Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:322/10.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
PROVA
Sumário:I - Não se está perante uma situação passível de configurar falsidade do testemunho se a decisão proferida sobre a matéria de facto em duas sentenças se fundou, em parte, em prova testemunhal completamente distinta.
II - Cabe à AT o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido.
III - Constando do PEF elementos probatórios, no sentido do exercício da gestão da devedora originária por parte do revertido, tendo a FP produzido, em sede de oposição, prova testemunhal que infirmou os factos alegados na petição inicial, no sentido de tal gestão de facto não ter ocorrido, e não tendo sido produzida qualquer prova pelo mencionado revertido, encontra-se preenchido o pressuposto do exercício da gestão efetiva da devedora originária exigido no n.º 1 do art.º 24.º da LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

R...(doravante Recorrente ou Oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 09.07.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi, em parte, julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, no demais, julgada improcedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3611200701092693 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Amadora 3 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções, atinentes aos anos de 2005 e 2006, da devedora originária E...– ..., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. A prova de gerência de facto, tem que ser realizada pela entidade exequente, em sede de despacho de reversão,

2. No caso sub judice, tal não sucedeu;

3. Pelo que, em momento posterior não pode ser realizada e apresentada tal prova.

4. No nosso modesto entender, não pode haver reversão para o ora Recorrente, pelo facto de não ter sido realizada prova em sede do despacho de reversão;

5. Devendo por isso ser dado sem feito, a decisão do tribunal a quo; e ser julgada a oposição procedente.

6. Caso assim não seja entendido, o que por mera hipótese académica se admite, também não ficou provado em sede de audiência de julgamento que o Recorrente fosse, ou agisse como gerente de facto da devedora originária,

7. E mais se diz que as mesmas testemunhas em processo diferentes, afirmaram e declararam posições diferentes, no caso sub judice, consideram que o recorrente em certas situações poderia agir como gerente de facto, sendo que no âmbito o processo 239/07.8BESNT, disseram precisamente o oposto; a ser assim deverá ser extraído certidão, para instaurar o competente processo criminal”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de a prova da gerência de facto ter de ser realizada em sede de despacho de reversão e em virtude de não se poder concluir que o Recorrente exerceu a gerência da devedora originária?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 29.11.2007 foi instaurado contra a sociedade “E...– ..., LDA.” o processo de execução fiscal n.º 3522200701092693 (PEF), ao qual foram posteriormente apensados outros, para cobrança de dívidas de IVA de 2006, Retenções na Fonte de IRS de abril a setembro de 2005 e respetivos juros compensatórios, tudo valor de € 24.471,53, conforme discriminado na informação de fls. 52 a 57, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e ainda por dívidas de coimas no valor de € 5.336,87 – cfr. o processo de execução fiscal (PEF) apenso e informação de fls. 52 a 57 do suporte físico dos autos.

B) Em 01.08.2007 foi feito constar no PEF que a sociedade “E...– ..., LDA.” não possuía bens ou valores suscetíveis de penhora e, ainda, que desde 31.03.2007 tinha cessado a atividade em sede de IVA – cfr. informação de fls. 33 a 44 do PEF apenso.

C) Em 24.07.2009 foi elaborado o despacho de reversão da execução identificada em A) contra o ora Oponente e contra o outro gerente e sócio, M..., com os fundamentos constantes de “relatório anexo”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se se invoca, além do mais:

- a inexistência de bens/ativo da sociedade suscetível de penhora, e por

- se encontrarem reunidas as condições, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT para reversão contra os sócios gerentes, designadamente por não ter sido comunicada a renúncia à gerência

– cfr. fls. 66 a 69 e do PEF apenso.

D) Em 27.07.2009 foi o Oponente citado na qualidade de responsável subsidiário para o PEF identificado em A) – cfr. fls. 70 e 75 a 78 do PEF apenso.

E) A constituição da sociedade E...– ..., LDA. foi registada em 07.09.1999, sendo o ora Oponente um dos sócios fundadores, conjuntamente com M...e J..., tendo sido designados gerentes todos os sócios, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

F) Em 07.11.2000 o sócio M...renunciou à gerência, facto levado ao registo pela ap. 07 de 17.10.2001 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

G) Em 07.11.2000 foi designado gerente J..., facto levado ao registo pela ap. 08 de 17.10.2001 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

H) Em 23.12.2003 J... renunciou à gerência, facto levado ao registo pela ap. 16 de 02.03.2004 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

I) Em 23.12.2003 J... renunciou à gerência, facto levado ao registo em 05.03.2004 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

J) Pela ap. 17 de 02.03.2004 foi registada a nomeação de M...na qualidade de gerente – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

K) Nos meses de agosto a outubro de 2000 o ora Oponente auferiu rendimentos da categoria A pagos pela sociedade “E...– ..., LDA.” e a partir de novembro de 2000 pagos pela sociedade “C...-..., Lda.” – cfr. docs. 2 a 10 juntos com a p.i.

L) No mês de novembro de 2000 apenas consta o sócio gerente M...na folha de remunerações apresentada pela sociedade “E...– ..., LDA.” à Segurança Social – cfr. doc. 12 junto com a p.i.

M) No mês de outubro de 2000 apenas consta N...na folha de remunerações apresentada pela sociedade “C...-..., Lda.” à Segurança Social – cfr. doc. 13 junto com a p.i.

N) No mês de novembro de 2000 constam na folha de remunerações apresentada pela sociedade “C...-..., Lda.” à Segurança Social os nomes do ora Oponente, R..., de J... e de J...– cfr. doc. 14 junto com a p.i.

O) As sociedades “E...– ..., LDA.” e “C...-..., Lda.” foram ambas criadas pelo ora Oponente e por M...– prova testemunhal.

P) Ambas as sociedades, “E...– ..., LDA.” e “C...-..., Lda.”, funcionavam no mesmo espaço físico, no qual se trabalhavam, igualmente, o ora Oponente e M...– prova testemunhal.

Q) O Oponente estava mais ligado aos assuntos da sociedade “C...-..., Lda.” e M...mais aos relativos à “E...– ..., LDA.” – prova testemunhal.

R) Ambos os sócios, o Oponente e M..., conversavam e tomavam decisões em conjunto em relação aos assuntos da “E...– ..., LDA.”, designadamente assuntos relativos a bancos, embora o sócio M...tivesse um papel mais ativo na procura de novos clientes e, também na resolução dos problemas dos trabalhadores na altura em que a sociedade deixou de ter atividade – prova testemunhal.

S) Desde 2000 a gestão administrativa e financeira da sociedade “E...– ..., LDA.” passou a ser feita por um colaborador contratado por ambos os sócios gerentes – prova testemunhal.

T) Em julho de 2003 foi comunicado pelo colaborador referido em S) aos sócios M...e ora Oponente que a sociedade “E...– ..., LDA.” se encontrava com graves dificuldades financeiras – prova testemunhal.

U) Em outubro de 2005 foram penhoradas as contas bancárias da sociedade “E...– ..., LDA.” – prova testemunhal.

V) Na sequência das penhoras a que se refere a alínea que antecede a sociedade devedora originária deixou de ter atividade – prova testemunhal.

W) Em 31.03.2007 a sociedade devedora originária cessou a atividade para efeitos de IVA – cf. fls. 44 do PEF apenso.

X) Em 25.06.2001 foi entregue pela sociedade “E...– ..., LDA.” uma declaração de alterações para opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, subscrita pelo ora Oponente na qualidade de representante legal da sociedade – cfr. fls. 121 a 123 do PEF apenso.

Y) Em 11.04.2005 o ora Oponente outorgou uma procuração em nome da sociedade “E...– ..., LDA.” na qualidade de representante legal da sociedade – cfr. fls. 119/120 do PEF apenso.

Z) A presente oposição deu entrada no órgão de execução fiscal em 21.09.2009 – cfr. fls. 6 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Factos não provados:

Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa que importe julgar provados ou não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade; da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e da prova testemunhal produzida em audiência, tudo conforme referido em cada uma das alíneas.

No que à prova testemunhal respeita, relevou na formação da convicção do tribunal, o depoimento da testemunha M..., que de forma esclarecedora explicou terem sido criadas duas sociedades diferentes, dedicando-se cada um dos sócios – ele próprio e o Oponente – mais a uma das sociedades que a outra, realçando, contudo, que ambas funcionavam no mesmo espaço, encontrando-se a testemunha e o ora Oponente na mesma sala, conversando sobre os assuntos relacionados com a sociedade “E...– ..., LDA.”, designadamente sobre a contratação do “gestor” financeiro e sobre os problemas financeiros que surgiram, verificando-se estas circunstâncias até à data da penhora das contas bancárias, altura em que a sociedade deixou de exercer atividade. Quanto à testemunha Rui Lima, que foi funcionário da sociedade devedora originária, referiu claramente, e com conhecimento direto dos factos, que até 2005, altura em que a sociedade deixou de exercer atividade, o ora Oponente era seu chefe e era “pessoa assídua” na empresa nela tendo um papel ativo, embora o sócio M...tivesse um papel mais ativo. Confirmou ainda que ambas as empresas de que eram sócios o ora Oponente e M..., funcionavam no mesmo espaço”.

II.D. Atento o art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrige­-se o lapso constante do facto A), supratranscrito, que passará a ter a seguinte redação:

A) Em 29.11.2007 foi instaurado contra a sociedade “E...– ..., LDA.” o processo de execução fiscal n.º 3611200701092693 (PEF), ao qual foram posteriormente apensados outros, para cobrança de dívidas de IVA de 2006, Retenções na Fonte de IRS de abril a setembro de 2005 e respetivos juros compensatórios, tudo valor de € 24.471,53, conforme discriminado na informação de fls. 52 a 57, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e ainda por dívidas de coimas no valor de € 5.336,87 – cfr. o processo de execução fiscal (PEF) apenso e informação de fls. 52 a 57 do suporte físico dos autos.

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

AA) Foi junto ao PEF mencionado em A) o documento de exercício de direito de audição, apresentado por M..., no âmbito do PEF n.º 3611200501069489 e apensos, primitivamente instaurados contra a sociedade “E...– ..., LDA.” (cfr. fls. 105 a 118 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Refira-se, antes de mais, que o constante da conclusão 7. carece absolutamente de materialidade.

Com efeito, compulsadas ambas as atas de diligência de inquirição de testemunhas, resulta que:

a) No âmbito dos autos n.º 239/07.8BESNT, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo aqui Recorrente, concretamente J..., J... e J...;

b) No âmbito dos presentes autos, foram ouvidas testemunhas arroladas pela FP, concretamente M... e R.... As testemunhas mencionadas em a), também arroladas pelo Recorrente nos presentes autos, não foram ouvidas, em virtude de o Recorrente ter prescindido da sua inquirição.

Ou seja, ao contrário do que alega o Recorrente, não foram as mesmas as testemunhas inquiridas e, consequentemente, não se verifica qualquer situação de contradição de testemunhos.

Como tal, carece de materialidade o alegado, no sentido de dever ser extraída certidão para instauração de processo criminal.

Passando à apreciação do mérito do recurso.

III.A. Do erro de julgamento, em virtude de a gestão de facto não ter resultado provada

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, o órgão de execução fiscal (OEF) não fez a prova, em sede de despacho de reversão, da gerência de facto e que, de todo o modo, não ficou provado que agisse como gestor de facto da devedora originária.

Antes de mais, refira-se que, não obstante esta posição do Recorrente, o mesmo não atacou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC.

Limitou-se a afirmar que as testemunhas declararam posições diferentes em processos distintos, situação que, como referimos supra, não é aqui aferível, designadamente atendendo à decisão proferida sobre a matéria de facto no processo n.º 239/07.8BESNT, que, como já mencionamos, não se revela antitética com a decisão proferida nos presentes autos.

Posto isto, cumpre aferir se assiste razão ao Recorrente, no sentido de não ter ficado provado que o mesmo fosse gerente de facto da devedora originária.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento voluntário [cfr. facto C)].

Como se referiu anteriormente, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se­-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos.

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06), operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que “… [a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal”.

Como tal, continua o referido Acórdão do Pleno:

“Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização(sublinhado nosso).

Face a este entendimento, unânime na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade. (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).

Tal ónus não significa que devam constar exaustivamente do despacho de reversão todos os factos passíveis de preencher o conceito de “gerente de facto”.

Com efeito, há que ter como ponto de partida a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que não é necessário que constem do despacho de reversão todos os factos em que o OEF se fundou para efeitos de considerar o gestor como sendo gestor de facto [cfr., por todos, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13)].

Desta jurisprudência resulta, por consequência, que possam ser demonstrados tais factos fora desse contexto (caso contrário, seria um entendimento desprovido de efeito útil, porquanto não existiria falta de fundamentação formal, mas existiria falta de fundamentação substancial).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.12.2012 (Processo: 0580/12): “No caso dos autos, encontra-se no despacho de reversão alegação quanto à gerência de facto. // Também os elementos careados para o processo pela Administração tributária fundaram a convicção do julgador de que o efectivo exercício de funções se verificou, pelo que julgou improcedente a oposição. // O assim decidido, nenhuma censura merece” (sublinhado nosso).

Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto.

Ora, no caso dos autos, desde logo se refira que, do despacho de reversão proferido pelo órgão de execução fiscal (OEF), em termos de fundamentação, consta o mínimo exigível, na medida em que é ali indicado o Recorrente como gerente da sociedade.

Compulsado o PEF, resulta ainda que, do mesmo, constam outros elementos que sustentam a posição do OEF, nomeadamente o documento de exercício de direito de audição, apresentado por M..., no âmbito do PEF n.º 3611200501069489 e apensos, no qual o mesmo refere que a gestão da sociedade devedora originária era feita por ele e pelo ora Recorrente. Do PEF consta ainda um outro elemento documental, concretamente uma procuração forense [cfr. facto Y)], também ela subscrita pelo Recorrente.

Portanto, do próprio PEF já resultavam elementos, designadamente os afirmados por M... (complementados com alguns elementos documentais), no sentido de o Recorrente ser gestor de facto da devedora originária.

Por outro lado, a prova testemunhal produzida apenas veio confirmar o que já decorria do PEF.

A este propósito, consideramos relevante sublinhar que o Recorrente, em sede de processo de oposição, alegou uma série de factualidade, atinente à falta de exercício da gestão de facto, tendo arrolado testemunhas (J..., J... e J...).

A FP, por seu turno, em sede de contestação, arrolou igualmente testemunhas (M..., R... e L...), o que lhe é legítimo fazer – desde logo, para infirmar a factualidade alegada pelo ora Recorrente na sua petição inicial.

Com efeito, não acompanhamos o entendimento do Recorrente no sentido de que a FP não poderia produzir ulteriormente qualquer tipo de prova.

Da leitura que fazemos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo atinente às exigências de fundamentação e demonstração da gestão de facto, é possível em sede de oposição ambas as partes discutirem os pressupostos de reversão, efetuando a respetiva prova.

Refere-se no já mencionado Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13): “em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT)…” (sublinhado e destacados nossos).

Aliás, tendo sido alegados factos na petição inicial, suscetíveis de afastar o decorrente do PEF, em termos de gestão de facto, processualmente seria sempre de admitir que a FP pudesse produzir prova, que rebatesse a factualidade alegada na petição inicial.

Como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 569):

“Na contestação o representante da Fazenda Pública pode tomar posição sobre a petição de oposição, contrariando a argumentação do oponente ou suscitando exceções ou alegando causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito subjacente à pretensão do impugnante e pode oferecer as provas que entenda necessárias.

(…) Embora neste art.º 201.º não se preveja esta possibilidade de oferecimento de provas, ela decorre da atribuição de faculdades e meios processuais (art.º 98.º do LGT).

À produção de prova em oposição à execução fiscal aplicam-se as regras do processo de impugnação judicial, por forças do disposto no art.º 211.º n.º1 do CPPT.

Assim, o representante da Fazenda Pública poderá indicar testemunhas, no número de 3 por cada facto, num máximo de 10 (art. 118.º, n.º 1, do CPPT) (…)

Para além de prova testemunhal, pode ser apresentado qualquer meio de prova legalmente admissível, inclusivamente pericial (arts. 115.º e 116.° do CPPT).”.

Posto isto, nos presentes autos, em sede de audiência, a ora Recorrente prescindiu da de inquirição das testemunhas por si arroladas. Foram, então, apenas ouvidas duas das testemunhas arroladas pela FP, a saber, M...e Rui Lima, sendo que, em sede de contestação, a factualidade alegada pela FP se sustenta no que decorre do já mencionado direito de audição que consta do PEF, visando, no fundo, com tal prova sedimentar o que dali resultava.

Feito este enquadramento e considerando que não foi de modo algum impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, consideramos que não assiste razão ao Recorrente.

Com efeito, resulta provado que o Recorrente e M...criaram duas sociedades [a devedora originária e a C...-..., Lda (doravante C...) – factos E) e O)], que funcionavam no mesmo edifício e onde ambos exerciam funções [cfr. facto P)].

Não obstante ter ficado provado que o Recorrente estava mais ligado aos assuntos da C... e M...mais aos relativos à devedora originária [cfr. facto Q)], ficou provado que as decisões de gestão relativas a esta última sociedade eram tomadas por ambos [cfr. facto R)].

Portanto, não obstante esta divisão de tarefas, da qual resultava que, na angariação de clientes e na resolução de problemas com trabalhadores, tivesse um papel mais ativo M...[cfr. facto R)], a participação na gestão efetiva da devedora originária por parte do Recorrente resultou provada.

A divisão de tarefas entre gestores não desresponsabiliza, per se, nenhum deles, porquanto a imputação da falta de pagamento extravasa o simples ato de pagar, nos termos a que nos referimos. Assim, se o gestor atuou, por ação ou omissão, de modo a contribuir para o depauperamento do património da sociedade, conduzindo a uma situação de impossibilidade de pagamento de dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o mesmo é responsável nos termos consignados na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, porquanto a sua atuação conduziu à falta de pagamento.

Assim, carece de razão o Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de abril de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)