Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2160/15.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I. A prescrição do procedimento contraordenacional é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

C. N. S., Lda (doravante Recorrente) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 22.07.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, no qual foi julgado improcedente o recurso por si apresentado, da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Almada 2, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 3212201406000000004504.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Em 11 de abril de 2008, a Recorrente adquiriu diversos lotes de terreno para construção, correspondentes artigos matriciais 8.., 8.., 8.. e 8.., todos pertencentes à extinta freguesia de S. L. (151..), atualmente extinta, tendo dado lugar à União de Freguesias de A. (S. L. e S. S.).

b) As aquisições foram isentas de IMT por respeitarem a prédios para revenda. Pelo que, a Recorrente ficou isenta da liquidação do imposto de IMT, por beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões.

c) Sucede que, à data da ação inspetiva, os artigos supra identificados ainda se encontravam na posse da Recorrente.

d) Donde, não tendo revendido no prazo de três anos, cabia à Recorrente a obrigação se solicitar a liquidação do respetivo IMT, o que não foi feito.

e) Porém, assim que foi notificada, nos termos do artigo 36.º, n.º 6 do CMIT, para proceder ao pagamento do imposto devido (IMT), e respetivos juros compensatórios, relativos à aquisição dos mencionados lotes de terreno, por não os ter revendido, veio a Recorrente, por requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de Almada 2 em 20 de maio de 2014, solicitar o pagamento das quantias em divida em prestações nos termos do disposto no artigo 196.º do CPPT, porquanto a mesma, apesar de possuir património, não dispunha de liquidez que lhe permitisse solver o pagamento da quantia em dívida.

f) O pedido em apreço foi deferido e integralmente cumprido.

g) Porém, a Autoridade Tributária instaurou processo de contraordenação para pagamento das respetivas coimas.

h) Todavia, aquando da aplicação da coima, o Serviço de Finanças deveria ter em consideração a aferição objetiva da gravidade da infração e as circunstâncias em que a mesma se verificou. O que não aconteceu in casu.

i) Veio a Recorrente, em sede de recurso de contraordenação, interposto ao abrigo do RGIT, requerer a dispensa da coima, em harmonia com o disposto no artigo 32.º daquele diploma legal.

j) Para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o artigo 32.º do RGIT impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária: que esteia regularizada a falta cometida; que a falta revele um diminuto grau de culpa.

k) O imposto foi integralmente regularizado, acrescido de juros.

l) Relativamente aos pressupostos "estar regularizada a falta cometida" e "a falta revelar um diminuto grau de culpa", o Tribunal a quo limita-se a dizer que, para os mesmos, "deve atender-se ao momento da infração, sendo esse o momento que se tem de referir o prejuízo, sendo que a regularização posterior já não releva para esta condição".

m) Salvo o devido respeito, não se entende o escopo desta conclusão tão vaga e inconsistente.

n) Todavia, no que concerne ao pressuposto "A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária", veio o Tribunal a quo, após citar um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, concluir que existiu um "prejuízo efetivo à receita tributária, porquanto a Administração fiscal esteve privada do seu crédito até à data da regularização da situação", nada mais dizendo...

o) Ora, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, que decidiu com base num conceito vago e genérico, dos autos, não resultada provado um prejuízo para a Autoridade Tributária.

p) O prejuízo preconizado pelo Tribunal a quo deriva de um conceito vago, e é puramente teórico face ao real prejuízo que o pagamento da coima em apreço terá para a Recorrente.

q) In casu, encontram-se reunidos todos os requisitos para a dispensa da coima. Termos em que deverá sempre decidir-se no sentido da revogação das coimas aplicadas, pela verificação do pressuposto essencial de inexistência de prejuízo para a receita tributária, assim se atribuindo à Recorrente o benefício da sua dispensa, previsto no artigo 32.º/1 do RGIT.

r) Caso assim não se entenda, e em virtude da reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, ao invés da aplicação das coimas, devera o Tribunal proferir uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT

s) Caso assim não se entenda, deverá a coima em apreço ser substancialmente reduzida no seu montante total, em virtude da desproporcionalidade entre o seu valor e o prejuízo causado.

DECIDINDO V. EXAS. PELA REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA PROFERIDA PELO MERETÍSSIMO JUIZ A QUO, CONFORME SE CONCLUI, E CONFERINDO TOTAL PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE

FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Fazenda Pública (FP) e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), nenhum apresentou resposta.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito pelas partes.

Na sequência de despacho de 15.10.2021, foram notificadas a Recorrente, a FP e o IMMP para se pronunciarem sobre a eventual prescrição do procedimento contraordenacional.

A Recorrente pronunciou-se, pugnando pela verificação da referida prescrição.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão suscitada oficiosamente:

a) O procedimento contraordenacional está prescrito?

Questão suscitada pela Recorrente:

b) Verifica-se erro de julgamento, dado reunirem-se os pressupostos inerentes à dispensa da coima ou, pelo menos, à aplicação de admoestação ou, pelo menos, à redução do valor da coima?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“ 1.

Em 29 de Janeiro de 2014, no Serviço de Finanças de Almada 2, foi autuado contra a Arguida C. N. S., Lda., o processo de contra-ordenação n.º 3212-2014/06004504, por infracção ao artigo 38.º, n.º 1, do Código do IMT, punida nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea b), e 26.º, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. fls. 4 dos autos.


2.

O processo de contra-ordenação referido no ponto anterior teve por base o Auto de Notícia emitido no âmbito da ordem de serviço n.º OI20130080115, no qual consta, designadamente, o seguinte:

Imagens :originais nos autos

- cfr. fls. 5 dos autos;


3.

Com data de 21 de Maio de 2015 consta elaborada informação nos termos do artigo 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a qual apresenta o seguinte teor:

- cfr. fls. 70 e 71 dos autos;


4.

No dia 23 de Junho de 2015, a Chefe do Serviço de Finanças de Almada 2 proferiu decisão de aplicação de coima à Arguida, – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida -, e na qual consta, designadamente, o seguinte:

Imagem : Original nos autos

Imagem : Original nos autos

- cfr. fls. 72 a 74 dos autos;


5.

Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3212-2014/01064703 para cobrança do imposto em causa nos autos em prestações iniciadas em 20 de Maio de 2014 – cfr. fls. 144 e 145 dos autos.

6.

O processo de execução fiscal n.º 3212-2014/01064703 e o imposto em causa nos autos mostra-se regularizado – cfr. fls. 144 e 145 dos autos.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se no despacho decisório recorrido:

“Inexistem quaisquer factos, com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal considera provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade”.

II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é aditada a seguinte matéria de facto provada:

7. No âmbito do PCO referido em 1., foi proferido, a 07.02.2014, despacho de suspensão do mesmo, ao abrigo do art.º 55.º do RGIT (cfr. fls. 8 dos autos em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

8. Na sequência do referido em 7., foi remetido, a 10.02.2014, via correio postal registado, ofício, datado de 07.02.2014, dirigido à Recorrente, do qual consta designadamente o seguinte:

“…

…” (cfr. fls. 9 e 10).

9. No âmbito do PCO mencionado em 1., foi remetido, a 10.04.2015, ofício, datado de 08.04.2015, dirigido à Recorrente, para efeitos, designadamente, do disposto no art.º 70.º do RGIT, ofício esse onde se identificava como PCO o n.º 32122014060000004490 (cfr. fls. 15 a 18).

10. No âmbito do PCO referido em 1., foi elaborada cota, a 04.05.2015, dando conta do lapso referido em 9. (cfr. fls. 42 verso).

11. Na sequência do referido em 10., foi remetido, a 06.05.2015, novo ofício à Recorrente, datado de 04.05.2015, via correio postal registado, para efeitos de exercício do direito de defesa (cfr. fls. 43 a 46).

12. Foi remetido à Recorrente, a 25.06.2015, via correio postal registado, ofício, dando conta da decisão referida em 4. (cfr. fls. 75 a 77)

13. Foi apresentado pela Recorrente, junto do SF de Almada 2, recurso da decisão referida em 4., que ali deu entrada a 20.07.2015 (cfr. fls. 110 a 120).

14. Na sequência da remessa do recurso referido em 13. ao TAF de Almada, foram autuados os presentes autos (cfr. plataforma SITAF).

15. Foi proferido, a 24.05.2016, despacho, nos presentes autos, com o seguinte teor:

“Compulsados os presentes autos, torna-se desnecessária a realização de audiência de julgamento, pelo que a decisão será proferida por despacho nos termos do nº 1 do art. 64º do Regime Geral das Contra-Ordenações aplicável por remissão da alínea b) do art. 3º do Regime Geral das Infracções Tributárias.


* *

Notifique o presente despacho ao Ministério Público e à arguida para os efeitos do nº 2 do art. 64º do Regime Geral das Contra-Ordenações” (cfr. fls. 129).

16. Através de ofício dirigido à Recorrente, datado de 03.06.2016, foi remetido, via correio postal registado, o despacho mencionado em 15. (cfr. fls. 130).

17. Foi dado conhecimento presencialmente, ao IMMP junto do TAF de Almada, a 06.06.2016, do despacho referido em 15. (cfr. fls. 132).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da prescrição do procedimento contraordenacional

Cumpre, antes de mais, aferir da prescrição do procedimento contraordenacional.
A prescrição do procedimento contraordenacional é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo, sendo que, “em sede de recurso jurisdicional da decisão proferida em processo de contra-ordenação o tribunal de recurso não fica limitado pela alegação do recorrente, antes tendo amplos poderes de cognição”(1)

À data dos factos, estava plenamente em vigor o RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

De acordo com o art.º 33.º deste diploma:

“1. O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.

2. O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

3. O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso do pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.

Está, pois, previsto, como regra, o prazo de cinco anos de prescrição, sendo possível que o mesmo seja mais reduzido, quando o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária seja inferior e quando a infração depender daquela liquidação.
Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos ,(2)“[a] infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência de contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s (…) 114.º (…), do RGIT” (sublinhado nosso).
In casu, a determinação da sanção aplicável dependeu, efetivamente, do valor da liquidação, dado que o valor da alegada prestação em falta é referência necessária à fixação da moldura contraordenacional (cfr. art.º 114.º, n.º 2, do RGIT, na redação à época em vigor).(3)

Aliás, sublinhe-se que o PCO foi inclusivamente suspenso, ao abrigo do art.º 55.º do RGIT, justamente pela necessidade da liquidação de imposto (cfr. facto 7.).

No entanto, como estamos perante Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), há que considerar o seu regime específico, em termos de caducidade do direito à liquidação, previsto no art.º 35.º, n.º 1, do CIMT (afastando-se, pois, a aplicação do disposto no art.º 45.º da LGT). Uma vez que aqui se prevê um prazo de 8 anos de caducidade do direito à liquidação, prazo esse superior ao previsto no art.º 33.º, n.º 1, do RGIT, é, in casu, aplicável o prazo geral de cinco anos de prescrição do procedimento contraordenacional.

Quanto ao dies a quo, atento o disposto no art.º 119.º do Código Penal, aplicável ex vi art.º 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

In casu, estamos perante infrações omissivas, pelo que o dies a quo é determinado atendendo à data em que o facto devesse ter sido praticado – ou seja, 11.05.2011 (cfr. facto 4.).

Logo, na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo de prescrição ter-se-ia completado 5 anos depois.

Cumpre, pois, aferir se ocorreram causas de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

São causas de interrupção da prescrição, nos termos n.º 3 do art.º 33.º do RGIT, as previstas na lei geral, ou seja, no art.º 28.º do RGCO, nos termos do qual:

“A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.

Assim, face à factualidade assente, resulta que, antes de decorridos os cinco anos do prazo de prescrição, ocorreram diversas causas de interrupção, a saber:

a) A notificação do despacho de suspensão e a notificação da decisão [al. a) do art.º 28.º do RGCO];

b) A notificação da ora recorrida para o exercício do direito de defesa [al. c) da mesma disposição legal]; e

c) A prolação da decisão da autoridade administrativa [al. d) do art.º 28.º do RGCO].

Havendo várias causas de interrupção, há que atender à última ocorrida, que tem como efeito a desconsideração do período de tempo já decorrido (art.º 121.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCO).

A 23.06.2015 foi proferida a referida decisão de aplicação de coima (cfr. facto 4.), notificada através de ofício remetido a 25.06.2015 (cfr. facto 12), que se presume recebido a 29.06.2015 (primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia a contar do envio), sendo este o facto interruptivo mais recente. Assim, nessa data reinicia-se o decurso do prazo de 5 anos referido supra.

Logo, a não ocorrer qualquer causa de suspensão, tal prazo terminaria a 29.06.2020.

Quanto às causas de suspensão, atendendo ao já mencionado n.º 3 do art.º 33.º, do RGIT, as mesmas consubstanciam-se em:

¾ As previstas no regime geral – art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, ou seja:

ñ “a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

ñ b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.°;

ñ c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”.

¾ As previstas no n.º 2 do art.º 42.º, no art.º 47.º e no art.º 74.º, todos do RGIT, e o caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação.

Ora, os autos evidenciam apenas uma causa de suspensão do procedimento contraordenacional ulterior à interrupção da prescrição adveniente da notificação da decisão de aplicação de coima: a resultante do disposto na al. c) do art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, relativa aos presentes autos, que tem como limite máximo 6 meses (art.º 27.º-A, n.º 2, do RGCO), que decorreram, dada a data da notificação referida em 16. do probatório (06.06.2016, ou seja, primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia a contar do envio) e a presente data.

Havendo uma causa de suspensão ulterior à última das interrupções, com a duração de seis meses, o procedimento contraordenacional, sob esta perspetiva, já estaria prescrito.

Com efeito, atendendo aos já mencionados seis meses de suspensão, o referido prazo de prescrição terminaria a 29.12.2020.

No entanto, é ainda de atender ao disposto no art.º 28.º, n.º 3, do RGCO.

Com efeito, independentemente da ocorrência de eventuais causas de interrupção da prescrição, nos termos do art.º 28.º, n.º 3, do RGCO (em termos similares, veja-se o 121.º, n.º 3, do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCO):

“A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” (sublinhado nosso).

Cumpre, assim, aferir se, por esta via, a prescrição do procedimento ocorreu e em que data.

No caso dos autos, não considerando qualquer causa de suspensão, os cinco anos acrescidos de metade ocorreriam a 11.11.2018, dado que, como referido, o dies a quo foi 11.05.2011.

Há, pois, que atentar nas causas de suspensão do procedimento contraordenacional, a que já nos referimos supra, sendo que, in casu, uma vez que há que considerar todo o procedimento em conjunto, cumpre ter em conta o despacho mencionado em 7. do probatório.

Com efeito, nos termos do art.º 55.º do RGIT:

“1 - Sempre que uma contraordenação tributária implique a existência de facto pelo qual seja devido tributo ainda não liquidado, o processo de contraordenação será suspenso depois de instaurado ou finda a instrução, quando necessária, e até que ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a) Ser o tributo pago no prazo previsto na lei ou no prazo fixado administrativamente;

b) Haver decorrido o referido prazo sem que o tributo tenha sido pago nem reclamada ou impugnada a liquidação;

c) Verificar-se o trânsito em julgado da decisão proferida em processo de impugnação ou o fim do processo de reclamação”.

Assim, face ao constante em 7. dos factos provados, e interpretando este art.º 55.º do RGIT em consonância com o art.º 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO, o prazo de prescrição suspendeu­-se a 07.02.2014, tendo tal suspensão sido mantida até, o mais tardar, 08.04.2015, data do ofício remetido à Recorrente, pela primeira vez, para o exercício do direito de defesa (cfr. facto 9.).

Logo, os autos evidenciam, neste contexto, duas causas de suspensão:

a) Uma, de 1 ano, 2 meses e 1 dia [art.º 55.º, n.º 1, do RGIT, lido em consonância com art.º 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO];

b) Outra, já mencionada anteriormente, de seis meses [art.º 27.º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2, do RGCO].

Acrescendo este tempo de suspensão ao prazo, que, relembramos, terminaria a 11.11.2018, desconsiderando causas de interrupção, nesta perspetiva o prazo de prescrição ocorreria um ano, oito meses e um dia mais tarde, ou seja, a 12.07.2020.

Sendo esta data anterior à calculada exclusivamente atendendo ao disposto no art.º 33.º do RGIT, deve ser esta a considerada para efeitos de prescrição do procedimento contraordenacional.

Como tal, verifica-se a prescrição do procedimento contraordenacional, que implica a sua extinção e subsequente arquivamento (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do RGIT).

Resulta, por esta via, prejudicada a apreciação do erro de julgamento suscitado pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar extinto o processo de contraordenação n.º 3212201406000000004504, por prescrição, e, em consequência, determinar o oportuno arquivamento dos autos;

b) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela Recorrente;

c) Sem custas;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de dezembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)




















1) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.12.2016 (Processo: 01270/15)..
2) Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 323.
3) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2019 (Processo: 0679/11.8BEALM 01186/17) e de 12.12.2018 (Processo: 0367/14.3BELRA 0291/18).