Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08379/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
EXECUÇÃO DE JULGADO. ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
JUROS DE MORA.
ARTº.102, DA L.G.T.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS E MORATÓRIOS. NÃO CUMULÁVEIS RELATIVAMENTE AO MESMO PERÍODO DE TEMPO.
REGIME DE REEMBOLSOS DE I.V.A. ARTº.22, Nº.8, DO C.I.V.A.
Sumário:

1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
4. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
5. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
6. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
7. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
8. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
9. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
10. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.).
11. Diferentes dos juros indemnizatórios são os juros de mora. Nos termos da lei são estes devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória (artº.102, da L.G.T.), prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional.
12. De acordo com a doutrina e jurisprudência, quase unânimes, os juros indemnizatórios e moratórios destinam-se a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga (no caso, tardiamente paga pela Fazenda Pública), pelo que não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo.
13. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia. No caso do regime de reembolsos de I.V.A., está este essencialmente previsto no citado artº.22, nº.8, do C.I.V.A., e no despacho normativo 18-A/2010, de 1/7, sendo que em nenhum destes textos legais se faz qualquer referência à possibilidade de pagamento de juros moratórios ao contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.149 a 157 do presente processo, através da qual julgou procedente a execução de acto administrativo de reconhecimento do direito ao reembolso de I.V.A. emitido pela Administração Fiscal.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.167 a 173 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença impugnada incorre em nulidade, atento o disposto no art.º 615/1, c) e d) do CPC, ao não valorar correctamente a circunstância demonstrada nos autos de o valor base para incidência de juros indemnizatórios ter sido reduzido de € 6.038.356,62, para € 5.000.391,62;
2-Valor este necessariamente o correcto como consequência da emissão de liquidações adicionais resultantes das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção da AT.;
3-Desconsiderando este particular facto, também desconsidera a douta sentença todo o probatório que lhe é inerente;
4-A douta sentença também não valora devidamente o acervo documental junto à resposta (anexos 1 a 5) que justificam ser do conhecimento dos A. discrepância verificada quanto à morada e no respeitante decurso da análise externa;
5-Nos termos do Despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 01/07, que o prazo para a concessão do reembolso será suspenso, enquanto os elementos necessários e solicitados não tenham sido postos à disposição dos serviços competentes de forma a permitirem a legitimidade ou o correcto apuramento do imposto;
6-E enquanto durar a análise dos elementos, a cujo prazo se deverá acrescer todos os atrasos decorrentes das situações como aquelas a que o A. neste caso deu causa;
7-A não ser assim, o período pelo qual requer o A. juros indemnizatórios não considera os obstáculos impostos à acção de fiscalização em curso, pelo episódio ligado à irregularidade do domicílio fiscal e pelo retardado acesso aos elementos da contabilidade;
8-Não estando a situação do cadastro relativa ao domicílio fiscal correcta na data do pedido, esteve criada a situação adequada para a introdução de entropias e delongas aos trabalhos a desenvolver pelos competentes serviços de inspecção;
9-O acervo documental que se fez juntar aos autos ilustra eloquentemente que se verificou irregularidade com o domicílio fiscal da A.;
10-Que dessa irregularidade se gerou um atraso que deu lugar a uma suspensão de 171 dias;
11-Que a situação criada é da exclusiva responsabilidade da A.;
12-Não pode proceder o pedido de cálculo de juros indemnizatórios sobre o valor de € 6.038.356,62;
13-Como também improcede o pedido no que respeita ao número de dias por que pretende lhe sejam contados os juros;
14-O entendimento propugnado na douta sentença ora recorrida, radica na posição assumida de poder serem contados juros moratórios sobre os juros indemnizatórios;
15-Se os juros indemnizatórios se destinam a compensar os contribuintes pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente liquidada, não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo;
16-Contrariamente ao que discreta a sentença, o entendimento amplamente sufragado pela doutrina e jurisprudência pátrias é o de que não poderão recair juros de mora sobre juros indemnizatórios;
17-Não haverá juros moratórios sobre juros indemnizatórios por tal situação não estar prevista e só nos casos especialmente previstos pode haver juros de juros, como resultado preceituado no art. 560 do CC, em que se estabelece que "para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode também haver juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização";
18- Não colhe o paralelismo que é feito na sentença, por via da jurisprudência que foi convocada, entre os juros compensatórios e os juros indemnizatórios;
19- Na verdade, ao contrário do que sucede com os juros compensatórios, que se integram «na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados» (art. 35, n.º8, da. LGT), constituindo um agravamento do imposto, os juros indemnizatórios mantêm a sua autonomia em relação ao tributo a que se reportam e lhes serve de base de cálculo;
20-É esta a interpretação que, em boa hermenêutica, se tem de fazer perante o facto de para os juros compensatórios estar expressamente prevista aquela integração na dívida de imposto e não ser feita uma indicação paralela idêntica para os juros indemnizatórios, quando é certo que legislativamente se estendeu aos juros indemnizatórios uma parte do regime dos juros compensatórios, designadamente as taxas aplicáveis (art. 43 n.º 4, da LGT). Estando-se, nesta norma, a ponderar a aplicação do regime dos juros compensatórios aos juros indemnizatórios, o facto de apenas se ter estabelecido a aplicação das taxas e não qualquer dos outros elementos do seu regime legal conduz com segurança à conclusão de que apenas quanto às taxas de juro se pretendeu equiparar os regimes dos dois tipos de juros e não também quanto aos elementos comuns, relativamente aos quais não se estendeu a equiparação;
21-O regime dos juros indemnizatórios é diferente do regime dos juros compensatórios. Na verdade, quanto a estes últimos, integrando-se os juros compensatórios na dívida de imposto, serão para todos os efeitos tratados como tal, sem autonomia em relação a essa dívida e, por isso, os juros de mora que forem devidos por falta de pagamento tempestivo da globalidade da quantia liquidada incidirão sobre os juros compensatórios que nesta estão incluídos;
22-Quanto aos juros indemnizatórios, não havendo suporte legal para afirmar idêntica inclusão na dívida de imposto a restituir e mantendo os juros a sua autonomia e natureza, a regra da proibição de anatocismo aplicar-se-á, na falta de norma legal que, explícita ou implicitamente, a afaste;
23-Não há para os juros indemnizatórios disposição semelhante à que consta do art.º 35 da LGT, termos em que, de harmonia com o princípio da legalidade, encontra-se vedado o anatocismo, de resto proibido pelo art.º 560 do CC;
24- Deverá ser reconhecido que sobre a Administração Tributária só impende o dever de dar cumprimento à decisão condenatória nos termos expostos e não nos requeridos pela Exequente;
25-Consequentemente, devem os autos baixar ao Tribunal "a quo", para conhecimento dos vícios invocados pelo recorrente;
26-Nestes termos e no demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão do Tribunal "a quo", com todas as legais consequências, assim se fazendo a Sã, Serena e costumada Justiça.
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A sociedade exequente/recorrida apresentou contra-alegações (cfr.fls.178 a 191 dos autos), nas quais termina estruturando as seguintes Conclusões:
1-A não indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, nem dos meios probatórios que impõem decisão diversa devem determinar a rejeição do recurso apresentado pelo apelante, ao abrigo do disposto no artigo 640 do CPC;
2- A decisão, ora recorrida, deverá ser mantida. uma vez que não só está provado que o pedido de reembolso de IVA deferido foi no montante de € 6.038.356,62, como resulta do PAT e do documento n.º 2 junto pela apelada à petição de execução de julgado, mas também porque se encontra demonstrado que a pretensão do apelante não tem qualquer base legal e viola o disposto no artigo 22, n.º 8 do Código do IVA;
3- A Administração Tributária nunca teve qualquer motivo legal para determinar a suspensão do prazo de pagamento do reembolso de IVA, tendo intencionalmente atrasado aquele pagamento, de forma a concluir outra acção de inspecção à apelada e a fazer compensar automaticamente os actos de liquidação adicional emitidos (todos objecto de impugnação judicial) no pagamento do reembolso do IVA devido. Tal conduta. sendo absolutamente ilegal, é, aliás admitida em 19 da Oposição apresentada e junta aos autos;
4-Não existe nenhuma base legal que permita fundamentar a suspensão do prazo de pagamento de reembolso do IVA ou afastar a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios por terem ocorrido atrasos à acção de fiscalização em curso alegadamente relacionados com a alteração oficiosa do domicílio fiscal da apelada. Tal só poderia ocorrer havendo abuso de direito e prova do mesmo, o que não se verifica;
5- Não ficou provado ter-se verificado a suspensão do prazo de reembolso de IVA, nos termos previstos no artigo 22, n.º 8 do Código do IVA, o que aliás foi confessado pela próprio apelante ao admitir que suspendeu o prazo através de "clique informático";
6-Não tendo sido provado que o prazo de contagem dos juros foi suspenso nos termos previstos no artigo 5 do Despacho Normativo n.º 18-A/2010, bem andou o Tribunal a quo ao determinar o pagamento de juros indemnizatórios, contados nos termos do n.º 8 do artigo 22 do Código do IVA, ou seja, desde o dia seguinte àquele em que o reembolso deveria ter sido pago (30.06.2012) até àquele em que foi emitido o reembolso (4.04.2013);
7-Considera-se que são devidos juros de mora sobre os juros indemnizatórios, que funcionam na situação em apreço como forma de ressarcimento dos danos efectivos provocados pelo atraso no pagamento do IVA, isto é, como indemnização, em tudo equiparável à que resulta da obrigação de pagamento conjunto de juros compensatórios e de juros de mora, em resultado do incumprimento de uma obrigação legal - a obrigação legal de pagamento oficiosamente de juros indemnizatórios pelo atraso no reembolso do IVA;
8-Nestes termos, com o douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, como é de Lei e de JUSTIÇA!
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.213 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.151 e 152 dos autos):
1-A exequente, “………………………., S.A. - Sucursal em Portugal”, apresentou um pedido de reembolso de IVA no montante de € 6.615.614,72, corrigido informaticamente para o valor de € 6.038.356,62, na declaração periódica relativa a Fevereiro de 2012, submetida em 2/04/2012 (cfr.informação constante de fls.36 a 38 do processo administrativo apenso);
2- Em 13/04/2012, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa deram início ao procedimento de inspecção interna face à ordem de serviço n.º ……………., à actividade da exequente em sede de IVA e tendo em vista o exame do pedido de reembolso identificado no nº.1, com carácter parcial, donde resultou proposto o procedimento de análise externa (cfr.documentos juntos a fls.116 e 117 dos presentes autos);
3- A proposta supra teve a concordância do Chefe de Divisão, por subdelegação da Equipa 55, Divisão V, Departamento C, da Inspeção tributada da DDF de Lisboa, que por despacho de 25/06/2012, determinou a prossecução da análise externa (cfr.documento junto a fls.116 dos autos);
4-O procedimento inspectivo externo ocorreu face à ordem de serviço n.º…………… e teve o seu terminus em 23/11/2012, data do despacho de concordância com as conclusões proposta que constam dos pareceres ali expressos (chefe de divisão e chefe de equipa) no sentido do deferimento do pedido de reembolso na sua totalidade e pelo montante de € 6.038.356,62 (cfr.documentos juntos a fls.119 a 121 dos presentes autos);
5-A exequente tomou conhecimento do resultado da acção de inspecção a que supra nos referimos por carta registada datada de 21/03/2013 (cfr.documentos juntos a fls.30 e 31 do processo administrativo apenso);
6-Em 01/11/2013 a aqui exequente dirigiu-se à Directora dos Serviços de Reembolso do IVA, dando conta de que até àquela data não ter sido reembolsada do IVA de que era credora no montante de € 6.038.356,62 e a requerer o pagamento de juros indemnizatórios (cfr.documento junto a fls.25 e 26 do processo administrativo apenso);
7-Por despacho da Directora de Serviços da Direcção de Serviços de Reembolsos de 1/11/2013 foi determinado o pagamento de juros no montante de € 69.482,46 calculados sobre o valor de € 6.038.356,62, calculados à taxa de 4% desde o dia 2012/12/19 até à emissão da nota de crédito em 2013/04/02 (cfr.documento junto a fls.52 a 54 do processo administrativo apenso);
8-O reembolso foi pago em 04/04/2013, no montante de € 6.038.356,62, sendo € 2.425.213,01 aplicado em compensação de JT - …………….. e € 3.613.143,61 pago por transferência bancária para o NIB - …………………… (cfr. documento junto a fls.9 dos presentes autos);
9-Não foram pagos juros indemnizatórios (cfr.artº.8 da contestação do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira junta a fls.42 a 44 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes dos articulados, todos objecto de análise concreta, não se provaram:
a) Os constantes dos números 12.2 da resposta da Fazenda Pública quanto à suspensão da acção inspectiva e bem assim aos motivos que alegadamente lhe estariam subjacentes;
b) Que à Exequente tenha sido pago qualquer valor a título de juros;
c) Que a Exequente se encontre em situação de incumprimento declarativo relativamente ao IVA, ao IRC ou ao IRS, com referência a períodos de imposto anteriores àquele a que se reporta o reembolso aqui em apreciação ou que não seja titular de conta bancária, confirmada por instituição de crédito estabelecida na União Europeia ;
d) Que a Exequente não tenha posto à disposição dos serviços competentes os elementos por estes solicitados que permitam averiguar da sua legitimidade ou do correto apuramento do imposto…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico, fundou-se em primeira linha no teor dos documentos citados nas alíneas supra, sendo de salientar que os factos alegados pela exequente não foram impugnados pelo executado.
Os factos dados por não provados resultam da falta de prova documental de suporte e das próprias declarações prestadas pela Fazenda Pública nos autos, nomeadamente a informação prestada quando instigada pelo Tribunal a juntar prova de decisão que determinou a suspensão da acção inspectiva em 25/06/2012, a Fazenda vem dizer que não existe outra para além «…do “clique informático” na Aplicação dos Reembolsos da data da suspensão.». Quanto ao não pagamento de juros, trata-se de facto assente e assumido no ponto 8 da Resposta da Fazenda…”.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a execução de julgado incidente sobre o pedido de reembolso de I.V.A. emitido pela Administração Fiscal (cfr.nº.8 do probatório), nos seguintes termos:
1-Juros indemnizatórios requeridos, no montante de € 183.301,35;
2-Juros de mora contados sobre aqueles, desde a data da emissão do reembolso de I.V.A. e até à emissão da respectiva nota de crédito.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida incorre em nulidade, atento o disposto no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, ao não valorar correctamente a circunstância demonstrada no autos de o valor base para incidência de juros indemnizatórios ter sido reduzido de € 6.038.356,62, para € 5.000.391,62 (cfr.conclusão 1 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, uma nulidade da sentença recorrida devido a omissão de pronúncia.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº. 615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.A. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec. 1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente alega é que a decisão recorrida, ao não valorar correctamente a circunstância demonstrada no autos de o valor base para incidência de juros indemnizatórios ter sido reduzido de € 6.038.356,62, para € 5.000.391,62, incorre em nulidade.
Ora, a circunstância de o Tribunal "a quo" ter valorado um determinado valor monetário, em detrimento de outro, poderá constituir um eventual erro de julgamento de facto, mas nunca uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Concluindo, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, se negando provimento ao presente fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, em segundo lugar e como supra se alude, que a sentença recorrida não levou em consideração que o valor base para incidência de juros indemnizatórios foi reduzido de € 6.038.356,62, para € 5.000.391,62. Que este valor é que está correcto como consequência da emissão de liquidações adicionais resultantes de correcções efectuadas pelos serviços de inspecção da A. Fiscal. Que ao desconsiderar este particular facto, também desconsidera a douta sentença todo o probatório que lhe é inerente (cfr. conclusões 1 a 3 e 12 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (relativos à prova documental), constantes do processo ou apenso, que, em sua opinião, impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente fundamento da apelação.
Aduz, igualmente, o apelante que a sentença "a quo" também não valora devidamente o acervo documental junto à resposta (anexos 1 a 5). Que o período pelo qual requer o A. juros indemnizatórios não considera os obstáculos impostos à acção de fiscalização efectuada pela A. Fiscal, os quais são relativos ao episódio ligado à irregularidade do domicílio fiscal e ao retardado acesso aos elementos da contabilidade. Que dessa irregularidade se gerou um atraso que deu lugar a uma suspensão de 171 dias. Que a situação criada é da exclusiva responsabilidade da A. Pelo que improcede o pedido no que respeita ao número de dias por que pretende lhe sejam contados os juros (cfr. conclusões 4 a 11 e 13 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão do Tribunal “a quo” enferma de tal vício.
Faz, o recorrente, referência ao conteúdo dos anexos juntos ao processo com a contestação. O original deste articulado encontra-se junto a fls.42 a 44 dos presentes autos, sendo que os anexos (que são três e não cinco) se encontram reunidos a fls.46 a 73 do processo.
Tendo sido notificada a sociedade exequente/recorrida de todo o conteúdo da contestação e anexos, veio esta, em requerimento de fls.79 a 89 dos autos, impugnar as conclusões da contestação, tanto no que se refere à suposta suspensão da acção de fiscalização, como no que diz respeito ao montante da base de cálculo dos juros indemnizatórios.
A corroborar tal impugnação, deve vincar-se que do exame dos anexos juntos a fls.46 a 73 do processo, nenhuma conclusão se pode retirar no que diz respeito ao número de dias de suposta suspensão do procedimento de inspecção e, muito menos, à sua imputabilidade a conduta da sociedade exequente/recorrida, tudo levando em consideração o procedimento legal que consta do despacho normativo 18-A/2010, de 1/7, diploma que regulamenta os pedidos de reembolso previstos no artº.22, nºs.8 e 9, do C.I.V.A. (é o artº.5 do citado despacho normativo que consagra as condições de suspensão do prazo de reembolso e consequente contagem dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo).
Concretizando, do exame da documentação junta a fls.46 a 73 dos autos, não se pode retirar que, em algum momento, a A. Fiscal tenha notificado o sujeito passivo em causa com vista à prestação de quaisquer esclarecimentos, tendo este incumprido o prazo para o efeito concedido. Pelo contrário, da análise de tal acervo documental o que se conclui é que o atraso na efectivação do procedimento inspectivo externo identificado no nº.4 do probatório se ficou a dever a questões de orgânica interna da própria Fazenda Pública, nomeadamente, de competência para a realização do dito procedimento. Por outro lado, igualmente se não retira dos documentos em causa, qual o número de dias do suposto atraso. Do conteúdo de uma informação junta como anexo III a fls.68 a 73 dos autos retira-se que a suspensão terá ocorrido por período de cerca de noventa dias, computado entre 25/6/2012 e 22/9/2012.
Rematando, nega-se provimento ao presente esteio do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida neste segmento (cfr. al. d) da matéria de facto não provada).
Por último, o apelante defende, em síntese, que o entendimento amplamente sufragado pela doutrina e jurisprudência pátrias é o de que não poderão recair juros de mora sobre juros indemnizatórios, contrariamente ao decidido na sentença recorrida. Que o regime dos juros indemnizatórios é diferente do regime dos juros compensatórios. Que não existe, para os juros indemnizatórios, disposição semelhante à que consta do artº.35, da L.G.T., pelo que, de harmonia com o princípio da legalidade, se encontra vedado o anatocismo, de resto, proibido pelo artº.560, do C. Civil (cfr. conclusões 14 a 24 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.5110/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc. 1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.869).
No caso "sub judice", haverá que saber se poderão recair juros de mora sobre juros indemnizatórios, como entendeu o Tribunal “a quo” ou, pelo contrário, tal não é possível, como defende o apelante.
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Diferentes dos juros indemnizatórios são os juros de mora. Nos termos da lei são estes devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C. P. P. Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária, e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/3/2009, rec. 983/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.6718/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.528; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.887).
Revertendo ao caso dos autos, conforme decorre do probatório (cfr.nº.1 da factualidade provada), o pedido de reembolso foi deduzido em 2/4/2012, pelo que deveria ter sido satisfeito até ao final do segundo mês seguinte ao da apresentação do mesmo, tudo conforme se retira do artº.22, nº.8, do C.I.V.A. (no caso 30/6/2012), sendo que a partir de tal data a sociedade exequente/recorrida tinha direito a solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artº.43, da L.G.T., o que fez.
Nestes termos, tendo o reembolso sido pago em 4/04/2013 (cfr.nº.8 do probatório), tem a sociedade exequente/recorrida direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contados nos termos do citado artº.22, nº.8, do C.I.V.A., ou seja desde o dia seguinte àquele em que o reembolso deveria ter sido pago (30/06/2012) até àquele em que o foi efectivamente (4/04/2013), mais incidindo o cálculo de tais juros sobre o montante de reembolso pago (€ 6.038.356,62 - nº.8 do probatório), tudo conforme decidiu o Tribunal "a quo".
Passemos, agora, ao exame da vertente dos juros de mora.
De acordo com a doutrina e jurisprudência, quase unânimes, os juros indemnizatórios e moratórios destinam-se a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga (no caso, tardiamente paga pela Fazenda Pública), pelo que não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 17/6/2009, rec.447/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/5/2013, rec.1008/12; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.109 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.346).
Estipula o artº.102, nº.2, da L.G.T., que em caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia.
No caso do regime de reembolsos de I.V.A., está este essencialmente previsto no citado artº.22, nº.8, do C.I.V.A., e no despacho normativo 18-A/2010, de 1/7, sendo que em nenhum destes textos legais se faz qualquer referência à possibilidade de pagamento de juros moratórios ao contribuinte, embora o legislador (cfr.artº.22, nº.8, do C.I.V.A.) remeta a possibilidade do sujeito passivo solicitar a liquidação de juros indemnizatórios para o regime previsto no artº.43, da L.G.T.
Neste último preceito (artº.43, da L.G.T.), mais especificamente no seu nº.5, aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), prevê o legislador a dívida de juros de mora, computados a partir do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado. Estamos perante regime de natureza excepcional e sancionatória, o qual deve ser concatenado com o mencionado artº.102, nº.2, da L.G.T. (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.344 e seg.).
Não sendo enquadrável no regime excepcional acabado de citar a situação dos presentes autos, desde logo, porque não nos encontramos perante prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, deve concluir-se, salvo melhor opinião, pela inadmissibilidade legal de fixação de juros moratórios no período que decorre entre a data da efectivação do reembolso de I.V.A. (4/04/2013) e até à emissão da respectiva nota de crédito, contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo". Neste sentido vai, igualmente, o princípio da legalidade.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se parcial provimento ao recurso deduzido e, nessa medida, revoga-se a decisão recorrida na vertente do pagamento de juros de mora, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência:
1-Manter a sentença recorrida, na parte em que decide condenar a entidade recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, no montante de € 183.301,35, para tanto se fixando em trinta dias o prazo para o efeito (cfr.artº.176, nº.4, do C.P.T.A.);
2-Revogar a sentença recorrida, no segmento em que decide condenar a entidade recorrente no pagamento de juros de mora contados sobre aqueles, desde a data da emissão do reembolso de I.V.A. e até à emissão da respectiva nota de crédito.
X
Condenam-se o recorrente e o recorrido em custas, na proporção do respectivo decaimento.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 21 de Maio de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)