da venda da fracção ou, mais precisamente, da cessão da sua posição contratual; como não há quaisquer elementos que permitam esclarecer quem, quando e por que meio, devolveu à impugnante as quantias já pagas à promitente vendedora nos termos do contrato, sendo de referir que directamente inquiridas sobre este ponto as testemunhas dizem nada saber esclarecer. Acresce que nenhuma factualidade é aportada aos autos que explique a alegada desistência no negócio. Dizer que "não tinha condições financeiras" (cf. depoimento de M......), é o mesmo que nada; o que importava era concretizar factos da vida da impugnante que a levaram a desistir do negócio (doença? perda inesperada de rendimento? deslocação em trabalho? Falecimento de familiar?).

Na falta dessa explicação, fica legitimada a conclusão da Administração tributária de que se está perante uma cessão de posição contratual com ajuste de revenda.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática ao caso vertente, salientando-se, para o efeito, que não foi impugnada a matéria de facto, encontrando-se a mesma devidamente estabilizada.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Preceituava o artigo 2.° do CIMSISSD, a propósito da incidência real que se encontram sujeitas a imposto de SISA as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis.

Consignando, por seu turno, o § 1.º, 2º, do citado normativo que:

Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:

2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;

(...) § 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.”

Importa, desde já, relevar que não obstante o imposto de SISA vise tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, em regra, determinada pela noção civilística da transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre o mesmo, existem, no entanto, situações em que o legislador optou por tributar operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, recorrendo à ficção jurídica.

Tal é o que sucede com a sujeição a SISA dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste revenda com terceiro com o qual o promitente vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel, caso em que a lei presume ter existido uma tradição do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.

Da letra do citado normativo resulta que o CIMSISSD não tipificava a celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóveis como facto sujeito a imposto, donde, nenhum dos promitentes tinha que pagar imposto por mero efeito desse contrato, ressalvava, porém, as situações em que tivesse havido tradição do bem.

Neste particular, é preciso ter presente que “[s]e o promitente adquirente cedesse, a sua posição contratual a um terceiro, o CIMSISSD sujeitava-o a imposto na previsão normativa constante do § 2.° do artigo 2.° do CIMSISSD.

O sujeito passivo do imposto, neste caso era o cedente e a determinação do valor tributável seguia a regra geral do imposto. O terceiro que adquiriu a posição contratual não pagava qualquer imposto por esse facto, só ficando a ele sujeito na data da celebração da escritura pública de transmissão do imóvel. Era também nessa data que o cedente pagaria o imposto(1).”

Em sentido idêntico doutrinam F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes(2):

“O legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens. A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou agenciação de bens alheios feita pelo promitente comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada.

É também no momento da celebração da escritura que se verifica a transmissão contemplada neste p. 2º. É evidente que havendo tradição efectiva não há que lançar mão deste dispositivo legal, sendo a sisa devida nos termos já ali referidos. O campo de aplicação deste preceito restringe-se, pois, à situação do promitente-comprador, que não entrou na posse do imóvel, ajusta a revenda com um terceiro, sendo a escritura celebrada entre este último e o promitente vendedor.”

Note-se que a ratio legis desta tributação em sede de CIMSISSD radicava no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, “progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos(3).”

De relevar, neste particular, que o Código do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, no seu artigo 2.º, n.º 3, alínea e) manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a “cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro”, ficcionando, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto.

Tendo, outrossim, alargado, ainda, a incidência do imposto, conforme resulta expresso do citado normativo n.º 3, alíneas a) e b) às situações em que seja clausulado, no contrato promessa ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro e à cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esses contratos.

Com efeito, nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no normativo que vimos analisando, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro, estabelecendo-se, assim, uma traditio ficta.

Assim, verificados que estejam estes pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à Administração Tributária enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.

Neste particular, importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido em Plenário, no processo nº 0895/11, de 02 de maio de 2012, do qual se extrai que:

“IV-O § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto.

V – Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISD.”

Aqui chegados, atentemos no recorte probatório dos autos e vejamos, então, se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a verificação dos pressupostos que legitimam a liquidação de SISA.

Do probatório -não impugnado- resulta que foi celebrado contrato de promessa de compra e venda entre a, ora, Recorrente e a "I…….., S.A.", pelo preço de Esc.24.250.000$00, relativamente a fração autónoma a edificar sita na Rua E…….

Mais resulta assente que, em escrito assinado em 23 de dezembro de 1996 e dirigido à promitente vendedora, a Recorrente comunica-lhe que ocorreu a cedência de posição contratual no identificado contrato promessa de compra e venda ao Sr. Á……..

E ulteriormente, em 11 de dezembro de 1998, foi celebrada a outorga de escritura pública de compra e venda da identificada fração, entre a "I……., S.A." e Á…….

Ora, face ao exposto, e como bem decidiu o Tribunal a quo, resultam verificados os pressupostos de incidência de tributação consignados no artigo 2.º, § 1.º, 2º.

Com efeito, “[q]uando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa.(4)”

No caso vertente, tendo a Administração Tributária provado os factos índice legitimadores do ato de liquidação, competia à Recorrente fazer a competente contraprova, o que não logrou fazer nos autos.

De relevar, neste particular, que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente a Administração Tributária não tem de provar a existência de vantagem efetiva com a cedência da posição contratual. Neste particular, vide o citado Aresto do Pleno(5), e demais jurisprudência nele citada, que doutrina que não cabe à Administração Tributária “provar que entre o promitente-comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo…foi acordada uma revenda segundo um determinado figurino, isto é, a celebração de um negócio que para aquele traga vantagens económicas”.

É certo que a Recorrente alude à existência de uma desistência de um contrato de promessa de compra e venda e à devolução do respetivo sinal mas a verdade é que essa realidade fática não resulta provada, o mesmo sucedendo com o facto de a declaração de cessão ter sido assinada mediante imposição da promitente vendedora, visto que nenhuma prova foi produzida nesse e para esse efeito.

Sublinhe-se, ademais, que a Recorrente não impugna essa matéria de facto, nem tão-pouco sindica a prova testemunhal produzida nos autos, sendo certo que, nesse particular, o Tribunal a quo justificou, na motivação da matéria de facto, que as testemunhas diretamente inquiridas sobre essas realidades disseram nada saberem.

De relevar, outrossim, que o Tribunal ad quem não pode descurar e, nessa medida tem de valorar positivamente, que foi a própria Recorrente que atestou a existência de uma cedência de posição contratual.

É certo que a mesma aduz que não conhece o adquirente do bem imóvel, mas a verdade é que não só não logra provar tal asserção -não sendo suficiente a assunção pelo próprio de que desconhece a Recorrente, desde logo, porque a mesma foi produzida no contexto de esclarecimentos requeridos pela Administração Tributária concernentes com a liquidação adicional de SISA pelo visado negócio, donde, com necessário interesse direto em atestar tal realidade- como sempre fica por explicar e provar porque motivo assumiu a cedência da posição contratual a Á….., sendo inegável a outorga da escritura pública do promitente alienante com o cessionário.

Note-se que, contrariamente ao avançado pela Recorrente o Tribunal a quo não se limitou a fundamentar o seu juízo na “mera alteração de sujeitos entre o que se compromete comprar e o efetivamente compra”, mas sim a relevar a cedência que a própria atestou, sendo certo que a Recorrente, como vimos, não logrou demonstrar qualquer justificação em sentido contrário.

No caso sub judice, houve ajuste de revenda o qual ocorreu no momento em que a Recorrente cedeu a sua posição contratual a terceiro, não tendo, como bem evidenciou o Tribunal a quo, sido produzida qualquer contraprova que afastasse a tributação.

Face a todo exposto, considerando que nenhuma prova foi feita no sentido de que não existiu ajuste de revenda, não se pode considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorrendo, nessa medida, o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel.

Pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, na ordem jurídica.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.



Lisboa, 13 de DEZEMBRO de 2019


(Patrícia Manuel Pires)


(Mário Rebelo)


(Anabela Russo)


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(1).José Maria Fernandes Pires-Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2011, Almedina, p.317.
(2).in CIMSISSD, 4ª edição, 1997, pág. 60
(3).Vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, recurso 924/09, e de 06.06.2012, recurso 903/11
(4).Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0499/10, de 03.11.2010.
(5).processo nº 0895/11, de 02.05.2012.