Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:42/19.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:JOSE GOMES CORREIA
Descritores:TAD (TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO).
RESPONSABILIDADE DOS CLUBES POR ACTOS PRATICADOS PELAS RESPECTIVAS CLAQUES.
REGIME DAS CUSTAS EM SEDE DE JURISDIÇÃO VALOR DA CAUSA.
ARBITRAL NECESSÁRIA NO ÂMBITO DESPORTIVO.
Sumário:I)- Na apreciação da infracção disciplinar têm de ser absorvidos elementos da estrutura do crime, aliás, por isso, imbuído do respectivo espectro já que o facto típico disciplinar deve conter: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada.

II) -Segundo um tal entendimento no caso do ilícito disciplinar, a conduta também deve ser provida de tal elemento subjectivo, sob pena de indesejável responsabilização objectiva, existindo a necessidade de que haja um resultado, se assim exigir a norma disciplinar, havendo, entretanto, um resultado jurídico a ser apurado, imputável a alguém por inequívoco liame causal.

III) - Tendo o tribunal a quo tido o cuidado de esclarecer que não estavam identificadas as pessoas e a sua ligação à arguida, como bem se demonstrou na decisão recorrida, estamos perante uma dúvida séria e intransponível.

IV) - As íntimas dúvidas do tribunal a quo e, agora, do ad quem, em resultado de pretensas deficiências/insuficiências da prova carreada para os autos e constituída pela Recorrente, estão explanadas em termos perfeitamente compreensíveis, claros ou racionais, não tanto por falta de credibilidade, mas de mera omissão/insuficiência de pormenorização espácio-temporal, quando é certo que o julgador fez tudo o que estava ao seu alcance no sentido de tentar ultrapassar a incerteza que sentia, não se limitando a invocar o princípio in dubio pro reo.

V) – É, pois, indubitável que foi devido o recurso ao ajuizado princípio para legitimar a procedência decretada pela decisão recorrida dado que as dúvidas referenciadas logram a densificação que o próprio julgador lhe atribuiu, na certeza de que tal patologia não pode já ser resolvida, não se vislumbrando a possibilidade de realização de diligências probatórias que escapam ao âmbito de apreciação e decisão deste tribunal ad quem até porque, não tendo havido impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, está vedada a reapreciação da prova produzida, impondo-se, por isso, a conclusão de que a decisão recorrida não enferma de erro por concessão de excessiva latitude ao princípio in dubio pro reo, assentando a absolvição em bases probatórias consistentes e intransponíveis por prova a produzir, circunstância que também afasta o vício previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do Cód. Proc. Penal.

VI) -Estando perante a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, por injunção normativa do artº 33º, al. b),do CPTA, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada, irrelevando o raciocínio brandido pela recorrida de que estão em causa outras questões de alguma complexidade como as inconstitucionalidades arguidas pela recorrente que justifiquem a postergação do critério especial estabelecido no citado normativo e a aplicação do critério supletivo do “valor” indeterminável ínsito no artº 34º do mesmo compêndio legal.

VII) -O TAD rege-se por normas próprias de funcionamento e por isso o respectivo regime de custas deve reflectir e suportar essa realidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



1- RELATÓRIO

FUTEBOL ...............- FUTEBOL, SAD, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 20 de Fevereiro de 2019, que julgou improcedente a impugnação ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL e as contra-interessadas LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL e ............... FUTEBOL SAD (igualmente identificadas nos autos) do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 17-04-2018 que, em sede recurso hierárquico manteve a sanção disciplinar de multa por alegadamente ter praticado, aquando do jogo de futebol de onze que opôs o ............... e o Futebol ............... no dia 25 de Fevereiro de 2018, no ............... estádio, dos ilícitos disciplinares previstos e punido pelo artigo 186º, nº2 (arremesso perigoso de objectos), 187º, nº1, alíneas a) e b) (comportamento incorrecto do público: rebentamento de pirotecnia) todos do RDLPFP.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
- l -
i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 20.02.2019 do TAO, que confirmou a condenação da recorrente pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelos arts. 186-º2 e 187.º-l a) e b) do RD, alegadamente cometidas no jogo realizado no dia 25.02.2018, no ............... Estádio, punindo-a em multa no valor de €13.575,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.
- II -
ii. Os factos julgados como provados não preenchem todos os pressupostos típicos das infracções disciplinares pelos quais a arguida foi condenada, nomeadamente, o pressuposto da violação do dever de implementação de meios de prevenção da prática de factos social e desportivamente incorrectos por parte dos seus sócios e simpatizantes e de comissão de factualidade típica a título doloso ou, pelo menos, negligente.
iii. Porquanto a culpa é pressuposto de responsabilização pela prática da infracção p. e p. pelos arts. 186.º-2 e 187.º-l, a) e b) do RD, a punição pela prática da infracção pressupõe que seja julgada como provada - com fundamento em robustas provas - uma actuação inadimplente e culposa do clube na verificação dos factos.
iv. A sofreguidão do Tribunal a quo na condenação da recorrente é tal que mesmo perante hiatos factuais e probatórios no que à culpa da recorrente concerne, determinou que fossem mantidas as sanções disciplinares.
v. Certo é que apreciada e valorada toda a prova carreada aos autos, nada permitia julgar como provada uma actuação culposa da recorrente, pelo que não se julgando como provada factualidade essencial ao preenchimento do tipo legal (186.º-2 e 187.º-1, a) e h) do RD), vê-se necessariamente prejudicada a decisão de condenação proferida nestes autos.
- lll -
vi. Considerando as infracções p. e p. pelos arts. 186.º-2 e 187.º, n.º 1, a) e b) do RD em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol ............... - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol ............... - Futebol SAD.
vii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, não tem arguido de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.
viii. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente -o ónus de reunir as provas da sua inocência.
ix. É precisamente o princípio de inocência que exigia ao Tribunal formular um juízo de certeza sobre o cometimento das infracções para condenar a Recorrente.
x. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º,f), do RD, pode contrariar esta quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.
xi. O âmbito de incidência da presunção de veracidade estabelecida pelo art. 13.ºf) do RD limita-se aos factos que constam dos relatórios, e não outros.
xii. É inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.º-2 e - 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP), a interpretação do art. 13. f) do RDLPFP no sentido de que factos não constantes dos relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga podem ser dados como provados , por presunção , se a sua verificação não for infirmada pelo arguido.
xiii. À míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia à demandante ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.
xiv. Resulta claro da leitura do acórdão que o Tribunal a quo confirmou a condenação da demandante somente com base na prova da primeira aparência e num esquema argumentativo e racional fundado numa distribuição de ónus da prova: à demandada, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à demandante, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.
xv. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrente é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
xvi. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt).
xvii O critério decisório adaptado pelo Tribunal a quo - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ. Relações e TCA' s).
xviii. A figura da "prova de primeira aparência'' ou "prova prima.facie" é própria do direito civil, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.º do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.
xix. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adapte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante.
xx. Se assim não se fizer, incorrer-se-á em inconstitucionalidade: pois é inconstitucional - por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) -a interpretação dos artigos 186. º-2; 187.º-1 a) e b); 222.º-2 e 250. º-1 do RDLPFP segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.
xxi. Mas mais, nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.º,f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a actuação culposa da recorrente.
xxii. Nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186.º-2 e 187.º-1 a) e h) do RD.
xxiii. É inconstitucional, por violação do princípio jurídico­ constitucional da culpa (art. 2.º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.º-2 e -10 da CRP), a interpretação dos artigos 13.º f ) e 186.º-2. 187.º-1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parle desse clube. o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2.º e 30.º-3 da CRP).
- IV -
xxiv. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para € 30.000,01 -ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada - foi feita em violação do previsto no art. 33.º, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando-se o valor da acção no montante de € 13.575,00 daí se extraindo as devidas consequências.
xxv. Os custos fixados pelo TAD comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).
xxvi. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.0-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.
xxvii. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.0 1 e -5. conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).
Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, decidindo pela absolvição da recorrente por falta de verificação dos pressupostos típicos da infracção pela qual foi condenada.
Sem prescindir, e uma vez mais subsidiariamente, requer-se a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo 1, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), com as legais consequências.”

Notificada da admissão do recurso, a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL veio apresentar contra-alegações, aí concluindo o seguinte:

“1. Em causa nos presentes autos está o comportamento incorreto dos adeptos da F..... e a responsabilização desta sociedade anónima desportiva por violação de deveres a que estava adstrita de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos.
2. Sinteticamente, de acordo com os relatórios do jogo e de policiamento desportivo, os adeptos da Recorrente deflagraram engenhos pirotécnicos e tiveram outros comportamentos incorretos.
3. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, coloca em causa, sim, que tenham sido adeptos da F..... os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas .
4. O processo sumário é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais e dos delegados da LPFP. Com efeito, quer os relatórios da equipa de arbitragem, quer os relatórios dos delegados da LPFP, têm, como se sabe, presunção de veracidade dos respetivos conteúdos (cfr. Artigo 13.º,al. f) do RD da LPFP).
5. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube.
6. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrente.
7. Entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório dos Delegados da LPFP e do Relatório de Policiamento Desportivo da PSP) que a Recorrente violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível.
8. Assim, os Relatório dos Delegados da LPFP, atento o seu conteúdo, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrente nos casos concretos.
Ademais, há que ter em conta que existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento (artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).
9. Isto não significa que os Relatório dos Delegados da LPFP contenham uma verdade completamente incontestável : o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.
10. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova, colocando em causa aquela veracidade. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.
11. Ao contrário do que afirma a Recorrente, em sede sancionatória o "arguido" não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.
12. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios dos Delegados da LPFP, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não da Recorrente. Isto mesmo entendeu, e bem, o Tribunal a quo.
13. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrente demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrente nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
14. Do conteúdo do Relatório dos Delegados da Liga, é possível extra ir diretamente duas conclusões : (i) que a Futebol ............... incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação);
(ii) que os adeptos que levaram a cabo ta is comportamentos eram apoiantes da Futebol ..............., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados e Forças de Segurança identificarem os espectadores, para além da bancada).
15. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos.
16. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrente, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos.
17. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto, por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente, assim como o STA por três vezes em sede de recurso de revista.
18. Carece de fundamento a alegação de que a norma do artigo 187.º é inconstitucional, porquanto o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou em matéria em tudo idêntica, defendendo a responsabilidade subjetiva neste âmbito, o que se revela conforme à CRP.
19. Também não merece qualquer censura o valor atribuído à causa porquanto a Recorrente tem um interesse que vai muito para além da mera revogação da decisão disciplinar, tanto que invoca a inconstitucionalidade das normas aplicadas.
20. O TAD a penas poderia a Iterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
21. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pela infração p. p. pelo artigo 186.º, n.º 2 e 187.º, 1, al. a) e b) do RD da LPFP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu douto parecer onde conclui assim: «…damos parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso»

A recorrente reagiu a tal Parecer para referir que o mesmo se limitou a acolher o ponto de vista da recorrida não atentando que foram suscitadas outras questões no recurso que não apreciou, mormente as inconstitucionalidades.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.



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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida em sede de julgamento de facto, consignou-se que, COM RELEVANCIA PARA A DECISÃO A TOMAR NOS AUTOS:
“Afigura-se fundamental para compreender e ajuizar sobre a matéria trazida aos presentes autos a reapreciação da prova apurada ao longo de todo o processo disciplinar e que conduziu à decisão do CD.
Diz-nos o artigo 3º da LTAD que:
"No julgamento dos recursos e impugnações previstas nos artigos anteriores, o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito."
Ou seja tem o colégio arbitral na sua função de Tribunal de recurso a possibilidade de reapreciar a prova trazida aos autos, não se limitando a uma função de fiscalização da conformidade das decisões disciplinares das federações desportivas, ajuizando de novo se assim o considerar adequado. (Neste sentido veja-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 8 de Fevereiro de 2018 no processo nº 01120/2017).
Por outro lado, fruto da remissão que o artigo 61 da LTAD efetua para normas subsidiárias, nomeadamente para o CPTA, e deste, no seu artigo 1º para o CPC, aferimos que o poder do julgador estende-se a uma livre apreciação das provas produzidas, segundo uma prudente convicção que forma acerca de cada facto – nº 5 do artigo 607 do CPC.
A livre apreciação obviamente não abrange factos para os quais a lei exige outro tipo prova, nomeadamente documental ou por acordo ou confissão das partes.
Tendo por base estas considerações de suporte legal, apresentamos os factos que entendemos estarem provados nos autos:
- No dia 25 de Fevereiro de 2018 ocorreu um jogo de futebol entre as equipas do ............... Futebol SAD e o Futebol ..............., Futebol SAD, no ............... Estádio, a contar para a 24ª jornada da competição "LIGA NOS";
- A bancada central nascente do Estádio do jogo em causa estava destinada exclusivamente aos adeptos da equipa visitante;
- Nesta bancada estava localizada a claque dos "...............";
- Foram requisitados 1500 bilhetes e nenhum foi devolvido até 24 horas do início do jogo;
- Adeptos situados na bancada central nascente destinada aos adeptos do F....., ao minuto 12 da 1ª parte de jogo, arremessaram um pote de fumo para o relvado, que caiu fora das quatro linhas, entre a linha lateral e os painéis publicitários;
- Adeptos situados na bancada central nascente destinada aos adeptos do F..... 25 minutos antes do início do jogo e, no decorrer do mesmo, aos minutos 1,10, 11,16, 17, 43, 44 e 45 da 1ª parte e ao minuto 14 da 2ª parte rebentaram 10 petardos;
- Adeptos situados na bancada central nascente destinada aos adeptos do F..... aos 44 minutos da 1ª parte e aos minutos 5 e 14 da 2ª parte deflagraram 3 potes de fumo;
- Adeptos situados na bancada central nascente destinada aos adeptos do F..... aos minutos 1e 10 da 1ª parte, deflagraram 2 flash lights;
- Adeptos situados na bancada central nascente destinada aos adeptos do F..... durante o jogo cuspiram várias vezes sobre o AA2;
- Após o final do jogo, três adeptos saíram da bancada central nascente e invadiram de forma pacífica o terreno de jogo tendo um deles sido de imediato detido pelas forças de segurança ;
- Estes adeptos trajavam indumentária e adereços conotados com o F.....;
- A Demandante não foi a promotora do evento;
- A Demandante tem o cadastro disciplinar na época 2017/2018 que se encontra junto aos autos no anexo 2º, a fls 53 a 66;
- A Demandante não coloca em causa os incidentes ocorridos no jogo em causa e descritos nos factos atrás identificados;
- A Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos acontecimentos incumpriu deveres legais e regulamentares que lhe competiam enquanto participante no espetáculo desportivo.
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V - FUNDAMENTAÇÃO PARA A MATÉRIA CONSIDERADA PROVADA
A convicção deste colégio assenta na prova junta aos autos, quer em termos documentais, quer testemunhais, nomeadamente:
- Comunicado oficial nº ..... da LPFP ( Fls 20 e 21);
- Relatórios da equipa de Arbitragem (fls .22 a 26);
- Relatório de ocorrências, dos delegados da LIGA (fls.27 e 28);
- Ficha técnica de jogo (fls. 29 a 32)
- Relatório de Ocorrências do Policiamento Desportivo (fls.33 a 36);
- ficha técnica de estádio (fls.37 a 42);
- Modelo N - setores da equipa visitante (fls. 45 e 46);
- Modelo O - organização de jogo (fls.47 a 52);
- Cadastro Disciplinar do F..... (fls.53 a 66);
- Solicitação de esclarecimentos (fls. 124);
- Esclarecimentos prestados por escrito dos delegados da Liga (fls. 110 e 118);
- Esclarecimentos prestados por escrito pela Divisão de Policiamento e Ordem Publica (fls. 133);
- Depoimento prestado pela Testemunha da Demandada, Sr. R................, Coordenador dos Delegados da Liga.
Cumpre dizer que se entende existirem nos autos matéria de prova que baste para alcançar os factos que foram considerados provados nesta decisão.
Antes de mais cumpre realçar que a Demandante não coloca em causa a ocorrências das infrações propriamente ditas, como refere na sua petição de recurso.
Por outro lado, a prova documental é suficiente e adequada para confirmar todos os factos relativos ao jogo com interesse para a causa e para a sua boa decisão, nomeadamente a sua organização, ou os acontecimentos normais e anormais ao jogo, como é o caso dos petardos, dos potes de fumo, dos flash lights e da invasão do terreno de jogo e as cuspidelas ao AA2
Acresce que a prova testemunhal tem um complemento fundamental para que se compreenda todo o enquadramento dos factos. O depoimento da testemunha da Demandada é importante para se entender algumas circunstâncias e procedimentos antes, durante e até após o jogo. Com efeito, antes do inicio do jogo é função dos delegados da Liga, acompanhados pelo OLA das equipas intervenientes deslocarem-se aos locais onde vão estar localizados os adeptos para verificarem o estado do local, voltando no final do jogo para aferirem de danos causados - depoimento da testemunha R................ em sede de audiência nestes autos, de acordo com a gravação junta aos autos, minutos 15 a 24.
Não nos restam dúvidas da conjugação do depoimento com a prova documental existente nos autos que a bancada central nascente estava confirmada para os adeptos do F....., que foi vistoriada e nada foi apontado como existente de anormal no local visitado.
Também os esclarecimentos prestados pelos delegados da Liga e pela Divisão de Policiamento e Ordem Pública em conjugação com o Modelo O (organização de jogo) e o Modelo N - declaração dos setores da equipa visitante, permitem-nos alcançar uma melhor compreensão e confirmação sobre a localização dos autores dos comportamentos incorretos e sua ligação ao clube a quem a bancada foi atribuída, assim como sobre o procedimento prévio ao jogo em termos de segurança.
Também através dos relatórios dos Delegados da liga, juntamente com a sumula de ocorrências da força policial e a sua confirmação posterior aos autos, mediante a resposta dos mesmos à solicitação de esclarecimentos, vem permitir compreender o modo como todos estes intervenientes alcançaram a compreensão sobre a ligação dos adeptos ao clube. A referência a indumentária e adereços conotados ao clube são os sinais que os delegados e força policial verificaram por observação direta e que permitiram alcançar a sua conclusão. O mesmo para a equipa de arbitragem que também identifica alguns comportamentos no seu relatório. Acresce o facto de um dos adeptos que invadiu o terreno de jogo ter sido detido pela força policial, propiciando a sua identificação. Por fim, de salientar que notificada para se pronunciar sobre os esclarecimentos prestados nos autos pelos Delegados e pela força de segurança, a Demandante não se opôs à mesma, aceitando-a.

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VI.MATÉRIA DE FACTO DADA COMO NÃO PROVADA

Não consideramos existir matéria de facto não provada dentro dos factos articulados pelas partes.
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2.2. Motivação de Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º e 140º do CPTA.
Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, a questão decidenda passa, por determinar se o acórdão recorrido (i) incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 186.º, n.º2, 187.º, n.º1, als. a) e b) do Regulamento Disciplinar da LPFP, ocorrendo a inconstitucionalidade, por violação do princípio jurídico­ constitucional da culpa (art. 2.º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.º-2 e -10 da CRP); (ii) ao alterar o valor da causa e (iii) se na fixação das custas finais o tribunal a quo aplicou normas (art. 2.º 1 e -5. conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).
Assim, a questão que cumpre decidir prioritariamente, subsume-se a saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 186.º, n.º2, 187.º, n.º1, als. a) e b) do Regulamento Disciplinar da LPFP, ocorrendo a inconstitucionalidade, por violação do princípio jurídico­ constitucional da culpa (art. 2.º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.º-2 e -10 da CRP).
Sobre esta matéria já se pronunciou este TCAS em vários acórdãos consagrando uma solução para a qual propendemos e a qual dá total guarida em à tese da recorrente, sem embargo do extremo respeito por posição contrária
Destacamos, nesse sentido, o Acórdão de 22-11-2018, tirado no Recurso nº30/18.6BCLSB, publicado em www.dgsi.pt em que é recorrente a FPF e recorrida a Futebol ............... SAD – portanto, as razões são, no essencial, as mesmas ainda que sustentadas em posição invertida-, sendo titular desse processo o relator desta formação e na qual interveio ainda o Exmº 1º adjunto.
Aí se gizou o seguinte discurso fundamentador:
“ (…) a Recorrente, em termos mais abrangentes, assaca ao acórdão proferido pelo TAD erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º,172.º,186.º, n.º1, 187.º, n.º1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, motivo porque entende que deve ser revogado.
A Recorrida dissente de tal asserção ao defender que era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol ...............- Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol ............... -Futebol SAD.
Mais entende que é por estar ciente que dos relatórios não resultam suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em questão, quer a Recorrente pugna pela inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida demonstrar que cumpriu com os deveres que sobre si impendiam. Porém, face às normas e princípios que enformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma atentória violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência.
Nesse sentido, faz apelo àquela que tem sido a pronúncia da jurisprudência no sentido de que o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, para considerar que andou bem o Tribunal recorrido quando considerou que o princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a Recorrida -o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.° 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.°01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
Mais aduz – e antecipe-se que, para nós, irrepreensivelmente – que sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência, principio que justifica a afirmação de que não tinha a Recorrida que fazer prova, pois que tal prova - ainda que pela negativa - compete ao titular da acção, aqui Recorrente e, nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°-f) do RD, e a que se apega a Recorrente, pode tolher o sentido da decisão recorrida.
É que, diz ainda, mesmo animada por uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como quer fazer crer a Recorrente pelo que não merece censura a operação exegética do tribunal que se traduziu na apreciação de todo o material probatório que recheia os autos, formulando o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação, segundo aquela que é a sua livre convicção, por sua vez, andou mal a Recorrida nas decisões disciplinares ao decidir pela condenação da ora Recorrida, quando não é possível retirar uma certeza da prova produzida.
Como enfatiza ainda a Recorrida, não se pode aqui abrir a porta para uma "prova por presunção" sobre a autoria dos factos pois, no âmbito do processo sancionatório - penal, contra-ordenacional e disciplinar - não pode haver lugar a um esforço probatório aliviado por via do recurso a presunções, contrariamente ao que sucede noutras áreas do direito. Esse modo de ver determina que o recurso a presunções judiciais só se revela legitimo quando intervenham juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto - desconhecido e não directamente provado- é na consequência natural ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza.
Ora, conclui a Recorrida, a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração de engenhos pirotécnicos estar - por princípio - afecta a adeptos da Demandante, sem sequer haver prova da exclusividade dessa afectação, não permite concluir - com toda a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além de toda a dúvida razoável - que o autor da deflagração tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante da recorrida, tanto mais quando se percebe que se recorreu a uma descrição demasiado abrangente e lata para criar um fio condutor de imputação das infracções à recorrida.
Quid juris?
A questão nuclear que se coloca neste recurso é, pois, a de saber se ocorreu(eram), ou não, o(s) ilícito(s) disciplinar(es) - existência material dos pressupostos de facto que são imputados à recorrente.
Nesse sentido, aderimos de pleno à fundamentação adoptada em situação similar à dos autos e que foi versada na Decisão proferida em 28.NOV.2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB e que já foi sufragada pelo relator e o 1º adjunto desta formação no Acórdão proferido em 26 de Julho de 2018, no Processo nº nº8/18.0BCLSB:
“(…)
Como nos diz a doutrina, o exercício do poder disciplinar cabe no âmbito “(..) da margem de livre decisão administrativa, cujo exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica.
Embora tudo isto já decorresse implicitamente da Constituição, o artº 71º CPTA explicitou a determinação de que os tribunais administrativos respeitam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (..) [só em caso de] apenas restar uma possibilidade de actuação juridicamente conforme, será mesmo possível um controlo jurisdicional total da conduta administrativa comissiva ou omissiva (redução da margem de livre decisão a zero) (..)”. ( )
Por regra, o ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas - os chamados deveres gerais de conduta funcional - explicitados mediante a técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo regulamentar e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é concretizado normativamente mediante a descrição do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação jurídica em causa (por regra, uma relação laboral ou institucional) e, portanto, conteúdos vinculativos, o que, uma vez definidos quais os factos provados, outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto. ( )
Em sede disciplinar e ao contrário do direito criminal, o facto ilícito não assume a qualidade jurídica de facto típico por não existir na veste de descrição inserida na hipótese legal, isto é, em termos simples, o facto ilícito não consta do artigo do regulamento disciplinar nos mesmos moldes de explicitação concreta e específica de actos como é próprio dos artigos do Código Penal por imperativo constitucional (facto ofensas corporais, facto morte, etc.); no ilícito disciplinar o que existe é a descrição do comportamento não querido pela norma por reporte a categorias abstractas de deveres (dever de respeito, de urbanidade, etc), mas é evidente que tem de existir, apurado no decurso do procedimento disciplinar, factualidade ilícita e culposa.
A operação de subsumir a matéria de facto provada no conceito normativo identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
 primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
 segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
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Cabe, ainda, salientar dois aspectos.
Em primeiro lugar que a actividade interna dos entes administrativos traduzida no exercício competencial do poder disciplinar, cabe no âmbito dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, sem prejuízo das vinculações legais e limites imanentes da margem de livre apreciação e decisão administrativa plasmados no art° 266° n° 1 CRP e art°s. 4°, 6°-A, 9° e 11° CPA/91, actuais artºs. 4º, 10º, 13º e 15º CPA/revisão de 2015.
Em segundo lugar – aspecto que no caso concreto trazido a recurso assume especial relevância - a recurso -, a sindicabilidade jurisdicional da validade do acto sancionatório disciplinar confina-se no juízo sobre a existência material dos pressupostos de facto, ou seja, no domínio da violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo. “
Voltando ao caso concreto, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer nos termos dos artºs 146º, nº1 e 147º, ambos do CPTA – pelo que não se compreendem as objecções suscitadas pela recorrida quanto á legitimidade do MºPº para intervir nestes autos-, que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso:
“I. Objecto do recurso
1. Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente, Futebol ............... (F.....), da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), a qual decidiu no sentido de confirmar as multas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol ao F....., no âmbito de Autos de Processo Disciplinar instaurados por aquela Federação ao citado Clube, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;
Apreciação
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º, n°2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC, ex vi do disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;
Ora,
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito;
Nessa linha,
5. Entende-se acompanhar, em sentido genérico, a fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrente, F....., e bem assim a fundamentação expressa no âmbito do voto de vencido constante da citada decisão do TAD, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
6. Assim, importa salientar que os factos sujeitos à apreciação do presente recurso são, na sua essência, similares aos factos submetidos a Recurso Jurisdicional neste TCA e no âmbito do Processo ri9l44/17, referidos a fls. 74 da motivação de recurso apresentada pelo F.....;
7. Autos esses onde o signatário emitiu parecer cujos fundamentos são, também no essencial, aplicáveis ao caso presente, razão pela qual se entende transcrever parcialmente, na parte aplicável, tal documento, nos seguintes termos:
"No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa ... tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada ... à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na FPF;
Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao F.....;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do F..... no seguinte trecho:
"... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor d'p lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam:-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota nº18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia - Cfr. fls. 38;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
"Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus."
E vale também aqui a doutrina plasmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 22/11/2012, Processo n.º 00691/10.4BECBR, de acordo com a qual “ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos imputados ao arguido e averiguar se os mesmos constituem infrações disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena salvo se for invocado, nomeadamente, o desvio de poder, o erro sobre os pressupostos, o “erro grosseiro e manifesto”, a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa”.
Bem como o entendimento vazado no Acórdão de 23/06/2017, do Tribunal Central Administrativo do Norte, no processo n.º00051/12.2BECBR que vai pelo mesmo diapasão:
“1 – Cabe ao Tribunal, em função da prova disponível formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto fixados aquando da prolação do acto objecto de impugnação. A função de controlo judicial limita-se a detectar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente.”
É que, pelos princípios mais basilares do direito penal, que se aplica subsidiariamente ao processo disciplinar - “nulla crimen nulla poena sine culpa “ – artigo 29.º da C.R.P. – segundo o qual não crime e não há pena sem culpa. E o princípio “in dubio pro reo” artigo 32.º n.º 2 C.R.P. - funciona como uma garantia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A "presunção de inocência” condiciona toda condenação a uma actividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas. O ónus da prova dos factos constituídos da pretensão penal (=disciplinar) pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (provas diabólicas). Essa presunção de inocência só poderá ser ilidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar. E do princípio da Legalidade” artigos 29.º n.º 1 da C.R.P. e artigo 1.º do Código Penal. Nos termos do artigo 31º n.º 2, alínea b) Código Penal, o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída.
Logo, a agora arguida nunca pode ser condenado por qualquer sanção disciplinar, atendendo a que não praticou qualquer infracção nos termos expostos na decisão recorrida pois, sufragando absolutamente a fundamentação desta, também no nosso modo de ver, não se apuraram factos que relevam como pressuposto da prática de uma eventual infracção disciplinar.
Valorando-os, dir-se-á que, nesta matéria, cabe deixar assente, em consonância com o entendimento pacífico e já longo na jurisprudência do STA e do TCAS, que o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente de acusação que lhe é imputada, pois “o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar” (cfr. o antiquíssimo Ac. do STA de 14.03.1996, Recurso nº28264 e o Ac. do TCAS de 02-06-2010, no Recurso nº05260/01).
Como também se assinala em tal jurisprudência um non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo, devendo a prova coligida assentar em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.
Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido (e, afortiori, a instauração de processo disciplinar), que tem em seu favor a presunção de inocência. No direito disciplinar, só a certeza possui o condão de levar o arguido à condenação, sem esse requisito, in dubio pro reo.
E, se é certo que a prova, designadamente a prova testemunhal, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (artigo 127º do CPPenal), também não é menos verdade que este princípio não contende ou colide, nem se sobrepõe ou afasta, o princípio da presunção da inocência do arguido e do ónus da prova.
Retomando o caso vertente, a “prova” dos factos constitutivos da infracção foi feita com base em juízos conclusivos pouco ou nada rigorosos e as constatações de que o Instrutor partiu não autorizam as ilações a que ele chegou em face da prova realizada, operando com presunções infundadas.
Ora, este circunstancialismo, face ao princípio da presunção da inocência do arguido e do ónus da prova, não é apta a desconstituir essa presunção de inocência do arguido no sentido de que, tendo em conta as imputações que lhe fez a Recorrida, foi comitente das infracções que lhe são imputadas com base no RJD.
Daí, pois, que as provas coligidas não eram suficientes para determinar a instauração do procedimento disciplinar ao arguido, por serem inaptas para considerar que, com um juízo de certeza, ele cometeu qualquer infracção.
Atenta a materialidade apurada e provada no processo, sujeito a rígidas exigências de rigor técnico-jurídico, onde são particularmente garantidos todos os meios de defesa ao arguido e amplos os meios de investigação, não conduz à diminuição ou postergação dos direitos de defesa do arguido, e acarreta necessariamente a conclusão que lhe falta o elemento subjectivo, por carecer de referências expressas das circunstâncias que rodearam a sua vontade de realizar as condutas que lhe foram imputadas e que, sobretudo, a existência de uma regulamento legalmente válido que o vinculasse nos termos já demonstrados.
Ora, o arguido, em processo disciplinar, tem direito a um «processo justo» o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio, acolhido no n.°2, do artigo 32.° da CRP.
Sucede que, como bem se demonstra na decisão recorrida e nos termos já expostos, os indícios recolhidos no processo disciplinar não são suficientes para formar uma convicção segura da materialidade dos factos, por a punição ter que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção pelo arguido, a este não pode ser imputada a conduta disciplinarmente reprovada, afirmando-se, bem impressivamente, que um non liquet em matéria probatória se resolve a favor do arguido por aplicação do citado princípio.
Em substância, considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce e tipificados nos normativos citados na nota de culpa.
Assim, são elementos essenciais da infracção disciplinar: os sujeitos; o objecto; a ilicitude e a culpabilidade. E, se existe, como aliás já se disse, qualquer dúvida quanto à não verificação dos três primeiros requisitos, o cerne da discórdia assenta no outro requisito: a “ culpabilidade”, isto é, a censura do facto ao agente, sob a forma de dolo ou de mera culpa, porquanto o mesmo podia e devia agir de modo diferente.
A lei adoptou, ainda que à maneira clássica, o princípio da culpa, englobando o dolo e a negligência, conceitos que colheu no Código Penal, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar.
Preceitua o Artigo 15.ºdo Código Penal que:
“ Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado devido a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a)Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo legal de crime, mas actua sem se conformar com essa realização;
b)Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto.”
Dito por outras palavras: mesmo que se mostre excluído o dolo ainda é possível censurar disciplinarmente o sujeito, se este omitiu deveres de diligência a que estava obrigado.
Ora, no caso dos autos, não é certo que a arguida soubesse que no exercício das suas funções de vigilância não devia, nem podia, proceder do modo que procedeu e/ou que, por perfeitamente claros e definidos, conhecesse os deveres que sobre ela impendiam previstos e definidos na normação elencada na acusação, que são os deveres específicos decorrentes da RJD.
Por assim ser, o acto punitivo radicaria numa presunção de culpa do arguido, alicerçando-se apenas nas afirmações/conclusões da Recorrente coligidas no processo disciplinar.
Ora, se os valores e os pressupostos da responsabilidade disciplinar assentam em valorações, o certo é que nos presentes autos, em que é a imagem do Futebol que está em causa, não se apurou qualquer factualidade fundante de um juízo de censura, isso sem necessidade, até, de convocar o invocado vício de violação do princípio do “ in dubio pro reo”.
Em todo o caso, este princípio “constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo (...). A dúvida, que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” – cf. Ac. do STJ de 20-01-05, proc. n.º3209/05.
O que significa que, definitivamente, nos presentes autos só se pode conhecer da violação desse princípio quando tiver chegado a um estado de dúvida e de hesitação sobre a realidade dos factos e, perante ela, tiver decidido em desfavor do arguido.
Portanto, em última análise, sempre haveria lugar à aplicação daquele princípio, já que o processo disciplinar, como bem se demonstra na decisão recorrida, é suficientemente claro no sentido de que a arguido não praticou nem lhes podem ser imputado o cometimento das infracções descritas na acusação, tendo o acto incorrido em erros da apreciação factual em termos de não existirem dúvidas de que o processo disciplinar não acumulou ou factos demonstrativos de que o arguido praticou deveras as infracções por que vem acusado ou, no limite, se ter criado um non liquet quanto ao cometimento dos factos pelo arguido.
Tudo ponderado, entende-se, em consonância com o tribunal recorrido, que não foram carreados elementos que permitam concluir que a arguida violou o(s) dever(es) nos termos perfilados na acusação e que, outrossim, a prova recolhida não permite a conclusão, por se ter criado um irremovível estado de dúvida sobre o cometimento de tais factos.
Houve, pois, erro nos pressupostos de facto e de direito por parte da entidade decidente, sendo pacífico que os pressupostos são as circunstâncias, as condições de facto e de direito de que depende o exercício de um poder ou a competência legal, a prática de um acto administrativo e um órgão administrativo só pode actuar com base em circunstâncias de facto ou de direito indicadas pela lei ou escolhidas discricionariamente em vista da satisfação do interesse legal.
Assim, para que o acto seja válido quanto aos seus pressupostos não basta apenas que o órgão tenha actuado com base em pressupostos estabelecidos legalmente ou escolhidos, também se exige que os pressupostos tenham ocorrido na realidade, que o órgão só actue com base em pressupostos legais, mas que se verificaram em concreto.
Determinados os pressupostos da sua competência, seja porque os colheu na lei, seja porque os escolheu discricionariamente, o decisor tem de verificar se tais condições de facto ou de direito ocorreram na realidade, se são material ou juridicamente existentes, sendo que a real ocorrência dos pressupostos é um requisito de validade do acto administrativo, que a jurisprudência nunca deixa de verificar porquanto a actividade administrativa visa a satisfação de necessidades concretas reais e estas não existem se os pressupostos são materialmente inexistentes.
Significa que este requisito do acto administrativo é sempre vinculado quer quando os pressupostos são vinculadamente individualizados na lei, quer quando eles são de livre escolha do órgão administrativo.
No caso concreto, o acusador, até porque estamos num campo em que prevalecem os já invocados princípios do direito penal, não podia escolher discricionariamente os pressupostos para decidir deduzir a acusação mas, se o fez partindo de factos que não aconteceram, o pressuposto é inteiramente ilegal porque os factos pressupostos não ocorreram na realidade.
É que o acusador não goza de nenhuma liberdade quanto à constatação da realidade ou do direito existente pois só podem ser dados como tendo ocorrido factos materiais que realmente se verificaram e factos jurídicos existentes.
Acresce que, não sendo os pressupostos de escolha discricionária no caso concreto, porque o titular do jus puniendi está vinculado ao princípio da legalidade (nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege) não podendo servir-se para definir o pressuposto de um conceito ou noção jurídica ou outra, mas, tão só vincular-se à lei, só podendo subsumir-lhe factos ocorridos que correspondam a esse conceito ou noção (de infracção disciplinar).
No que tange ao erro nos pressupostos em que assentou a acusação, o primeiro requisito legal dos pressupostos – a não comprovação dos fatos – ocorreu erro manifesto na forma como o acusador exerceu o seu poder disciplinar pois se afastou claramente deles ao invocar questões anteriores e que foram desconstruídos na decisão recorrida e se, portanto, nada do que foi dito quanto a tais elementos corresponde à verdade e se as normas jurídicas, ao contrário do que afirma o acusador, não abarcavam as condutas censuradas ao arguido no tocante aos actos que praticou, ou seja, inexistem factos subsumíveis no pressuposto vinculado e o acto acusatório é ilegal quanto aos seus pressupostos, valendo aqui o princípio da vinculação temática da acusação ou da preclusão interna.
Ora, não bastando ter o acusador exorbitado do âmbito da prova a que estava adstrito, introduziu, para efeitos de ponderação negativa, aspectos que lhe eram absolutamente anteriores e que foram apreciados na decisão recorrida – a existência e validade do regulamento-, ainda por cima, avaliou-os de forma incorrecta, melhor dizendo, não lhe deu qualquer relevo desconsiderando-os absolutamente.
A essa luz e como bem explicado no Acórdão recorrido, podemos dizer que o acto enferma de erro de facto sobre os pressupostos (violação de lei) porque o órgão deu como verificados factos que realmente não ocorreram, mas, também, erro de direito sobre os pressupostos visto que o órgão, estando vinculado a certas regras e princípios jurídicos, as alterou ou, pelo menos, desvirtuou, dando como subsumível no conceito escolhido factos que não são qualificáveis como tal sendo que, numa situação como na outra, o momento da constatação dos factos é sempre vinculado, independentemente de o pressuposto ser o indicado pela lei ou o escolhido discricionariamente pelo órgão.
Assim, é manifesto que as circunstâncias apuradas e que rodearam a prática dos factos descritos na acusação, foram forte e objectivamente penalizadoras, com ostensiva afronta dos princípios da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Imparcialidade, da Igualdade, da Boa-fé, da Confiança… razão porque, “os factos” sobre os quais o acusador errou, não autorizam a interpretação que deles é feita, justificativamente em prol da bondade da acusação.
É que, inelutavelmente, no caso dos autos não sofre dúvida, nem é questionado, que as actuações imputadas só se poderão situar no âmbito dos poderes funcionais da arguida, dentro dos actos que ele exerceu no desempenho das suas concretas competências. Encontrando-se, como se supõe, os factos da acusação dentro da esfera de poderes que estava autorizado a exercer.
Num tal desiderato, a motivação do presente processo correr contra a arguida com a referida motivação, dando-lhe guarida, dá como subliminarmente eclipsados determinados pontos da matéria de facto que foram estabilizados, fazendo-o com base em premissas de direito previamente assumidas. E retira consequências de direito das previamente assumidas imposições de facto.
Repousando na perspectiva – não verificada, como decorre de uma exigente apreciação crítica à articulada matéria de facto- de que não se provou a prática de qualquer acto ilícito formalmente válido e definitivo por parte da arguida, nem que esta tivesse presente a ilicitude da sua conduta, esta soçobrará e desaparecerá a culpabilidade daquela.
Acresce que a teoria geral da falta disciplinar constitui uma ideia relativamente nova, e os trabalhos doutrinários a esse respeito tendem, como se disse, a aproximar os institutos do direito penal aos do direito disciplinar, naquilo que os respectivos estatutos não regularem.
Evidentemente o objecto do Direito Penal, se traduz na persecução do jus puniendi versus jus libertatis, ao passo que no Direito Disciplinar, o poder de punir busca uma decisão correctiva (para transgressões disciplinares leves e médias), ou depurativa (para faltas disciplinares de natureza grave).
Todavia, isso não impede que, de forma adaptada, sejam absorvidos elementos da estrutura do crime, aliás, por isso, imbuído do respectivo espectro já que o facto típico disciplinar deve conter: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada.
Assim e segundo um tal entendimento no caso do ilícito disciplinar, a conduta também dever ser provida de tal elemento subjectivo, sob pena de indesejável responsabilização objectiva, existindo a necessidade de que haja um resultado, se assim exigir a norma disciplinar, havendo, entretanto, um resultado jurídico a ser apurado, imputável a alguém por inequívoco liame causal.
Diga-se, ainda e com relevo para a situação que nos ocupa, que a falta disciplinar e o crime são elevados à categoria de fato jurídico sem distinção qualitativa visto que não existe diferença ontológica entre crime e infracção administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa.
Com efeito, o que, nos termos do princípio da legalidade se considera falta disciplinar, inspirado por ideologias dominantes e oportunistas, pode erigir esse ilícito administrativo ao status de crime.
Não obstante e como já foi abundantemente explanado na decisão recorrida e no presente discurso jurídico, é de concluir que não existem factos passíveis de integrar violação de deveres regulamentares, devido ao facto de não existir conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada, suficientemente certos e seguros.
E a essa conclusão não obsta o erro notório na apreciação da prova que a Recorrente parece ter chamado a terreiro, admitindo que um tal vício, previsto no art. 410º, n.º 2 c), do Cód. Proc. Penal, é imputado à decisão recorrida na vertente de ser contraditório e ofensivo das regras de experiência comum, por isso talvez a impor que o tribunal realizasse as diligências necessárias a confirmar essa hipótese e a suprir a eventual deficiência.
Mas, como já ficou suficientemente demonstrado em sede de análise do vício de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão relativamente à afirmada incompatibilidade factual afirmada pela Recorrente, a justificar a realização de diligências que, nos autos, foram até realizadas mediante a junção aos autos dos processos disciplinares por iniciativa deste Tribunal, afigura-se que nenhuma razão lhe assiste, porquanto da análise de tais elementos não resulta qualquer prova relevante para complementar ou esclarecer um juízo de imputação e censurabilidade à arguida pelas condutas sancionadas.
Com efeito, não pode olvidar-se que relativamente a essas condutas delituosas o princípio in dubio pro reo foi ponderou devidamente e em concreto o respectivo âmbito de aplicação e as implicações que o mesmo tem associadas, ao decretar a absolvição da arguida com base em dúvidas que a versão desta justificaria e que as declarações e outros elementos probatórios em que se baseia a ora Recorrente FPF não permitiriam afastar, mesmo a atender ao conteúdo dos elementos que foram juntos por iniciativa deste tribunal de recurso.
Com efeito, como decorre do bloco teorético-fundamentador supra expresso não se ignora que, para aplicação do princípio in dubio pro reo, é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, sendo certo que a existência de prova divergente significa, necessariamente, no caso em apreciação, que está fundada aquela dúvida.
Dito de outro modo: a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo é insanável, razoável e objectivável.
A dúvida insanável pressupõe que houve todo o empenho e diligência do tribunal no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
A razoabilidade implica que se trate de uma dúvida séria, argumentada e racional.
E a dúvida deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjecturas e suposições.
Precisado o contexto da operância do falado princípio, logo do mesmo se intui que, no caso sub judicibus, é, mais do que possível e até inevitável, afirmar a existência de dúvida insanável ou inultrapassável, apenas se vislumbrando a opção do julgador por uma “possibilidade”, apontada mas não demonstrada ou sequer suficientemente esclarecida, de utilização do processo disciplinar que foi junto por mor e em homenagem do dever de descoberta da verdade material que, entre outros, é imposto pelo art. 340º, do Cód. Proc. Penal, acrescida de uma dúvida nascida de declarações pouco pormenorizadas da FPF, apesar- volta a vincar-se - da prática de um acto visando suplantar tal deficiência sentida pelo julgador, mas dificilmente perceptível atentos os moldes em que foi exprimida.
Na verdade, tendo o tribunal a quo tido o cuidado de esclarecer que não estavam identificadas as pessoas e a sua ligação à arguida, como bem se demonstrou na decisão recorrida e nesta já longa fundamentação, estamos perante uma dúvida séria e intransponível.
Acresce ainda que as íntimas dúvidas do tribunal a quo e, agora, do ad quem, em resultado de pretensas deficiências/insuficiências da prova carreada para os autos e constituída pela Recorrente, estão explanadas em termos perfeitamente compreensíveis, claros ou racionais, não tanto por falta de credibilidade, mas de mera omissão/insuficiência de pormenorização espácio-temporal, quando é certo que o julgador fez tudo o que estava ao seu alcance no sentido de tentar ultrapassar a incerteza que sentia, não se limitando a invocar o princípio in dubio pro reo.
Destarte, é indubitável que foi devido o recurso ao ajuizado princípio para legitimar a procedência decretada pela decisão recorrida dado que as dúvidas referenciadas logram a densificação que o próprio julgador lhe atribuiu, na certeza de que tal patologia não pode já ser resolvida, não se vislumbrando a possibilidade de realização de diligências probatórias que escapam ao âmbito de apreciação e decisão deste tribunal ad quem até porque, não tendo havido impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, está vedada a reapreciação da prova produzida.
Do que vem dito, é forçoso concluir que a decisão recorrida não enferma de erro por concessão de excessiva latitude ao princípio in dubio pro reo, assentando a absolvição em bases probatórias consistentes e intransponíveis por prova a produzir, circunstância que também afasta o vício previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do Cód. Proc. Penal.
Adite-se, com pertinência e relevância para a tese da configuração do carácter subjectivo da responsabilidade em apreço que vimos perfilhando e, talvez, por impulso da jurisprudência que o defende, que, conforme se noticia no jornal Expresso de 17-11-2018, o Governo se apronta para apertar “o cerco às claques ilegais” mediante uma proposta de lei que inclui bilhetes electrónicos com identificação, credenciais com nome, morada e fotografia e sanções pesadas para clubes e elementos dos Grupos Organizados de Adeptos (GOA).
Com efeito, explicita-se no prestigiado semanário, “o Governo já tem pronta uma proposta de lei para alterar a Lei nº52/2013, que estabelece o regime jurídico de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos. O documento foi aprovado em agosto de 2018 em Conselho de Ministros, será apresentado nesta sessão legislativa e pretende reforçar os pressupostos vigentes através do condicionamento ao espaço e à actividade dos Grupos Organizados de Adeptos (GOA), chamados claques, e de penalizações acessórias aos clubes e indivíduos que incorram em delitos. O ponto de partida é a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), criada em Outubro, que terá funções “fiscalizadoras, processuais e sancionatórias”.
Os princípios desta proposta de lei (…) são relativamente simples (…):
1) Os GOA só são reconhecidos como tal a partir do momento em, que estiverem registados como associação e inscritos na APCVD;
2) os GOA têm privilégios e apoios concedidos pelos clubes (ajuda em transportes, possibilidade de uso de tarjas, bombos, bandeiras ou faixas) que por sua vez lhes reservam um espaço delimitado nas bancadas;
3) nessa área, poderão apenas estar homens ou mulheres devidamente identificados por uma credencial e com um bilhete electrónico intransmissível que será comprado ao clube.
A credencial e o bilhete electrónico são as grandes novidades, sendo a primeira uma espécie de “FAN.D.” que incluirá uma foto de rosto grande do portador, o nome completo, o número do Cartão de Cidadão, a data de nascimento, a filiação (em caso de menores), a morada, o número de telefone e o e.mail. Desta forma, as autoridades poderão saber quem é quem dentro das claques. E a probabilidade de revenda ilegal de bilhetes será restringida – a proposta de lei é particularmente específica nestes pontos (Segundo o texto da proposta) “Os organizadores e os promotores de espectáculos devem (…) enviar para a APCVD, até ao dia 31 de Dezembro, um relatório sobre as acções realizadas durante o ano civil”. Por outro lado, as claques devem “ter uma lista actualizada contendo a identificação de todos os filiados que nelas participam disponível para as forças de segurança e a APCVD” (e o clube) “que apoie qualquer GOA tem de manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados, do qual fará cópia e enviará semestralmente à APCVD” e à polícia”.
(Quanto à penalizações, estas) são substancialmente agravadas, sobretudo as acessórias. Diz a proposta de lei que, em “caso de ocorrências de incidentes que tenham causado perturbação séria ou violenta da ordem públiza”, os autores dos mesmos poderão ser obrigados à “apresentação e permanência junto de uma autoridade jurídica ou órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos” – e estes podem coincidir cos os dias e horas de jogos. Já os clubes que não cumpram ou não garantam a segurança vêem subir os valores das multas – que podem ir até aos €200 mil – e pode ser-lhes imputado o crime de desobediência e até vedada a área delimitada dos GOA. Outro cenário: se a claque do clube A infringir leis durante um jogo contra o clube B no estádio deste, a APCVD pode proibir o clube B de vender bilhetes ao clube A na segunda volta”.
Mas essa será uma nova regulamentação que jamais será aplicável retroactivamente por força do disposto no artº 2º, nº4 do Código Penal e que, supostamente, resolverá todas as questões de legalidade e inconstitucionalidade que se vêm suscitando em todos os processos envolvendo as acções das claques no âmbito dos recintos desportivos e que, em catadupa, têm assolado o TAD e o TCA com ressonância em recursos de revista interpostos para o STA.”
Aqui chegados teremos de reconhecer que, cingindo-se o âmbito de incidência da presunção de veracidade estabelecida pelo art. 13.ºf) do RD limita-se aos factos que constam dos relatórios, e não outros e que, por isso, se mostra beliscado o princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.º-2 e - 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) ou, dito de outro modo e acolhendo a tese da recorrente, é inconstitucional a interpretação do art. 13. f) do RDLPFP operada pela decisão recorrida, no sentido de que factos não constantes dos relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga podem ser dados como provados, por presunção , se a sua verificação não for infirmada pelo arguido.
É que dúvidas não subsistem de que, carecendo de outros meios probatórios convincentes da violação de deveres de cuidado por parte da recorrente, é forçoso concluir que o Tribunal a quo se limitou a presumir naturalmente que a o Futebol ............... SAD falhou nos seus deveres, sustentando que cumpriria à arguida ilidir a presunção de culpa actuada pelo qual o Tribunal recorrendo a um critério da primeira aparência.
Sendo assim e como protesta a recorrente, apresenta-se contundido por este critério decisório o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrente é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
Neste passo, considera-se plenamente válida a dissertação da recorrente estampada nas conclusões xvi e ss e apoiada em sólida jurisprudência penal e administrativa, no sentido de que:
-o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt);
-o critério decisório adaptado pelo Tribunal a quo desrespeita o princípio da presunção de inocência;
-a "prova de primeira aparência'' ou "prova prima.facie" tem vocação civilista pois é uma regra base das presunções judiciais como decorre do art. 349.º do Código Civil e não é compatível com as exigências do direito e processo sancionatórios erigidos sobre os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência, a impor que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à arguida no processo disciplinar o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante dado que também aqui vigora o princípio do acusatório
Por esse prisma, comunga-se do ponto de vista da recorrente de que é inconstitucional - por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) -a interpretação dos artigos 186. º-2; 187.º-1 a) e b); 222.º-2 e 250. º-1 do RDLPFP segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.
E também se sufraga o entendimento da recorrente de nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.º,f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a actuação culposa da recorrente.
Na verdade, também perfilhamos o entendimento expresso pela recorrente e já supra afirmado, de que nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186.º-2 e 187.º-1 a) e h) do RD.
Daí, pois, se concorde que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico­ constitucional da culpa (art. 2.º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.º-2 e -10 da CRP), a interpretação dos artigos 13.º f ) e 186.º-2. 187.º-1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parle desse clube. o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2.º e 30.º-3 da CRP).
Assim e concluindo, procedendo, por fundado, o presente recurso na vertente em análise.
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A recorrente manifesta ainda o seu inconformismo com a decisão ínsita no censurado Acórdão de alterar o valor da causa para € 30.000,01 desconsiderando o valor total da multa por que foi a recorrente condenada.
A nosso ver, assiste-lhe razão.
Com efeito, consoante o disposto no artº 31º, nº1 do CPTA, o valor da causa afere-se pela utilidade económica do pedido ou pelo valor económico que está em causa.
In casu estamos perante a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário pelo que, por injunção normativa do artº 33º, al. b),do CPTA, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada, irrelevando o raciocínio brandido pela recorrida de que estão em causa outras questões de alguma complexidade como as inconstitucionalidades arguidas pela recorrente que justifiquem a postergação do critério especial estabelecido no citado normativo e a aplicação do critério supletivo do “valor” indeterminável ínsito no artº 34º do mesmo compêndio legal.
Do que vem dito, é forçoso concluir que a modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para € 30.000,01 -ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada - foi feita em violação do previsto no art. 33.º, b) do CPTA, pelo que, em via da procedência da conclusão recursória em apreço, se impõe revogar o Acórdão recorrido na parte em que fixou tal valor, fixando-se o valor da acção no montante de € 13.575,00.

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Questão distinta é a suscitada pela recorrente nas conclusões xxv. e ss. atinente à violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).
Na tese da recorrente os custos fixados pelo TAD comprometem de forma séria e evidente tal princípio e, considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.º-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como entende ser o caso do TAD.
Nessa óptica e dado que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.º 1 e -5. conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD), conclui a recorrente que são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).
Aqui falha razão à recorrente nos termos já apreciados no citado acórdão deste TCAS de 22 de Novembro de 2018, Recurso nº30/18.6BCLSB cujo bloco fundamentador se excertas na parte pertinente:
Do erro de julgamento da decisão recorrida sobre o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente
Na verdade e como assinala a Recorrente, o Acórdão recorrido decidiu ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, a qual manifesta o seu inconformismo também neste segmento por entender que decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral.
E a Recorrente funda a sua discordância com fundamento em que a negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória.
Ora, concluía Recorrente, sendo certo que a inconstitucionalidade da norma foi suscitada durante o processo, tal significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa.
Esta questão foi igualmente tratada nas decisões deste TCAS supra referidas (de 28/11/2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB e Acórdão proferido em 26 de Julho de 2018, no Processo nº nº8/18.0BCLSB) e, porque não sobrevieram motivos que hajam abalado a nossa convicção sobre a bondade da solução além perfilhada, limitamo-nos a remeter para o bloco fundamentador vertido naquela sede, a saber:
“Há, ainda, que ser apreciada a questão da isenção de custas da FPF.
No Acórdão deste TCAS proferido no rec. nº 9417.0BCLSB em 04.10.2017 decidiu-se como segue:
“(..) 2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida Federação Portuguesa de Futebol apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa colectiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.
Vejamos.
2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contra-interessados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
2.2.3.3 A Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a actos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspecto o recurso. (..)”
No mesmo sentido, é lapidar a pronúncia do EPGA no seu douto Parecer que, data vénia também se transcreve e se subscreve inteiramente:
“Finalmente, no que respeita a custas, argumentou ainda a recorrente FPF que o acórdão arbitral recorrido enferma de erro ao rejeitar o pedido de isenção de custas que apresentou;
Sobre esta matéria, permitimo-nos transcrever parcialmente o já decidido por este TCA em recente Acórdão, de 6 Janeiro 2017 e no âmbito do Processo 57/17.5BECLSB, do seguinte teor:
"O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º1, "as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas", e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) - cfr. o respectivo art. 12.
Dispõe o art. 49, do RCP, o seguinte:
"1 - Estão isentos de custas:
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias;
(...)" (sublinhados nossos).
A isenção de custas prevista na al. g) do n.º1 deste art. 4º, respeita às pessoas colectivas públicas, que não é o caso da ora recorrente, a qual é uma pessoa colectiva de direito privado - cfr. art. 1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é uma pessoa coletiva " constituída sob a forma de associação de direito privado"].
Quanto à isenção de custas prevista na al. f) do n.5 l do referido art. 49, a mesma depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas
especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão
especialmente conferidos.
Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art.1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é "uma pessoa colectiva sem fins lucrativos"].
Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5- Edição, págs. 159 e 160:
"Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades actuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos." (sublinhados e sombreados nossos).
A FPF, ora recorrente, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.
Ora, a recorrente, no TAD (e também neste TCA Sul), não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a ora recorrente no TAD (e também neste TCA Sul) com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.º1 e 9, do CPTA (no âmbito do TAD aplicável por força do art. 61º, da LTAD), ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 4.11.2016.
Dito por outras palavras, a ora recorrente contestou o recurso interposto perante o TAD (bem como interpôs o presente recurso jurisdicional) não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.
Conclui-se, assim, que a actuação da ora recorrente também não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º1, al. f), do RCP.
Finalmente, alega a recorrente que a negação de tal isenção perante o TAD viola designadamente os arts. 13º, 20º n.ºs 1 e 2 e 268º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a sua situação face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória, mas sem razão, dado que, antes da existência da arbitragem necessária, a recorrente era demandada nos tribunais administrativos de 1ª instância onde não beneficiava de isenção de custas ao abrigo do art. 4º n.ºs 1, als. f) e g), do RCP, conforme supra explicitado.
Do exposto resulta que o TAD bem andou ao indeferir o pedido de isenção de custas formulado pela ora recorrente, pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional."
8. Assim, entende-se acompanhar a linha Jurisprudencial vertida no citado Processo nº144/17, mormente na fundamentação expressa na respectiva e Douta decisão sumária, proferida em 28 Novembro 2017, e bem assim no subsequente Douto Acórdão de 16 Janeiro 2018, sem qualquer hesitação;
9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente F....., trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...;
Conclusão
Termos em que o Ministério Público pugna pela procedência do recurso, excepto na parte respeitante à recusa de aplicação de norma, por alegada inconstitucionalidade.”

Fazendo nosso o discurso jurídico fundamentador constante do citado Acórdão, de cuja conferência fizemos parte, sem necessidade de mais considerações, improcede a questão trazida a recurso atinente à isenção de custas incluindo a inconstitucionalidade.
Improcedem, por isso e neste segmento as conclusões recursórias.

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, conceder parcial provimento ao recurso, revogar o acórdão do TAD, anulando os actos impugnados e fixando o valor da causa em € 13.575,00.
Custas a cargo da Recorrida Federação Portuguesa de Futebol, levando em conta o que supra se deixou dito sobre as custas no âmbito destes processos.
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Lisboa, 09 de Maio de 2019
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Catarina Jarmela)