Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:469/10.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
REVERSÃO;
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – Resultando do probatório a prática de actos de gerência, deve o oponente ser declarado parte legítima da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

J.................., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição à execução deduzida, contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................. e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “P................., Lda.”, por dívidas de retenções na fonte de IRS, IVA e coimas relativas aos períodos de 2006 e 2007 no valor total de € 11.676,67.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
“I- A sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito aos factos.
II- A referida sentença considerou o oponente como “gerente de facto” da sociedade “P................., Lda..”, sem que existam no processo elementos probatórios suficientes para tal.
III- O tribunal “a quo” considerou o oponente como “gerente de facto”, com fundamento em três factos isolados, por si praticados, mencionados na sentença recorrida, a saber:
a) Intervenção numa declaração de IRC, referente ao ano de 2006;
b) Intervenção numa declaração de alterações em sede de IVA;
c) Ter solicitado a intervenção de um TOC para recuperação da contabilidade da empresa, relativa ao ano de 2006.
IV- Tais factos, só por si, e desligados de qualquer outro contexto fáctico, não constituem prova bastante para considerar o oponente como “gerente de facto” da sociedade, nem para considerar que o mesmo tivesse exercido a gerência efectiva, de forma regular e continuada.
V- Não se encontra provado que o oponente tivesse tomado deliberações e decisões relativas aos negócios sociais, nem que tivesse praticado qualquer outro acto de gestão.
VI- Os três actos que o tribunal “a quo” considerou suficientes para se concluir que o oponente desempenhava funções de “gerente de facto” poderiam, por hipótese, ter sido praticados numa qualidade que não se apurou, nomeadamente como “gestor de negócios”, “procurador” ou “a simples rogo” dos gerentes legais (de direito) registados na Conservatória, designados por deliberação tomada em 2005.
VII- Sem ter sido produzida essa prova, os elementos constantes dos autos, e referenciados na sentença, são insuficientes para que se possa tirar a ilação que o Tribunal “a quo” tirou, ou seja, para considerar o oponente como um “gerente de facto”, com carácter de regularidade e continuidade.
VIII- No entender do oponente, o Tribunal “a quo” não fez a correcta apreciação, e o consequente enquadramento jurídico, da matéria dada como provada, não tendo retirado as correctas ilações, tendo, por isso, violado as normas legais e processuais relativas à forma como o juiz deve retirar conclusões de direito, extraindo da matéria provada as adequadas ilações.
IX- Não existem elementos probatórios suficientes, segundo a sentença recorrida, que permitam considerar o oponente como responsável subsidiário relativamente à dívida fiscal exequenda, por reversão.
X- Deve, assim, a sentença recorrida ser modificada, nessa parte, sendo substituída por outra que não considere o oponente como “gerente de facto”, não o considerando devedor solidário, perante a AT, julgando, dessa forma, procedente, “in totum”, a oposição deduzida, com todas as legais consequências.
Assim se fará JUSTIÇA.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao considerar o Oponente como parte legítima da execução fiscal relativa a dívidas de retenções na fonte de IRS e de IVA.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) No Serviço de Finanças da Amadora 3 foi instaurado, em 08.08.2006, contra a sociedade “P……………….., LDA.” o processo de execução fiscal (PEF) n.º ..............., para cobrança de dívida de IVA do 1.º trimestre de 2006, ao qual fora apensados outros PEF para cobrança de dívidas de IVA do 2.º trimestre de 2006; retenções na fonte de IRS de 2007 e Coimas, tudo no valor total de € 11.676,67, conforme descrição a fls. 38 do PEF apenso, que aqui se dá por reproduzida, sendo € 2.308,18 referentes a coimas e despesas dos processos de contraordenação – cf. fls. 1/2 e 38 do PEF apenso.

B) Em 06.10.2008 o ora oponente foi notificado para audição prévia com vista à reversão, por responsabilidade subsidiária, no âmbito do PEF identificado em A) – cf. fls. 19/20 e 22 do PEF apenso.

C) Em 16.12.2008 foi proferido despacho de reversão da execução identificada em A) contra o ora Oponente com os fundamentos vertidos na informação de fls. 34 a 36 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e onde, no essencial, é constatada a insuficiência ou inexistência de bens da sociedade e a gerência de facto por pare do ora Oponente – cf. fls. 34 a 37 e fls. finais não numeradas do PEF apenso.

D) Em 29.01.2009 o Oponente foi citado, por reversão, para a execução identificada em A) – cf. fls. 39/40 do PEF apenso.

E) A sociedade da “P…………………., LDA.”, foi constituída em 03.06.2005 sendo sócios, na proporção de ½ cada um, o ora Oponente e T………………, sendo ambos nomeados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes – cf. Certidão do Registo Comercial junta à p.i. como doc. 1.

F) Em 21.10.2008 foi averbada ao registo da sociedade a cessação de funções dos gerentes identificados na alínea que antecede, e efetuado o averbamento da designação dos novos gerentes, com referência a deliberação de 14.09.2005 – cf. Certidão do Registo Comercial junta à p.i. como doc. 1.

G) Em 22.05.2007 o ora Oponente assinou, em representação da sociedade “P……………….., LDA.”, na qualidade de gerente, a declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2006 – cf. fls. 14/15 do PEF apenso.

H) Em 2007 o ora oponente interveio, em representação da sociedade “P…………………, LDA.”, na qualidade de gerente, na declaração de alteração de atividade para efeitos de IVA – cf. fls. 54/56 do PEF apenso.

I) A............... e C..............., designados gerentes de acordo com o averbamento do registo comercial mencionado em F), não auferiram rendimentos da categoria A pelo exercício das funções de gerente – cf. fls. 57/58 do PEF apenso.

J) Em 2006 o Oponente pediu a J............... para prestar serviços de contabilidade à sociedade “P………………, LDA.”, nomeadamente para fazer a recuperação da contabilidade relativa a 2006, tendo entregue documentos para o efeito – provado por prova testemunhal.

K) A oposição foi apresentada em 02.03.2009 – cf. fls. 7 do suporte físico dos autos.

Factos não provados:

Não resultam dos autos outros factos, com interesse para a decisão da causa, que importe julgar como não provados.

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos e PEF apenso, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e ainda com base no depoimento da testemunha J............... que relevou para a formação da convicção do tribunal no facto devidamente identificado por se mostrar isento, seguro e objetivo. Esta testemunha disse ter sido contactada pelo Oponente para fazer a recuperação da contabilidade da sociedade “P……………., Lda.” relativa a 2006 e para prestar serviços para aquela sociedade durante um ano e meio. Também disse que a documentação relativa à contabilidade da sociedade lhe foi inicialmente entregue pelo Oponente. Demonstrou ter conhecimento direto do facto identificado na alínea J).
Não se teve em consideração o depoimento das testemunhas M..............., F............... e A................ O primeiro referiu que a primeira vez que contactou o Oponente foi em 2004, sendo que o viu durante um ano e qualquer coisa, porque, em 2005, a sociedade “P………………, Lda.” mudou de gerência. Este depoimento é incongruente com a data em que a referida sociedade foi constituída (isto é, no dia 3 de junho de 2005). Admitindo que tivesse indicado o ano de 2004 por lapso de memória, há ainda outro elemento que importa ter em consideração. Esta testemunha referiu que, entre 2004 até 2008, esteve em contacto com a sociedade “P………………., Lda.”, mas a testemunha F..............., que, entre 2006/2007, trabalhou para aquela sociedade durante um ano e meio e que era administrativa (recebendo e enviando encomendas a clientes) afirmou que não o conhecia.
Por outro lado, o depoimento da testemunha M............... foi também contraditório na medida em que, perguntado se conhecia A............... e C..............., começou por afirmar que não os conhecia e que só os conheceu quando os mesmos lhe foram apresentados pelo Oponente como gerentes da sociedade “P…………., Lda.”, tendo tido contacto com eles até 2008. Depois disse que conhecia A............... de uma outra sociedade, mas que, relativamente a essa outra sociedade, já não se recordava quais as datas em que o conheceu.
Adicionalmente, a testemunha afirmou que só ia à sociedade “P…………., Lda.” uma vez por ano, tendo feito afirmações genéricas sobre quem é que se encontrava na sociedade e com quem é que contactava.
A testemunha F..............., que trabalhou um ano e meio para a sociedade “P…………, Lda.”, na parte administrativa, também fez meras afirmações genéricas, nomeadamente que quem lhe parecia ser o gerente era C..............., mas não concretizou essa afirmação. Também afirmou que a sua chefia era um terceiro que trabalhava na parte da produção gráfica.
O depoimento de A..............., anterior técnico oficial de contas da sociedade “P…………….., Lda.”, não foi congruente e isento de contradições, uma vez que, primeiro disse que começou a prestar serviços para aquela sociedade quando a mesma começou e que, depois de as suas quotas terem sido cedidas em 2004/2005, renunciou e não teve mais contacto com a sociedade. Depois, afirmou que, entretanto, existiram umas dívidas revertidas contra o Oponente e que lhe foi pedido que ajudasse, não garantindo que não ajudou. Também afirmou que foi aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira com o pai e o sogro do Oponente e que foi feito um acordo de pagamento de dívida”.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrente deduziu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, oposição à execução fiscal contra a decisão de reversão proferida no âmbito do processo de execução fiscal nº ................. e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “P................., Lda.”, por dívidas de retenções na fonte de IRS, IVA e coimas relativas aos períodos de 2006 e 2007 no valor total de € 11.676,67.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a oposição à execução fiscal parcialmente improcedente quanto às dívidas de retenções na fonte de IRS e de IVA, julgando o Oponente, ora Recorrente, parte legítima da execução fiscal de tais dívidas.

Discordando do decidido vem o Recorrente invocar que na sentença recorrida foi considerado como gerente de facto sem que existam elementos probatórios suficientes para tal, tendo o tribunal a quo considerado a gerência de facto apenas com fundamento em três factos isolados por si praticados:
- Intervenção numa declaração de IRC referente ao ano de 2006;
- Intervenção numa declaração de alterações em sede de IVA;
- Ter solicitado a intervenção de um TOC para recuperação da contabilidade da empresa, relativa ao ano de 2006.
Afirma que tais factos, só por si, e desligados de qualquer outro contexto fáctico não constituem prova bastante para considerar que exerceu a gerência efectiva de forma regular e continuada (cfr. conclusões I a IV).

Vejamos então.

Estando em causa dívidas tributárias de retenções na fonte e de IVA dos anos de 2006 e 2007, o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes é o decorrente do art.° 24.° da Lei Geral Tributária.

Na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, estabelece o n.° l do art.°24.° da LGT:

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Assim, do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.


A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”.

É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
(…)
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”.

Salienta-se que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

Na verdade, e tal como já referimos anteriormente, desde logo em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, reitera-se que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

No caso em apreço o Recorrente e um terceiro, foram designados gerentes em 03/06/2005, data da constituição da sociedade “P………….., Lda.”, obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes (cfr. alínea E) do probatório), sendo incontroversa a gerência de direito da devedora originária por parte do Recorrente, mas da mera titularidade da qualidade de gerente não se presume a gerência de facto, para efeitos de responsabilidade subsidiária.

Vejamos então se o elenco probatório permite concluir que o Recorrente nos anos de 2006 e 2007 praticou actos de gerência da sociedade “P………………, LDA”.

Neste ponto é pertinente ter presente as seguintes alíneas do probatório:

F) Em 21.10.2008 foi averbada ao registo da sociedade a cessação de funções dos gerentes identificados na alínea que antecede, e efetuado o averbamento da designação dos novos gerentes, com referência a deliberação de 14.09.2005 – cf. Certidão do Registo Comercial junta à p.i. como doc. 1.

G) Em 22.05.2007 o ora Oponente assinou, em representação da sociedade “P…………………., LDA.”, na qualidade de gerente, a declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2006 – cf. fls. 14/15 do PEF apenso.

H) Em 2007 o ora oponente interveio, em representação da sociedade “P…………………., LDA.”, na qualidade de gerente, na declaração de alteração de atividade para efeitos de IVA – cf. fls. 54/56 do PEF apenso

J) Em 2006 o Oponente pediu a J............... para prestar serviços de contabilidade à sociedade “P…………….., LDA.”, nomeadamente para fazer a recuperação da contabilidade relativa a 2006, tendo entregue documentos para o efeito – provado por prova testemunhal.


Sobre a relevância destes factos para efeitos de aferir do exercício efectivo da gerência por parte do Oponente, o Tribunal a quo, verteu na sentença recorrida, quanto ao que aqui interessa, a seguinte fundamentação:
(…) no caso dos presentes autos, é certo que o Oponente, tal como resulta da certidão do registo comercial, foi nomeado gerente da sociedade devedora originária logo na sua constituição, que ocorreu em 03.06.2005, sendo que as dívidas em cobrança (IVA e IRS Ret. Fonte) se reportam aos exercícios de 2006 e 2007, e à data do respetivo vencimento era o Oponente sócio e gerente da sociedade, não obstante o registo de novos gerentes em 21.10.2008, alegadamente com efeitos a setembro de 2005 [cf. al. F) do probatório], registo esse efetuado já depois da notificação para efeitos de audição prévia com vista à reversão [cf. als. B) e F) do probatório], conforme resulta de diversos elementos com base documental nos quais durante os anos de 2006 e 2007 o ora oponente atuou como representante da sociedade, na qualidade de gestor da mesma, vinculando-a perante a Administração Fiscal, além de ter contratado um novo TOC, no ano de 2006, com vista à reconstituição da contabilidade da sociedade, tudo conforme resultou provado em G), H) e J).

Ou seja, relativamente à gerência de direito, a mesma resulta inequívoca da certidão do registo comercial da sociedade, facto que, aliás, o oponente não questiona. E, além disso, relativamente ao período de tempo que medeia entre a alegada indicação de novos membros da gerência, em 14.09.2005, e a data limite do pagamento voluntário das dívidas em cobrança coerciva, não obstante o Oponente invocar que não exerceu os poderes relativos à gerência, o que resulta provado nos autos [cf. als. G), H) e J) do probatório] vai precisamente no sentido oposto. Assim, quando em 22.05.2007, ou em janeiro de 2007 atuou, em representação da sociedade, na declaração de IRC do ano de 2006 ou na declaração de alterações em sede de IVA, atuou claramente revestido dos poderes que legalmente lhe cabiam atento o cargo de gerente, mesmo que se considere a existência de uma deliberação de data anterior, a nomear novos gerentes, além de ter contratado um novo TOC para reconstruir a contabilidade da sociedade. Tais atos permitem concluir que continuou a atuar como gerente de facto. O mesmo sucede depois de setembro de 2005.

Tais factos não podem deixar de ser demonstrativos de que o Oponente exerceu, de facto, mesmo após a invocada (e registada) nova gerência da sociedade, no período em que terminou o prazo de pagamento voluntário das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal a que se referem os presentes autos, ocorrendo, por isso, o pressuposto legal relativo à legitimidade que permite a reversão da execução contra si.

Para afastar a sua responsabilidade enquanto devedor subsidiário, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, cabia ao Oponente a prova da inexistência de culpa demonstrando que, enquanto gerente de facto da sociedade em causa, tentou reequilibrar a atividade da mesma e que, face ao não alcançar de tal desiderato, procurou soluções de proteção dos seus credores, incluindo a Administração Tributária.

Neste ponto, o Oponente não alega absolutamente nada. Limitou-se a afirmar que não tendo exercido os poderes de gerente desde setembro de 2005 não pode ser subjetivamente responsabilizado”.

Tendo presente que o gerente de facto é o órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo acto e exteriorizando a vontade social perante empregados ou terceiros, produzindo efeitos na esfera jurídica da sociedade, manifestando a capacidade de exercício de direitos das pessoas colectivas, e que o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade (designadamente, contacto com fornecedores; contratação de pessoal; pagamento de salários; angariação de clientes), importa analisar se a prova produzida permite concluir que o Recorrente foi gerente de facto naquele período temporal.

Argumenta o Recorrente que o tribunal a quo considerou a gerência de facto apenas com fundamento em três factos isolados, por si praticados, e que, só por si e desligados de qualquer outro contexto fáctico, não constituem prova bastante para considerar que exerceu a gerência efectiva de forma regular e continuada.

Desde já avançamos que não partilhamos de tal entendimento.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 23/03/2018 no processo 07377/14 “A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação”.

Tendo presente o circunstancialismo fáctico acima exposto, consideramos que dele resulta um conjunto de elementos que permitem afirmar que o Recorrente praticou actos de representação da sociedade devedora originária, senão vejamos:

. Desde logo, em 2006 pediu a J............... para prestar serviços de contabilidade à sociedade, nomeadamente para fazer a recuperação da contabilidade relativa a 2006, tendo entregue documentos para esse efeito (facto que resultou do depoimento do próprio J.............. que afirmou ter sido contactado pelo Recorrente para fazer a recuperação da contabilidade da sociedade “P……………….., Lda.” relativa a 2006 e para prestar serviços para aquela sociedade durante um ano e meio , como resulta da motivação da matéria de facto vertida na sentença);
. Em 22.05.2007 assinou, em representação da sociedade na qualidade de gerente, a declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2006;

. Em 2007 interveio, em representação da sociedade, na qualidade de gerente, na declaração de alteração de atividade para efeitos de IVA.

Tais factos permitem estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do Recorrente na vida da sociedade, o que significa que deve entender-se que ficou demonstrada a prática de actos em representação da sociedade, não se reduzindo a actos isolados.

Diga-se ainda que tais elementos são claramente suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.

Aqui chegados, concordando com o Tribunal a quo, entendemos que ficou demonstrada a gerência de facto por parte do Recorrente, sendo parte legítima na execução fiscal nº ................. e apensos, assim se devendo confirmar a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente

Lisboa, 21 de Maio de 2020

______________________________
Luisa Soares
_______________________________
Mário Rebelo
_______________________________
Patrícia Manuel Pires