Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2382/17.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CAUTELAR; RECURSO
CASO JULGADO
IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Sumário:i) A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, no que lhe é pressuposto, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

ii) O caso julgado formal apenas tem força obrigatória dentro do processo (art. 620.º do CPC), o que significa que o juiz fica nele vinculado pelas decisões aí proferidas, mesmo sobre aspectos de natureza adjectiva (art. 152.º, n.º 1, do CPC).

iii) A decisão sumária que revogou a decisão recorrida e ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que viesse a ser apurado, formou caso julgado no processo, nos precisos termos em que foi decidido e por referência ao objecto do recurso então interposto e que visava o erro de julgamento acerca da avaliação feita da desnecessidade da produção da prova testemunhal, por referência ao requisito do periculum in mora alegado.

iv) Não viola o caso julgado, nem a autoridade do mesmo, a sentença que considerou verificada a inutilidade superveniente da lide e assim não promoveu a produção da prova testemunhal que havia sido ordenada, pois que esta (nova) decisão assentou na premissa de que a pronúncia judicial em sede cautelar havia perdido utilidade, pelo que seria assim inútil produzir prova testemunhal nos autos. Premissa essa que não foi apreciada na decisão sumária proferida em sede de recurso.

v) A lei proíbe a realização no processo de actos inúteis (art. 130.º do CPC).

vi) Interposto recurso com efeito meramente devolutivo de uma providência cautelar que foi indeferida, a Administração pode prosseguir com a prática de actos administrativos, sem que haja violação do disposto no art. 128.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.

vii) A impossibilidade superveniente da lide ocorre quando o efeito jurídico pretendido através do processo se tornou lógica, natural ou juridicamente irrealizável durante a instância.

viii) Tendo sido paga a quantia derivada da ordem de reposição de vencimentos a cuja execução se pretendia obstar com a presente providência, o efeito jurídico pretendido – a suspensão da ordem de pagamento - tornou-se impossível de obter.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

José ............................................................. (ora Recorrente), não se conformando com a sentença do TAC de Lisboa, proferida na sequência de decisão sumária deste TCAS de 16.07.2018, que, nos autos de providência cautelar si propostos contra o Instituto Politécnico de Lisboa e Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, veio recorrer para este TCAS.

As alegações de recurso que apresentou, culminam com as seguintes conclusões:

I) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

II) Não pode o Recorrente conformar-se com o sentido da decisão ora em crise, porquanto a mesma, conforme se propõe demonstrar, incorre em manifesto erro de julgamento de direito. Além disso, ao admitir-se o entendimento propugnado resultaria frontalmente violado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na dimensão do direito ao recurso, pedra basilar do Estado de Direito Democrático. Por outro lado, ao impossibilitar, uma vez mais, o Recorrente de produzir prova testemunhal necessária para demonstrar, em concreto, a verificação dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, diligência essencial para a demonstração de factos que vieram a ser julgados não provados (na primeira decisão final), afigura-se, pois, clarividente que o processo ora em crise padece de nulidade, por preterição de uma formalidade que a lei prescrevee que se revelava essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

III) Conforme supra se referiu, notificado da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa datada de 28.02.2018, o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, alegando ter-lhe sido vedada a possibilidade de produzir prova sobre o periculum in mora, requisito que, na ótica do Tribunal a quo, não foi demonstrado e, como tal, sustentou a decisão de não decretamento da providência requerida.

IV) Por força da revogação da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância determinada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, tudo se passa como se nunca tivesse sido proferida qualquer decisão pelo Tribunal a quo.

V) Na prática, isto significa que valem in totum os efeitos da apresentação do requerimento inicial da presente ação cautelar, em particular, os efeitos suspensivos automáticos decorrentes do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA.

VI) Sucede que, na pendência do recurso, o Recorrido ISEL instou o Recorrente a proceder ao “pagamento integral voluntário” da quantia de €14 829,40 acrescida de juros, sob pena de instaurar o competente processo executivo, sendo que, nessa altura, o fez ao abrigo da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

VII) Por sua vez, o Recorrente, temendo a instauração de um processo executivo, foi forçado a proceder ao pagamento exigido. No entanto, fê-lo, sob reserva de direitos, afirmando expressamente que “A sua disponibilização [da quantia de €14 910,30] não importa a desistência de quaisquer pedidos formulados em sede judicial”, não se conformando, nem aceitando o ato suspendendo e o respetivo ato de execução.

VIII) De todas estas circunstâncias não deu o ISEL conhecimento aos autos, como aliás, era sua obrigação, à luz do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CPTA.

IX) Acontece que, posteriormente, foi proferido o Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o qual fez desaparecer da ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que havia indeferido o requerimento cautelar e, consequentemente, habilitado a Administração (in casu, o ISEL) a executar o ato.

X) Tendo os efeitos da sentença sido destruídos, e tendo em conta que o ato havia sido, entretanto, executado, impendia sobre a Administração e o próprio Tribunal a quo a obrigação de executar o Acórdão deste Tribunal Central, extraindo do mesmo os devidos efeitos. Significa isto que incumbia quer à Administração, quer ao Tribunal a quo a obrigação de proceder à reconstituição da situação hipotética que existiria caso a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância não existisse.

XI) Existe, pois, uma retroação ao status quo ante. Por conseguinte, nenhum ato de execução deveria ter sido praticado e o que foi está condenado a soçobrar.

XII) Na reconstituição da situação anterior à prolação da decisão judicial revogada, cumpre ter em conta que o ISEL se encontrava impedido de executar o ato suspendendo, ou seja, de exigir o pagamento da quantia de €14.910,30 ao Recorrente.

XIII) Anulado o ato de execução praticado na pendência do recurso que ordenou ao Recorrente o pagamento da mencionada quantia (por via dos efeitos do Acórdão do TCAS), deixou a Administração de ter justificação para a reter.

XIV) Ora, no caso, dúvidas não restam de que o ato de execução praticado pelo ISEL viola a decisão judicial proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, motivo pelo qual outra não poderá ser a conclusão senão a de que o mesmo se encontra fatalmente ferido de nulidade (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 158.º do CPTA)

XV) Nestes termos, tinha o ISEL a obrigação de praticar um novo ato que determinasse a devolução dessa quantia ao Recorrente, sob pena de incumprir uma decisão judicial e incorrer numa situação de inexecução ilícita, com as devidas consequências, designadamente ao nível da responsabilidade civil, disciplinar e penal. Só assim daria o Recorrido ISEL cumprimento ao Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo.

Mas não só!

XVI) Também o Tribunal a quo estava obrigado a cumprir o referido Acórdão e extrair do mesmo todos os seus efeitos – promovendo a reconstituição da situação hipotética e diligenciando no sentido de realizar julgamento para produzir a prova testemunhal requerida pelo Recorrente – no entanto, fez tábua rasa do mesmo.

XVII) Todavia, a verdade é que não o fez, com o argumento de que tal importaria a prática de atos inúteis e ilegais, porquanto o Tribunal Central Administrativo Sul, à data da prolação do Acórdão, não tinha conhecimento do quadro factual superveniente.

XVIII) Não crê o Recorrente que o Tribunal Central Administrativo Sul, aquando da prolação do seu Acórdão, não tenha aventado a possibilidade da Administração, in casu, o ISEL, poder ter executado o ato suspendendo, tendo em conta que o recurso das decisões cautelares tem efeito meramente devolutivo. Ciente dessa possibilidade, ainda assim, o Tribunal Central decidiu revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa do processo para efeitos de produção da prova testemunhal requerida (e preterida).

XIX) Até porque, ainda que não o tivesse feito, o Tribunal Central Administrativo Sul apenas aferiria da validade do julgamento operado pela primeira instância, independentemente da tramitação procedimental que ocorreu no hiato temporal entre a prolação da sentença de primeira instância e o momento em que proferiu o seu acórdão.

XX) Entender o contrário, seria considerar que a Administração poderia condicionar o julgamento do Tribunal Central Administrativo em sede de recurso, o que manifestamente violaria o princípio da separação de poderes.

XXI) Assim, caindo a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, caem também todos os atos que, sob a sua autoridade, tenham sido praticados, designadamente o ato de execução praticado pelo ISEL que ordenou ao Recorrente a entrega da quantia de €14 910,30.

XXII) Não só a Administração não deu cumprimento ao Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, como o próprio Tribunal a quo frontalmente o ignorou, não só porque não realizou julgamento, mas também porque laborou em erro ao considerar que um ato de execução que já não tem base legal para estar vigente, se estiver consumado, se encontra consolidado.

XXIII) Caso se admitisse o contrário, ou seja, caso se aceitasse que uma decisão favorável proferida no âmbito de um recurso interposto de uma sentença que não decreta uma providência de suspensão de eficácia de ato não era apta a destruir os efeitos dessa sentença, resultaria violado, quer o princípio da tutela jurisdicional efetiva, quer o princípio da hierarquia dos Tribunais.

XXIV) Acresce que, cumpre nesta sede frisar que o Tribunal a quo labora também em erro de julgamento ao considerar que o Recorrente, instado para o efeito, não se pronunciou ou sobre a utilidade relevante que ainda pode ter o prosseguimento dos autos para os interesses que defende ou que venha a defender na ação principal, ou seja, na demonstração dos requisitos de que depende a aplicação do artigo 129.º do CPTA.

XXV) Atente-se que o Recorrente não pediu ao Tribunal que suspendesse a eficácia de um ato administrativo já executado – como é ratio desse preceito legal. O que o Recorrente pediu foi a suspensão de eficácia de um ato não executado (o ato suspendendo que identificou no seu requerimento inicial) que veio a ser executado na pendência do recurso com efeito meramente devolutivo.

XXVI) O Tribunal a quo não só julgou mal, como não logrou notificar o Recorrente para exercer contraditório quanto a este despacho – o que, por si só, também viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

XXVII) Cumulativamente, revela-se também flagrante o facto do Tribunal a quo continuar a cercear o direito do Recorrente a produzir prova testemunhal sobre a factualidade expendida no seu requerimento inicial e que são determinantes para o decretamento da tutela cautelar que reclama.

XXVIII) Na primeira sentença que proferiu, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento probatório do Recorrente no que se refere à prova testemunhal, sustentada no facto do Tribunal, em face do alegado pelas partes e da prova documental produzida, alegadamente já dispor dos elementos necessários à decisão da causa.

XXIX) Instado a pronunciar-se, em sede de recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul expressamente reconheceu que o Tribunal de primeira instância não deu ao Recorrente “a oportunidade adjectiva para fazer essa prova. Concluímos do exposto que a falta de produção de prova testemunhal viola claramente o direito à produção de prova que assiste ao ora Recorrente”, motivo pelo qual ordenou a sua produção.

XXX) Porém, nem com a decisão de um Tribunal superior, o Tribunal a quo permitiu ao Recorrente exercer o seu direito. Desta feita, o Tribunal a quo optou por extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, não permitindo, por esta via, a produção de prova testemunhal, em total desrespeito pela decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul.

Posto isto:

XXXI) Dúvidas não restam de que continua a necessária a tutela cautelar requerida, devendo a lide prosseguir os seus termos, porquanto se continuam a verificar, in casu, os requisitos de que depende o seu decretamento.

O Recorrido ISEL – INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DE LISBOA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Conclui do seguinte modo:

A. A douta sentença recorrida não enferma dos vícios de erro de julgamento de direito e de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva que o Recorrente lhe imputa.

B. Entende o Recorrente que, face à decisão proferida pelo TCA Sul, a douta decisão recorrida deveria ter declarado a ineficácia do ato de execução praticado pelo Recorrido, alegando que este ato viola a douta decisão do TCA Sul.

C. Contudo, sem qualquer fundamento, já que:

· O ato de execução em referência foi praticado na pendência do recurso para o TCA Sul e não em data posterior à prolação da decisão deste Tribunal.

· A decisão sumária proferida pelo TCA Sul foi proferida num outro contexto, não conhecendo o douto Tribunal de recurso este novo facto/ato de execução do ato suspendendo, sobre o qual não se pronunciou, e, conforme resulta do art.º 621.º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga.

· Julgado procedente o recurso, o ato de execução entretanto praticado pelo Recorrido não desobedeceu ao comando do art.º 128.º, n.º 1 do CPTA, pelo que, não poderia ser declarada a ineficácia de tal ato nos termos do art.º 128.º, n.º 4 do CPTA.

D. Neste sentido se decidiu no douto acórdão do TCA Sul, proferido no Proc. n.º 08256/11, de 12-01-2012, disponível em, www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve:

1 - Indeferida uma providência cautelar, interposto recurso com efeito meramente devolutivo, a administração pode no entretanto prosseguir com a prática de atos administrativos.

2 - Julgado procedente o recurso, os atos entretanto praticados, não desobedecem ao comando do artº 128.1. do CPTA.

3 - Logo, não pode ser declarada a ineficácia dos atos de execução indevida nos termos do artº 128.4 do CPTA relativamente a esses novos atos.

4 – O requerente da providência cautelar tem apenas que socorrer-se do artº 63 do CPTA quanto aos novos atos.

E. Na verdade, o Recorrido não prosseguiu a execução nos termos do artigo 128.º, n.º 1 do CPTA até à data da notificação da sentença que recaiu na providência cautelar.

F. Proferida esta sentença, que indeferiu a providência cautelar, a proibição de executar o ato administrativo cessou, podendo a entidade administrativa prosseguir com a prática daquele ato.

G. O recurso de uma decisão que indefere uma providência cautelar tem efeito meramente devolutivo, como aliás ocorreu neste processo, em obediência ao disposto no art.º 143.º do CPTA, efeito esse que visa impedir que através do recurso se prolonguem no tempo os efeitos do n.º 1 do art.º 128.º do CPTA.

I. Assim, proferida sentença que indefere a providência cautelar, a entidade administrativa pode de imediato prosseguir com os atos subsequentes.

J. Se a sentença for revogada, como sucedeu nestes autos, os atos entretanto praticados não desobedecem ao comando do citado artigo 128.º, n.º 1 do CPTA, pelo que não podem ser declarados ineficazes, como a douta sentença recorrida acertadamente decidiu.

K. Efetivamente, não tendo o Recorrido praticado qualquer ato de execução no período de pendência da providência cautelar em primeira instância, a execução do ato cuja suspensão foi indeferida em 1.ª instância e após este, não é um ato de execução indevida.

L. É verdade que, de acordo com o n.º 4 do art.º 128.º do CPTA, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida não tem como pressuposto o deferimento ou o indeferimento da suspensão, mas o âmbito de aplicação deste incidente apenas se refere aos atos de execução que forem praticados entre o recebimento do duplicado do requerimento (citação) e a data em que se decide a providência.

M. Pelo que a dedução do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevidos pressupõe necessariamente que se tenham praticado atos de execução no período entre a citação da providência e a decisão da mesma em 1.ª instância, e, no caso em apreço, não houve qualquer ato de execução na pendência da providência.

N. Assim, tendo sido julgado improcedente o pedido de suspensão de eficácia, a proibição de executar o ato cessou com essa decisão, não havendo qualquer motivo legal atendível para ser declarado ineficaz o ato de execução praticado após a referida decisão, no sentido aliás veiculado pelo douto acórdão do TCA Sul atrás citado e ainda pelo douto acórdão de 30-03-2017, proferido no Proc. n.º 964/16.2BESNT, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreveu supra.

O. Bem andou, pois, a douta sentença recorrida em não declarar a ineficácia do ato de execução praticado pelo Recorrido na pendência do recurso apresentado no TCA Sul, não violando tal ato a douta decisão do TCA.

P. Nem tão pouco o princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois a atuação do Recorrido processou-se em obediência ao disposto na lei processual, concretamente no CPTA, e o ato de execução praticado não configura, conforme resulta do art.º 128.º do CPTA, um ato de execução indevido.

Q. A formatação processual é da responsabilidade do legislador, pelo que não há aqui qualquer denegação de justiça pelo tribunal a quo que, cumprindo o disposto no CPTA, decidiu em conformidade com o disposto no art.º 128.º do referido diploma.

R. Acresce, por fim, que, a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide foi correta, pois a lesão que o Recorrente pretendia evitar com a instauração da providência cautelar foi consumada, inexistindo, assim, um dos requisitos essenciais para que seja decretada a providência cautelar, o periculum in mora.

S. O efeito jurídico e prático visado pelo Recorrente com a instauração da providência já se encontra plenamente concretizado, por via do pagamento que realizou ao Recorrido na pendência da providência cautelar.

T. Independentemente dos juízos de intenção formulados pelo Recorrente a respeito de quem lhe adiantou tal quantia (supostamente o seu ilustre mandatário) e dos termos em que tal adiantamento foi feito (na expetativa que fosse restituído após a decisão a proferir em sede de recurso que se antevia positiva) e da forma da sua restituição ao referido ilustre mandatário (em prestações, na medida das suas possibilidades), a verdade é que o perigo de lesão que o Recorrente pretendia evitar com a providência cedeu lugar à lesão propriamente dita, com o dito pagamento.

U. Tendo o pagamento sido realizado, ainda que a título de caução ou de pagamento propriamente dito, já se consumaram todos os efeitos nocivos do ato suspendendo, não restando quaisquer efeitos suscetíveis de serem atingidos pela suspensão requerida, pelo que não se verificam sequer os pressupostos de que a norma do artigo 129.º do CPTA faz depender a admissibilidade da suspensão de eficácia do ato já executado.

V. Acresce que, o pagamento realizado pelo Recorrente só vem demonstrar efectivamente que não se verifica um dos requisitos essenciais do decretamento da providência cautelar - o periculum in mora - tal como considerou, e bem, a douta decisão recorrida, tornando absolutamente desnecessária a produção de prova testemunhal determinada pelo Tribunal de recurso.

W. Independentemente de tal quantia ter sido adiantada pelo mandatário do Recorrente, facto que se desconhece, a respetiva entrega ao Recorrido só vem demonstrar que a final o Recorrente tinha meios económicos para pagar a quantia em causa.

X. E o facto de o Recorrente ter declarado nos autos que, em caso de improcedência do recurso, iria restituir ao seu ilustre mandatário o “adiantamento” da importância em referência, “ainda que em prestações, na medida das suas possibilidades”, reforça ainda mais a conclusão anterior e ainda que tal adiantamento não lhe causou qualquer prejuízo irreparável já que a sua restituição irá ser feita de acordo e na medida das suas possibilidades económicas.

Y. De resto, perante o pedido de pagamento da quantia em causa na pendência da providência, o Recorrente poderia, em vez de ter realizado de imediato o pagamento, ter aguardado pela emissão da certidão e respetivo envio para a ATA, pela instauração do processo executivo na ATA, pela realização da citação e ainda pelo decurso do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento da quantia exequenda à ATA, atos que, tendo em conta a urgência da tramitação do recurso, poderiam não se encontrar concluídos à data da prolação desta decisão de recurso.

Z. Assim, a realização imediata do pagamento da dita quantia só veio efectivamente demonstrar que o Recorrente tinha meios económicos para o fazer.

AA. E se pretendesse prestar caução para suspender os efeitos do recurso deveria tê-lo feito perante o Tribunal recorrido.

BB. Tanto é o que basta para concluir que a pronúncia judicial em sede cautelar perdeu inteiramente a sua pertinência e utilidade, pelo que seria inútil produzir prova testemunhal nos autos, pelo que bem andou a douta sentença recorrida em decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos previstos na alínea e) do artigo 277.º do CPC, não violando tal decisão a douta decisão sumária do TCA Sul porquanto, reitera-se, a produção de prova testemunhal se revelaria totalmente inútil e a lei proíbe a realização no processo de atos inúteis (art.º 130.º do CPC).


O Recorrido INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Conclui do seguinte modo:

I. Não tendo o apelante recorrido de qualquer dos despachos antecedentes da sentença como o teria de fazer nos termos do Art. 142.º n.º 5 do CPTA, transitaram os mesmos em julgado não devendo os mesmos ser apreciados no recurso da douta sentença proferida;

II. O douto despacho de 04.10.2018 nem é de qualificar como interlocutório por se tratar de uma decisão de mérito desfavorável ao ora requerente, pelo que havia já transitado em julgado quando veio a ser proferida a douta sentença.

III. Nem numa só das 31 conclusões do douto recurso se analisam os fundamentos da decisão de decretar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, antes aí se discutindo a validade de uma sentença que eventualmente tenha decretado, nalgum outro processo uma impossibilidade superveniente da lide por o ato suspendendo ter sido já executado;

IV. Quer se considere que o ato suspendendo já foi executado quer não (uma lide pode ser simultaneamente inútil e impossível) o prosseguimento do processo é inútil porque tendo o ilustre mandatário do requerente vindo comunicar aos autos que emprestou ao requerente a totalidade da importância que lhe era reclamada que foi entregue ao ISEL para que não executasse o requerente, e mais informando que este valor o requerente lhe iria pagar na medida das suas possibilidades após a decisão final da ação principal, o efeito útil que o Requerente poderia obter com a suspensão da execução do ato foi conseguido e melhorado.

V. A eventual decisão favorável do requerimento de suspensão de eficácia seria objetivamente menos útil para o requerente que o referido empréstimo porque o reembolso do empréstimo, a ter que ocorrer, será em prestações a pagar na medida das possibilidades do requerente em vez de numa só prestação como ocorreria nas mesmas circunstâncias se apenas fosse decretada a suspensão, a que acresce que o eventual incumprimento desse pagamento ao ISEL poderia dar lugar a uma execução fiscal o que não sucede no caso do mesmo incumprimento do reembolso ao seu ilustre mandatário.

VI. Desconhecendo-se qualquer outra circunstância que possa revelar alguma utilidade para o próprio requerente que possa ser gerada pela suspensão de eficácia de um ato e, convidado a indicar alguma dessas circunstâncias, o requerente não o soube indicar, o prosseguimento da lide afigura-se inútil devendo a instância se declarada extinta com esse fundamento (cfr. o disposto na alínea e) do artigo 277º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).


Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada ao abrigo do disposto nos art.s 146.º, nº 1 e do 147.º, nº 2, do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da procedência do recurso, por incumprimento do oportunamente ordenado por este TCAS.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir pela inutilidade superveniente da lide;

- Se o Tribunal a quo violou o caso julgado formado pela decisão deste TCAS que ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que viesse a ser apurado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

A Em 25.10.2017 foi instaurada a presente providência de suspensão de eficácia de actos administrativos do Sr. Presidente do IPL:

a) de 8.9.2017, que determina que o ISEL deve: (i) proceder à sua colocação na posição remuneratória correspondente ao escalão 3, índice 265; (ii) proceder ao apuramento/quantificação dos valores processados desde Abril de 2007, ou seja, à diferença que resulta do pagamento correspondente ao escalão 3º, índice 265 e aquele pelo qual foi abonado – escalão 4, índice 285 –; (iii) e notificá-lo dos valores envolvidos, fixando um prazo de 30 dias para que proceda à reposição dos valores recebidos de forma alegadamente indevida;

b) de 26.9.2017, que o notifica a proceder à reposição integral do valor de €14 829,40, no prazo de 30 dias, findo o qual será emitida certidão de dívida a remeter à Autoridade Tributária e Aduaneira;

E do teor da comunicação subscrita pelo Presidente do ISEL, em 9.10.2017, remetida ao Presidente do ISEP, de onde consta que foi colocado no escalão 3, índice 265, acompanhada de uma Guia de vencimentos (denominada Guia nº 10/2017) de onde decorre que a sua remuneração corresponde ao escalão 3, índice 265;

2. Citadas, as Entidades requeridas (o IPL e o ISEL) deduziram oposição e não foi apresentada qualquer resolução fundamentada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 128º do CPTA;

3. Em 28.2.2018 foi proferida sentença que julgou improcedente a providência requerida por não verificação do requisito do periculum in mora;

4. Notificada a sentença que antecede às partes, em 19.3.2018 o Requerente interpôs recuso de apelação para o TCAS, com efeito meramente devolutivo;

5. As Entidades requeridas apresentaram as suas contra-alegações de recurso;

6. Admitido o recurso, em 7.6.2018 foram os autos remetidos ao TCAS;

7. Em 16.7.2018, por decisão sumária do TCAS, foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e determinada a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que for apurado;

8. Não tendo sido deduzida qualquer reclamação para a conferência, a decisão que antecede transitou em julgado;

9. Em 1.8.2018 foram os autos remetidos pelo TCAS a este Tribunal;

10. Em 3.8.2018, o Requerente veio apresentar o requerimento, pedindo a restituição da quantia de €14 910,30, considerando o decidido pelo TCAS, e o disposto no nº 1 do artigo 128º e no nº 4 do artigo 113º, do CPTA, referindo e juntando comprovativos

i) do ofício de 3.4.2018 do ISEL com o seguinte teor:


"texto integral no original; imagem"

ii) da carta, enviada por fax, de 19.4.2018, dos Ilustres Mandatários do Requerente, chamando, designadamente, a atenção para o facto de a legalidade do acto que criou a obrigação de reposição ter sido posta em crise e estar em discussão na acção administrativa nº 2876/17.3BELSB, que, em caso de procedência, “(…) recairá sobre V. Exas. a obrigação de reparar todos os danos que o M/Constituinte suportará, em virtude da privação de tal quantia, da diminuição do seu rendimento disponível e, consequentemente, do seu nível de vida, o que em sede própria se exigirá.

(…)

A quantia que nos propomos entregar deverá ficar depositada à ordem da Instituição que V. Exas. representam, imobilizada e em reserva até ao trânsito em julgado da decisão que aprecie o mérito da causa. A sua disponibilização não importa a desistência de quaisquer pedidos formulados em sede judicial.

Em face de tudo quanto se expõe, roga-se a V. Exas. a confirmação da informação vertida no V/Ofício nº ................/P/2018, bem como a indicação do meio pelo qual pretendem que se proceda ao depósito da supramencionada quantia.

(…)”;

iii) do ofício, de 23.4.2018, do ISEL com o seguinte te


"texto integral no original; imagem"

"texto integral no original; imagem"


iv) da carta, enviada por fax, de 3.5.2018, dos Ilustres Mandatários do Requerente, remetendo o comprovativo da transferência da quantia de €14 910,30 “realizada no dia de ontem”, insistindo “(…) o referido depósito em dinheiro destina-se tão só a evitar a emissão e remessa de certidão de dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, não significando, nem importando a desistência de quaisquer dos pedidos formulados nas acções judiciais em curso.

Reitera-se que tal quantia não deverá ser movimentada e deverá ficar em reserva até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida no âmbito do processo nº 2876/17.3BELSB que corre termos da U.O.1 do tribunal de Círculo de Lisboa, na qual se discute a conformidade legal dos atos que ordenaram a sua reposição, uma vez que foi entregue como caução e não a título de pagamento da dívida reclamada ao nosso Constituinte (que só será devida e exigível após decisão judicial definitiva).

(…)”.

(Sublinhados meus)

11. Por despacho de 4.10.2018 foi decidido indeferir o pedido para que este tribunal ordene ao ISEL que restitua ao Requerente a quantia de €14 910,30 que pagou ou transferiu para conta bancária a título de caução;

12. Por despacho, de 4.10.2018, considerando que os actos cuja suspensão foi requerida nos autos se encontram, como o próprio afirma, executados, foi determinada a notificação do Requerente para, no prazo de 5 dias, vir informar da eventual utilidade relevante que a prossecução da tramitação dos presentes autos ainda possa ter, nos termos previstos no artigo 129º do CPTA, sendo que, se nada disser, o tribunal entenderá que concorda com a extinção da instância (cautelar) por inutilidade superveniente da lide;

13. Por notificações electrónicas de 10.10.2018 foram as partes notificadas dos despachos que antecedem;

14. Em 22.10.2018 o Requerente pronunciou-se pelo prosseguimento da instância, dando cumprimento ao ordenado pelo TCAS;

15. No requerimento que antecede, o Requerente admite, se a decisão cautelar lhe for desfavorável, restituir/pagar ao seu Ilustre Mandatário o “adiantamento” da importância de €14 910,30, depositada a favor do ISEL, “ainda que em prestações, na medida das suas possibilidades” (confessado no artigo 5º);

16. Por despacho de 22.11.2018 o requerimento do Requerente, indicado no ponto 14. foi considerado parcialmente não escrito.



II.2. De direito

O Recorrente vem afirmar que sentença recorrida errou na análise que fez relativamente à (in)utilidade da lide, por não interpretar devidamente o disposto no art. 128.º do CPTA, conjugado com a regra do efeito devolutivo do recurso.

Neste ponto alega que tendo os efeitos da primeira sentença sido destruídos, e tendo em conta que o acto havia sido, entretanto, executado, impendia sobre a Administração e o próprio Tribunal a quo a obrigação de executar a decisão do TCAS, extraindo da mesma os devidos efeitos. Significa isto que incumbia quer à Administração, quer ao tribunal a quo, a obrigação de proceder à reconstituição da situação hipotética que existiria caso a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância não existisse. Mais alega que o acto de execução praticado pelo ISEL viola a decisão judicial proferida por este TCAS.

Concomitantemente entende o Recorrente que a sentença recorrida impossibilitou-o de produzir a prova testemunhal necessária para demonstrar, em concreto, a verificação dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, diligência essencial para a demonstração de factos que vieram a ser julgados não provados (na primeira decisão final), sendo que para tanto o TCAS havia ordenado a produção da prova testemunhal requerida. Significa isto que o Recorrente imputa ao tribunal a quo a violação da autoridade do caso julgado que se extrai da decisão deste tribunal de recurso.

Comecemos por esta parte do recurso, uma vez que a mesma se apresenta como prioritária, considerando que a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida e transitada em julgado (art. 620.º, 628.º e 152.º, n.º 1, segunda parte, do CPC). E como se disse no ac. de 10.05.2018, deste TCAS, proc. nº 607/09.0BECTB, tal violação constitui “uma ilegalidade substancial por violação do artigo 4º/1 do EMJ, ex vi artigo 57º do ETAF.

Vejamos então.

Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução. Respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.

Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição. Ela tem autoridade no processo, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo (cfr., desenvolvidamente, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968 e Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, in Revista Direito e Estudos Sociais, XXIV, 1997, pp. 309-316).

A decisão sumária que revogou a decisão então recorrida do TAC de Lisboa e ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que viesse a ser apurado, formou caso julgado no processo, nos precisos termos em que foi decidido e por referência ao objecto do recurso então interposto e que visava o erro de julgamento acerca da avaliação feita da desnecessidade da produção da prova testemunhal, por referência ao requisito do periculum in mora alegado.

Na decisão sumária de 16.07.2018 afirmou-se: “A base de uma decisão justa de mérito assenta necessariamente no julgamento adequado dos factos provados e não provados que permitam ao julgador a construção silogística necessária entre os factos e o direito a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC. // Ao não permitir a produção de meio de prova testemunhal, quanto ao requisito periculum in mora, com tal decisão a Mma. Juiz a quo cerceou o direito que a norma fundamental consagra (artigo 20º nº 1 da CRP), sendo que o ora Recorrente logrou ensaiar a demonstração - prova indiciária - dos danos potenciais que resultarão da execução do acto impugnado (avançando prova documental e requerendo prova testemunhal). Haverá, pois, que determinar as diligências de prova que permitam provar, ou não, a factualidade oportunamente alegada pelo requerente da providência.

Ou seja, o referencial adjectivo sobre o qual este TCAS se pronunciou prende-se com o indeferimento da providência cautelar requerida por o tribunal a quo ter considerado que o A. não tinha logrado provar os factos demonstrativos dos requisitos necessários ao seu decretamento, em particular o periculum in mora, mas afinal não lhe havia dado a oportunidade no processo para fazer essa prova. A prova requerida e cuja produção foi (então) recusada destinava-se a demonstrar, designadamente, entre outros, os factos vertidos nos artigos 179.º, 180.º, 181.º, 185.º, 188.º e 190.º da petição inicial, relativos à sua situação económico-financeira.

Ora, a produção da prova determinada sempre haveria que estar em consonância com a necessidade de decidir do mérito da causa, pois que a execução do julgado não prossegue um fim em si mesmo (sob pena da prática de actos inúteis no processo).

E perante a superveniência de factualidade susceptível de gerar a inutilidade ou impossibilidade da lide, impunha-se ao tribunal suscitá-la e resolvê-la. Como fez.

A decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide assentou na circunstância de a lesão que o Recorrente pretendia evitar com a instauração da providência cautelar ter sido consumada, inexistindo, assim, um dos requisitos essenciais para que seja decretada a providência cautelar: o periculum in mora.

Donde se vê que a sentença recorrida não violou o caso julgado, nem a sua autoridade, pois que assentou na premissa de a pronúncia judicial em sede cautelar havia perdido utilidade, pelo que seria assim inútil produzir prova testemunhal nos autos. Premissa essa relativamente à qual o decidido em sede de recurso não tomou qualquer posição.

Concluímos do exposto que a falta de produção de prova testemunhal não violou o decidido na decisão sumária de 16.07.2018.

Improcede o recurso nesta parte.

Vejamos agora se o tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter concluído pela existência de factualidade geradora de inutilidade superveniente da lide.

No TAC de Lisboa afirmou-se, ao que aqui importa, o seguinte:

“(…) Da factualidade assente resulta que: na pendência do recurso interposto da sentença que não decretou a providência requerida, admitido com efeito meramente devolutivo, o ISEL notificou o Requerente de que iria extrair certidão de dívida e remetê-la para à ATA para instauração de correspondente processo executivo, dando-lhe prazo adicional para a pagar voluntariamente e evitar a cobrança coerciva; pedidos esclarecimentos pelo Requerente e prestados pelo ISEL, o primeiro, através de mandatário, depositou a importância em causa, a título de caução, dependente do trânsito em julgado da decisão que aprecie do mérito da causa e obstando à instauração do processo de execução fiscal; as partes não deram conhecimento destes actos nos autos de recurso; por decisão sumária foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e determinada a baixa dos autos para ser produzida a prova requerida; já junto deste Tribunal, o Requerente, pedindo que seja ordenada a devolução da quantia depositada a favor do ISEL, deu conhecimento nos autos dos actos de execução praticados; considerando os actos cuja suspensão de eficácia foi requerida (integralmente) executados, foi aquele pedido indeferido e expendidas (no correspondente despacho) as razões (que aqui se dão por reproduzidas na íntegra) pelas quais entendo não ser possível, sem praticar actos inúteis e ilegais, dar cumprimento ao decidido pelo TCAS; notificado nos termos e para os efeitos do artigo 129º do CPTA, o Requerente não se pronunciou sobre a utilidade relevante que ainda pode ter o prosseguimento dos presentes autos para os interesses que defende ou venha a defender na acção principal.

Em face da execução dos actos cuja suspensão foi requerida resulta evidente a inutilidade de prosseguir com a lide, devendo a instância ser declarada extinta com esse fundamento (cfr. o disposto na alínea e) do artigo 277º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).

Na verdade, o que resulta do probatório, é que o Requerente, ora Recorrente, pretendia obter a suspensão de eficácia do acto administrativo de reposição da quantia em causa nos autos com fundamento no prejuízo irreparável que o pagamento de tal quantia lhe causaria, por não possuir rendimentos que lhe permitam realizar tal pagamento (é o que, em síntese, resulta da causa de pedir).

Sucede que o efeito jurídico e prático visado pelo Recorrente já se encontra plenamente concretizado por via do pagamento efectuado da referida quantia que realizou ao Recorrido após a propositura da providência cautelar.

Com efeito, atento o probatório estão reunidos os pressupostos da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide. É de impossibilidade que se trata e não de inutilidade, considerando que os efeitos do acto que se procuravam impedir de concretizar, não são mais possíveis de paralisar, em razão de acto material posterior consubstanciado no pagamento realizado voluntariamente – porque fora do âmbito de processo executivo de que, aliás, não há notícia sequer de ter sido instaurado - pelo Recorrente, mostrando-se a pretensão objecto da providência impossível de executar, por esgotamento dos seus efeitos. E verificada a impossibilidade da lide o juiz deve emitir pronúncia negativa, isto é, deve declarar que nenhuma providência tem a tomar quanto ao pedido (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra, 1946, p. 370).

Ora, como evidenciado pelo Recorrido ISEL, “[t]endo o pagamento sido realizado, ainda que a título de caução ou de pagamento propriamente dito, já se consumaram todos os efeitos nocivos do ato suspendendo, não restando quaisquer efeitos suscetíveis de serem atingidos pela suspensão requerida, pelo que não se verificam sequer os pressupostos de que a norma do artigo 129.º do CPTA faz depender a admissibilidade da suspensão de eficácia do ato já executado”.

Acresce que, e abordando agora a questão na perspectiva da execução do acto suspendendo que o Recorrente também questiona, indeferida uma providência cautelar, interposto recurso com efeito meramente devolutivo, a Administração pode no entretanto prosseguir com a prática de actos administrativos.

A este respeito veja-se o acórdão deste TCAS de 12.01.2012, proc. nº 08256/11: “Como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 1ª ed., pág. 713, o recurso de uma decisão que indefere uma providência cautelar tem efeito meramente devolutivo, como aliás ocorreu neste processo. // Isto destina-se a impedir que através do recurso se prolonguem no tempo os efeitos do artº 128.1. do CPTA. // Ou seja, proferido o despacho que indefere a providência cautelar, a entidade administrativa pode de imediato prosseguir com os atos subsequentes. // Se o despacho for revogado (como aconteceu no caso dos autos), os atos entretanto praticados não desobedecem ao comando do artº 128.1 do CPTA, pelo que não podem ser declarados ineficazes.”

E também se decidiu no ac. deste TCAS de 30.03.2017, proc. n.º 964/16.2BESNT, que: “interposto recurso com efeito meramente devolutivo de uma providência cautelar que foi indeferida, a administração pode prosseguir com a prática de actos administrativos. // Pelo que, não pode ser declarada a ineficácia dos atos de execução indevida nos termos do art.º 128º.4 do CPTA relativamente a esses atos novos”.

Com efeito, proferida sentença que indefere a providência cautelar, a entidade administrativa visada pode de imediato prosseguir com os actos subsequentes. E se sentença for revogada, como sucedeu no caso dos presentes autos, os actos entretanto praticados não desobedecem ao comando do citado artigo 128.º, n.º 1, do CPTA. Esta solução assenta na consagração do efeito devolutivo do recurso, de acordo com o art. 143.º, nº 2, al. b), do CPTA, que acolhe o princípio de que após a decisão judicial os actos administrativos produzem imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que sejam proferidas, fazendo cessar a proibição de executar o acto administrativo que decorre do artigo 128.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma.

Improcede também por esta via o recurso.

Assim, nada mais cumprindo apreciar, tem que negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, no que lhe é pressuposto, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

ii) O caso julgado formal apenas tem força obrigatória dentro do processo (art. 620.º do CPC), o que significa que o juiz fica nele vinculado pelas decisões aí proferidas, mesmo sobre aspectos de natureza adjectiva (art. 152.º, n.º 1, do CPC).

iii) A decisão sumária que revogou a decisão recorrida e ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que viesse a ser apurado, formou caso julgado no processo, nos precisos termos em que foi decidido e por referência ao objecto do recurso então interposto e que visava o erro de julgamento acerca da avaliação feita da desnecessidade da produção da prova testemunhal, por referência ao requisito do periculum in mora alegado.

iv) Não viola o caso julgado, nem a autoridade do mesmo, a sentença que considerou verificada a inutilidade superveniente da lide e assim não promoveu a produção da prova testemunhal que havia sido ordenada, pois que esta (nova) decisão assentou na premissa de que a pronúncia judicial em sede cautelar havia perdido utilidade, pelo que seria assim inútil produzir prova testemunhal nos autos. Premissa essa que não foi apreciada na decisão sumária proferida em sede de recurso.

v) A lei proíbe a realização no processo de actos inúteis (art. 130.º do CPC).

vi) Interposto recurso com efeito meramente devolutivo de uma providência cautelar que foi indeferida, a Administração pode prosseguir com a prática de actos administrativos, sem que haja violação do disposto no art. 128.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.

vii) A impossibilidade superveniente da lide dá-se quando o efeito jurídico pretendido através do processo se tornou lógica, natural ou juridicamente irrealizável durante a instância.

viii) Tendo sido paga a quantia derivada da ordem de reposição de vencimentos a cuja execução se pretendia obstar com a presente providência, o efeito jurídico pretendido – a suspensão da ordem de pagamento - tornou-se impossível de obter.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 21 de Março de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia