Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2403/09.6BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 10/31/2019 |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | FACTURAÇÃO FALSA; ÓNUS DA PROVA; PROVA DA VERACIDADE DA TRANSAÇÃO COMERCIAL |
Sumário: | I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. II - Tendo a Impugnante apresentado prova capaz de destruir aqueles indícios, demonstrando que a mercadoria descrita nas facturas em causa lhe foi vendida, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações económicas reais, há que concluir pela inexistência de fundamento para a desconsideração da factura, realizada em sede de inspecção, e, consequentemente, pela anulação da liquidação impugnada. |
Votação: | Voto de vencida |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I – Relatório “B... – Reciclagem de Sucatas, S.A.” intentou no Tribunal Tributário de Lisboa a presente Impugnação Judicial pedindo a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida dos actos de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de 6.935,11€ Por sentença do mencionado Tribunal, de 12 de Novembro de 2018, a Impugnação Judicial foi julgada procedente e anuladas as liquidações sindicadas. Inconformada a Fazenda Pública recorre dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões: «A. B. C. D. E. F. G. H. I. J. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente. Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» A Sociedade Impugnante, doravante Recorrida, notificada da interposição do recurso jurisdicional e da sua admissão, apresentou contra-alegações, aí oferecendo as seguintes conclusões: «1ª) As várias alusões deixadas nas alegações pelo Recorrente (RFP) à errónea apreciação dos factos relevantes, nomeadamente nos pontos 4, 6, 7 e 26 e consequente formal enquadramento no erro de julgamento (art.125º do CPPT e art.615º do CPC) são isso sim e na verdade formas indirectas e disfarçadas do mesmo dizer que impugna a decisão da sentença quanto à matéria de facto. 2ª) Não tendo na situação “sub Júdice” o RFP cumprido o que lhe está formalmente imposto (ali.a) do nº 2, ali. a), b) e c) do nº 1 ambos do art.640º do CPC) este Recurso deve ser rejeitado desde já e “ab initio”, como já decidido no Acórdão do TCA Sul lavrado no proc. 09966/16 do dia 12 de Janeiro do ano de 2017. 3ª) Toda a matéria de facto – EM CONCRETO - considerada como assente (ou provada) e que consta da pág. 4 até à pág. 10 da sentença, sob as letras A a Z, não foi colocada em crise (causa) pela Recorrente que jamais utilizou o procedimento do art. 640º do CPC, pelo que, “in totum” se consolidou a mesma com carácter definitivo para este processo não sendo modificável total ou parcialmente. 4ª) A regra na apreciação da prova (toda ela: testemunhal, documental, outra) é no sistema processual Português, o da livre convicção do Sr. Juiz (art.607º Nº 5 do CPC e art.127º do C.P. Penal), conforme a sua convicção e experiência acumulada, mas jamais com arbitrariedade ou capricho, tendo que obrigatoriamente fundamentar as suas decisões – vide neste contexto os nºs 1 e 2 do art.123º do CPPT) 5ª) Nas alegações o RFP consciente e voluntariamente nos seus pontos com os nºs 3 e 7 desconsiderou parte da matéria de facto provada (mas que na situação sub judice não impugnou, nem dela recorreu), o que gera subjectivamente discricionariedade e parcialidade na apreciação exclusiva das partes que lhe convém e daí que seja ilegal tal método, com efeito na improcedência do Recurso, como se espera. 6ª) Com essa consciente omissão a RFP quer – MAS TAL NÃO CONSEGUIRÁ – que este Tribunal não considere a materialidade dos factos provados sobre as letras B, C, D e F respeitante à existência de Guia da entrada da sucata (22.214,50€), sua pesagem e conferência, transporte nos veículos da Impugnante e emissão do recibo de quitação. 7ª) As testemunhas foram ouvidas em audiência contraditória sendo instadas pelo RFP e inquiridas pelo Sr. Juiz, tendo feito testemunhos com enorme e elevada razão de ciência e conhecimento directo do negócio (de compra e venda da sucata), pois trabalharam em tal produto nos locais inerentes a essa operação. 8ª) A prova testemunhal, embora sem expressa tipificação legal, é generalizadamente assumida e aceite pelos vários agentes judiciais como a “rainha”, em face da sua imediação, presença física, oralidade, sinais corporais (face, corpo e outros). Tudo como aqui ocorreu. 9ª) Os factos provados de O a X também têm como motivação da sua aceitação o nº das páginas do PA, escritas no final de cada um dos mesmos. 10ª) Em audiência pública e contraditória a RFP fez às testemunhas as questões que entendeu, em vista de encontrar nas mesmas eventuais hesitações, pormenores ou dúvidas, mas as respostas dadas foram inequivocamente idóneas e verdadeiras, porque todas participaram ao longo do tempo nos vários momentos deste concreto – compra, transformação, transporte e revenda - e realizado negócio (das sucatas). 11ª) Com a tese da RFP sob Recurso está patente o “thema decidendum”, porém a mesma não deixa explicação e gera contradição em vários momentos do mesmo: 12ª) A factura (Doc. 20 da p.i. e o facto “G” dos provados) cumpre com rigor o que a lei tipifica nas 6 alíneas do nº 5 do art.36º do IVA (anterior art.35º com 5 alíneas do mesmo código), carecendo de total suporte probatório o redigido em 8 pelo RFP no sentido de que ocorre “inexactidão dos elementos da factura”. 13ª) Inexiste dispositivo legal no ordenamento jurídico positivo Português que exija que da factura (art.35º do Código anterior do IVA e actual art.36º) constem o contrato celebrado, as guias de transporte e de entrada bem como a matrícula da(s) viatura(s), pelo que deve improceder tal alegação do RFP. 14ª) Não explica factualmente, nem faz a RFP a indicação da violação legal pela Impugnante pelo facto de na factura constar a palavra “Guerreiros” porque sede social da fornecedora nem a alusão à destinatária (ali. a) do nº 5 do referido normativo) pelo que tal deve improceder. 15ª) Em face da prova documental (Doc.s 13 e 14) e testemunhal produzida o Tribunal deu como provados os factos “B” e “C”, os quais são adequados e idóneos para evidenciar a efectiva, certa e inequívoca entrada daquela mercadoria – sucatas – nas instalações da Impugnante, pelo que, a eventual inexistência de guia(s) de transporte é insuficiente para afastar aquela verdade. 16ª) Dos autos constam suficientemente suportados probatoriamente (documental e testemunhalmente) os seguintes factos: Matrículas dos veículos de transportes, datas e talões de pesagem, guias das entradas nas instalações da Impugnante da sucata, fatura e recibo, emissão de cheque, seu endosso, seu débito em conta da Impugnante no BES e crédito a favor de terceiro e daí o sentenciamento com factos provados sob as letras “C”, “R”, “B”, “S”, “E”, “F” e ainda da “G” até “K”. 17ª) No exercício do ónus da prova que assumiu desde a sua petição inicial a Impugnante canalizou para os autos documentos e testemunhas adequadas a provar a verdadeira e efectiva ocorrência da operação de compra da sucata pelo preço de 26.435,26€ com inclusão do IVA no valor de 4220,76€, logo a considerar como custo para efeitos de IRC tanto mais que depois foi vender a mesma ao preço de 155.00€ a tonelada junto da Siderurgia Nacional, daí obtendo rendimentos. IV. Do Requerimento/Pedido Termos em que, o presente Recurso deve a final ser considerado improcedente, porque não provado e assim ser mantido na íntegra o sentenciado pelo Tribunal “a quo”, com a consequente anulação da liquidação oficiosa em cédula de IRC quanto a período (exercício) de 2004 e aqui sob censura. Assim se fazendo a useira Justiça.» A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. II – Objecto do recurso Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.°, n°1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso. Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2 do Código de Processo Civil) esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso. Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir, desde logo, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao decidir pela anulação das liquidações impugnadas por dos factos provados não ser possível concluir-se que a factura desconsiderada em sede inspectiva titula a efectiva operação comercial nela vertida. Do que vimos expondo resulta, pois, claro, que este Tribunal ad quem não entende, como o faz a Recorrida nas suas alegações, e muito bem salienta a Ex.ma Procuradora Adjunta neste Tribunal Central Administrativo Sul, que tenha sido intenção da Recorrente impugnar a matéria de facto. Não é, como interpretou a Recorrida, uma “dissimulada” impugnação da matéria de facto ou uma “tentativa de colocar em causa o probatório sem observância escrupulosa das regras legais constantes do artigo 640.º do Código de Processo Civil.”. É verdade que nas conclusões - que são praticamente uma reprodução das alegações - a Recorrente insiste que o Tribunal a quo sobrevalorizou a prova testemunhal e que terá sido nesta, contra toda a prova documental que “consta do processo”, que terá fundado exclusivamente a sua decisão de facto e de direito. Porém, a referência ostensivamente vaga a “toda a prova testemunhal” e a todos os documentos constantes dos autos, a par da conclusão, nítida, de que “a sentença enferma de uma errónea apreciação dos factos apurados como relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço” [conclusão j)], levam este Tribunal de recurso a concluir que é precisamente no erro de valoração dos factos provados, no julgamento efectuado quanto à susceptibilidade daqueles para sustentarem a decisão final de verificação de prova da materialidade da operação que a Recorrente quis colocar em apreciação. De todo o modo, mesmo que tivéssemos dúvidas, e não temos, jamais o objecto do presente recurso poderia abarcar a impugnação do probatório, uma vez que, como a Recorrida diz, e nessa perspectiva há que reconhecer-lhe razão, não foram minimamente, cumpridas as formalidades impostas pelo legislador processual através do artigo 640.º do Código de Processo Civil, nem quanto aos factos que deveriam ser eliminados ou que deviam ser fixados, nem quanto aos documentos ou depoimentos (e passagens destes) que infirmam a convicção do Tribunal a quo. Ou seja, mesmo que a Recorrente tenha tido em vista a impugnação da factualidade fixada como provada, sempre, com este fundamento, se imporia a rejeição nessa parte do recurso jurisdicional.
3.1. Da sentença recorrida consta, como provada, a seguinte matéria de facto: A) A impugnante é uma sociedade anónima denominada “B... S – Reciclagem de Sucatas, S.A. com actividade na reciclagem de sucata e de desperdícios, correspondente ao CAE 038321, foi sujeita a uma análise interna pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, a coberto da Ordem de Serviço n.ºOI2008…, aberta na sequência da acção de inspecção à sociedade “T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas Lda.” - (não contestado).B) C) D) E) F) G) H) I) J) K) L) M) N) «(…) Conclusão Face ao acima exposto é possível concluir: A operação é total ou parcialmente inexistente – Com os elementos disponíveis, não ficaram esclarecidas as quantidades transaccionadas (300 ou 201.950 quilos) destinatário do pagamento (a quem pertence a conta do B... onde foi depositado o cheque endossado?) as partes intervenientes (B...s/T..., B...s/I... /T... ou B...s /I...) nem o local de carga (M... ou G…?). Factura é falsa – o documento de suporte em análise apresenta discrepâncias, quanto às quantidades, fornecedores e valor, relativamente à operação descrita por cada uma das partes. Operação simulada – pela conjugação dos motivos referidos nos dois pontos anteriores poder-se-á afirmar que estamos perante uma operação simulada (pelo menos quanto a um dos intervenientes) Assim a inexactidão dos elementos inscritos na factura, faz com que tais encargos sejam considerados não devidamente documentados e, consequentemente, sejam desconsiderados para efeitos de apuramentos do lucro tributável, nos termos da alínea g) do nº1 do artº42 do CIRC. Em termos de IVA, fica igualmente inviabilizada a sua aceitação para efeitos fiscais, pelo que, nos termos do n.º3 do art.º19 do CIVA, deverá corrigir-se o valor deduzido já que “Não poderá deduzir-se o imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. III.1 – Correcções em IRC. O) P) Q) R) S) T) U) V) X) Y) A sucata adquirida, depois de desmantelada e reciclada foi vendida à Siderurgia Nacional ao preço de €155,00 a tonelada - (cfr., doc. 23 junto com a PI e depoimento unânime das testemunhas).Z) 3.2. Consta da mesma sentença que «Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão». 3.3. Em sede de fundamentação do julgamento de facto consignou-se na sentença recorrida que «A matéria de facto, constante das alíneas do probatório, foi a considerada relevante para a decisão da causa e a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram. IV – Fundamentação de direito Dissemos já que o objectivo da Recorrida com a propositura da presente acção é a anulação das liquidações adicionais de capital e juros impugnadas, constituindo esta anulação o pedido expressamente formulado, sendo que, o que agora importa salientar, o único fundamento adiantado na petição inicial e em que a Recorrente sustentou o seu inconformismo com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si previamente instaurada, se reconduziu, sempre, à recusa da Administração Fiscal em reconhecer que a operação comercial titulada pela factura tinha efectivamente existido. Não surpreende, por isso, que o julgamento de anulação das liquidações se tenha fundado, também exclusivamente, na conclusão que o Tribunal a quo extraiu dos factos apurados no sentido de que a ora Recorrida lograra provar a materialidade das operações tituladas na factura desconsiderada em sede de inspectiva. Neste contexto, as conclusões desse recurso vertidas nas alíneas D) e E) - aduzidas em defesa da suficiência dos indícios recolhidos e em defesa de um recorte do ónus probatório, só podem ser entendidas como um enquadramento sistemático da forma como é repartido o ónus da prova em matéria de facturação falsa, uma vez que, nem a verificação dos primeiros, nem a repartição do ónus probatório nos termos exarados nas mencionadas alíneas são, pelas razões já avançadas, postos em causa na sentença recorrida. Posto isto, a questão é, logrou ou não a Recorrida provar a materialidade das operações? Para o Tribunal Tributário de Lisboa a resposta é afirmativa, por a Recorrida ter logrado provar toda a factualidade vertida na petição inicial tendente a realizar tal demonstração, ou seja, que tinha sido contactada por I... para vender uma determinada quantidade de sucata e que na sequência desse contacto o seu delegado comercial se tinha deslocado ao local onde se encontrava a sucata a adquirir (Quinta de M...), tendo sido na presença desse fornecedor, e após analisada a sucata e avaliada a mesma, que tinha sido acordado o preço por tonelada da referida mercadoria e que a sucata por si possuída resultava de um negócio (permuta) realizada entre este e uma terceira empresa (“T...”) que envolvia a troca de sucata por uma máquina, várias viaturas em segunda mão e alguns pagamentos em cheque e dinheiro e que a factura não seria, por essa razão, emitida por si. Segundo o Tribunal a quo, concorreram ainda decisivamente para a sua conclusão de veracidade da operação, o facto de se ter provado que foram funcionários da Recorrida, a mando e sob orientação do referido I... que tinham retirado, desmantelado e enfardado a sucata de folha preta constante da Guia de Entrada n.º 200409765, a qual traduz fielmente a quantidade de sucata adquirida e transportada para o estaleiro da sociedade B... S.A. E que a Guia de Entrada da sucata, a factura e o recibo de quitação foram formalmente emitidos por uma sociedade de nome “T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.”, antes da emissão do cheque, à ordem daquela, para pagamento da referida sucata (cheque do B… n.º4…, no valor de €26.435,26 à ordem da sociedade «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.»), todos no mesmo dia, 29.12.2004, na sequencia de insistências da Recorrida para que a mesma fosse emitida já que necessitava de “fechar o ano” e necessitava da respectiva factura para a contabilidade. Por fim, deu-se ainda especial enfoque na sentença recorrida ao facto de ter ficado provado que esse cheque tinha efectivamente sido emitido pela Recorrida, à ordem daquela sociedade e debitado da sua conta e ao facto de ter sido insistentemente pedido por aquela - ao longo da instrução da reclamação graciosa e em sede judicial - que fosse apurado qual o destino do valor debitado, o que só veio a ser alcançado após o Tribunal a quo ter requerido a este Tribunal Central a derrogação do sigilo fiscal e que permitiu confirmar que aquele cheque tinha sido endossado com carimbo da T... e uma assinatura do gerente desta e, posteriormente, levado a crédito de conta titulada pelo filho do referido fornecedor de facto/intermediário (conta bancária pertencente ao Banco B... n.º 2-4…) e contabilizado na conta corrente da Impugnante (conta do B… 0007.0…). Foi assim, suportando, no essencial, nestes factos, que o julgador formou convictamente a sua conclusão de que a operação comercial tinha efectivamente ocorrido e, consequentemente, que era ilegal a desconsideração do seu valor para efeitos de custos da recorrida no desenvolvimento da sua actividade, como se vê do discurso que em conclusão deixou firmado: “Aqui chegados, podemos verificar que resulta da prova efectuada nos autos que a operação de compra e venda de sucata existiu na realidade, tendo da mesma sido legalmente emitidos documentos fiscalmente relevantes, uma Guia de Entrada de material adquirido, uma factura, um recibo de quitação. Em contrapartida a sociedade devedora emitiu o correspondente meio de pagamento, tendo sido confirmado e creditado o montante da transacção na sua conta corrente do B… em 14.01.2005”. Entendeu, ainda assim, o Tribunal a quo, não desconsiderar os fundamentos invocados pela Administração Tributária na resposta apresentada e que a levavam a concluir pela simulação da factura, que identificou e desvalorizou com um discurso que, em resumo nosso, se traduziu no seguinte: “No entanto, em sede de inspecção tributária à sociedade «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.» através de auto de declarações do alegado gerente da mesma, Sr. S…, este afirmou em relação à factura em causa n.º3225 emitida à impugnante, que «(…) a mesma não corresponde à realidade, não foram vendidos por mim, mais do que trezentos quilos de sucata e não foi recebido o valor do cheque correspondente. A rubrica no verso do cheque não corresponde à minha que era o gerente da firma.(…)» (Cf. fls. 202 do PA apenso aos autos) Atenta a contradição de informações concluíram os SIT que se tratou de uma operação simulada, razão pela qual o valor da factura emitida pela «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.» não podia ser deduzido, como custo em sede de IRC, nos termos do disposto nos art.º23, n.º1 e 42 n.º1 al. g) do CIRC; Não se conformando com a correcção efectuada, a impugnante veio requer, em sede de impugnação judicial, que fosse revelada a identificação do destinatário do cheque uma vez que o mesmo havia sido descontado numa conta do B... da qual não se sabia a identidade do seu titular. Neste propósito, sendo basilar para a descoberta da verdade material a identificação do destinatário do montante da transacção da sucata em causa nos presentes autos, o tribunal, ao abrigo do disposto no art.º13 do CPPT, requereu ao Tribunal Central Administrativo Sul a derrogação do sigilo bancário dos titulares do conta onde foi depositado o cheque emitido pela impugnante para pagar a sucata adquirida. Após a prolação do acórdão veio o B..., identificar os titulares da conta identificada no endosso do cheque do B… n.º4…. Verifica-se das fichas, ora juntas aos autos a 28.03.2018 que, os titulares da conta são J...e M..., ele, filho de I... com residência permanente, em Quinta de S...- M... – Sobral de Monte Agraço. Em face do exposto e da prova produzida nos autos, entende o tribunal que a impugnante logrou demonstrar que a operação de compra de sucata foi efectivamente realizada nos termos supra descritos. Mais logrou a impugnante demonstrar, em face da identificação da sociedade emitente da factura ter efectuado o pagamento por meio de cheque emitido à ordem da sociedade «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.» como lhe competia, entregando o cheque à pessoa que intermediou o negócio, o Sr. I.... Por outro lado, através da informação do B... verifica-se que o montante de transacção não entrou em conta da esfera jurídica da sociedade «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.» daí o seu sócio gerente não ter conhecimento do referido pagamento. Neste conspecto, entende o tribunal que não tendo sido a sociedade «T... – Máquinas e Acessórios Agrícolas, Lda.» a contactar a impugnante para a venda da sucata, mas o Sr. I... e, tendo sido este a efectuar a venda e a receber o pagamento da mesma, não pode a sociedade impugnante ficar prejudicada na sua esfera jurídica tributária por acordo ou negócios, entre aquela sociedade e o Sr. I.... O facto é que ficou demonstrada a materialidade e a indispensabilidade das operações constantes da factura, nos termos previstos no art.º23, n.º1 e 42 n.º1 al. g) do CIRC, bem como provado nos autos que a impugnante procedeu ao pagamento acordado da tonelagem de sucata adquirida, devendo o seu montante ser aceite como custo efectivo do exercício de 2004». A conclusão a que o Tribunal a quo chegou não merece, em nosso entender, censura. Nem na repartição do ónus probatório que implicitamente teve como referência, nem nos factos que julgou relevantes, nem na conclusão de facto que deles extraiu, nem, por fim, na subsunção jurídica realizada. Justifiquemos, por partes, porque assim o entendemos. Não errou na repartição do ónus probatório que implicitamente considerou, uma vez que é evidente que fez recair sobre a Recorrida o ónus de alegar e provar a materialidade das operações e é jurisprudência absolutamente pacífica dos nosso Tribunais Superiores que, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, se aplicam- as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, o que significa que, embora compita à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, feita essa prova passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção Não errou ao entender que a referida aquisição onerosa, por ter sido realizada no e para o desenvolvimento da sua actividade comercial, constitui um custo e como tal deve ser fiscalmente relevado. Por um lado, porque o legislador fiscal considerou constituírem “Gastos”, os que comprovadamente são indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e ficou provado que a aquisição da sucata pela Recorrida foi realizada no âmbito e para o desenvolvimento da sua actividade comercial (artigo 23.º n.º 1 do CIRC na redacção vigente em 2004). Por outro, porque, embora o artigo 42.º n.º 1 al. g) do mesmo Código (na redacção também vigente na data dos factos) determine que não são dedutíveis para efeitos fiscais os encargos não devidamente documentados, o facto é que resultou provada a existência de documentos suficientes a comprovar a operação. Em síntese: resulta dos factos apurados que a Recorrida alegou e provou a factualidade necessária a que o Tribunal a quo concluísse pela efectiva materialização da operação comercial titulada na factura desconsiderada em sede inspectiva e, consequentemente, tendo a Impugnante cumprido o ónus probatório que sobre si recaia, ao Tribunal de 1ª instância se impunha que determina-se a anulação das liquidações. Tendo-o feito, é isenta de censura a sentença recorrida. Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recuso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública. Custas pela Recorrente. Registe e notifique.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019 (Anabela Russo) (Vital Lopes) (Cristina Flora) - Voto a decisão mas não a fundamentação *
-------------------------------------------------------------------------------- * Não subscrevo a fundamentação na parte em que se interpreta as conclusões D) e E) como “defesa de um recorte de ónus probatório” e também quando conhece do “erro de repartição do ónus probatório”. Está-se a sindicar a “errónea valoração da prova testemunhal” em “detrimento de toda a prova presente nos autos porque é o que resulta da conjugação daquelas alíneas com a H) e com as alegações de recurso que complementam as conclusões. Cristina Flora |