Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1930/20.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DECISÕES QUE PERFILHEM SOLUÇÃO OPOSTA
IDENTIDADE DO FUNDAMENTO DE DIREITO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário:I. Não tendo a causa valor superior ao da alçada dos tribunais tributários de primeira instância e abrangendo o recurso, em torno do valor da causa, o entendimento de que tal valor deveria ser inferior ao fixado, tal recurso não cabe na exceção prevista no art.º 629.º, n.º 2, al. b), do CPC.

II. A admissibilidade do recurso previsto no n.º 3 do art.º 280.º do CPPT exige que se preencha, entre outros requisitos, o da identidade da questão fundamental de direito, tendo, para o efeito, de haver pronúncia expressa sobre a questão em causa.

III. Não tendo a sentença recorrida apreciado a inutilidade superveniente da lide e sustentando-se as sentenças indicadas como fundamento exclusivamente na inutilidade superveniente da lide, o requisito referido em II. não se encontra preenchido.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 20.07.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por P. M. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre veículos (ISV), resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo na Alfândega de Peniche, a que veio a ser atribuído o n.º 2020/01843710, datada de 09.09.2020, no valor de 2.629,50 Eur.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I - A tributação em ISV (Imposto Sobre Veículos) ocorreu em observação do princípio da legalidade, máxime em consonância com o que estabelecia a previsão do art.º 11.º desse código, conforme a redação aplicável à data dos factos que, não contemplava na sua previsão anterior à atual, qualquer desconto na componente ambiental relativamente aos anos de uso.

II - Não obstante, foram entretanto acolhidas pela AT novas orientações administrativas, as Instruções de Serviço n.º 35.158, Série II de 2021/10/14 e n.º 35.159, Série II de 2021/11/08, sobre a questão controvertida relativa “à aplicação da desvalorização da componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português e, adquiridos noutro Estado-Membro”, tendo em vista o cumprimento das últimas decisões do TJUE sobre a matéria, emanadas na sequência do Acórdão de 2-09-2021, proferido no processo C-169/20, do TJUE.

III - Nesse sentido, por despacho datado de 07-12-2021, exarado pelo Diretor da Alfândega de Peniche, em informação que o fundamenta e que, foi junta aos autos através de requerimento remetido ao Tribunal, foi determinada a revogação do acto impugnado, tal como consta a fls. 146 dos autos, no documento n.º SITAF n.º 007283867, aí junto nos termos do disposto no art.º 112.º n.º 4 do CPPT e demais disposições aplicáveis, tendo em conta o pedido do impugnante e, os anos de uso da viatura.

IV - Sentido em que assim foi dado cumprimento/execução ao Acórdão do TJUE e, à demais jurisprudência consolidada, tendo a Alfândega de Peniche procedido à correção da liquidação impugnada, com a subsequente emissão de liquidação de substituição que comporta já a aplicação da desvalorização comercial do veículo relativa à componente ambiental do ISV, com o posterior processamento do devido reembolso dos montantes pagos em excesso, a título de imposto, conforme apurado na liquidação de substituição efetuada pela Alfândega.

V - O que no seguimento da decisão recorrida inclui o pagamento dos juros indemnizatórios devidos conforme solicitado pelo impugnante, restituição a ser efetuada pela DSR (Direcção de Serviços de Reembolsos).

VI – Assim e em conformidade, entende a Fazenda Pública que a questão controvertida se encontra dirimida pelo que, observando os fundamentos supra, se considera que a lide perdeu a sua ulterior utilidade.

VII - Não obstante e no que respeita ao pedido, o Impugnante aduz diversos pedidos em simultâneo quanto ao valor da ação, aflorando no artigo 100.º da sua petição que:

“o Impugnante procedeu ao pagamento em ISV, na parte correspondente à componente ambiental, do montante de 2 629,50, pelo que, aplicando-se a mesma proporção de redução de percentagem (10%) em função do tempo de uso, constante do art.º 11.º n.º 1 do CISV, deve a liquidação ser reduzida em 262,95 e ser fixada em 2 366,55 €.”

Tal foi efetivamente equacionado pela AT.

VIII – Se bem que o impugnante ao pedir a declaração de ilegalidade da liquidação, refira, nomeadamente no seu articulado 91.º, o seguinte entendimento que passamos a transcrever:

“É um facto que os serviços da AT se limitaram a aplicar a lei vigente, porém, a anulação parcial do ISV com o fundamento na violação do direito comunitário, designadamente do art.º 110,º do TJUE em resultado da não consideração da desvalorização do valor real do veículo por desconsideração da redução da componente ambiental, releva na ordem jurídica ….” (negrito nosso)

IX - De igual modo e, pelo exposto, considera a Fazenda Pública que a presente ação que se fundamenta no que concerne ao valor de imposto pago em excesso, no valor pago a mais que corresponde à percentagem relativa aos anos de uso incidente sobre a liquidação que, inicialmente, não contemplou o valor da desvalorização devida pelos anos de uso, relativamente à componente ambiental. Contudo, datando a 1.ª matrícula da viatura de 2019, nunca poderá ser considerada a totalidade da desvalorização ou seja 100% desse valor, mas apenas 10% relativo ao valor residual da viatura, no que respeita ao desconto a aplicar sobre a componente ambiental.

O que se encontra em consonância com a jurisprudência comunitária que de modo idêntico arreda a totalidade desse valor em detrimento da percentagem relativa aos anos de uso da viatura e, à sua correspondente depreciação, tal como supra melhor exposto em sede de alegações.

X - E, sendo precisamente o valor da redução contemplada na liquidação que corresponde ao montante do reembolso já concretizado – 265,95 €, tal valor porque anulado no montante devido, é o que deve relevar para efeitos de utilidade económica.

Tal asserção é a que resulta, como indubitável, da aplicação do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 2021/09/02, Processo C-169/20 que fundamenta de direito a anulação do imposto.

XI - Nesse sentido, importa sublinhar que não cabe anular a totalidade do valor relativo à componente ambiental, mas apenas a percentagem relativa à aplicação dos anos de uso do veículo, o que vai de encontro ao seu valor residual.

XII - Ora tendo a FP anulado já a parte calculada em excesso na liquidação em apreço através de revisão oficiosa, não pode o valor da causa fixar-se afinal no valor total da liquidação respeitante à componente ambiental, mas apenas no da importância cuja anulação se pretende, em conformidade também com o que prevê no art.º 97-A do CPPT.

XIII - E, no que a esta questão da componente ambiental se refere, saliente-se que o imposto sobre essa componente é, de acordo com várias decisões dos Tribunais Portugueses devido apenas numa percentagem relativa aos anos de uso e não a totalidade do valor da componente ambiental (tal como previa o art.º 11.º do ISV). Em suma, no seguimento do que foi entendido pelo TJUE no acórdão citado, bem como, pela restante jurisprudência comunitária.

Por isso, a decisão recorrida encontra oposição com decisões nacionais já transitadas em julgado que têm um mesmo fundamento de direito, nomeadamente: “779/20.3BELRA – A. P. (certidão de registo no TAF de Leiria em 15-02-2022); 159/21.3BELRS – C., LDA (certidão de registo no Tribunal Tributário de Lisboa em 01-07-2022; 885/21.9BELRA – O. M.” (certidão de registo no TAF de Leiria em 07-01-2022), 884/21.9BELRA – C. O., LDA (certidão de registo no TAF de Leiria em 20-05-2022).”.

Não podendo a ora Recorrente manifestar concordância com o vertido na decisão recorrida, entende que a questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o douto Tribunal recorrido incorreu em incorreta interpretação e aplicação das regras, ao mandar anular e restituir a totalidade do valor respeitante à componente ambiental (e não apenas a percentagem relativa aos anos de uso), em oposição à restante jurisprudência, apresentando assim solução oposta relativa ao mesmo fundamento de direito na ausência substancial de regulamentação jurídica, sendo a esse respeito conhecidas manifestamente mais de 3 sentenças, com sentido divergente que, aliás, seguem a jurisprudência comunitária.

XIV - Acresce que, no caso em apreço, na medida em que a AT procedeu à revogação e anulação do acto impugnado, parece-nos que a AT/Alfândega de Peniche tem ainda o benefício de isenção subjectiva prevista no art.º 4.º n.º 1 alínea b)b) do RCP – Dec. – Lei n.º 7/2021 de 26.02: o qual contempla os casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira revogue ou anule atos administrativos em matéria tributária, ou reveja os atos tributários, ou outros, que sejam objeto de processos tributários pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao abrigo do disposto no artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, normativo que prevê literalmente:

Os casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira revogue ou anule atos administrativos em matéria tributária ou reveja os atos tributários, ou outros, que sejam objeto de processos tributários pendentes nos tribunais administrativos e fiscais, ao abrigo do disposto no artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária.”

XV - Assim sendo, no caso e na circunstância de ser dado vencimento de causa à Fazenda Pública e, no que respeita à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a ocorrer nos termos do disposto no art. 277º al. e) CPC, aplicável ex vi art. 2º al. e) CPPT não haverá nada a pagar por parte da FP no que respeita a custas por isenção subjetiva, o que se evoca ainda em sede de recurso.

XVI – Termos em que se requer a Vossas Excelências a fixação de jurisprudência na medida em que se apreciam soluções de direito dadas a situações de facto idênticas, já que: a oposição de soluções jurídicas reporta-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e, de uma mesma identidade de situações de facto - a interpretação do art.º 11.º do ISV que levou inicialmente à não aplicação da percentagem relativa aos anos de uso dos veículos no cálculo da componente ambiental, com a subsequente prolação do acórdão do TJUE, em cumprimento do qual foram emanadas as instruções administrativas seguidas pela AT.

XVII – Sobre a existência de situações, como as referidas nos processos já mencionados em sede de alegações, em relação às quais o direito foi aplicado de forma diferente, melhor decidirá o Venerando STA.

Pelo que apreciando, V. Exas farão a costumada Justiça”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I - A Recorrida impugna a admissibilidade do recurso, seja o mesmo proposto por conta do n.º 2 do artigo 280.º, seja pelo n.º 3 do mesmo artigo, uma vez que a Recorrente, na pendência do processo e à revelia do Tribunal, restringiu voluntariamente o valor da causa para menos de metade da alçada do tribunal tributário de primeira instância.

II - A oposição de julgados não se verifica pela oposição entre uma resolução administrativa convertida em circular interna da Recorrente e sentenças, decisões arbitrais ou acórdãos judiciais.

III – O Tribunal de Justiça da União Europeia ao dizer que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no CISV, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE, reconheceu objetivamente a ilegalidade da legislação aplicada na tributação do veículo do ora Recorrido, por desconformidade com o direito comunitário.

IV - A sentença fez uma correta aplicação do direito, pelo que não merece qualquer censura, uma vez que. não é possível ao intérprete, no caso a Recorrente, recrear ou tentar fazer ressuscitar uma tabela de reduções da componente ambiental que nunca chegou a existir, sob pena de o poder executivo usurpar os poderes que a Constituição da República Portuguesa reserva para o Governo e para a Assembleia da República.

V.Ex.ª as apreciarão e farão a Costumada Justiça”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos quais, por decisão sumária de 16.02.2022, o mesmo se declarou incompetente em razão da hierarquia, ordenando a sua remessa a este TCAS.

Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Remete-se para os termos da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da admissibilidade do presente recurso

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade do presente recurso, posta, aliás, em causa pelo Recorrido.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 280.º do CPPT:

“1 - Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

2 - O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.

3 - Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário” (sublinhados nossos).

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscal (ETAF), no seu art.º 6.º, n.º 3, dispõe que “[a] alçada dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”.

Por seu turno, o art.º 105.º da Lei Geral Tributária (LGT), na redação vigente à data da propositura da presente impugnação:

“A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”.

Atento o disposto no art.º 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância está fixada nos 5.000,00 Eur.

Como tal, a alçada dos tribunais tributários situa-se nos 5.000,00 Eur.

É este o regime a considerar in casu, atenta a data da propositura da impugnação (15.12.2020).

Por outro lado, tendo em conta a remissão constante do art.º 281.º do CPPT para o regime previsto na lei processual civil, há que atentar no disposto no art.º 629.º do CPC, nos termos de cujos n.ºs 2 e 3:

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:

a) Nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar”.

Como resulta deste enquadramento legal, o legislador entendeu definir um limite, fundado no valor, para a admissibilidade de recurso.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, (1) “… com a regulação da recorribilidade em função do valor ou da sucumbência o legislador visou compatibilizar o interesse da segurança jurídica potenciado por múltiplos graus de jurisdição, com outros ligados à celeridade processual, à racionalização dos meios humanos e materiais ou à dignificação e valorização da intervenção dos Tribunais Superiores”.
As limitações, em termos de recurso, decorrentes do valor da causa “… derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”. (2)

O legislador, no entanto, previu exceções, admitindo a recorribilidade de determinadas decisões, independentemente do valor da causa, nas situações expressamente previstas na lei.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, cumpre desde logo sublinhar que o valor da causa se fixou nos 2.629,50 Eur., valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários.

A Recorrente invoca, de um lado, que o valor da causa não deveria ser o fixado, mas sim o da importância cuja anulação se pretende, e que, por outro, há várias decisões, quanto à componente ambiental, que estão em oposição com o decidido.

Vejamos então.

Quanto ao recurso em torno do valor da causa, o mesmo não entra na exceção mencionada supra, prevista no art.º 629.º, n.º 2, al. b), do CPC, porquanto o que a FP defende é que o valor deveria ser inferior ao fixado, e não superior ao da alçada do tribunal tributário.

Quanto ao mérito, a FP considera que a sentença proferida se encontra em oposição com as seguintes sentenças, já transitadas em julgado:

a) Sentença proferida a 15.02.2022, no processo 779/20.3BELRA;

b) Sentença proferida a 01.07.2022, no processo 159/21.3BELRS;

c) Sentença proferida a 07.01.2022, no processo 885/21.9BELRA; e

d) Sentença proferida a 20.05.2022, no processo 884/21.9BELRA.

Cumpre, então, aferir se se verifica, efetivamente, a alegada oposição.

Antes de mais, há que elencar os requisitos subjacentes à admissibilidade do recurso previsto no n.º 3 do art.º 280.º do CPPT, a saber:

a) Identidade da questão fundamental de direito;

b) A ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica;

c) Identidade das situações fáticas;

d) Antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário [v., a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.06.2021 (Processo: 0751/10.1BEALM)].

Na sentença recorrida, não obstante, em sede de relatório, ter sido elencada a alegação de que a FP pugnava pela inutilidade superveniente da lide, na mesma nada foi conhecido a esse respeito, sendo que nunca foi oportunamente alegada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Assim, o Tribunal a quo apreciou a conformidade do art.º 11.º do CISV com o direito da União Europeia e, bem assim, o direito do Impugnante a juros indemnizatórios. Concluiu pela procedência da pretensão do Impugnante, considerando ilegal a liquidação na parte atinente à componente ambiental, no valor de 2.629,50 Eur., condenando igualmente a FP no pagamento dos juros indemnizatórios.

Das sentenças elencadas como sentenças fundamento, resulta o seguinte:

a) Sentença proferida a 15.02.2022, no processo 779/20.3BELRA:

1. Na sequência da revogação da liquidação impugnada e emissão de nova liquidação corrigida e reembolso de parte do imposto, tudo em valores não identificados na sentença, declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;

b) Sentença proferida a 01.07.2022, no processo 159/21.3BELRS:

1. Considerou provado que a liquidação impugnada foi anulada e substituída em conformidade com a redução pretendida pela Impugnante e esta reembolsada dos valores de imposto pagos em excesso;

2. Declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;

c) Sentença proferida a 07.01.2022, no processo 885/21.9BELRA:

1. Na sequência da revogação da liquidação impugnada e emissão de nova liquidação corrigida e reembolso de parte do imposto, considerou que a liquidação impugnada foi revogada e restituído o montante liquidado em excesso;

2. Declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido anulatório;

3. Condenou a FP no pagamento de juros indemnizatórios;

d) Sentença proferida a 20.05.2022, no processo 884/21.9BELRA:

1. Foi impugnado o valor relativo à componente ambiental, de 4.353,36 Eur.;

2. A FP requereu a extinção da instância, em virtude de o ato impugnado ter sido revogado;

3. Considerou-se que “a liquidação objeto da presente impugnação foi revogada e substituída por outra, como pretendia o Impugnante”;

4. Declarou-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

Como resulta do disposto no n.º 3 do art.º 280.º do CPPT, é admissível o recurso quando as decisões perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito – tendo, para o efeito, de haver pronúncia expressa sobre a questão em causa.

Chama-se à colação, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 02752/18.2BEPRT), onde se refere:

“A decisão recorrida adopta uma solução oposta, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável (ou seja, as decisões judiciais em confronto chegam a conclusões contrárias apenas por força de uma diferente interpretação jurídica da norma em causa), face à defendida em mais de três sentenças do mesmo ou outro Tribunal de igual grau hierárquico. (…) Mais se deve exigir que estejamos perante decisões expressas em sentido antagónico”.

Ora, tal não se verifica in casu, na medida em que a sentença recorrida nunca se pronunciou sobre a inutilidade superveniente da lide (nunca, como referimos, tendo sido suscitada a nulidade da mesma por omissão de pronúncia).

Ou seja, a inutilidade superveniente da lide, que sustentou a decisão das sentenças indicadas como fundamento, nunca foi apreciada na sentença recorrida, pelo que não há oposição entre a decisão recorrida e as indicadas como fundamento, por não terem abordado a mesma concreta questão fundamental de direito.

Finalmente, quanto à questão da condenação em custas, nada é invocado no sentido de existirem decisões opostas, não sendo também nenhuma das situações excecionais de admissão de recurso em processo de valor inferior ao da alçada do Tribunal Tributário.

Como tal, atento o valor da causa e a circunstância de não estarmos perante situação subsumível às exceções que permitem recurso em causa de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, cumpre não admitir o recurso.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Rejeitar o recurso interposto da sentença proferida a 20.07.2022;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 18 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)















1) Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 43.
2) Lopes do Rego, «O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil», Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 764.