Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:263/16.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA
AUTARQUIA LOCAL
ERRO NA APLICAÇÃO DO PRO RATA
PEDIDO DE REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1) Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito.
2) Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

Município de ... interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 615/628 que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão da reclamação graciosa que, por sua vez, deduzira contra as liquidações de IVA dos anos de 2007 a 2010, pedindo a anulação da decisão do recurso hierárquico e das liquidações de IVA.

Nas alegações de recurso de fls. 193/210, o recorrente formula as conclusões seguintes:
a) Ao contrário do que o Tribunal recorrido parece querer demonstrar com a sua decisão, o artigo 6.º do Código Civil não afasta a relevância do erro de direito no plano jurídico.
b) A doutrina e jurisprudência afirmam uniformemente que o princípio da ignorantia iuris constante desse preceito apenas significa que as normas legais são aplicáveis aos sujeitos jurídicos, independentemente do seu conhecimento ou desconhecimento do respectivo conteúdo, mas não afasta a relevância que o erro de direito pode assumir nas relações entre as partes.
c) O Tribunal o quo envereda por contradição com os fundamentos que sustentam a sua decisão, ao admitir que seria erro na determinação do regime legal aplicável em 2007, no domínio da lei antiga, para efeitos da aplicação da disciplina e do prazo constante do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, uma vez que a considerar-se válida a interpretação que a sentença recorrida faz do disposto no artigo 6.º do Código Civil, a correcção de erros de direito ou de enquadramento nunca seria possível, nem à luz da lei que passou a vigorar a partir de 2008, nem ao abrigo da que vigorava antes dessa data.
d) O erro de enquadramento ou de direito sempre teve relevância do plano jurídico, e com particular incidência no direito tributário, cuja complexidade normativa propicia a ocorrência de erros de interpretação dos quadros legais.
e) Quer o artigo 131.º do CPPT, como o artigo 78.º da LGT ou o n.º 2 do artigo do artigo 98.º do Código do IVA, confirmam a relevância do erro de direito no plano do direito tributário e a incorrecta leitura que o Tribunal o quo faz do artigo 6.º do Código Civil.
f) A existência de determinado erro de enquadramento ou de direito não poderá ser vista com a rigidez temporal que o Tribunal a quo pretende (ou seja, reconhecimento de erro de direito até 31 de Dezembro de 2007, mas não a partir dessa data, sendo apenas reconhecida a existência de erro material), mas antes atendendo às circunstâncias do caso concreto.
g) Os efeitos da incorrecta interpretação perfilhada pela AT, e divulgada nos seus Ofícios-Circulados, permaneceram para além de 31 de Dezembro de 2007, e, ainda que tenha sido alterado o art. 23.º do Código do IVA pela Lei do Orçamento do Estado para 2008, e, posteriormente, emitido o Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de Abril de 2008, a verdade é que os sujeitos passivos (e, concretamente, o Recorrente) levaram tempo a assimilar as novas regras, permanecendo muitos deles em erro de enquadramento até aos dias de hoje.
h) O erro em que o Recorrente incorreu e que motivou a dedução inferior à devida durante os anos 2007 a 2010 não é um erro material ou de cálculo, mas um erro de direito, traduzido na dedução de imposto relativamente ao IVA suportado nos seus recursos de utilização mista através do pro rata incorrectamente calculado.
i) Um erro no apuramento do regime de dedução configura um erro nos pressupostos da tributação, traduzido numa representação inexacta das circunstâncias de facto e de direito relevantes no seu estado para efeitos do exercício do direito à dedução.
j) Sobre o conceito de erro material e de cálculo, refere o STA, em Acórdão proferido em 26 de Junho de 2014, no âmbito do processo n.º 0586/14, que "se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade", referindo ainda que "[o]s erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação".
k) Doutrinalmente, afirma-se ainda que os erros a que se refere o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA "se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do ato de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores, ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes. Assim, estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar imposto dedutível contido numa fatura (IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material)" (cf. Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, Afinal Qual o Prazo para Deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica, in Cadernos IVA 2014, Almedina, 2014, página 44).
l) Por outro lado, existe um conceito de erro material ou de cálculo no normativo tributário: nos termos do n.º 2 do artigo 95.º-A do CPPT, são "erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso".
m) No presente caso, estamos perante um erro de direito, erro esse que consiste num desvio da realidade jurídica, por falsa representação da mesma ou desconformidade com a interpretação normativa.
n) E a esse respeito importa invocar a decisão arbitral tributária proferida em 6 de Dezembro de 2013 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (processo n.º 117/2013-T), segundo a qual "O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78º do CIVA".
o) O erro na dedução de IVA por parte do Recorrente é um erro assente numa deficiente metodologia de dedução de imposto, resultando numa dedução inferior à possível. Não dedução esta que resultou de uma inexacta subsunção no normativo aplicável aos referidos custos, em matéria de dedução.
p) Erro de direito este que foi fruto da anterior e errada interpretação preconizada pela AT em matéria de exercício do direito à dedução dos sujeitos passivos ditos mistos.
q) A redacção do artigo 23.º do Código do IVA, até ao Orçamento de Estado para 2008 (aprovado pela Lei n.2 67-A/2007, de 31 de Dezembro), aliada à errada interpretação da AT daquela norma divulgada através do Ofício-Circulado n.º 61.137, de 9 de Julho de 1987 (que considerava que o sujeito passivo misto teria que obrigatoriamente de optar por um dos métodos de dedução do IVA com referência aos seus inputs), levou a que o Recorrente realizasse uma dedução de IVA inferior à devida nos termos legais e resultantes de directivas comunitárias, privando o Recorrente de importâncias monetárias que, por lei, lhe pertenciam.
r) Ao qualificar-se o erro na autoliquidação como erro de direito, o mesmo permite a aplicação, ao caso vertente, do prazo geral de dedução de quatro anos, previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, ou seja, o Recorrente dispunha de um prazo de quatro anos para exercer o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso nos anos de 2007 a 2010.
s) O prazo especial de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, não é aplicável ao caso sub judice, porque o erro em causa não se enquadra num erro material ou de cálculo, a que aquele outro prazo se reconduz.
t) A própria AT emitiu recentemente orientações genéricas a divulgar entendimentos que colidem de forma gritante com a decisão proferida no presente caso, pelo que é incompreensível que no presente caso não se possa recorrer ao prazo de 4 anos para o exercício do direito à (correcção da) dedução.
u) Na Instrução de Serviço n.º 30178, de 10 de Dezembro de 2015, que clarifica o âmbito de aplicação do Ofício-circulado n.º 30177, a AT tem o seguinte entendimento relativamente às situações de incorrecto enquadramento jurídico-tributário das operações de serviço público de remoção de lixos: "6. Nas situações em que ocorreu a liquidação do imposto sem que a mesma tenha sido acompanhada do correspondente exercício do direito à dedução, pode este direito ser exercido no prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA".
v) Aliás, a aplicação do prazo de 4 anos para o exercício do direito à dedução é a única solução que se compatibiliza com o princípio da neutralidade fiscal, princípio fundamental no seio do regime comum do IVA e amplamente defendido pelo STA e pelo TJUE.
w) A não aceitar-se a possibilidade de correcção do método de dedução de IVA no prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º da LGT, coloca-se o IVA e os sujeitos passivos deste imposto num plano de tal modo desprotegido no que respeita ao exercício do seu direito à correcção das suas liquidações que podemos mesmo afirmar que os sujeitos passivos de IVA configuram sujeitos passivos de segunda face aos dos demais impostos (IRS e IRC) em que a possibilidade de correcção das liquidações sempre se afigurou viável no prazo de quatro anos e com recurso à revisão oficiosa (cfr. artigo 78.º da LGT).
x) É por demais evidente que para além do referido raciocínio não ter qualquer aderência à lei, o mesmo se afigura ainda frontalmente atentatório dos princípios da neutralidade e igualdade, configurando uma limitação desproporcional do direito à dedução e, consequentemente, uma inaceitável violação do princípio do primado do Direito da União Europeia (cfr. artigo n.º 4 do artigo 8.º da CRP).
y) Pelo que a aceitar-se como válida a interpretação levada a cabo pelo Tribunal das normas do Código do IVA as mesmas estariam, necessariamente, feridas de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, por um lado, e por violação do princípio do primado do direito europeu, por outro.
z) Invoque-se ainda a recente jurisprudência do TJUE no caso Giuseppe Astone (acórdão C-332/15 de 28 de Julho de 2016) onde se refere que "um prazo de preclusão cujo termo conduz a que se puna o contribuinte não suficientemente diligente, que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo lhe perder o direito a dedução, não se pode considerar incompatível com o regime fixado pela diretiva IVA, desde que, por um lado, esse prazo se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não torne impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito a dedução (princípio da efetividade) (acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C 95/07 e C 96/07, EU:C:2008:267, n.º 46 e jurisprudência referida, e de 12 de julho de 2012, EMS Bulgária Transport, C284/11, EU:C:2012:458, n."49)".
aa) Ora, o prazo invocado pelo Tribunal a quo para a correcção da dedução do Recorrente, incorrectamente determinada por erro de direito, não se aplica "de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União" existindo a possibilidade de os sujeitos passivos de IRC e IRS de solicitarem o reembolso do imposto liquidado em excesso no prazo de quatro anos (vide n.º l do artigo 78.º da LGT).
bb) Acrescente-se ainda que a dualidade de prazos para o exercício do direito à dedução do IVA (2 anos - segundo o artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA - e 4 anos - segundo o artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA) viola o princípio da neutralidade uma vez que cria desigualdades entre os sujeitos passivos relativamente ao exercício do mesmo direito, i.e., o direito à dedução do IVA ou inerentes correcções deste mesmo direito, pelo que apenas uma leitura que aplique a qualquer situação de dedução do IVA o prazo mais alargado constante da lei (o de 4 anos) poderá ser considerada a mais correcta e consentânea com o princípio da igualdade de que decorre a neutralidade do IVA.
cc) Se o legislador nacional considerou adequado e razoável o prazo de 4 (quatro) anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA para a correcção do direito à dedução, e até aos dias de hoje não procedeu à sua revogação, então, à luz do princípio da neutralidade, o mesmo deverá ser aplicável a qualquer situação de correcção da dedução do IVA seja ela motivada por erro material e de cálculo ou por erro de direito. Até porque o exercício do direito à dedução (ou a sua correcção) em ambas as situações goza da mesma dignidade, não devendo umas situações prevalecerem face a outras.
dd) Uma vez que, conforme refere o TJUE no caso Dragos Constantin Târsia (Acórdão C-69/14, de 6 de Outubro de 2015) "o princípio da equivalência proíbe um Estado-Membro de prever modalidades processuais para os pedidos de reembolso de um imposto fundados em violação do direito da União que sejam menos favoráveis do que as aplicáveis aos recursos semelhantes fundados numa violação do direito interno".
ee) No presente caso, o prazo que seria (e é) aplicável ao Recorrente para efectivar o seu direito à dedução de forma plena seria o de quatro anos estabelecido no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, porquanto não se afigurava aplicável o prazo especial previsto no n.º 6 do artigo 78.º do mesmo compêndio tributário uma vez que a incorrecta dedução por si efectuada não se deveu a um "erro material ou de cálculo" resultando, ao invés, de um "erro de qualificação ou de enquadramento (erro de direito) " em virtude de ter aplicado um regime de dedução errado, o qual lhe foi "imposto" pelas incorrectas orientações da AT, censuradas ao nível comunitário, conforme assinalado.
ff) Em suma, a sentença incorre em erro de julgamento, por se ter fundamentado numa correcta qualificação do erro incorrido pelo Recorrente como sendo material ou de cálculo.
gg) A título subsidiário, na medida em que não seja claro para o presente Tribunal o alcance das normas da Directiva IVA que possam, em seu juízo, interferir com a boa solução deste caso, deverá então o Tribunal promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o TJUE, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267. º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
hh) Acresce que a aferição da medida de imposto dedutível, respeitante a recursos de utilização mista através da aplicação do método do pró rata, é realizada numa base anual.
ii) É no final de cada ano, perante a consolidação dos dados relevantes quanto aos métodos de dedução utilizados, o valor de IVA efectivamente dedutível é corrigido, na declaração referente ao mês de Dezembro do ano a que se reportam as operações.
jj) Tal resulta claramente da lei, o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA refere expressamente que "a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º l, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizadas para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita" (destaque nosso).
kk) Deste modo o direito à dedução "definitivo" não pode deixar de referir-se à regularização (ajustamento) anual que estes sujeitos passivos devem efectuar em Dezembro de cada ano.
ll) A contagem do prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, assim como a de dois anos do n.º 6 do artigo 78.º do mesmo diploma, não pode deixar de ter em consideração que a dedução definitiva ocorre numa base anual, ajustada em Dezembro.
mm) Nesses termos, relativamente aos anos 2007 a 2009, a regularização do imposto dever-se-á contar a partir de 31 de Dezembro do respectivo ano e não contabilizar com referência "apenas quanto às despesas efectuadas dos meses de Novembro e Dezembro", podendo assim o Recorrente deduzir sobre a totalidade do IVA desses anos.

Não há registo de contra-alegações.


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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 275), no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

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II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Na declaração periódica de IVA relativa a Fevereiro de 2012, o MUNICÍPIO DE ... regularizou IVA no valor de € 2.109.727,50 e solicitou um reembolso no montante de € 1.846.847,69, sendo que:
a) O montante relativo ao ano de 2007 foi regularizado na declaração de Novembro de 2011;
b) O montante relativo ao ano de 2008 foi regularizado na declaração de Janeiro de 2012;
c) O montante relativo ao ano de 2009 foi regularizado na declaração de Novembro de 2011;
d) O montante relativo ao ano de 2010 foi regularizado na declaração de Janeiro de 2012 - cfr. fls. 56ve485 ao Recurso Hierárquico.
2. A Administração determinou análises externas ao pedido de reembolso -facto admitido por acordo.
3. No dia 2 de Novembro de 2012, foram elaborados Relatórios de Inspecção Tributária (Ordens de Serviço OI.2012.00724, OI.2012.00684 e OI.2012.00685), que se dão aqui por integralmente reproduzidos e nos quais se concluiu pela necessidade de proceder a correcções meramente aritméticas -facto admitido por acordo.
4. Consequentemente, foram emitidas liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2007 a 2010, e respectivos juros compensatórios (actos impugnados), cuja data limite de pagamento foi fixada em 31 de Janeiro de 2013 - cfr. fls. 450-505 dos autos.
5. Em 4 de Dezembro de 2012, foram emitidas liquidações de juros moratórios, contados a partir de 2012, no valor global de € 2.321,88, por a Administração ter considerado que o Impugnante "liquidou o IVA nas declarações periódicas referentes aos meses de Março a Setembro de 2012, mas não o pagou, dado que utilizou um meio de pagamento inválido, que foi desconsiderado" (IVA dedutível que a Administração considerou não poder ser utilizado), motivo pelo qual considerou ter o Impugnante incorrido em mora - cfr. fls. 516-522 e 506 do Recurso Hierárquico.
6. No dia 8 de Outubro de 2013, foi indeferida a Reclamação Graciosa que o Impugnante deduziu contra aquelas liquidações - cfr. fls. 584 da Reclamação Graciosa.
7. Em 17 de Março de 2015, foi indeferido o Recurso Hierárquico interposto contra a decisão da Reclamação Graciosa.

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade».


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
8. No que respeita à ordem de serviço n.º OI201200858, do RIT consta: 2008 – IVA em falta: €53.626,59.
9. Do RIT referido na alínea anterior consta o seguinte:
«1- O contribuinte "Município de ..." encontra-se coletado, desde  1986-01-01, pela atividade de Administração Local, CAE 84113. E enquadrado para efeitos de IVA, desde 1998-07-30, no regime normal mensal.
2- A atividade desenvolvida pelo Município de ..., pessoa coletiva de direito público, compreende operações que conferem e que não conferem o direito à dedução.
FACTOS VERIFICADOS NO DECURSO DO DESPACHO Nº DI201200874
3- O Município de ... requereu, nos termos dos artigos 98º do CIVA; e do artº 78º da LGT, a ''Revisão Oficiosa da (auto)liquidação de IVA efetuada em excesso nas declarações periódicas desse imposto, relativamente aos períodos de janeiro a Dezembro de 2008, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso no valor de €442 014,24.
Os fundamentos desse pedido assentam nos factos de o Município de ... ser uma pessoa colectiva de direito público e que a atividade desenvolvida, compreender, por conseguinte, operações que não conferem o direito à dedução do IVA, por serem realizadas no âmbito de poderes de autoridade ou por se enquadrarem no disposto no artº 9º do CIVA e que, por consequência não beneficiam do disposto no nº 1 do artº 20º do mesmo Diploma. No entanto uma parte da atividade, o abastecimento de água aos munícipes, é passível de tributação em IVA, conferindo o direito à dedução desse imposto, nos termos do consagrado no nº 1 do citado artº 20º do CIVA. E. que, no exercício de 2008, deduziu apenas o IVA dos bens e serviços adquiridos para a realização das operações relacionadas com o abastecimento de água (operação sujeita e não isenta de IVA), tendo agora sido apurado o IVA, que nos termos legais, designadamente art 23º do CIVA é entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, que consta no Relatório do Grupo de Trabalho constituído pela Direção Geral dos Impostos, cuja publicação foi determinada por Despacho do Diretor-Geral dos Impostos de 7 de Fevereiro de 2007, constante na Ciência e Técnica Fiscal nº 418, 2006, pp 339, podia ser deduzido, por via do "pró rata", no montante de €442014,24.
4- O documento que consubstancia esse pedido deu entrada em 2012-03-09 no Serviço de Finanças de ..., tendo esse Serviço remetido o citado requerimento para esta Direção de Finanças de Faro, o qual foi aqui rececionado em 2012-04-16. Com vista à análise desse pedido foi emitido o citado Despacho nº DI201200874.
5- No mesmo documento (oi referido o seguinte: "Atendendo a que o prazo do direito à dedução se encontra em curso (cfr. A este respeito o nº 2 do artº 98º do Código do IVA), e na dúvida quanto ao efeito suspensivo/impeditivo do presente pedido de revisão oficiosa sobre o decurso do referido prazo, o Requerente inscreveu na declaração periódica a dedução do imposto em apreço, no montante de €442014,24", Mas, não disse em que declaração tinha inscrito esse montante.
6- Porém, verificou-se que na mesma data em que apresentou o presente pedido de revisão, em 2012-03-09, o Município de ..., enviou para os Serviços competentes a declaração periódica de IVA relativa ao período de Janeiro de 2012, onde declarou no campo "40-Regularizações a favor do sujeito passivo" dessa declaração a importância de € 811 995.25.
(…)».
10. No que respeita à ordem de serviço n.º OI201200724, do RIT consta: 2010 – IVA em falta: €67.475,24; 2012 – IVA em falta: €439.677,10.
11. Do RIT referido na alínea anterior consta o seguinte:

«I- Descrição dos Factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas

1- O contribuinte "Município de ..." encontra-se coletado, desde 1986-01-01, pela atividade de Administração Local, CAE 84113. E enquadrado para efeitos de IVA, desde 1998-07-30, no regime normal mensal.

2- A atividade desenvolvida pelo Município de ..., pessoa coletiva de direito público, .......-............—.......compreende operações que conferem e que não conferem o direito à dedução

3- Os motivos de Apreciação deste Reembolso foram os seguintes: Reembolso de valor significativamente superior ao anterior.

4- O crédito de imposto apurado no período 1202, no valor de € 2 146 847,69, o qual originou o presente pedido de reembolso no valor de € 1 846 847,69, foi motivado essencialmente pelas seguintes regularizações efetuadas nas declarações periódicas de IVA abaixo indicadas e respeitantes aos exercícios que abaixo se mencionam:

Imposto relativo Valor IVA Regularizado Regularizações mencionadas
Exercício de 2007 507. 981,95 € Mencionadas no campo 40 da D. P. 1111, enviada 2011-12-30
Exercício de 2009 790. 367,22 € Mencionadas no campo 40 da DP 1111, enviada 2011-12-30
Exercício 2008 442.014,24 € Mencionadas no campo 40 da D. P. 1201, enviada 2012-03-09
Exercício 2010 369. 364,20 € Mencionadas no campo 40 da D. P. 1201, enviada 2012-03-09
Total 2.109.727,61 € 

5- As referidas regularizações (deduções) de IVA são respeitantes ao apuramento do IVA, agora efetuado, por via do "pró rata, já que nos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010 o Município de ...  apenas  tinha  deduzido  o   IVA referente exclusivamente a operações relacionadas com o abastecimento de água aos munícipes, operação sujeita e não isenta de IVA.

6- De salientar que o Município de ..., requereu, nos termos dos artigos 78º e 98º, ambos do CIVA, e do artº 78º da LGT, a "Revisão Oficiosa da (auto)liquidação de IVA efetuada em excesso nas declarações periódicas desse imposto, relativamente aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2007, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso no valor de € 507 981,95".

O documento que consubstancia esse pedido deu entrada nesta Direção de Finanças de Faro em 2011-12-29. Com vista à análise desse pedido foi emitido o Despacho nº DI201200056.

7-  E que, requereu também, nos termos dos artigos 98º do CIVA, e do artº 78º da LGT, a "Revisão Oficiosa da (auto)liquidação de IVA efetuada em excesso nas declarações periódicas desse imposto, relativamente aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2008, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso no valor de €442 014,24". O documento que consubstancia esse pedido deu entrada em 2012-03-09 no Serviço de Finanças de ..., tendo esse Serviço remetido o citado requerimento para esta Direção de Finanças de Faro, o qual foi aqui rececionado em 2012-04-16. Com vista à análise desse pedido foi emitido o Despacho nº DI201200874.

8- Os fundamentos dos dois citados requerimentos assentavam nos factos de o Município de ... ser uma pessoa coletiva de direito público e que a atividade desenvolvida, compreender, por conseguinte, operações que não conferem o direito à dedução do IVA, por serem realizadas no âmbito de poderes de autoridade ou por se enquadrarem no disposto no artº 9º do CIVA e que, por consequência não beneficiam do disposto no nº 1 do artº 20º do mesmo Diploma. No entanto uma parte da atividade, o abastecimento de água aos munícipes, é passível de tributação em IVA, conferindo o direito à dedução desse imposto, nos termos do consagrado no nº 1 do citado artº 20º do CIVA. E, que, nos exercícios de 2007 e de 2008, deduziu apenas o IVA dos bens e serviços adquiridos para a realização das operações relacionadas com o abastecimento de água (operação sujeita e não isenta de IVA), tendo agora sido apurado o IVA, que nos termos legais, designadamente artº 23º do CIVA e entendimento da Administração Tributária sobre esta "matéria que consta no Re1atório do Grupo de-Trabalho constituído pela Direção Geral dos Impostos, cuja publicação foi determinada por Despacho do Diretor-Geral dos Impostos de 7 de Fevereiro de 2007, constante na Ciência e Técnica Fiscal nº 418, 2006, pp 339, podia ser deduzido, por via do "pró rata", nos montantes de € 507 981,95 e de € 442 014,24, respetivamente para os exercícios de 2007 e de 2008.

9- Assim, as mencionadas deduções de IVA efetuadas na declaração periódica relativa ao período 1111, no valor total de € 1 298 34917, originaram o apuramento de crédito de imposto, o qual foi reportado para os períodos seguintes, bem como as deduções de IVA efetuadas no período 1201, no valor total de € 811 378,44, que também originaram crédito de imposto, foram, ambas reportadas para o período 1202, tendo dessa forma influenciado o valor total do crédito de imposto apurado no período 1202, no referido montante de € 2 146 847,69, o qual originou o presente pedido de reembolso no valor de € 1 846 847,69.

10-Ora, em face do exposto, conclui-se facilmente que para se poder analisar o reembolso solicitado pelo contribuinte na declaração do período de Fevereiro de 2012, é necessário saber se as regularizações de imposto pretendidas pelo requerente, relativamente às deduções adicionais de IVA (regularizações), relativamente aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2007, no valor total de €507 981,95, efetuadas na declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2011, e se as deduções adicionais de IVA (regularizações), relativamente aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2008, no valor total de € 442 014,24, efetuadas na declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2012, são, ou não passíveis de ser objeto de Revisão Oficiosa, nos termos do disposto no artº 98º do CIVA e ao abrigo do artº 78º da LGT, tendo em consideração a legislação aplicável, a qual se fará referência nos números seguintes e, pelos mesmos motivos, saber se as deduções adicionais de IVA (regularizações) efetuadas na declaração referente ao mês de Novembro de 2011, entregue em 30 de Dezembro de 2011, e referentes ao exercício de 2009 podem ou não ser aceites.

11- O CIVA no seu artº 78º, anterior artº 71º, regulamenta os procedimentos respeitantes a regularizações de imposto. E essa mesma matéria (regularizações nos termos do artº 71º do CIVA), deu lugar à elaboração de instruções administrativas pala Direção de Serviços do IVA, constantes no Ofício -Circulado nº 30082, de 17 de Novembro de 2005.

12-No nº 8 desse Ofício-Circulado estabelece-se que os mecanismos previstos no artº 71º CIVA (atual artº 78º) não podem ser utilizados nas situações de apuramento de pro rata, as quais deverão ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23º, 24º 25º e 26º (numeração atual) do CIVA, motivo pelo qual as situações em apreço não se enquadram no âmbito das situações passíveis de regularização ao abrigo desses normativos legais.

13- Refira-se que o artº 23º do CIVA determina os Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista.

14- Assim sendo, as situações em apreço parecem ter enquadramento no âmbito das situações previstas no nº 6 do artº 78º do CIVA, que refere o seguinte "A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado".

Note-se que o artº 22º, nº 1 do CIVA, determina que: "O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º".

16-Tendo em consideração que um dos pedidos de revisão oficiosa foi apresentado em 2011-12-29 e que os factos tributários em causa (deduções de IVA) são respeitantes a 2007, e o outro foi apresentado em 2012-03-09, e que os factos tributários em causa (deduções de IVA) são respeitantes a 2008, verifica-se que o prazo de 2 anos consagrado no nº 6 do artº 78º do CIVA já se encontra largamente ultrapassado, para ambos os pedidos.

17- Encontrando-se ultrapassado esse prazo de 2 anos, resta saber se é possível a admissibilidade dos pedidos de Revisão Oficiosa ao abrigo do prazo de 4 anos consagrado no artº 78º da LGT e também no artº 98º do CIVA, os quais se passam a citar nos números seguintes.

18- Os números 1 e 2 do artº 98º do CIVA referem que: "1- Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei gerai tributária. 2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente".

19- E o artº 78º da LGT, nos seus números 1 e 2, refere que: "A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. 2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação."

20- Sobre a matéria em apreço, a Direção de Serviços do IVA (a pedido desta Direção de Finanças, na sequência de outro pedido de revisão oficiosa feito por um outro contribuinte, mas, nos mesmos termos do presente pedido), comunicou-nos, através de e-mail rececionado nesta Direção de Finanças de Faro, em 2012-09-26, o qual anexava a Informação nº 1842, de 2012-09-10 dessa mesma Direção de Serviços do IVA, respeitante à decisão que recaiu sobre esse pedido de revisão oficiosa, que, após um estudo realizado por essa Direção de Serviços sobre a matéria, com suporte no parecer jurídico nº 66, de 2012-04-12, da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, no qual se discutiu, entre outras matérias, a compatibilidade entre o pedido de revisão oficiosa e o exercício do direito à dedução de IVA, que o pedido de revisão oficioso deve ser indeferido, invocando o seguinte, passa-se a citar:

A revisão oficiosa de uma liquidação de IVA não pode prejudicar a imperatividade das normas que fixam os prazos para o exercício do direito à dedução.

As regras do instituto da revisão oficiosa não podem prevalecer face às previstas no CIVA para o exercício do direito à dedução, caso contrário estas ficariam esvaziadas de conteúdo e, consequentemente, de eficácia.

Deixa de existir o direito à dedução se o requisito formal da tempestividade não for observado.

O requerente não tem liberdade de escolher, dentro do prazo a que se refere o nº 2 do artº 98º do CIVA, o momento para concretizar o direito à dedução do imposto.

Só nos casos em que o CIVA não estabelece um prazo especial, é que o direito à dedução pode ser efetuado no prazo previsto no nº 2 do artº 98º do CIVA.

Estando no caso em análise, já ultrapassados os prazos para o exercício do direito à dedução estabelecidos nos artigos 22º e 23º do CIVA, e confirmando-se que os documentos de suporte relativos às operações passivas em causa foram registados na contabilidade do Requerente em devido tempo (que foi o caso), apenas se pode admitir a correção de imposto deduzido com base no nº 6 do artº 78º do CIVA.

O nº 6 do artº 78º do CIVA estabelece um prazo especial para o exercício do direito ã dedução de 2 anos para as regularizações a favor do sujeito passivo, que depois de ultrapassado conduz à preclusão desse direito.

Tendo o requerente apresentado, no final do ano de 2011, (situação idêntica a esta, parênteses nosso) o pedido de revisão oficiosa onde solicita a dedução "adicional" do imposto que suportou com a aquisição de bens de utilização mista no ano de 2007, mostra-se ultrapassado o prazo para o exercício desse direito à dedução.

21-Conclusão

Assim sendo, conclui-se não ser admissível os 2 pedidos de revisão nos termos do artº 78º da LGT e do artº 98º do CIVA, e, consequentemente, verifica-se lugar à correção da totalidade do IVA deduzido no campo 40 da declaração periódica relativa ao período 1111 (Novembro de 2011), no montante de € 507 981,95, referente a imposto contido em documentos datados de 2007, bem como à correção do IVA deduzido no campo 40 da declaração periódica relativa ao período 1201 (Janeiro de 2012), no montante de € 442 014,24, referente a imposto contido em documentos datados de 2008 (…)».
12. No que respeita às ordens de serviço n.º OI201200685 e OI201200684, do RIT consta: 2009 – IVA em falta: €595.369,17 e 2011 – IVA em falta: €1.293.480,30».
13. Do RIT referido na alínea anterior consta o seguinte:

« FACTOS VERIFICADOS NO DECURSO DO DESPACHO Nº DI201200056

3- O Municipio de ..., requereu, nos termos dos artigos 78º e 98º, ambos do CIVA, e do artº 78º da LGT, a "Revisão Oficiosa da (auto)liquidaçâo de IVA efetuada em excesso nas declaraçöes periödicas desse imposto, relativamente aos perlodos de Janeiro a Dezembro de 2007, e consequente pagamento de prestaçâo tributâria em excesso no valor de €507981,95".

Os fundamentos desse pedido assentam nos factos de o Municipio de ... ser uma pessoa coletiva de direito püblico e que a atividade desenvolvida, compreender, por conseguinte, operaçöes que não conferem o direito â deduçâo do IVA, por serem realizadas no âmbito de poderes de autoridade ou por se enquadrarem no disposto no artº 9º do CIVA e que, por consequencia não beneficiam do disposto no nº 1 do artº 20º do mesmo Diploma. No entanto uma parte da atividade, o abastecimento de água aos municipes, é passivel de tributaçâo em IVA, conferindo o direito à deduçâo desse imposto, nos termos do consagrado no nº 1 do citado artº 20º do CIVA. E, que, no exercicio de 2007, deduziu apenas o IVA dos bens e serviços adquiridos para a realizaçâo das operações relacionadas com o abastecimento de água (operação sujeita e não isenta de IVA), tendo agora sido apurado o IVA, que nos termos legais, designadamente artº 23º do CIVA e entendimento da Administraçâo Tributária sobre esta matéria, que consta no Relatörio do Grupo de Trabalho constituîdo pela Direçâo Geral dos Impostos, cuja publicação foi determinada por Despacho do Diretor-Geral dos Impostos de 7 de Fevereiro de 2007, constante na Ciencia e Tecnica Fiscal nº 418, 2006, pp 339, podia ser deduzido, por via do "pro rafa", no montante de €507 981,95.

4-   O documento que consubstancia esse pedido deu entrada nesta Direçâo de Finanças de Faro em 2011-12-29. Com vista à análise desse pedido foi emitido o citado Despacho nºDI201200056.

5-    No mesmo documento foi referido o seguinte: "Atendendo a que o prazo do direito â deduçâo se encontra em curso (cfr. A este respeito o nº2 do artº 98º do Código do IVA), e na dúvida quanto ao efeito suspensivo/impeditivo do presenle pedido de revisao oficiosa sobre o decurso do referido prazo, o Requerente inscreveu na declaraçâo periódica a dedução do imposto em apreço, no montante de €507 981,95". Mas, não disse em que declaração tinha inscrito esse montante.

6-    Em 2011-12-30, o Municipio de ..., enviou para os Serviços competentes a declaração periódica de IVA relativa ao periodo de Novembro de 2011, önde declarou no campo "40- Regularizações a favor do sujeito passivo" dessa declaraçâo a importância de € 1 298 966,07.

(…)

19- Conclusão

Assim sendo, conclui-se não ser admissível o pedido de revisão nos termos do artº 78º da LGT e do artº 98º do CIVA, e, consequentemente, verifica-se lugar à correção da totalidade do IVA deduzido no campo 40 da declaração periódica relativa ao período 1111 (Novembro de 2011), no montante de € 507 981,95, referente a imposto contido em documentos datados de 2007.

 (…)»


*

2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 615/628 que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão da reclamação graciosa que, por sua vez, o impugnante deduzira contra as liquidações de IVA dos anos de 2007 a 2010, pedindo a anulação da decisão do recurso hierárquico e das liquidações de IVA.

O dispositivo da sentença é o seguinte:

Anula-se:
a) a decisão do recurso hierárquico e as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, na parte relativa às correcções atinentes às despesas de 2007 (Novembro e Dezembro), 2009 (Novembro e Dezembro) e 2010 (Janeiro a Dezembro);
b) as liquidações de juros moratórios;
c) Julga-se a impugnação improcedente no mais (correcções de 2007 e 2009 de Janeiro a Outubro e de 2008, e na mesma medida, a decisão do recurso hierárquico).

Mais se consignou na sentença recorrida o seguinte:

«Os prazos para a regularização da dedução contam-se a partir do nascimento do direito à dedução, nos termos do n.º l do artigo 22º do CIVA, isto é, do momento "em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7º e 8.º". Impondo-se então concluir que tendo o Impugnante regularizado:

- em Novembro de 2011 - cfr. ponto l A) do probatório - a correcção da dedução quanto as despesas realizadas em 2007 (prazo de 4 anos), estava em tempo para proceder a tal regularização apenas quanto às despesas efectuadas nos meses de Novembro e Dezembro de 2007, atento o disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA ex vi dos artigos 22.º e 98.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal;

- em Janeiro de 2012 - cfr. ponto l B) do probatório - a correcção da dedução quanto as despesas realizadas em 2008 (prazo de 2 anos), já havia caducado o seu direito à regularização, atento o disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA ex vi dos artigos 22.º e 98.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal;

- em Novembro de 2011 - cfr. ponto l C) do probatório - a correcção da dedução quanto as despesas realizadas em 2009 (prazo de 2 anos), estava em tempo para proceder a tal regularização apenas quanto às despesas efectuadas nos meses de Novembro e Dezembro de 2009, atento o disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA ex vi dos artigos 22.º e 78.º, n.º 6, do mesmo compêndio legal; e

- em Janeiro de 2012 - cfr. ponto l D) do probatório - a correcção da dedução quanto as despesas realizadas em 2010 (prazo de 2 anos), estava em tempo para proceder a todas as regularizações, atento o disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA ex vi dos artigos 22.º e 98.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal».

2.2.2. Para julgar parcialmente procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a fundamentação seguinte:

«(…) Ora, como se disse, o Impugnante pretende regularizar o método de dedução do IVA por ter errado no regime jurídico que lhe é aplicável, dado ter seguido a doutrina emanada pela Administração.

Refere-se, no ponto, ao Ofício-Circulado n.º 61.137, de 9 de Julho de 1987, da autoria do Director de Serviços do IVA e dirigido aos Directores Distritais de Finanças e aos Chefes das Repartições de Finanças, sendo relativo à uniformização de procedimentos sobre a aplicação do método pro rata pelas autarquias locais.

Aí "vem divulgado o entendimento de que, para efeitos do cálculo do pro rata a aplicar pelas autarquias locais que não utilizem o método da afectação real, o denominador da fracção deverá conter todas as receitas dessas entidades, com excepção apenas das resultantes das operações que se encontrem expressamente excluídas pelo n.º 5 do artigo 23.º do CIVA. Deste modo, na óptica da Administração Fiscal, uma não adesão pelas autarquias locais ao método da afectação real de todos os bens ou serviços utilizados nas suas actividades, redundaria na aplicação de um pro rata relativo ao volume de negócios, que incluiria, no denominador, entre outras parcelas, as receitas fiscais obtidas e as transferências de fundos de carácter orçamental" // (…) // Consequentemente, o Orçamento do Estado para 2008 veio alterar, no ponto, a redacção do artigo 23.º do Código do IVA, de modo a ser inequívoca a possibilidade de os sujeitos passivos mistos de IVA poderem utilizar, cumulativamente, o método pro rata e o método da afectação real. E através do Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de Abril de 2008, o Director Geral dos Impostos comunicou a todos os seus inferiores hierárquicos a nova interpretação conforme ao texto da Directiva IVA. // (…) //

Em causa está a regularização das deduções de IVA efectuadas exclusivamente pelo método pro rata nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 (referentes ao abastecimento de água aos munícipes) através da correcção do IVA dedutível (pretendendo-se agora deduzir IVA também pelo método da afectação real), por se ter errado no regime jurídico que era aplicável à dedução, dado ter sido seguida a doutrina emanada pela Administração que não admitia a utilização simultânea do método pro rata com o da afectação real. // Temos, pois, regularizações relativas a dois períodos: antes e depois de 2008, ou seja, na vigência de duas redacções diferentes do artigo 23.º do CIVA.

Vejamos, então:

Antes de 2008, na esteira das orientações da Administração Tributária portuguesa, o Impugnante incluiu no cálculo do pro rata apenas o IVA referente ao abastecimento de água, nada fazendo quanto ao IVA que poderia ser deduzido através do método da afectação real.

Não se está, aqui, perante um erro de cálculo, por ter sido feito erradamente um cálculo aritmético, nem perante um erro material, no sentido de, por mero lapso, ter sido considerado um valor incorrecto, mas, antes, perante um erro no regime jurídico da dedução do IVA, por ter sido seguida a interpretação da Administração, posteriormente reconhecida por errada pelo Grupo de Trabalho, no sentido de não ser possível a cumulação de métodos de dedução.

Trata-se, então, de um erro de direito, que não preenche a previsão da norma constante do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, sendo, pois, aplicável a regra geral do artigo 98.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal: "Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente".

Pelo que o prazo aplicável às regularizações relativas a períodos anteriores a 2008 é de quatro anos. //

Já quanto ao ano de 2008 e seguintes, anos em que a redacção em vigor do artigo 23.º do CIVA permitia uma interpretação literal mais conforme à Directiva IVA e à jurisprudência comunitária e afastara os pressupostos de direito em que laborava o Ofício-Circulado n.º 61.137, de 9 de Julho de 1987, que então já não tinha aplicação, há que concluir que a escolha do método de dedução do IVA foi efectuada livre e licitamente pelo Impugnante, pois que "a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento" - artigo 6.º do Código Civil.

Está-se, então, perante um erro material (um lapso), que não de direito (a letra da lei nacional era já esclarecedora), impondo-se verificar se é, ou não, admissível a correcção dos erros existentes. Ora, não se vislumbra, quanto à regularização da dedução de IVA que não havia sido anteriormente deduzido, qualquer objecção à correcção, nos termos legais, isto é, antes de caducado o respectivo direito - o que só ocorre após dois anos, por haver erro material (estando plenamente em vigor a nova redacção do artigo 23.º, conforme ao direito comunitário, não se pode falar em erro na determinação do regime jurídico aplicável) e desde que, naturalmente, exista o direito à dedução».

2.2.3. O recorrente coloca sob censura o segmento decisório que manteve na ordem jurídica parte dos actos tributários impugnados (alínea c) do dispositivo). Afirma, em síntese, que o erro que esteve na base da regularizações do IVA deduzido, cuja não aceitação determinou as liquidações adicionais em causa nos autos (despesas efectuadas depois de 2008, inclusive), é também um erro de direito, pelo que, como tal, o prazo de caducidade do direito do contribuinte à rectificação do erro incorrido aquando da autoliquidação é o prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º/2, do CIVA.

Na tese do recorrente, o IVA deduzido pela aplicação das percentagens do pro rata ao IVA suportado na aquisição de recursos de utilização mista nos exercícios em causa não caducou, apesar de ter sido ultrapassado o prazo de dois anos, contados nos termos do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, por ter resultado de regularizações das deduções por erro de direito e não por erro material ou de cálculo, pelo que a dedução do IVA pode ser efectuada dentro do prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.

Por seu turno, a AT defende que, independentemente de o impugnante ter incorrido (ou não) em erro de direito, o que é facto é que resulta claro que praticou um erro material ao não ter deduzido nos prazos legais o IVA resultante do pro rata respeitante ao IVA suportado com os recursos adquiridos de utilização mista, os quais constavam e constam das facturas registadas na contabilidade ao tempo dos factos.

Vejamos.

Está em causa o modo de exercício do direito à dedução do IVA suportado por parte de uma autarquia local, a qual constitui um sujeito passivo misto, na parte relativa à correcção da declaração de autoliquidação, oportunamente apresentada pelo contribuinte, no que respeita ao IVA suportado na aquisição de recursos de utilização mista, por referência aos exercícios de 2008 e 2009.

A questão solvenda nos presentes autos consiste em saber se o pedido de revisão da autoliquidação do IVA em causa segue o regime do preceito do artigo 78.º/6, do CIVA (prazo de dois anos a contar do nascimento do direito à dedução), na medida em que na sua base está um erro material ou de cálculo ou se o pedido de revisão, em causa, consubstancia um erro de direito, o qual constitui fundamento para o pedido de revisão, no prazo de quatro anos, após o nascimento do direito à dedução (artigo 98.º/1, do CIVA).

A questão da correcta qualificação do erro em que incorreu o contribuinte não é despicienda para a aferição do prazo legal de exercício do direito à rectificação da autoliquidação. Numa situação semelhante às dos presentes autos, o Acórdão do STA, de 28.06.2017, P. 01427/17, teve ocasião de sublinhar o seguinte:

«Estabelece o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT que se consideram erros materiais ou manifestos os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistema informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso. Incluem-se neste conceito (cf. Jorge Lopes de Sousa in cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª ed. 2011) “todo o tipo de lapsos materiais, que são situações em que o autor do acto deixou nele escrito algo que não correspondia à sua vontade, como por exemplo, errada indicação do nome do contribuinte ou do tributo em causa ou erro aritmético no cálculo do tributo. Neste conceito de lapsos materiais incluem-se ainda os derivados do deficiente funcionamento do sistema informático da administração tributária.”. Sobre esta temática a Autoridade Tributária já se pronunciou, através do seu “Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 Novembro – DSIVA”, no ponto 9.3 sustentando que «consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição de facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente ofício-circulado. / (…).» E, no ponto 8 do mesmo Ofício-Circulado, entendeu que «as regularizações previstas no artº 71º do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de tempo de imposto, por diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artº 71º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:
- alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;
- apuramento de pro rata; - regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens de activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. / (…).» (Note-se que a redação do artigo 71.º a que se reporta este Ofício-Circulado, emitido em 2005, cuja redação corresponde, atualmente, à vertida no artigo 78.º). É de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira, através da Direção de Serviços do Imposto sobre o valor Acrescentado, separou, nitidamente, o que considerou serem erros materiais ou de cálculo circunscrevendo-os, basicamente, a operações mecânicas (erros de transcrição ou de registo na declaração periódica) das não mecânicas, ou seja, das que implicam interpretação da lei para a utilização dos métodos de dedução do IVA (designadamente alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos, ou apuramento pro rata). Parece podermos concluir que a situação em apreciação não se enquadra no conceito de erro material ou de cálculo mas diversamente no conceito de erro de direito como sustenta o impugnante».

Vejamos.

2.2.4. No que respeita ao regime aplicável aos pedidos de revisão das autoliquidações em causa nos autos, os mesmos têm com fundamento o erro na aplicação do método de dedução do imposto. O dissídio entre as partes reside na questão de saber qual o limite temporal preclusivo para a apresentação do pedido de revisão do acto tributário em causa, a saber: se os dois anos a contar da data constituição do direito à dedução, nos termos do artigo 78.º/6, do CIVA ou se os quatro anos a contar da data da constituição do direito à dedução (artigo 98.º/2, do CIVA).

As pretensões em liça foram exercidas através das declarações de substituição das declarações originárias de autoliquidação do IVA. As mesmas foram rejeitadas pela AT, por se entender que ocorreu a preclusão ou a caducidade do direito à regularização do imposto, o que determinou a emissão das liquidações adicionais de IVA, impugnadas nos autos[1].

As correcções em causa correspondem a rectificações do método de cálculo do pro rata e alterações na aplicação concomitante do pro rata com o método de afectação real. Por isso, as mesmas têm subjacentes erros de direito e não meros erros materiais. Ou seja, estão em causa erros no cômputo do método da percentagem aplicada pelo contribuinte na aferição do imposto dedutível, erros que se prendem com a discriminação de actividades, com a classificação das mesmas e a identificação da percentagem de dedução aplicável. Tais erros são invocados pelo contribuinte como fundamento do pedido de revisão do acto tributário[2].

Não sofre dúvida que vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos[3]. É que, ao contrário do acto jurisdicional, o acto tributário, uma vez praticado, não implica o esgotamento do poder que lhe deu causa; seja o seu autor, seja o superior hierárquico deste, podem sempre refazer ou desfazer a decisão tomada.

O procedimento de revisão do acto tributário pode constituir «meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos ou contenciosos (quando for usada em momento em que aqueles podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)» [4].

Seja como meio alternativo, seja como meio complementar, o procedimento de revisão do acto tributário não pode deixar de ser visto como forma de correcção da tributação ilegal e injusta, actuando um dever de garantia da legalidade e da justiça, que recai sobre a Administração Fiscal. Mais se refere que «[o] “erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à administração, com a ressalva da situação de erro na autoliquidação que, para o efeito de acesso a este meio de defesa, é equiparado ao daquela primeira espécie»[5].

Donde se impõe reiterar a doutrina fixada no Acórdão do STA, de 28.06.2017, P. 01427/17, segundo a qual, «[o] prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA».

Pelo que o regime de preclusão aplicável ao caso corresponde ao prazo de quatro anos, previsto no preceito do artigo 98.º/2, do CIVA (prazo de revisão da autoliquidação). Com base no regime em apreço e sendo pacífico entre as partes que o único impedimento à restituição do imposto liquidado em excesso assentava no entendimento da AT de que o prazo previsto no artigo 98.º/2, do CIVA, não era de aplicar à situação em exame, impõe-se determinar a anulação das liquidações adicionais impugnadas, na parte em que assentam em tal fundamento.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.

Custas pelo recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)



[1]       N.sº 1 a 4 do probatório.
[2]       N.sº 9, 11 e  13 do probatório.
[3]       Neste sentido, V. Acórdão do STA, de 06.10.2005, P. 0653/05
[4]       Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada, Encontro da Escrita, 2012, p. 705.
[5]       Paulo Marques, A revisão do acto tributário, Cadernos IDEFF, n.º 19, Almedina, 2012, pp. 234/235.