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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05908/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INSTITUTO DA CADUCIDADE.
REGIME DE CADUCIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO.
NÃO APLICAÇÃO DO REGIME DE CADUCIDADE ÀS LIQUIDAÇÕES CORRECTIVAS.
CONCEITO DE ACTO DE ANULAÇÃO, DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL E DE REFORMA DE ACTO TRIBUTÁRIO.
JUROS COMPENSATÓRIOS. NOÇÃO.
DESTRINÇA FACE AOS JUROS DE MORA.
CÔMPUTO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.

2. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.

3. O regime da caducidade do direito à liquidação acabado de examinar não se aplica aos casos de liquidações correctivas (não revestem a natureza de novo acto tributário), considerando estas como os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes, nomeadamente, de reclamações graciosas dos contribuintes, parcialmente atendidas e em razão das quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, visto que não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido.

4. Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto.

5. No âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. Os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, assim aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.35, da L.G.T.).

6. Não há confusão entre os juros compensatórios e os juros de mora, ambos passíveis de ser devidos à Fazenda Pública. Os primeiros pressupõem o atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, devido a motivo imputável ao contribuinte. Por sua vez os juros de mora pressupõem que o imposto, já liquidado, não foi pago no prazo fixado na lei ou pela Administração Fiscal (cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.).

7. Os juros compensatórios contam-se dia a dia, além do mais, desde o termo do prazo de apresentação da declaração pelo sujeito passivo. Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias, no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão. Por último, a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% de acordo com a portaria 291/2003, de 8/4 (cfr.artº.35, da L.G.T.; artº.94, do C.I.R.C.).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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UNIÃO ………………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.47 a 52 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidação de I.R.C. e juros compensatórios, relativa ao ano de 1998 e no montante total de € 141.646,27.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.64 a 67 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida no número 5 dos factos provados constantes da referida senten­ça;
2-Assim, no documento um junto com a p.i. não existe uma informa­ção e ou explicação, com rigor e objectividade, que a liquidação ora notificada constitui uma liquidação correctiva de liquidação anterior;
3-Não podendo inferir-se que se trate de uma liquidação correctiva de anterior, significa que a mesma fica sujeita ao regime geral da caducidade das liquidações;
4-Os juros compensatórios constantes da liquidação que se juntou no documento um são iguais independentemente da quantificação da tributação autónoma sobre a qual incidem;
5-Estando os juros compensatórios dependentes do montante da tri­butação, a sua identidade de valor, confirma a falta de fundamentação na sua quantificação e liquidação;
6-A douta decisão recorrida fez não só um incorrecto julgamento da matéria de facto quanto à qualificação da liquidação do I.R.C., bem como um incorrecto julgamento da matéria de direito quanto à falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios;
7-Termos em que, deve o presente recurso ser jul­gado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e anula­da a liquidação de I.R.C. de 1998 ou, assim não se entendendo, ser anulada a liquidação dos juros compensatórios.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente confirmação da sentença recorrida (cfr.fls.78 a 80 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.82 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.49 dos autos):
1-A impugnante, União …………….., tem o NIF ………….. e dedica-se a outras actividades desportivas, CAE 92620 (cfr.cópia de relatório de inspecção junto a fls.2 a 37 do processo administrativo apenso);
2-Em 22/10/2002, tomou conhecimento da liquidação nº………………, relativamente ao I.R.C. do exercício de 1998 no montante de € 207.004,15 (cfr.documento junto a fls.12 do processo de reclamação graciosa apenso; informação exarada a fls.10 e 11 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-Por despacho do Director de Finanças de Leiria proferido, em 15/10/2004 no Processo de Reclamação Graciosa nº.901, em que é reclamante a União ………………………., instaurado contra a liquidação oficiosa supra identificada, foi determinada a anulação parcial desta (cfr.documentos juntos a fls.13 a 15 e seguintes do processo de reclamação graciosa apenso);
4-A regularização da liquidação supra consta da demonstração de compensação de fls. 19 e dos movimentos de compensação de fls.22, efectuados em 19/09/2007, com apuramento do imposto a anular no montante de € 65.357,88 (cfr.documentos juntos a fls.19, 22 e 23 do processo de reclamação graciosa apenso);
5-A impugnante teve conhecimento por carta que lhe foi dirigida pelos serviços do Imposto sobre o rendimento da DGCI, da nota de compensação nº……………….. (cfr.documento junto a fls.6 dos presentes autos; factualidade admitida pela impugnante nos artºs.1 e 2 da p.i.):

ANO A QUE RESPEITAM OS RENDIMENTOS
DATA COMPENSAÇÃO
N.º LIQUIDAÇÃO
DATA LIQUIDAÇÃO
1998
2007-09-19
.....................
2007-09-12
(...)
Descrição Importâncias Liq. Anterior Importâncias corrigidas
(...)
Tributações Autónomas € 168.198,65 € 102.840,77
Juros Compensatórios
€ 38.805,50
€ 38.805,50
(...)
VALOR A PAGAR
€ 141.646.27
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se verificam outros que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal não contestados, fundou-se, em primeira linha, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra, aliás, cabe referir que o quadro factológico fixado é consensual divergindo as partes unicamente quanto à questão de direito…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
6-Relativamente ao ano fiscal de 1998, a impugnante/recorrente apresentou a declaração mod.22, para efeitos de I.R.C., em 6/10/1999, à qual coube o nº.2150502 e de que resultou uma liquidação nula, dado ter sido declarado prejuízo fiscal no montante de € 389.301,86 (cfr.cópia de relatório de inspecção junto a fls.2 a 37 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.10 e 11 do processo de reclamação graciosa apenso);
7-A liquidação adicional identificada no nº.2 supra do probatório teve origem nos resultados de inspecção externa levada a efeito à impugnante/recorrente e iniciada em 2/4/2001, datando de 15/10/2002 e consubstanciando-se o imposto a pagar no montante de € 168.198,65 e os juros compensatórios na quantia de € 38.805,50 (cfr.cópia de relatório de inspecção junto a fls.2 a 37 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.10 e 11 do processo de reclamação graciosa apenso; documento junto a fls.12 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-A reclamação graciosa identificada no nº.3 supra do probatório foi intentada em 25/2/2003, tendo como fundamento único a justificação documental e parcial de custos sujeitos a tributação autónoma pela A. Fiscal na liquidação adicional identificada no nº.7 (cfr.informação exarada a fls.10 e 11 do processo de reclamação graciosa apenso; documentos juntos a fls.13 a 16 do processo de reclamação graciosa apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar improcedente a presente impugnação, devido ao decaimento dos fundamentos da mesma.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Em primeiro lugar, aduz o recorrente que a douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida no número 5 dos factos provados constantes da referida senten­ça. Assim, no documento um (1) junto com a p.i. não existe uma informa­ção e ou explicação, com rigor e objectividade, que a liquidação ora notificada constitui uma liquidação correctiva de liquidação anterior. Não podendo inferir-se que se trate de uma liquidação correctiva de anterior, significa que a mesma fica sujeita ao regime geral da caducidade das liquidações (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
Conforme mencionado supra, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, nos termos do artº.45, nº.1, da L.G.Tributária.
Mais se dirá que o I.R.C. é, unanimemente, considerado como um imposto periódico, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária; artº.33, nº.1, do C.P.Tributário).
No entanto, o regime da caducidade do direito à liquidação acabado de examinar não se aplica aos casos de liquidações correctivas (não revestem a natureza de novo acto tributário), considerando estas como os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes, nomeadamente, de reclamações graciosas dos contribuintes, parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, visto que não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido.
Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec. 1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.T.C.A.Sul, 25/11/2009, proc. 2981/09; ac.T.C.A.Sul, 3/7/2012, proc.4076/10; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.370).
Voltando ao caso concreto, o que sucedeu e decorre dos elementos coligidos para os autos e levados ao probatório, foi que, após a concretização de auto-liquidação, por parte do recorrente, em sede de IRC e por referência ao exercício de 1998, a A. F., em resultado de acção inspectiva, concluiu que o declarado não espelhava a real situação tributável da recorrente, apurando um imposto inferior ao devido, pelo que procedeu às correcções à matéria colectável que considerou necessárias à correspondência devida e, em conformidade e sequentemente, liquidou o imposto que entendeu pertinente (cfr.nºs.2, 6 e 7 do probatório). Trata-se, aqui e indubitavelmente, à luz dos ensinamentos referidos de um verdadeiro e próprio acto tributário adicional. Mas, posteriormente, a A. F., veio a produzir uma nova e sucessiva correcção àquela matéria colectável já corrigida e que suportou a dita liquidação adicional; simplesmente, nesta correcção, a Fazenda Pública actuou em resultado de reclamação graciosa deduzida contra aquele acto de liquidação adicional pela recorrente e em sentido que lhe foi parcialmente favorável, isto é, veio a considerar ter atendido, erradamente, determinados montantes, por excesso, os quais influenciaram, a final e negativamente para a recorrente, o imposto devido (cfr.nºs.3 a 5 do probatório).
Assim sendo, deve concluir-se que a A. Fiscal praticou tempestivamente o acto de liquidação adicional notificado à recorrente em 22/10/2002 (cfr.nº.2 da matéria de facto provada), sendo que o acto tributário datado de 12/09/2007 (cfr.nºs.4 e 5 do probatório) reveste a natureza de liquidação correctiva nos termos supra expostos o qual não é abrangido pelo regime da caducidade do direito à liquidação, visto que não se trata de um novo acto tributário.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida, neste segmento.
Alega, igualmente, o recorrente que os juros compensatórios constantes da liquidação que se identifica no nº.5 do probatório são iguais independentemente da quantificação da tributação autónoma sobre a qual incidem. Ora, estando os juros compensatórios dependentes do montante da tri­butação, a sua identidade de valor, confirma a falta de fundamentação na sua quantificação e liquidação (cfr.conclusões 4 e 5 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
No âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. Os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, assim aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.35, da L.G.T.; artº.83, do anterior C.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.262 e seg.).
Não há confusão entre os juros compensatórios e os juros de mora, ambos passíveis de ser devidos à Fazenda Pública. Os primeiros pressupõem o atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, devido a motivo imputável ao contribuinte. Por sua vez os juros de mora pressupõem que o imposto, já liquidado, não foi pago no prazo fixado na lei ou pela Administração Fiscal (cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.172; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.612 e seg.).
Voltando ao caso “sub judice”, defende o recorrente que a liquidação de juros compensatórios na liquidação correctiva objecto do presente processo (cfr.nºs.4 e 5 do probatório) padece de falta de fundamentação na sua quantificação e apuramento, visto que permanecem com idêntico montante ao da liquidação adicional anteriormente realizada, apesar da matéria colectável sujeita a tributação autónoma, e o correspondente imposto liquidado, serem diferentes para menos.
Especificamente sobre este vector da impugnação a sentença recorrida pondera que tendo os juros compensatórios sido liquidados em 2002 (cfr.nº.7 do probatório), o pedido é intempestivo, visto que na reclamação graciosa deduzida não se põe em causa a mesma liquidação.
Desde logo, se dirá que o pedido em causa é tempestivo, visto que o que está em causa é a liquidação correctiva efectuada em 12/09/2007.
Conforme já mencionado supra, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido. Os juros compensatórios contam-se dia a dia, além do mais, desde o termo do prazo de apresentação da declaração pelo sujeito passivo. Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias, no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão. Por último, a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% de acordo com a portaria 291/2003, de 8/4 (cfr.artº.35, da L.G.T.; artº.94, do C.I.R.C.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.283 e seg.).
Conforme se pode concluir do regime dos juros compensatórios, estes acrescem sempre ao montante de imposto calculado, com o qual são conjuntamente liquidados (cfr.artº.35, nº.8, da L.G.T.).
Voltando ao caso concreto, tendo a A. Fiscal efectuado uma liquidação correctiva na qual a matéria colectável sujeita a tributação autónoma, e o correspondente imposto liquidado, foram anulados parcialmente (cfr.nº.5 do probatório), óbvia é a conclusão de que o montante de juros compensatórios igualmente devia ser anulado na mesma proporção o que não se verificou.
Assim sendo, não pode manter-se a liquidação de juros compensatórios objecto dos presentes autos, dado padecer do vício de errónea quantificação parcial devido a erro sobre os pressupostos de facto.
Concluindo, o recurso merece parcial provimento, não podendo manter-se a decisão recorrida na vertente em que julgou improcedente a impugnação judicial incidente sobre a liquidação de juros compensatórios, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência:
1-Manter a sentença recorrida, na parte em que decide pela não caducidade do direito à liquidação incidente sobre o acto tributário impugnado de I.R.C. do ano de 1998, no montante de € 102.840,77 (cfr.nº.5 do probatório);
2-Revogar a sentença recorrida, na parte em que decide julgar improcedente a impugnação na fracção relativa à liquidação de juros compensatórios na quantia de € 38.805,50 (cfr.nº.5 do probatório);
3-Julgar procedente a impugnação judicial no segmento identificado no nº.2, em virtude do que se revoga parcialmente a liquidação de juros compensatórios.
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Condena-se o recorrente em custas, na proporção do respectivo decaimento e em ambas as instâncias. Condena-se a Fazenda Pública em custas na proporção do respectivo decaimento e somente em 1ª. instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)