Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2570/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
OMISSÃO DE PRONUNCIA
PRESUNÇÃO DE GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I Tendo a sentença recorrida conhecido de questões que lhe competia apreciar, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, a outros argumentos da recorrida ou, por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à questão apreciada
II Recai sobre a Fazenda Publica, enquanto titular do direito de reversão, o ónus da prova de que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal a que se reporta a dívida exequenda.Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A..., melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º 3239..., instaurado no SF Sintra 2, para cobrança de dívida relativa a IRC de 2007, da sociedade “C...-Unipessoal, Lda.”.

O Tribunal Tributári de Lisboa, por sentença proferida em 2 de novembro de 2018, julgou procedente a oposição.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Os autos à margem identificados visam reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção da dívida que está a ser exigida através do PEF n.° 3239..., revertida contra o ora Recorrido e, a respectiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas,

II - Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento, já que considera que considera que a mesma incorreu quer em omissão de pronúncia quer em erro de julgamento, quanto à matéria de direito, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade do ora Oponente - A... (doravante Recorrido) radicam tão somente no facto de a AT não ter provado, através dos documentos que carreou ao processo que aquele era parte legítima para a reversão, como era seu ónus.

III - Quanto à omissão de pronúncia diremos que de harmonia com o disposto nos artigos 125.°, n.° 1 do CPPT e 615. ° n.° 1 al. d) do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” do artigo 2.° al. e) do CPPT, ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelas partes submetidas à sua apreciação.

IV - No mesmo sentido aponta o artigo 608.°, n.° 2 do CPC que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

V - No caso em apreço resulta dos autos que o Recorrido veio alegar nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação e, a consequente violação do direito de audição prévia por ele exercido.

VI - Defende a Fazenda Pública que tem sido jurisprudência dos Tribunais superiores que o conhecimento de nulidades processuais do PEF não pode ser alegado em sede de oposição à execução, uma vez que o acto de citação para a execução fiscal um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.° do CPPT e 103.°, n.° 2 da LGT.

VII - Sendo certo que o Tribunal “a quo” não só não apreciou a questão da nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação e consequente violação do direito de audição prévia exercido pelo Recorrido, como não apresentou qualquer razão ou fundamento para se abster do conhecimento de tal questão, de que se impunha referência, porque de conhecimento oficioso e expressamente suscitada.

VIII - Afigurando-se à Fazenda Pública, com a devida vénia, que a sentença recorrida enferma, pois, tal como alegado, de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do estatuído no artigo 615.°, n.° 1, al. d) do CPC.

IX - Defende o tribunal “a quo” que a questão que se impõe neste conspecto, consiste em saber se a AT cumpriu com o ónus da prova da gerência do Recorrido, mormente se em 2009 influenciou os destinos na gerência da devedora originária, concluindo que a AT tinha o ónus da prova do exercício efectivo da gerência de parte exercida pelo Recorrido, não tendo, contudo feito essa prova nos termos do artigo 24.° da LGT.

X - Atento o supra exposto diremos que o ora Recorrido foi sócio e gerente de direito da devedora originária desde 20-08-2008, foi o próprio técnico oficial de contas que o identificou como gerente de direito e de facto da devedora originária, já que o mencionaram como responsável pelas declarações de rendimentos Modelo 22, e Declaração Anual - Informação Empresarial Simplificada.

XI - O ora Recorrido, tinha a faculdade de ter renunciado ao cargo da gerência, uma vez que esta, é, apenas, um acto da vontade, unilateral, não carecendo da aceitação de terceiros, contudo, até ao momento não logrou provar que tenha renunciado ao predito cargo.

XII - Não tendo renunciado deveria ter tido uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso - bónus patter famillis -, colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequado ao alcance dos objectivos para que a sociedade se constituiu.

XIII - Sendo certo que face ao que supra se explanou, podemos concluir que, o ora Recorrido, decidiu da vida societária da devedora originária, vinculando perante terceiros, quer através das obrigações declarativas quer solicitando o pagamento das dívidas em prestações, decisão que implica, necessariamente, que podia dispor livremente pela devedora originária, uma vez que, assumiu compromissos de grande relevância por esta, perante terceiros, o que que só o administrador ou o gerente pode fazer.

XIV - Atento o supra exposto, dúvidas não restam que, o ora Recorrido, na qualidade de responsável subsidiário foi chamado à execução nos termos dos artigos 24.°, n.° 1, al. b) da LGT e 8.°, n.° 1 do RGIT para pagar a dívida da devedora originária, por se encontrarem verificados os pressupostos legais da reversão, nomeadamente por ter sido demonstrada a insuficiência do património da devedora originária

XV - Refere o Tribunal “a quo” que a AT não tendo feito prova do exercício efectivo da gerência por parte do Recorrido como era seu ónus, afigura-se-lhe que a responsabilidade que é assacada ao mesmo, enquanto responsável subsidiário, é ilegal, porque, desconforme ao disposto no artigo 24.° da LGT.

XVI - Ora, tal fundamentação afigura-se-nos escassa, porquanto tendo o ora Recorrido sido citado pelo artigo 24.°, n.° 1 al. b) da LGT, resulta que o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, logo ao ora Recorrido, o que até ao momento não logrou provar.

XVI - Atento o supra exposto, dúvidas não restam que, ficou provado que, o ora Recorrido participava na vida societária da devedora originária, na medida em que exerceu a gerência quer de direito quer de facto, não tendo até ao momento renunciado ao cargo de gerente, face ao disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT é a ele que compete provar que, não foi responsável pela falta de pagamento das dívidas cuja responsabilidade lhe está a ser imputada.

XVI - Por último o Digno Magistrado do Ministério Publico proferiu parecer no sentido de improcedência da Impugnação, sufragando, entendimento jurídico dissidente do manifestado na douta sentença recorrida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser anulada, porquanto existiu nulidade por omissão de pronúncia (artigos 125.°, n.° 1 do CPPT e 615. ° n.° 1 al. d) do CPC).

Ou caso V. Exas. o não entendam,

Ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«1. Nas suas alegações de recurso, vem a A.T. considerar "No coso em apreço resulta dos autos que o Recorrido veio alegar nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação e, a consequente violação do direito de audição prévia por ele exercido.".

2. Ademais, defende que o conhecimento dessa nulidade do processo de execução não poderia ser alegado em sede de oposição à execução.".

3. Concluindo que, não tendo o Tribunal a quo apreciado essas duas questões, "(...) de harmonia com o disposto nos artigos 125 º n.º 1 do CPPT e 615. N. º 1 al. d) do Código de Processo Civil "ex vi" do artigo 2.º al. e) do CPPT; ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença (...)".

4. Considera também, a AT, que terá feito prova bastante para fundamentar o exercício da gerência de facto, considerando que"(n]ão é no mínimo credível, que o ora Recorrido se não fosse gerente de facto, detivesse um conhecimento tão profundo sobre a vida societária da devedora originária, ou que tivesse autonomia paro tomar decisões em matérias tão delicadas como negociar o pagamento em prestações das dívidas em cobrança coerciva da devedora originária.".

5. A AT invoca, ainda, a presunção constante da alínea b), no nº 1, do artigo 24 º da LGT, via pela qual citou o Recorrido em processo de reversão, considerando caber-lhe, portanto, "(...) provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, o que até ao momento não logrou ilidir.".

6. Concluindo "a sentença incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de direito."


SUCEDE QUE,

7. corretamente, ao abrigo do artigo 124.º do CPPT, o Tribunal a quo justificou a primazia na apreciação do vício de violação de lei (/.e., a ilegitimidade do então Recorrido pelo não exercício da gerência de facto), por ser aquele que melhor tutelava o interesse em juízo.

8. Tendo o Tribunal a quo concluído pela procedência da oposição à execução, por vício de violação de lei, ficou prejudicada a apreciação do vício formal da falta de fundamentação do despacho de reversão, bem como, da questão da admissibilidade do conhecimento de nulidades processuais do processo de execução fiscal em sede de oposição à execução.

9. Esta vicissitude não implica, igualmente, a violação do dever do tribunal "(...) resolver todas as questões que as partes tenham submetido a sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)" (cfr. n.º 2 do artigo 608 º do CPC).

10. A avaliação dos pressupostos de responsabilização subsidiária tributária, levada a cabo pelo Tribunal o quo, permite concluir pela desconformidade da avaliação da AT face ao disposto no artigo 24 º da LGT e, consequentemente, ditar a ilegalidade da responsabilidade assacada ao Recorrido.

11. O não preenchimento de um dos pressupostos, materiais e cumulativos, da responsabilidade tributária subsidiária, implica que a avaliação de quaisquer vícios formais, quer do ato de reversão, quer da admissibilidade da sua discussão na oposição à execução, se converta num exercício sem utilidade prática.

12. Pelo exposto, conclui-se que a Sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia.


ADICIONALMENTE,

13. A AT radica a sua argumentação na gerência efetiva e da suficiência da prova por si produzida, no sentido de documentar o seu exercício pelo Recorrido, e ainda sobre o ónus de prova que considera recair sobre este, no que tange à responsabilidade pela falta de pagamento da dívida exequenda.

14. Note-se que recai, inequivocamente, sobre a AT o ónus de prova do exercício da gerência de facto por parte do Recorrido, tendo esta, para esse efeito, apresentado como prova (i) a identificação do Recorrido como representante legal da executada originária nas declarações Modelo 22 de IRC e declarações anuais de Informação Empresarial Simplificada ("IES") e (ii) um requerimento para pedido de pagamento em prestações da dívida tributária assinado pelo ora Recorrido.

15. O Tribunal a quo veio considerar que a prova realizada é manifestamente insuficiente para se inferir a gerência de facto nesse dois indícios isolado, concluindo que, "(...) não resulta que a A.T. tenha realizado tal prova”.

16. Ao contrário do que parece dar a entender a AT, a presunção de culpa na falta de pagamento da dívida que impende sobre o Recorrido em nada a exime de, previamente, e enquanto pressuposto para a efetivação da responsabilidade tributária subsidiária, realizar prova da gerência de facto por parte deste.

17. Nem tão pouco, tinha sido levantada essa questão em sede de oposição à execução.

18. Ora, não se tendo dado como provada a gerência de facto, por manifesta falta de prova capaz de criar no julgador a certeza jurídica quanto ao seu exercício, tornar-se-ia inútil analisar todos os demais pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, tal como a culpa na falta de pagamento da dívida.

19. Por fim, a questão da renúncia não tem relevância prática para o caso sub judice e, de qualquer modo, a gerência de direito do ora Recorrido terá caducado, em resultado da fusão por incorporação da executada originária noutra sociedade.

20. A Sentença recorrida não enferma de nulidade por erro de julgamento, quanto à matéria de direito.


MOTIVO PELO QUAL,

21. bem andou o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu. 

POR TUDO QUANTO FICOU EXPOSTO, DEVE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E, NESSA MEDIDA, A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA SUBSIDIÁRIA, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artºs 639.º, do NCPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia e/ou erro de julgamento, quanto à matéria de direito, ao afastar a responsabilidade subsidiária do Oponente por considerar que a AT não carreou ao processo a respetiva prova, capaz de fundamentar a decisão de reversão.


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2 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

1. A originária devedora, C... - Unipessoal, Lda., iniciou a sua atividade em 20/08/2008, com objeto social " Comércio e industria farmacêutica, farmácia, fabricação e preparação de manípulos, compra, venda, e revenda de drogas de uso medicinal e/ou quaisquer outros produtos químicos...” - cfr. fls. 85 a 89 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

2. À data da constituição da sociedade, supra identificada, A..., foi nomeado gerente, juntamente com J..., bastando a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade - cfr. fls. 85 a 89 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

3. Das declarações de rendimentos de IRC, Mod 22, do exercício de 2009, 2010 e 2011, entregues via internet, consta o representante legal da sociedade C...-Unipessoal, Lda., com o NIF n° 2... (A...) - cfr. fls. 152 a 155 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

4. Em 24/07/2010, é instaurado o processo de execução fiscal n° 3239..., à sociedade C...-Unipessoal, Lda., por dívida de IVA de Novembro de 2009, no valor de € 72.290,70 - cfr. fls. 46 e ss. do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

5. Em 29/07/2010, o Oponente subscreve requerimento, em representação da sociedade C...-Unipessoal, Lda., solicitando o pagamento em prestações no âmbito do processo de execução fiscal com n° 3239... - cfr. fls. 51 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

6. Em 28/02/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n° 3239..., em que é originária executada, sociedade C... - Unipessoal, Lda., é proferido despacho de reversão, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-7, que resumidamente enuncia: " (...) Fundamentos da reversão: ” Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n°1/b LGT]. (...) Quantia exequenda a exigir em sede de reversão €60.248,24 - cfr. fls. 166 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

7. A dívida exequenda constante do processo de execução fiscal, acima identificado, reporta-se a IVA de Novembro de 2009 - cfr. fls. 166 verso do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

8. Em 13/03/2012, o Oponente é citado no âmbito do processo de execução fiscal dos autos - cfr. fls. 169 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

9. Em 13/04/2012, é entregue no Serviço de Finanças de Lisboa-7, p.i. que consubstancia a presente oposição - cfr. fls. 2 e ss. dos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra


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De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida por entender que a Autoridade Tributária (AT) não fez prova do exercício efetivo da gerência por parte do oponente, sendo seu o ónus, termos em que considerou que a responsabilidade que é assacada ao mesmo, enquanto responsável subsidiário da sociedade devedora originária, é ilegal, porque desconforme ao disposto no artigo 24° da LGT.

Inconformada a Fazenda Pública vem dizer que assim decidindo padece: «… quer em omissão de pronúncia quer em erro de julgamento, quanto à matéria de direito, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade do ora Oponente (…) radicam tão somente no facto de a AT não ter provado, através dos documentos que carreou ao processo que aquele era parte legítima para a reversão, como era seu ónus…» - concl. II

Da leitura que fazemos das conclusões recursivas damos conta que nele veem assacados vícios de duas ordens, donde resultam consequências distintas, obstando à eficácia ou validade da dicção do direito designadamente, são elas: erro de julgamento de direito, cuja consequência é a revogação da sentença e omissão de pronuncia, que a verificar-se acarreta nulidade do decidido.

Antes da analise que nos merece o caso concreto, encetemos, pela distinção entre os vícios assacados á decisão recorrida e dentro destes, face ao estipulado no artigo 124.º do CPPT, pela aferição da nulidade da sentença.

Decorre da parte final do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e bem assim da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento, o mesmo é dizer que o vicio que afeta a decisão advém de omissão ou excesso de pronuncia consoante o decido ficou aquém ou além do que, ao juiz, foi solicitado.

Trata-se, por assim dizer, de uma nulidade que se traduz num poder/dever, imposto ao decisor no artigo 608.º n.º 2 do CPC e que reside na obrigatoriedade de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, com exclusão daquela cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permite ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Acompanhamos o que a este respeito ressalta do acórdão deste tribunal proferido em 28/09/2017 no processo n.º 1418/17.5BELRS e aqui convocamos e que é o seguinte: “… haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).” – fim de citação

Quanto ao erro de julgamento de direito diremos que o mesmo se verifica com a infração de uma norma processual ou nas situações em que há a violação uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à incorreta interpretação e/ou aplicação da norma reguladora do caso objeto de decisão.

Aqui chegado e regressando à situação que nos ocupa damos conta que a recorrente vem alicerçar a arguida nulidade por omissão de pronuncia por na circunstância de o tribunal não se ter pronunciado quanto à “… nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação e, a consequente violação do direito de audição prévia por ele exercido.” - concl. V e VIII

Referindo ainda que “… o Tribunal, não só não apreciou a questão da nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação e consequente violação do direito de audição prévia exercido pelo Recorrido, como não apresentou qualquer razão ou fundamento para se abster do conhecimento de tal questão, de que se impunha referência, porque de conhecimento oficioso e expressamente suscitada.” - concl. VII

Com efeito a questão foi invocada na petição inicial, porém ressalta do texto recorrido que a Mma Juíza a quo, principia a sua apreciação esclarecendo que: “…, cumpre antes de mais, atento o disposto no art. 124°, n°s 1 e 2 do CPPT, apreciar da (i)legitimidade do Oponente na execução, por ser a questão que melhor tutela a defesa dos interesses do oponente.”, ou seja decidiu, inverter a ordem das questões formuladas na petição inicial por considerar o imperativo legal imposto pela norma citada, e especificou que daria inicio à analise do pedido pela ilegitimidade do oponente.

De facto, a norma citada, impõe ao decisor a ordem de conhecimento dos vícios na sentença, dispondo (1) que o tribunal deve apreciar prioritariamente aos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os que sejam causa de anulação daquele (2) que o juiz deve dar preferência ao conhecimento dos vícios que assegurem mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e que, de entre os vícios que sejam causa de anulação do ato, deve começar por dar preferência à ordem estabelecida pelo impugnante, sem prejuízo de atender, igualmente, aos vícios arguidos pelo Ministério Público.

Ora, constituindo, a questão da legitimidade do oponente, causa de pedir na petição inicial e, face ao suporte legal invocado pela Mma juíza a quo, para apreciação prioritária na ordem de conhecimento dos vícios a que a sentença deve observar, não vemos qualquer razão para discordar do critério, que a este respeito, foi seguido, sendo certo que no julgamento desta questão tribunal decidiu pela procedência da oposição deixando assim prejudicada a análise das demais questões, situação que, de resto, encontra proteção legal na exclusão enunciada no citado nº 2 do artigo 608.º do CPC.

Assim e, tendo a sentença recorrida conhecido de questões que lhe competia apreciar, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, a outros argumentos da recorrida ou, por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à questão que foi apreciada.

Termos em que, sem mais, improcede, nesta parte, as conclusões recursivas.

Prosseguindo rumo a aferição da verificação de erro de julgamento de direito.

Alega a recorrida que face à circunstancia de o recorrido ter sido sócio e gerente de direito da sociedade devedora originária desde 2008, ter sido dado como responsável pelas declarações de rendimentos Informação Empresarial Simplificada, da sociedade, não ter renunciado ao cargo de gerente, deve considera-se que o mesmo decidiu da vida societária da devedora originária – concl. IX a XIII

Acabando por concluir que dali se retira que: “…dúvidas não restam que, o ora recorrido, na qualidade de responsável subsidiário foi chamado à execução nos termos dos artigos 24. °, n.º 1, al. b) da LGT e 8. °, n.º 1 do RGIT para pagar a dívida da devedora originária, por se encontrarem verificados os pressupostos legais da reversão, nomeadamente por ter sido demonstrada a insuficiência do património da devedora originária.” – concl. XIV

Quanto ao ónus da prova vem dizer que se lhe afigura que a fundamentação que sustenta a decisão é: “… escassa, porquanto tendo o ora recorrido sido citado pelo artigo 24. °, n.º 1 al. b) da LGT, resulta que o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, logo ao ora recorrido, o que até ao momento não logrou provar.”

Vejamos então.

Da apreciação da questão enunciada resultou, como já dissemos que, a responsabilidade assacada ao oponente, enquanto responsável subsidiário da sociedade devedora originária, é ilegal, porque desconforme ao disposto no artigo 24° da LGT, por falta de prova de que foi dele o exercício efetivo da gerência, sendo o ónus da AT.

Para assim decidir a sentença alinhou o seguinte discurso fundamentador:

“Os pressupostos da responsabilização subsidiária à luz do art. 24° da LGT, podem enumerar-se da forma seguinte:
1- A devedora originária não dispõe de bens suficientes para solver as dívidas tributárias;
2- O gestor exerce funções efetivas de gerência, e;
3- O gestor é culposamente responsável pela insuficiência do património social.

Desta enunciação dos requisitos necessários à responsabilidade subsidiária resulta que, à gerência fiscalmente responsabilizante não basta a mera designação ou registo, antes carece do exercício efetivo, ou seja, é necessário que o gerente exerça funções de facto na condução dos destinos da empresa.

Neste domínio não existe responsabilidade objetiva, por isso, a lei não se contenta com a investidura formal no cargo, que pode nem existir, destituída de conteúdo, substância e poder, antes reputa indispensável o exercício real e efetivo deste, porque só assim o gestor pode controlar, ou influenciar decisivamente, as opções económicas e fiscais da sociedade, incluindo o não pagamento das dívidas tributárias.

É por essa razão que a lei fala em «funções de administração ou gestão...»

É à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução contra o responsável subsidiário, que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, neste sentido enunciamos a seguinte jurisprudência:

"A gerência de facto não se presume, sem mais, da de direito, embora possa inferir-se do conjunto da prova usando, nomeadamente, as regras da experiência" - in Ac. do T.C.A./Sul, proc. n° 03215/09, de 16/6/2009, sendo, neste contexto, de invocar a jurisprudência constante do Ac. do Pleno da Sec. do Contencioso Tributário do STA, no Rec. n° 01132/06, in www.dgsi.pt.

A gerência revela-se pela prática de atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros e pela intervenção da Oponente na direção da atividade da empresa.

É certo, que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, mas porque se trata de mera presunção judicial, admite-se que seja ilidida por qualquer meio de prova, bastando para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário (cfr. arts. 350.° e 351.° do Código Civil).

Ora, a questão que se impõe neste conspecto e, nos presentes autos, consiste em saber se a A.T. cumpriu com o ónus de prova da gerência do oponente.

Afigura-se-me que, dos autos não resulta que a A.T. tenha realizado tal prova.

Com efeito, decorre dos autos que a A.T. enuncia alguns factos índice, nomeadamente, na declaração mod. 22 de IRC/2009, 2010, 2011, consta a enunciação do número do contribuinte do Oponente, como representante legal da sociedade originária executada e, em 29/07/2010, o Oponente subscreve, como representante legal da originária executada, requerimento a solicitar o pagamento da dívida exequenda em prestações (pontos 3 e 5 do probatório).

Pergunta-se, face a estes dois atos, desgarrados de outros elementos de prova, podemos concluir, sem dúvidas, que a A.T. carreou factos suficientes que permitem concluir que o Oponente exerceu, em 2009, a gerência da originária executada, influenciando os seus destinos?

Afigura-se-me que não.

A gerência, passa por atos de disposição e de administração contínuos que vinculam a empresa perante terceiros, fornecedores, clientes, trabalhadores e permitem aferir a intervenção do gerente nos mais variados destinos da empresa, prova que a A.T. não fez.” - fim de citação.

Diga-se, desde já, que o assim entendido não nos merece qualquer censura, na verdade, transcorre do probatório que o oponente foi chamado à execução a abrigo do artigo 24.º n.º 1 al. b) da LGT, o que, como bem refere a Mma juíza a quo, faz impender sobre a Fazenda Publica, enquanto titular do direito de reversão, o ónus da prova de que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal a que se reporta a dívida exequenda.

Neste sentido acolhemos o que se disse no acórdão deste tribunal proferido no processo n.º 1953/11.9BELRS em 21/05/2020, cujo coletivo integramos e que, por facilidade, transcrevemos.

Diz-se ali:
“(…)
Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.
A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:
“(…)
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” - fim de citação.

Dito isto, e tendo em conta os factos dados como provados e não provados e o regime da responsabilidade subsidiária prevista do art.º 24.º da LGT, concluímos, como o fez a sentença recorrida, que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o recorrida foi gerente de facto da sociedade devedora originária, isto é, que praticou atos, de gestão e de administração próprios de um responsável por uma sociedade e titulada pelas deliberações da mesma.

Por outro lado, da materialidade dada por provada não resulta evidenciados comportamentos concretos que indiciassem o exercício efetivo da gestão, por parte do recorrido, sendo que esse ónus competia à Fazenda Pública.

Nestes termos, e porque, como dissemos, os elementos presentes nos autos não são suficientes para afirmar a prática de atos de gerência efetiva por parte do oponente, aqui recorrido, concluímos que pela improcedência das conclusões recursivas, também nesta parte.

Assim e sem mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a decisão recorrida, também neste segmento, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.

4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta 1.ª subsecção em negar provimento ao recurso e confirmar anular a sentença recorrida.

Custas ela recorrente.

Lisboa, 25 de março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva

(assinado digitalmente)