Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13508/16
Secção:CA
Data do Acordão:08/02/2016
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:AMBIGUIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO – FUMUS BONI IURIS – ARTIGO 120º N.º 1 DO CPTA REVISTO
Sumário:I - A ambiguidade da fundamentação só provoca a nulidade da sentença caso a respectiva parte decisória seja ininteligível.
II - Caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito – previsto no art 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto - implica um juízo de probabilidade de procedência da acção principal sumário e perfunctório, ou seja, a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não é compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO
TST – Transportes Sul do Tejo, SA, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada o presente processo cautelar contra o Município da Moita, indicando como contra- interessado o Município do Barreiro, e no qual peticionou a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal da Moita, de 23.9.2015, que aprovou o “Protocolo de Entendimento para a Criação de Serviço de Transportes Colectivos Complementar no Concelho da Moita”, bem a suspensão da execução do Protocolo de Entendimento.

Por sentença de 18 de Abril de 2016 do referido tribunal foram julgados improcedentes os pedidos cautelares.


Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional dessa sentença para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

A. O presente recurso tem por objeto a Douta Sentença Recorrida, a qual indeferiu a providência cautelar apresentada pela TST, por ter considerado que não estava reunido o requisito do fumus boni iuris a que respeita a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, não tendo a mesma apreciado ainda o requisito do periculum in mora.
B. A Douta Sentença recorrida fez um incorrecto julgamento tanto no plano dos factos, como no do Direito.
C. Relativamente ao julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo deu incorrectamente como não provados os factos indicados nas alíneas b) a k) dos Factos Não Provados, os quais devem ser julgados provados à luz dos Docs. 32 a 36 juntos à p.i.
D. A apreciação da matéria de facto pelo Tribunal a quo é incorrecta porquanto: (i) a extensão total das carreiras pode ser aferida pelo Doc. 32 junto à pi. (que contem a planta e o percurso integral das mesmas com indicação das zonas de sobreposição decorrentes da operação a realizar pelos SMTCB nos termos do Protocolo de Entendimento); (ii) os Docs. 33 a 36 indicam os custos mensais inerentes à exploração de cada uma das carreiras em causa nos autos, com indicação do custo concreto dos motoristas, dos consumos dos autocarros, da manutenção dos autocarros, das amortizações e das lavagens, que o Tribunal a quo nem sequer considerou; (iii) os Docs. 33 a 36 indicam o valor da perda de passageiros e de receita que a TST sofrerá em cada uma das carreiras 317, 318, 333 e 410 em virtude dos SMTCB invadirem parte do percurso dessas carreiras, explicando detalhadamente cada documento a quebra de passageiros em termos percentuais e em termos financeiros.
E. A referência que o Tribunal a quo faz ao facto de os dados apresentados pela TST respeitarem ao mês de Outubro de 2015 é igualmente incorrecta, na medida em que: (i) os dados de Outubro de 2015 eram os mais actuais de que a TST dispunha à data da apresentação da providência cautelar em juízo; (ii) a TST teve o cuidado de explicar no artigo 62º da p.i. que “Todos os valores em seguida indicados são anuais e reportam-se a 2015 (utilizando os valores reais de Janeiro a Outubro e projeção para o final de ano)”; (iii) em termos técnicos, e como a testemunha L… explicou ao Tribunal a quo, o mês de Outubro é (à semelhança do mês de Maio) os meses mais representativos em termos de operação.
F. Assim, requer-se a Vossas Excelências se dignem rever a Douta Sentença recorrida que não deu como provados factos que constam de Documentos juntos aos autos, requerendo-se que seja dada como provada e assente a matéria que consta das alíneas b) a k) dos Factos Não Provados da Douta Sentença Recorrida.
G. Também no que respeita ao julgamento da matéria de Direito não andou bem o Tribunal a quo.
H. Em primeiro lugar, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, das normas dos artigos 74º, 96º e 124º do RTA resulta que a TST enquanto concessionária das carreiras 317, 318, 333 e 410 tem o direito de explorar as mesmas em exclusividade, incluindo no que se refere aos respetivos itinerários ou percursos que são um dos elementos que legalmente integram as mesmas como resulta do § único do artigo 74º do RTA (acima transcrito).
I. Na medida em que está provado (alínea w) dos Factos Provados) que a extensão das duas linhas objeto do Protocolo de Entendimento “implica a realização de percursos cujo trajecto coincide parcialmente com o trajecto das carreiras 317, 318, 333 e 410 da requerente”, é patente que, quer a Deliberação CMM de 23.09.2015 quer o Protocolo de Entendimento, violam os direitos de concessão da TST que emergem das citadas normas do RTA, das quais a Douta Sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação, merecendo, por esta causa, ser revogada por Vossas Excelências.
J. Em segundo lugar, revestindo os SMTCB a qualidade de “Operador Interno” para efeitos do Regulamento 1370/2007, os mesmos, à luz da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º deste Regulamento (e como confirmado na alínea iii) do ponto 2.3.1 da Comunicação Comissão), estão legalmente proibidos de operar fora do território do município do Barreiro, ou seja, estão legalmente proibidos de realizar o serviço de transporte que constitui o objecto do Protocolo de Entendimento porque o mesmo implica a operação no território do Município da Moita.
K. O Tribunal a quo fez da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º uma interpretação e uma aplicação totalmente contrária à letra e à finalidade da mesma, a qual visa impedir que em qualquer caso, e mesmo que haja “linhas secundárias ou outros elementos acessórios” o operador interno opere fora do território da sua autoridade competente.
L. A Douta Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação e aplicação da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º do Regulamento 1370/2007, violando inclusivamente o que esta dispõe, pelo que também por esta razão merece ser revogada por Vossas Excelências.
M. A Douta Sentença recorrida menciona que “a extensão do percurso de duas carreiras ao concelho da Moita, nos termos definidos no Protocolo de Entendimento, parece caber no conceito de linha secundária”, sem antes ter definido o que entende por “linha secundária”, sem ter indicado, no plano dos factos, qualquer elemento que permita identificar ou caracterizar uma linha secundária, padece de ambiguidade na medida em que não se percebe porque razão ou com que critérios o Tribunal a quo considerou que a extensão das linhas que são objeto do Protocolo de Entendimento correspondem a “linhas secundárias”, o que gera inevitavelmente a nulidade da Douta Decisão recorrida nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
N. Em terceiro lugar, o Protocolo de Entendimento visa estender o serviço dos SMTCB a duas freguesias do Município da Moita, a saber à união da freguesia da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira e à freguesia de Alhos Vedros, ou seja, a extensão de serviço que o Protocolo de Entendimento comporta assume natureza intermunicipal, de tal modo que a própria Deliberação diz, como resulta da alínea o) dos Factos Provados da Douta Sentença Recorrida, que o referido Protocolo visa a criação de uma rede de transportes “interligada com o sistema intermodal de transportes da área metropolitana de Lisboa”.
O. Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 8º do RJSPTP, a autoridade de transporte com competência material para deliberar sobre o serviço objeto do Protocolo é a Área Metropolitana de Transportes e não o Município da Moita (ainda que conjuntamente com o Município do Barreiro), pelo que a Douta Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação e aplicação da norma do n.º 2 do artigo 8º do RJSPTP, violando a mesma, requerendo-se a Vossas Excelências se digne revogar a mesma também por este fundamento.
P. Em quarto lugar, o Município da Moita aprova a Deliberação CMM de 23.09.2015 e celebra o Protocolo de Entendimento à revelia da TST (que apenas soube depois pela imprensa) e, segundo o Tribunal a quo, como não manifestou intenção de participar no procedimento respectivo não tem legitimidade e logo não tem direito de audiência prévia.
Q. Na medida em que o serviço de transporte objeto da Deliberação CMM de 23.09.2015 e do Protocolo de Entendimento colide com os direitos da TST decorrentes das concessões inerentes às carreiras 317, 318, 333 e 410, o Município da Moita tinha o dever legal de incluir a TST no respectivo procedimento, o que não fez, desde logo para efeitos de audiência prévia nos termos decorrentes da norma do n.º 1 do artigo 121º do CPA e do n.º 5 do artigo 267º da CRP.
R. Ao não reconhecer legitimidade procedimental à TST, nem o direito de audiência prévia relativamente aos atos jurídicos Deliberação CMM e Protocolo de Entendimento, a Douta Sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 65º, do n.º 1 do artigo 68º, do n.º 1 do artigo 121º todas do CPA e do n.º 5 do artigo 267º da CRP.
S. Ao invés do que entende o Tribunal a quo deve dar-se por preenchido o requisito do fumus boni iuris a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, assim como o do periculum in mora que a Douta Sentença recorrida não apreciou.
Nestes termos, e com o douto suprimento dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, serem considerados procedentes os erros de julgamento da Douta Sentença recorrida invocados nas presentes alegações de recurso, com as respectivas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.”.


O Município da Moita apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

A DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer no qual sustentou a improcedência do presente recurso jurisdicional. A este parecer respondeu a recorrente.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram indiciariamente dados como provados os seguintes factos:
«a) A requerente é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à actividade de transporte público de passageiros [acordo e documento de fls. 29 a 35 dos autos].
b) A requerente é titular de várias concessões para o exercício do transporte público regular de passageiros, designadas por “Alvarás”, emitidas ao abrigo do Regulamento de Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º37272, de 31/12/1948, e que se mantêm em vigor [acordo].
c) A requerente é titular do Alvará n.º313 – Concessão de Carreiras de Serviço Público, emitido pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, com percurso entre Alcochete (Freeport) e Barreiro (Estação), cuja exploração teve início em 01/01/1969 e que se mantém actualmente [acordo e documento de fls. 36 e 37 dos autos].
d) A concessão referida em c) corresponde à carreira 410 [acordo].
e) A requerente é titular do Alvará n.º5948 – Concessão de Carreiras de Serviço Público, emitido pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, com percurso entre o Barreiro (Estação) e Sarilhos Pequenos, cuja exploração teve início em 19/06/1991 e que se mantém actualmente [acordo e documento de fls. 40 dos autos].
f) A concessão referida em e) corresponde à carreira 318 [acordo].
g) A requerente é titular do Alvará n.º6355 – Concessão de Carreiras de Serviço Público, emitido pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, com percurso entre a Baixa da Banheira (Vale da Amoreira) e o Barreiro (Estação), cuja exploração teve início em 25/10/1993 e que se mantém actualmente [acordo e documento de fls. 43 e 44 dos autos].
h) A concessão referida em g) corresponde à carreira 317 [acordo].
i) A requerente é titular do Alvará n.º7510 – Concessão de Carreiras de Serviço Público, emitido pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, com percurso entre o Barreiro e Lisboa (Gare do Oriente), cuja exploração teve início em 03/02/2003 e que se mantém actualmente com o percurso entre Lisboa (Gare do Oriente) e Vale da Amoreira [acordo e documento de fls. 47 dos autos].
j) A concessão referida em i) corresponde à carreira 333 [acordo].
k) Nos alvarás de que a requerente é titular, não consta que lhe é atribuída a exclusividade sobre o percurso objecto da concessão [documentos de fls. 36, 37, 40, 43, 44 e 47 dos autos].
l) A requerente solicitou à Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa a manutenção das concessões identificadas em c), e), g) e i) até, pelo menos, 03/02/2019, em regime de exclusividade, solicitando a indicação expressa da mesma na autorização a emitir nos termos indicados no n.º2 do artigo 10.º da Lei n.º52/2015 [acordo e documentos de fls. 51 a 56 dos autos].
m) Os Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos do Barreiro [SMTCB] são um operador totalmente pertencente e controlado pelo Município do Barreiro, que se dedica ao transporte pesado de passageiros em modo rodoviário e que, até à presente dada, opera dentro da área geográfica do Município do Barreiro [acordo].
n) Em 23/09/2015, a Câmara Municipal da Moita deliberou aprovar o “Protocolo de Entendimento para a Criação de um Serviço de Transportes Colectivos Complementar no Concelho da Moita” [documento de fls. 24 dos autos].
o) Na Proposta que deu origem à deliberação referida em n), consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
“Texto e/ou quadro no original”
(…).” [documento de fls. 62 dos autos].
p) No dia 12/10/2015, foi assinado entre a Câmara Municipal do Barreiro e a Câmara Municipal da Moita o “Protocolo de Entendimento Para a Criação de Serviço de Transporte Coletivo Complementar no Concelho da Moita” [documento de fls. 214 a 220 dos autos].
q) O Protocolo referido em p) tem o seguinte teor:
“(…)

“Texto e/ou quadro no original”

(…).” [documento de fls. 214 a 220 dos autos].

r) Após ter tido conhecimento da assinatura do Protocolo de Entendimento celebrado entre o Município da Moita e o Município do Barreiro, no dia 06/10/2015, a requerente enviou para a Câmara Municipal do Barreiro uma carta com o seguinte teor:

“(…)

“Texto e/ou quadro no original”

(…).” [documento de fls. 66v e 67 dos autos].

s) Na mesma data, a requerente enviou para a Câmara Municipal do Barreiro (1) uma carta com o seguinte teor:

“(…)

“Texto e/ou quadro no original”

(…).” [documento de fls. 68 dos autos].
t) Na sequência das cartas referidas em r) e s), teve lugar, no dia 20/10/2015, uma reunião na qual estiverem presentes, da parte da requerente, os Drs. G… e S…, da parte da Câmara Municipal da Moita, o Presidente e o Vereador da Mobilidade e, da parte da Câmara Municipal do Barreiro, o Presidente e o Vereador da Mobilidade [acordo].
u) No dia 28/10/2015, a requerente enviou uma carta ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. com o seguinte teor:

“Texto e/ou quadro no original”

[documento de fls. 69v e 70 dos autos].
v) Na mesma data, a requerente enviou uma carta à Área Metropolitana de Lisboa com o seguinte teor:
“Texto e/ou quadro no original”
[documento de fls. 71 dos autos].
w) A operação a realizar pelos Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos do Barreiro (SMTCB) na área do Município da Moita, nos termos do Protocolo de Entendimento celebrado entre o Município da Moita e o Município do Barreiro, implica a realização de percursos cujo trajecto coincide parcialmente com o trajecto das carreiras 317, 318, 333 e 410 da requerente [acordo e depoimento testemunhal].
x) A sobreposição dos trajectos das carreiras 1 e 2 dos SMTCB com as carreiras da requerente tem uma extensão de cerca de 2.4 Km. [depoimento testemunhal].
y) Actualmente, já existe uma sobreposição parcial entre as carreiras da requerente e as carreiras dos SMTCB [depoimento testemunhal]
z) O tarifário dos SMTCB é inferior ao tarifário praticado pela requerente [acordo].
aa) A requerente apresenta uma situação económica difícil, com um resultado negativo de €860.139.00 no ano de 2014 e um resultado também negativo de €368.809.00 a 30/09/2015 [documento de fls. 85 e 86 dos autos].
bb) O Protocolo de Entendimento Para a Criação de Serviço de Transporte Coletivo Complementar no Concelho da Moita ainda não se encontra concretizado, não tendo, ainda, tido lugar a extensão das carreiras 1 e 2 dos SMTCB [depoimento testemunhal]».

Na sentença recorrida consignou-se também que:
“Não resultaram indiciariamente provados nos autos outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, os seguintes:
a) Os SMTCB vão utilizar paragens que actualmente estão afectas às carreiras 317, 318, 333 e 410 da requerente.
b) A carreira 317, na sua totalidade, tem uma extensão total de 9,965 kms, gera proveitos de €315.996.00, implica um custo de produção de €306.180.00 e tem uma rentabilidade de €9.816.00.
c) A carreira 317, na parte directamente afectada pelo Protocolo de Entendimento, nas paragens entre a Rua da Amizade e o terminal Vale da Amoreira, tem uma extensão de 5.614 kms, gera proveitos de €202.321.00, implica um custo de produção de €172.493.00 e tem uma rentabilidade de €29.828.00.
d) A carreira 318, na sua totalidade, tem uma extensão total de 14.521 kms, gera proveitos de €34.152.00, implica um custo de produção de €22.428.00 e tem uma rentabilidade €11.724.00.
e) A carreira 318, na parte directamente afectada pelo Protocolo de Entendimento, nas paragens localizadas na Baixa da Banheira, tem uma extensão de 0.707 kms, não gera proveitos, implica um custo de produção de €1.092.00 e tem uma rentabilidade negativa de €1.092.00.
f) A carreira 333, na sua totalidade, tem uma extensão total de 37.016 kms, gera proveitos de €711.780.00, implica um custo de produção de €677.100.00 e tem uma rentabilidade €34.680.00.
g) A carreira 333, na parte directamente afectada pelo Protocolo de Entendimento, nas paragens entre Vale da Amoreira e Alhos Vedros, tem uma extensão de 2.029 kms, gera proveitos de €283.354.00, implica um custo de produção de €269.548.00 e tem uma rentabilidade de €13.806.00.
h) A carreira 410, na sua totalidade, tem uma extensão total de 35.157 kms, gera proveitos de €1.664.712, implica um custo de produção de €1.270.188 e tem uma rentabilidade de €394.524.00.
i) A carreira 410, na parte directamente afectada pelo Protoloco de Entendimento, nas paragens localizadas na Baixa da Banheira, tem uma extensão de 0.707 kms, gera proveitos de €27.882.00, implica um custo de produção de €25.543.00 e tem uma rentabilidade de €2.339.00.
j) As concessões, na sua totalidade, têm uma extensão de 96.659 kms, geram proveitos de €2.726.640, implicam um custo de produção de €2.275.896 e têm uma rentabilidade de €450.744.00.
k) As concessões, na parte afectada pelo Protocolo de Entendimento, têm uma extensão de 9.057 kms, geram proveitos de €513.557.00, implicam um custo de produção de €468.676.00 e têm uma rentabilidade €44.881.00.
l) Caso os SMTCB iniciem a operação no Município da Moita em Dezembro de 2015, nos termos do Protocolo de Entendimento, irá necessariamente ocorrer uma perda de procura por parte dos clientes da requerente nas carreiras 317, 318, 333 e 410, que passarão a utilizar os serviços dos SMTCB.
m) A rentabilidade actual das carreiras 317, 318, 333 e 410 não comporta variações de procura negativas que, diminuindo os passageiros, tornem as mesmas deficitárias.
n) O que implica irremediavelmente a sua supressão pela requerente, sob pena de acumular prejuízos em tais carreiras.
o) Causando à requerente um prejuízo anual constante no mínimo de €44.881.00, na parte das concessões directamente afectadas pelo Protocolo de Entendimento.
p) Prejuízo este que ascende a €450.744.00 por ano, caso a requerente, por perda de rentabilidade das referidas carreiras, seja forçada a deixar de operar as mesmas.
q) Os SMTCB têm uma operação deficitária, ou seja, as receitas que a mesma gera não cobrem os custos da operação.”.

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula;

- incorreu em erro na fixação da matéria de facto;

- enferma de erro ao ter julgado improcedentes os pedidos cautelares (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).


Passando à análise da questão respeitante à nulidade da decisão recorrida

A recorrente alega que a sentença recorrida padece de ambiguidade, pelo que é nula, nos termos do art. 615º n.º 1, al. c), do CPC de 2013, dado que não se percebe a razão ou com que critério o Tribunal a quo considerou que a extensão das linhas que são objecto do Protocolo de Entendimento correspondem a linhas secundárias, ou seja, a recorrente invoca que a decisão recorrida é nula, já que a respectiva fundamentação – em parte - enferma de ambiguidade (cfr. alínea M), das conclusão da alegação de recurso).

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)” (sublinhados e sombreado nossos).

Como explicam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2014, pág. 605:
Importa reforçar, em conclusão, que o vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou a obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão”.

E como ensina José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, 2013, pág. 334, nota 48-A:
(…) Mas num ponto fundamental o regime do CPC de 2013 difere da do código revogado: a obscuridade ou ambiguidade só é relevante quando gere ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal não possa retirar da parte decisória (e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (…)”.

Do exposto resulta que a ambiguidade da fundamentação só provoca a nulidade da sentença caso a respectiva parte decisória seja ininteligível.

Ora, in casu verifica-se que a parte decisória da sentença recorrida não padece de ininteligibilidade, pois na mesma os pedidos cautelares foram julgados improcedentes, dispositivo que é completamente claro, compreensível e unívoco.

Assim sendo, qualquer eventual ambiguidade de que padeça a fundamentação é irrelevante, pois a mesma não afectou a inteligibilidade do dispositivo da sentença recorrida.


Nestes termos, tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.

De todo o modo, não está este tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pela recorrente como nulidade da sentença (cfr. art. 5º n.º 3, do CPC de 2013).

Assim sendo, será oportunamente apreciado o erro de julgamento que a recorrente alega existir na consideração da extensão de duas carreiras ao concelho da Moita, nos termos definidos no Protocolo de Entendimento, como cabendo no conceito de linhas secundárias.


Passando à apreciação da questão respeitante ao alegado erro da decisão sobre a matéria de facto

A recorrente defende que os factos dados como não provados, sob as alíneas b) a k), devem ser aditados à matéria de facto dada como assente, argumentando que [assim discordando do julgamento feito pelo tribunal recorrido, o qual considerou tais factos como não provados face à insuficiência da prova produzida - documentos juntos com o requerimento inicial (e que constam de fls. 73 a 80) e depoimento da testemunha L…] tais factos encontram-se provados, face aos documentos juntos com o requerimento inicial como Docs. n.º 32 a 36, conjugados com os esclarecimentos prestados pela testemunha L

Vejamos.

In casu a decisão do tribunal a quo – no que respeita aos factos dados como não provados sob as alíneas b) a k) – foi o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, pelo que a reavaliação da decisão relativa à matéria de facto está dependente do cumprimento pela recorrente do ónus de impugnação prescrito pelo art. 640º, do CPC de 2013.

Com efeito, dispõe o referido art. 640º, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)” (sublinhados nossos).

Como explicita António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, págs. 132 e 133, em anotação ao transcrito art. 640º:
(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora passa a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação de recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
(…)
e) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;
(…)”.

E como esclarece ainda António Santos Abrantes Geraldes, cit.:
- na pág. 135, “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.”;
- na pág. 130, “(…) foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências do recorrente”.

Conclui-se, assim, que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa um julgamento “ex novo” e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado.

Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição.

É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo (o preâmbulo não possui força vinculativa, mas não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal) do DL 39/95, de 15/2 – diploma que veio regular a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, aditando ao CPC o art. 690º-A, posterior art. 685º-B e actual art. 640º -, quando aí consignou que o duplo grau de jurisdição visava “apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (…) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.”.

O não cumprimento dos ónus especiais de alegação previstos no referido art. 640º é cominado, no corpo do seu n.º 1, com a “rejeição” do recurso e, na al. a) do seu n.º 2, com a “imediata rejeição” do recurso, o que significa, em comparação com o que dispõe o art. 639º, do CPC de 2013 (quanto aos recursos da matéria de direito), que a mesma não é precedida de qualquer despacho de aperfeiçoamento - neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 9.2.2012, proc. n.º 1858/06.5 TBMFR.L1.S1, Ac. do STA de 9.2.2012, proc. n.º 967/11, Acs. da Rel. do Porto de 24.2.2014, proc. n.º 664/10.7 TBLSD.P1, e 15.9.2014, proc. n.º 11/10.8 TBGDM.P1, Acs. da Rel. de Guimarães de 14.3.2013, proc. n.º 1472/08.0 TBFLG.G1, e 19.6.2014, proc. n.º 1458/10.5 TBEPS.G1, e Ac. do TCA Sul de 8.1.2015, proc. n.º 5142/11, e, na doutrina, Fernando Amâncio Ferreira cit., pág. 157, nota 333, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2004, pág. 585, nota III, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 2003, pág. 53, e António Santos Abrantes Geraldes, cit., pág. 134.

Compreende-se a rejeição imediata do recurso nessa situação, já que os ónus impostos ao recorrente pelo art. 640º n.ºs 1 e 2 visam o corpo das alegações (com excepção do previsto na al. a) do seu n.º 1, o qual também visa as conclusões das alegações), insusceptível, no nosso ordenamento processual, de ser aperfeiçoado por via de convite – neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira cit., pág. 157, nota 333, e, na jurisprudência, entre outros, Ac. da Rel. do Porto de 24.2.2014, proc. n.º 664/10.7 TBLSD.P1, e Ac. da Rel. de Évora de 22.5.2014, proc. n.º 237/13.2 TMFAR.E1.

Como esclarece António Santos Abrantes Geraldes, cit., pág. 135:
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
(…)” – também neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 23.2.2010, proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Ac. da Rel. do Porto de 21.3.2013, proc. n.º 731/09.0 TBMDL.P1, Acs. da Rel. de Lisboa de 9.7.2014, proc. n.º 1021/09.3 T2AMD.L1-1, e 17.9.2013, proc. n.º 450/08.4 TBSTB-B.L1-1, e Ac. da Rel. de Coimbra de 19.12.2012, proc. n.º 2312/11.9 TBLRA.C1.

Retomando o caso vertente, cumpre verificar se a recorrente logrou cumprir a sua obrigação processual.

A recorrente na sua alegação de recurso, e no que respeita ao depoimento da testemunha L, não dá cumprimento ao ónus previsto no art. 640º n.º 2, al. a), do CPC de 2013, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação e implica, nos termos da mencionada norma, a imediata rejeição do recurso, nesta parte.

Com efeito, a recorrente omite - no corpo da alegação de recurso (sendo certo que as conclusões da alegação de recurso nada acrescentam ao que consta do corpo da alegação de recurso) - de todo a referência (muito menos com exactidão) às passagens da gravação do depoimento de L nas quais pretende fundamentar o recurso, isto é, que se mostram relevantes para fundamentar a alteração da decisão da matéria de facto (conjugadas com os Docs. n.º 32 a 36, juntos com o requerimento inicial), o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação e implica, nos termos da mencionada norma, a imediata rejeição do mesmo, nesta parte.

Assim sendo, não se poderá conhecer do recurso interposto na parte em que é impugnada a decisão da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus prescrito no 640º n.º 2, al. a), do CPC de 2013.

Nestes termos, improcede a invocação de erro da decisão da matéria de facto, ou seja, só os factos considerados provados pela 1ª instância podem servir de fundamento à solução a dar ao litígio.

Pelo exposto, improcede o alegado em C) a F), das conclusões da alegação de recurso.



Passando à análise da questão relativa ao alegado erro da sentença recorrida ao ter julgado improcedentes os pedidos cautelares

A decisão recorrida considerou que não se encontrava preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, razão pela qual julgou improcedentes os pedidos cautelares. Defende a recorrente que tal requisito se encontra preenchido.

Apreciando.

Estatui o art. 120º, do CPTA revisto (isto é, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10, dado que o presente processo cautelar considera-se interposto em 22.12.2015 – cfr. fls. 95, dos autos em suporte de papel), sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

(…)”.

Do disposto neste art. 120º n.ºs 1 e 2 infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:
1) O “periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte);
2) O “fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e
3) A ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2).

A propósito do requisito relativo à aparência do bom direito, explica Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, 2016, pág. 451, o seguinte:
A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.” (sublinhados nossos).

E no Ac. do STA de 23.6.2016, proc. n.º 629/16, explicita-se o seguinte sobre este mesmo requisito:
Como acima ficou dito, na presente providência a Requerente vem pedir a suspensão de eficácia da deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 1 de Março de 2016, que, indeferindo a reclamação por si apresentada, manteve a pena disciplinar de 40 dias de suspensão e a respectiva transferência para cargo idêntico em Tribunal ou serviço diferente.
Conforme decorre do art. 120º do CPTA, são requisitos do procedimento cautelar administrativo:

- O periculum in mora, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (nº 1, 1ª parte do art. 120º do CPTA).

(…)

- O fumus boni iuris, que se traduz num dever de o juiz avaliar, em termos sumários, a probabilidade da procedência da acção principal (nº 1, 2ª parte do referido art. 120º);

- Por último, e caso se verifiquem aqueles dois requisitos cumulativos, o critério de proporcionalidade estabelecido no nº 2 do art. 120º (…)

No caso presente no requerimento inicial vêm invocadas as ilegalidades acima elencadas (…)

Face a todo o alegado defende a Requerente nos artigos 270º a 272º que deve dar-se como verificada a probabilidade de procedência da acção principal de impugnação a instaurar.

Por sua vez o Requerido defende que o acto suspendendo não enferma de nenhum dos vícios que a Requerente lhe atribui, não sendo possível considerar preenchido o fumus boni iuris que se exige nos termos do art. 120º, nº 1, 2ª parte do CPTA, pelo que deverá ser recusada a providência.

O art. 120º, nº 1, do CPTA, prevê actualmente que a providência cautelar seja deferida se for possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão a formular na acção principal (uma vez reunidos os restantes requisitos).

Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

No caso em apreço não cabe proceder à análise de todos os vícios invocados, ainda que apenas com vista a avaliar da sua probabilidade, constituindo essa apreciação uma antecipação de juízos sobre o objecto da acção a intentar, assim se invadindo uma área que há-de ser tratada no processo principal.

Com efeito, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente, até porque tal apreciação envolveria, no presente caso, uma análise cuidada do processo disciplinar, mormente de toda a prova aí recolhida e da tramitação desse processo, de forma a poder aferir-se dos invocados vícios do processo disciplinar e do acto suspendendo.” (sublinhados nossos).

Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo de probabilidade de procedência da acção principal sumário e perfunctório, ou seja, a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto impugnado não é compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal.

No caso vertente verifica-se que no requerimento inicial a recorrente imputou à deliberação suspendenda de 23.9.2015 – descrita na alínea n), dos factos provados – os seguintes vícios:
1) – violação dos arts. 96º e 124º, do Regulamento de Transportes em Automóveis (aprovado pelo Decreto n.º 37272, de 31.12.1948), os quais lhe conferem um direito à exploração exclusiva do serviço público inerente às concessões que lhe foram atribuídas e que estão tituladas por alvará;
2) – violação da proibição absoluta dos Transportes Colectivos do Barreiro (TCB) operarem fora da área geográfica do concelho do Barreiro, decorrente do art. 5º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007;
3) – violação do art. 10º n.ºs 1 e 8, do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros, aprovado pela Lei 52/2015, de 9/6, e do art. 47º, do CPA;
4) – violação do art. 9º, da Lei 19/2012, de 8/5;
5) – incompetência material do Município da Moita (e do Município do Barreiro) para celebrar o Protocolo de Entendimento;
6) – violação do seu direito de audiência prévia.

Na sentença recorrida analisaram-se estes seis vícios e, após tal análise, concluiu-se no sentido de que “não é provável que a pretensão formulada pela requerente na acção principal venha a ser julgada procedente, na medida em que, numa apreciação sumária, se afigura que a deliberação suspendenda e o Protocolo de Entendimento não padecem dos vícios que lhe são imputados por aquela”, razão pela qual se considerou que não se encontrava preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.

No presente recurso jurisdicional a recorrente mantém que é provável a procedência dos vícios acima descritos em 1), 2), 5) e 6), razão pela qual defende que se encontra preenchido o pressuposto do fumus boni iuris e, consequentemente, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

Vejamos cada um destes quatro vícios.

Violação dos arts. 96º e 124º, do Regulamento de Transportes em Automóveis (aprovado pelo Decreto n.º 37272, de 31.12.1948)

No requerimento inicial a recorrente limitou-se a alegar que a deliberação suspendenda de 23.9.2015 – ao implicar nomeadamente a circulação de autocarros dos TCB nos percursos afectos às suas concessões - viola os arts. 96º e 124º, do Regulamento de Transportes em Automóveis (aprovado pelo Decreto n.º 37272, de 31.12.1948), os quais lhe conferem um direito à exploração exclusiva do serviço público inerente às concessões que lhe foram atribuídas e que estão tituladas por alvará.

A sentença recorrida analisou este vício de forma sumária nos seguintes termos:
Da factualidade provada resulta que a requerente é titular de quatro concessões para o exercício do transporte público regular de passageiros, que correspondem às carreiras 317, 318, 333 e 410, cujos percursos passam pelos Municípios da Moita e do Barreiro [alíneas b) a j) dos factos provados].
Resultou, ainda, provado nos autos que entre o Município da Moita e o Município do Barreiro foi assinado um “Protocolo de Entendimento para a Criação de um Serviço de Transportes Colectivos Complementar no Concelho da Moita” [doravante, designado apenas por Protocolo de Entendimento], nos termos do qual é criado um serviço de transportes colectivos urbano complementar ao existente no concelho do Barreiro que se traduz na extensão do percurso das carreiras 1 e 2 dos Transportes Colectivos do Barreiro, assegurando a ligação entre a União de Freguesias da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira e a freguesia de Alhos Vedros e a zona urbana do Município do Barreiro [alíneas p) e q) dos factos provados].

A operação a realizar pelos Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos do Barreiro [SMTCB] na área do Município da Moita, nos termos do Protocolo de Entendimento, implica a realização de percursos cujo trajecto coincide parcialmente com o trajecto das carreiras 317, 318, 333 e 410 da requerente, sendo que a sobreposição dos trajectos das carreiras 1 e 2 dos SMTCB com as carreiras da requerente tem uma extensão de cerca de 2.4 Km. [alíneas w) e x) dos factos provados].

Alega a requerente que a operação pelos SMTCB no percurso, ou em parte do percurso, relativo às concessões consubstancia uma violação do direito à exploração das mesmas de que é titular exclusiva, impedindo-a de explorar a concessão nos moldes em que a mesma lhe foi concessionada e que resulta do respectivo alvará e violando o disposto nos artigos 96.º e 124.º do Regulamento de Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º37272, de 31/12/1948.

Vejamos.

À data em que foram atribuídas à autora as quatro concessões que correspondem a quatro carreiras que circulam nos Municípios da Moita e do Barreiro, tituladas pelos alvarás n.ºs 313, 5948, 6355 e 7510, encontrava-se em vigor o Regulamento de Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º37272, de 31/12/1948, que foi revogado pela Lei n.º52/2015, de 9 de Junho.

Nos termos do artigo 96.º do Regulamento de Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º37272, de 21/12/1948, com a redacção introduzida pelo Decreto n.º59/71, de 2 de Março, rectificado no Diário do Governo n.º98, de 27/04/1971, “Salvo o disposto na segunda parte do corpo do artigo 74.º e no artigo anterior, as concessões serão outorgadas pelo prazo de dez anos, contados do início do trimestre em que começar a respectiva exploração.

§ 1.º Findo o prazo referido no corpo deste artigo, considerar-se-á sucessiva e automaticamente prorrogado, por períodos de cinco anos, se o Governo ou o concessionário não notificarem a contraparte, com a antecedência mínima de seis meses, de que desejam dar por finda a concessão.

§ 2.º O prazo das concessões pedidas por um concessionário em substituição de outras que lhe tenham sido outorgadas será o da concessão mais antiga entre as substituídas.

§ 3.º A requerimento fundamentado dos interessados, poderão ser outorgadas concessões por prazo inferior ao mínimo estabelecido no corpo deste artigo, sem obediência ao regime do § 1.º, nos casos especiais em que as necessidades de transporte a satisfazer se apresentem delimitadas no tempo”.

A norma citada estabelece o prazo das concessões do serviço público de transportes, nada estabelecendo quanto à exclusividade do concessionário relativamente a uma determinada área geográfica ou percurso, o que significa que o invocado direito da requerente à exploração exclusiva do serviço público inerente às concessões que lhe foram atribuídas não pode encontrar o seu fundamento na mesma norma.

Por sua vez, o artigo 124.º do Regulamento de Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º37272, de 21/12/1948, com a redacção introduzida pelo Decreto n.º59/71, de 2 de Março, estabelece o seguinte: “Os concessionários são obrigados a explorar directamente os transportes que lhes tenham sido concedidos, sendo, porém, admitida a celebração, entre dois ou mais concessionários da mesma região, de acordos de cooperação que abranjam a exploração conjunta dos respectivos serviços, devendo tais acordos ser sujeitos a prévia aprovação do Ministro das Comunicações”.

A norma citada, tal como a norma do artigo 96.º, não atribui ao concessionário um direito à exploração exclusiva de uma determinada área geográfica ou percurso/trajecto, antes impõe que aquele explore directamente os transportes que lhe tenham sido concedidos, sem prejuízo da celebração de acordos de cooperação.

Assim sendo, conclui-se que as normas invocadas pela requerente não lhe conferem um direito à exploração exclusiva dos trajectos abrangidos pelas concessões, sendo certo, acrescente-se, que nos alvarás de que a requerente é titular, não consta que lhe é atribuída a exclusividade sobre o percurso objecto da concessão [alínea k) dos factos provados].

Nesta medida, e numa apreciação sumária, não podemos concluir que a requerente é titular de um direito de exploração exclusiva do serviço público inerente às concessões que lhe foram atribuídas, uma vez que, por um lado, tal direito não resulta das normas por si invocadas e, por outro lado, nos alvarás que titulam as concessões nada consta que permita concluir pela existência da referida exclusividade.

Acresce, noutra perspectiva, que a execução do Protocolo de Entendimento apenas implica a sobreposição parcial entre os trajectos das carreiras 317, 318, 333 e 410 da requerente e as carreiras 1 e 2 dos Transportes Colectivos do Barreiro [doravante, designados por TCB], pelo que sempre seria discutível se tal é susceptível de contender com um eventual direito de exploração exclusiva da requerente sobre um determinado percurso/trajecto, uma vez que a exclusividade sobre um percurso/trajecto não impede que existam sobreposições em determinadas zonas.”.

Em sede de recurso jurisdicional a recorrente mantém que dos arts. 96º e 124º (e 74º), do Regulamento de Transportes em Automóveis, decorre que, enquanto titular das concessões a que correspondem as carreiras 317, 318, 333 e 410, tem o direito exclusivo à respectiva exploração, não obstante nesses normativos legais não constar a palavra “exclusividade”, fazendo apelo ao entendimento prevalecente da doutrina administrativa sobre concessões (Adalberto Costa, Marcello Caetano e Pedro Gonçalves), concluindo que:
Este entendimento do Tribunal a quo, para além de juridicamente incorrecto, evidencia uma fragilidade ou superficialidade na análise da figura da concessão tal como regulada pelo RTA” (cfr. artigo 34º, da alegação de recurso).

Na contra-alegação de recurso são apresentados diversos argumentos para rebater este entendimento da recorrente.

Do ora exposto decorre que não é possível determinar se o presente vício procede (ou não) através de uma apreciação sumária e célere dos normativos aplicáveis, pois tal juízo (de procedência ou improcedência) exige designadamente uma análise aprofundada de várias posições doutrinais, ou seja, este vício reclama um exame e apreciação exaustivos e completos da questão de fundo que são próprios do juízo de certeza da acção principal.

Dito por outras palavras, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo de probabilidade de procedência da acção principal sumário e perfunctório, o qual não é possível de emitir quanto a este vício, face à complexidade da questão suscitada.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida é de manter, com a presente fundamentação, no segmento em que considerou que a alegação do presente vício não permite o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Violação do direito de audiência prévia

No requerimento inicial a recorrente alegou que a deliberação suspendenda de 23.9.2015 viola o seu direito de audiência prévia, consagrado no n.º 5 do art. 267º, da CRP, e no n.º 1 do art. 121º, do CPA, já que é interessada no procedimento, pois tal deliberação implica nomeadamente a circulação de autocarros dos TCB nos percursos afectos às concessões de que é titular.

Na sentença recorrida afirma-se que não é provável a procedência deste vício, esclarecendo-se a este propósito e no essencial que, não sendo a recorrente titular de qualquer exclusivo, não é interessada no procedimento, ou seja, a apreciação deste vício está dependente da análise feita relativamente ao vício antecedente (violação dos arts. 96º e 124º, do Regulamento de Transportes em Automóveis).

Ora, tendo-se concluído que a análise do vício relativo à violação dos arts. 96º e 124º, do Regulamento de Transportes em Automóveis, não é compatível com uma apreciação sumária e perfunctória, antes exigindo uma análise exaustiva própria da acção principal, ter-se-á, necessariamente, que concluir que este vício relativo à falta de audiência prévia também não é compatível com uma apreciação sumária e perfunctória e que, consequentemente, a decisão recorrida é de manter, com a presente fundamentação, no segmento em que considerou que a alegação do presente vício não permite o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Violação do art. 5º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007

No requerimento inicial a recorrente alegou que a deliberação suspendenda de 23.9.2015 viola a proibição absoluta dos TCB operarem fora da área geográfica do concelho do Barreiro, decorrente do art. 5º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007.

A sentença recorrida analisou este vício de forma sumária nos seguintes termos:
Alega, também a requerente que os Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos do Barreiro [SMTCB], enquanto serviço municipalizado e operador interno, está proibido de operar fora da área geográfica do Município do Barreiro, pelo que tanto a deliberação da Câmara Municipal da Moita de 23/09/2015, como o Protocolo de Entendimento, são ilegais, por violação directa do artigo 5.º, n.º2, do Regulamento 1370/2007.
O Regulamento (CE) n.º1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/10/2007, tem por objectivo definir o modo como, no respeito das regras do direito comunitário, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.
O artigo 5.º n.º2, alínea c) (2), do referido Regulamento estabelece o seguinte: “Salvo proibição prevista pelo direito nacional, qualquer autoridade competente a nível local, quer se trate de uma autoridade singular ou de um agrupamento de autoridades fornecedoras de serviços públicos integrados de transporte de passageiros, pode decidir prestar ela própria serviços de transporte público de passageiros ou adjudicar por ajuste directo contratos de serviço público a uma entidade juridicamente distinta sobre a qual a autoridade competente a nível local, ou caso se trate de um agrupamento de autoridades, pelo menos uma autoridade competente a nível local, exerça um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. Caso uma autoridade competente a nível local tome essa decisão, aplicam-se as seguintes disposições: b) É condição de aplicação do presente número que o operador interno e qualquer entidade sobre a qual este operador exerça uma influência, ainda que mínima, exerçam integralmente as suas actividades de transporte público de passageiros no interior do território da autoridade competente a nível local, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa actividade que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas, e não participem em concursos organizados fora do território da autoridade competente a nível local”.
Atento o disposto na norma regulamentar citada, conclui-se que qualquer autoridade competente a nível local pode prestar, ela própria, serviços de transporte público de passageiros ou adjudicar por ajuste direito contratos de serviço público a uma entidade juridicamente distinta sobre a qual exerça controlo, a qual, no entanto, terá que exercer integralmente as suas actividades de transporte público de passageiros no interior do território da autoridade competente a nível local, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa actividade que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas.
Ora, os TCB exercem a sua actividade de transporte público de passageiros no interior do território do Barreiro, sendo que o Protocolo de Entendimento prevê a extensão do percurso de duas carreiras ao concelho da Moita.
Assim sendo, atendendo a que a norma regulamentar citada admite a existência de linhas secundárias que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas e que a extensão do percurso de duas carreiras ao concelho da Moita, nos termos definidos no Protocolo de Entendimento, parece caber no conceito de linha secundária, na medida em que os TCB continuarão a exercer a sua actividade maioritariamente no Município do Barreiro, não podemos concluir, numa apreciação sumária, que a deliberação suspendenda e o Protocolo de Entendimento violam o disposto no artigo 5.º n.º2, do Regulamento (CE) n.º1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/10/2007.”.

Em sede de recurso jurisdicional a recorrente manteve e desenvolveu o alegado no requerimento inicial, nos termos indicados em J) a M), das conclusões da alegação de recurso, sendo certo que os argumentos aí invocados - num juízo sumário e perfunctório - não permitem concluir no sentido da provável procedência deste vício, dado que:
a) - os Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos do Barreiro, enquanto serviços municipalizados, são destituídos de personalidade jurídica (cfr. arts. 8º a 18º, da Lei 50/2012, de 31/8), pelo que não poderão ser qualificados como operador interno (cfr. art. 2º, al. j), do Regulamento (CE) n.º 1370/2007), mas, mesmo que, assim, não se entenda:
b) – o art. 5º n.º 2, al. b), do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, admite a existência de linhas secundárias que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas, ou seja, tal normativo “permite que os operadores internos explorem «linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade [de transporte público de passageiros] que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas». Esta disposição prevê alguma flexibilidade, contemplando os transportes entre regiões vizinhas. Os operadores internos podem assim, em certa medida, prestar serviços fora do território sob tutela da autoridade competente a nível local” (sublinhados e sombreados nossos) – cfr. ponto v) do n.º 2.3.1., da Comunicação da Comissão relativa às Orientações para a interpretação do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 (Jornal Oficial da União Europeia C 92 de 29.3.2014) -, o que está em consonância com a interpretação perfilhada na sentença recorrida;
c) – estando apenas em causa a extensão de duas carreiras (n.ºs 1 e 2), tendo em conta que os TCB, além destas duas carreiras, têm mais quinze carreiras [n.ºs 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 18, 71, 149, 150, e 701/702 – cfr. http://www.cm-barreiro.pt] e face ao constante no ponto v) do n.º 2.3.1., da Comunicação da Comissão relativa às Orientações para a interpretação do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 (Jornal Oficial da União Europeia C 92 de 29.3.2014) [“Para se determinar se os serviços prestados ao abrigo do contrato de serviço público satisfazem esta disposição, deverão aplicar-se os seguintes critérios: os serviços têm de fazer a ligação do território sob tutela da autoridade competente em questão a um território vizinho e têm de ser serviços acessórios e não o objeto principal das atividades de transporte público abrangidas pelo contrato. A Comissão determina se esses serviços são de natureza acessória comparando o seu volume, expresso em veículos.km ou comboios.km, com o volume total das atividades de transporte público abrangidas pelo contrato ou contratos do operador interno”], não enferma de erro a sentença recorrida ao considerar que tal extensão (de duas carreiras) integra o conceito de linha secundária.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida é de manter no segmento em que considerou que a alegação do presente vício não permite o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Incompetência material do Município da Moita (e do Município do Barreiro) para celebrar o Protocolo de Entendimento

No requerimento inicial a recorrente alegou - entendimento reiterado na alegação de recurso - que, por força do disposto no art. 8º n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros, aprovado pela Lei 52/2015, de 9/6, a autoridade de transporte com competência material para deliberar sobre o serviço objecto do Protocolo de Entendimento é a Área Metropolitana de Lisboa e não o Município da Moita (ainda que conjuntamente com o Município do Barreiro).

A análise deste vício encontra-se, em grande medida, dependente da apreciação feita quanto ao vício antecedente [violação do art. 5º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007].

Com efeito, e como a este propósito se escreveu na sentença recorrida:
A autora alega também que, por força da lei, quem tem competência material quanto ao serviço objecto do Protocolo de Entendimento é a Área Metropolitana de Lisboa, e não os Municípios da Moita e do Barreiro, donde quer a deliberação da Câmara Municipal da Moita de 23/09/2015, quer o Protocolo de Entendimento são ilegais por violação da norma do n.º2 do artigo RJSPTP.
Vejamos.
Nos termos do artigo 8.º do RJSPTP, “1. Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto são as autoridades de transportes competentes quanto aos serviços públicos de transporte de passageiros intermunicipais que se desenvolvam integral ou maioritariamente na respectiva área geográfica. 2. No exercício das suas competências de autoridade de transporte, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto adoptam, nos termos da lei, o modelo de organização que considerarem mais adequado, seja por meio dos respectivos órgãos ou por meio de serviços intermunicipalizados. 3. Os membros dos conselhos de administração dos serviços intermunicipalizados criados pelas áreas metropolitanas para os efeitos referidos no número anterior são nomeados pelo conselho metropolitano, podendo ser exonerados a todo o tempo. 4. Sem prejuízo do disposto no n.º2, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto podem delegar as suas competências de autoridade de transporte noutras entidades públicas, nos termos do disposto no artigo 10.º”.
O serviço público de transporte de passageiros intermunicipal, relativamente ao qual as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto são as autoridades de transportes competentes, é “o serviço público de transporte de passageiros que visa satisfazer as necessidades de deslocação entre diferentes municípios e que se desenvolve integral ou maioritariamente dentro da área geográfica de uma comunidade intermunicipal ou de uma área metropolitana, sem prejuízo da possibilidade de existirem linhas secundárias de interligação que entrem no território de comunidades intermunicipais ou áreas metropolitanas contíguas” [artigo 3.º, n.º1, alínea t), do RJSPTP].
O serviço público de transporte de passageiros municipal, relativamente ao qual os municípios são as autoridades de transportes competentes, é o serviço público de transporte de passageiros que visa satisfazer as necessidades de deslocação dentro de um município e que se desenvolve integral ou maioritariamente dentro da respectiva área geográfica, mesmo que existam linhas secundárias e complementares ou outros elementos acessórios dessa actividade que entrem no território de municípios imediatamente contíguos, abrangendo os serviços de transporte locais e urbanos previstos na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, aprovada pela Lei n.º 10/90, de 17 de Março [artigo 3.º, n.º1, alínea s)].
Como já referimos, em sede de apreciação da violação do artigo 5.º, n.º2, do Regulamento (CE) n.º1370/2007, a extensão do percurso de duas carreiras dos TCB ao concelho da Moita, nos termos definidos no Protocolo de Entendimento, parece caber no conceito de linha secundária, na medida em que os TCB continuarão a exercer a sua actividade maioritariamente no Município do Barreiro.
Nesta medida, afigura-se que o serviço de transporte objecto do Protocolo de Entendimento é, ainda, um serviço público de transporte de passageiros municipal, e não intermunicipal, pelo que os Municípios não carecem de competência para regular tal serviço nos termos alegados pela requerente.” (sublinhados e sombreados nossos).

Ora, tendo-se concluído que não é possível afirmar que é provável a procedência do vício relativo à violação do art. 5º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 – pois designadamente, numa apreciação sumária e perfunctória, a extensão do percurso de duas carreiras dos TCB ao concelho da Moita, nos termos definidos no Protocolo de Entendimento, cabe no conceito de linha secundária -, ter-se-á igualmente que concluir que não é possível afirmar que é provável a procedência deste vício relativo à incompetência material do Município da Moita para celebrar o Protocolo de Entendimento e que, consequentemente, a decisão recorrida é de manter no segmento em que considerou que a alegação do presente vício não permite o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Do exposto resulta que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedentes os pedidos cautelares por falta de preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris – ou seja, improcede o alegado em G) a S), das conclusões da alegação de recurso -, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.


Cumpre apenas acrescentar que, mesmo que se considerasse preenchido o requisito relativo ao fumus boni iuris, sempre teriam de ser julgados improcedentes os pedidos cautelares, por falta de preenchimento do requisito relativo ao periculum in mora, dado que a este propósito a recorrente nada logrou demonstrar [cfr. factualidade dada como não provada, em especial sob a alínea l), bem como sob as alíneas m) a p)].

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Uma vez que a recorrente ficou vencida no presente recurso, deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.

II – Condenar a recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 2 de Agosto de 2016



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(Catarina Jarmela)


_________________________________________
(Nuno Coutinho)


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(Barbara Tavares Teles)

(1)Por lapso refere-se “para a Câmara Municipal do Barreiro” (sublinhado nosso) quando se pretendia dizer “para a Câmara Municipal da Moita” (sublinhado nosso) – cfr. Doc. de fls. 68, dos autos.

(2)Por lapso refere-se artigo 5º n.º 2, alínea c), quando se pretendia dizer artigo 5º n.º 2, alínea b).