Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:241/12.8BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE CREDENCIAÇÃO;
FALTA DE MENÇÃO DE PODERES;
ALARGAMENTO PRAZO DE CADUCIDADE;
RATIO LEGIS 45.º, Nº5 DA LGT;
FATURAÇÃO FALSA.
Sumário:I-Da interpretação conjugada dos preceitos legais 46.º e 47.º do RCPIT resulta que o início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários, sendo que a cominação para a sua falta coaduna-se, tão-só, com a possibilidade de oposição aos atos de inspeção.

II- A notificação que permite suspender o prazo de caducidade da liquidação é a da ordem de serviço ou do despacho no início da ação de inspeção externa, a efetuar nos termos do artº.51, do RCPIT, podendo a assinatura da ordem de serviço ser efetuada pelo TOC, nos termos do nº.3 do preceito.

III-A falta de menção dos poderes ao abrigo dos quais foram emitidas as ordens de serviço, não gera qualquer invalidade se, não obstante a sua falta, se demonstrar que o interessado teve conhecimento do procedimento a tempo de nele poder intervir.

IV-Existindo identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, a questão fática subsume-se no artigo 45.º, nº5 da LGT, sendo a data relevante para efeitos de aplicação desta norma a data da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração.

V-A ratio legis do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação resulta da gravidade dos factos e da complexidade na sua averiguação, não acarretando qualquer violação dos princípios da certeza e segurança jurídica decorrentes do Estado de Direito Democrático, não só porque não se trata de uma prorrogação ad aerternum do prazo de caducidade, mas também porque tal princípio tem ser analisado e balanceado com a necessidade da prossecução do interesse público, na realização da justiça penal e tributária.

VI-No domínio da faturação falsa, a Administração Tributária não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I) RELATÓRIO

L.........., LDA interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativos aos períodos de junho, julho, agosto e outubro de 2007, e respetivos juros compensatórios, no montante global de €69.873,87.

Conclui as suas alegações nos seguintes termos:

A) Conclui-se que o Director de Finanças Adjunto tinha competência para emitir as Ordens de Serviço, mas continua a existir ilegalidade do procedimento por falta de menção da qualidade em que actuou;

B) O tribunal a quo não se pronunciou sobre esta invalidade e sobre a sua consequência legal, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia;

C) O ato de notificação deve ser declarado nulo e, consequentemente, reconhecer-se a ilegalidade de todo o procedimento de inspecção que levou a nova liquidação (com a consequente anulação das liquidações), na medida em que o artigo 51º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária estatui que, para todos os efeitos, assinatura da Ordem de Serviço (notificação) determina o início do procedimento de inspecção, não podendo considerar-se válido o procedimento de inspecção se o pressuposto da sua eficácia é inválido;

D) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a inexistência de credenciação do funcionário que praticou os actos de inspecção mais importantes no procedimento (remessa de carta aviso, elaboração de relatório de inspecção tributária) e sobre a sua consequência legal, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia;

E) Requisito legal para o início do procedimento de inspecção externa é credenciação dos funcionários, sendo que por credenciação se entende o "acto administrativo mediante o qual se reconhece a competência individualizada ao funcionário em concreto" (ROCHA, Joaquim Freitas da, CALDEIRA, João Damião, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Anotado e Comentado, 1ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, Maio de 2013, pp. 262). Como salienta JOAQUIM FREITAS DA ROCHA (Cfr. Ob. Cit. pp.): "Devem integrar o conceito de falta de credenciação, todas as situações em que a mesma não possa ser exibida ou, sendo exibida, padeça de vícios. (…) Também a falta de correspondência entre os funcionários que constam na ordem de serviço ou despacho e os funcionários que se apresentam para proceder à inspecção pode igualmente constituir falta de credenciação. (…) Naturalmente que esta falta de credenciação só poderá ser sanada, com, passe a redundância, a credenciação dos funcionários nos termos legalmente exigidos no artigo 46° do RCPIT, sanado os vícios que a mesma possa eventualmente conter (...). A prática de actos por funcionários não credenciados ou deficientemente credenciados pode, quanto a nós, consubstanciar um vício invalidantes do acto tributário praticado afinal."

F) Assim, conclui-se pela falta de credenciação do funcionário para a prática de actos de inspecção, bem como a inexistência de posterior credenciação para o efeito. Em consequência, este vício tem repercussões no ato final e deverão ser as liquidações anuladas.

G) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o ónus da prova que impende sobre a AT, no momento em que não aceita a dedução do IVA, nos termos do disposto no n°3 do artº 19°do CIVA, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia;

H) Para haver simulação seria necessário que a AT tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de simulação, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da mercadoria em pareço, na medida em que tem de ser ponderado que o utilizador das facturas falsas não sabe nem tem que saber dessa falsidade (a existir!).

I) Ao aceitar-se que o ónus da AT se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente a emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir os custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem incumprido qualquer obrigação perante o Estado, pelo que não tendo sido observado este ónus, as liquidações deverão ser anuladas;

J) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as alegações complementares que se seguiram à junção dos docs. Fls 721 e seguintes, sendo a sentença nula por omissão de pronuncia;

K) A notícia de crime adquire-se por conhecimento próprio ou mediante denúncia. No caso dos autos a notícia de crime foi adquirida mediante conhecimento próprio e quando adquirida por conhecimento próprio "Os agentes da administração tributária, os órgãos de polícia criminal e da marinha de guerra procedem de acordo com o disposto no artigo 243º do Código de Processo Penal (art. nº6 do art. 35º do RGIT), ou seja, levantam auto de notícia. Não existe Auto de notícia junto aos autos, se não aquele que foi elaborado após a acção inspectiva, em 12/12/2011, sendo esta consequência da notícia de crime adquirida findo o procedimento de inspecção (com o relatório de inspecção tributaria);

L) Não existindo auto de notícia que indicie a Recorrente, não poderá ser aplicado o nº5 do artº45º da LGT;

M) Existe um erro de julgamento de direito evidente ao ler-se nos factos dado como provados da sentença: "14) Em 26/10/2010 foram instaurados os processos de inquérito crime nºs 2/10.9IDSTB-A e 290/10.0IDSTB, contra a sociedade Impugnante, na sequência de autos de notícia levantados em 12/12/2011, por alegada prática de crime de fraude fiscal qualificada em sede de IVA e IRS nos períodos de 2006 e 2007 face aos elementos recolhidos no âmbito do procedimento de inspecção levado a cabo à mesma;";

N) Remete-se para aqui as conclusões K) e L);

O) Há um défice instrutório, na medida em que não são concretizados nem referidos os factos que deram origem ao processo-crime em que se baseia o alargamento do prazo de caducidade;

P) A partir do momento em que surge a notícia e indícios da prática de uma infracção, a existir, os inspectores devem constituir formalmente a pessoa visada como arguida uma vez que o comportamento posterior a essa notícia já estará a visar materialmente o arguido e não um mero contribuinte que tem um estatuto diferente, o que não aconteceu;

Q) Entendimento diverso, obrigaria a considerar que o próprio legislador teria legitimado o recurso a meios enganosos e como tais, ética, jurídica e constitucionalmente insustentáveis;

R) A dogmática do sistema fiscal, nomeadamente e em concreto do procedimento de inspecção tributário, não pode ter por trás um processo de inquérito em que é visado o contribuinte inspeccionado. O mesmo é dizer que os factos investigados num processo-crime anterior, não podem ser os mesmos factos que deram origem a uma nova liquidação.

S) O Tribunal a quo faz uma interpretação e aplicação inconstitucional da norma contida no nº5 do art.45° da LGT, por fazer uma aplicação arbitrária deste normativo, não identificando em concreto os factos investigados no processo-crime, o que viola intoleravelmente o princípio da legalidade fiscal, previsto na al. a), do nº2 do art.8°da LGT e nº2 do art. 266º da Constituição da Republica Portuguesa;

T) Viola o principio da dignidade humana, a certeza e segurança jurídicas, decorrentes do Estado de Direito Democrático, o direito à não auto-incriminação, o direito a um processo equitativo, artigos 2°, 18º, 2 e 3, 20º e 32° da CRP, a interpretação segundo a qual os factos investigados num processo-crime em fase inquérito, são os mesmos factos que dão origem a uma nova liquidação de imposto que tem por base uma inspecção tributaria posterior e um continuo dever legal de colaboração de entrega de documentos e prestação de esclarecimentos e informações;

U) A interpretação segundo a qual há lugar a um alargamento do prazo de caducidade, aplicável a um sujeito passivo visado em processo-crime (instaurado antes de iniciada uma inspecção tributaria ao mesmo) e a imposição do dever de colaborar, quando o que se visa é a obtenção de prova processo-crime, é inconstitucional por violação da segurança e certezas jurídicas, decorrentes da ideia de Estado de Direito Democrático (art.2 ° da CRP) e do direito à não auto-incriminação, direito fundamental de vertente processualista (32º da CRP), a proporcionalidade na restrição de direitos, liberdades e garantias (18º, 2 e 3 da CRP);

V) A interpretação, segundo a qual é aplicável o alargamento de prazo e caducidade a qualquer sujeito passivo que manteve relações comerciais (utilizador de facturas alegadamente falsas) com um sujeito passivo indiciado por emissão de facturas falsas e para o qual foi instaurado um processo-crime, com base nesses factos, é inconstitucional por violação do principio da certeza e segurança jurídica, decorrente do principio do Estado de Direito Democrático (2º da CRP) e do princípio da legalidade fiscal previsto nos artigos al. a), do n°2 do art.8º da LGT e nº2 do art.266º da Constituição da Republica Portuguesa.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e declarar-se nulidade do ato de notificação que determina o início do procedimento de inspecção tributária e consequentemente que se reconheça a ilegalidade de todo o procedimento e anulação das liquidações efectuadas; que seja declarada a anulabilidade das liquidações face as ilegalidades identificadas; que se considere verificada a falta de liquidação do imposto no prazo de caducidade do mesmo.”


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O Digno Representante da Fazenda Pública (DRFP) optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízos Desembargadores Adjuntos, submetem-se, ora, os autos à conferência para decisão.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade provada:

1) A sociedade Impugnante declarou início de actividade em 01/01/2003 para o exercício de, além de outras, actividade de compra e venda de cortiça;

2) Durante os anos de 2006 e 2007 a sociedade esteve enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de tributação com periodicidade mensal;

3) A sociedade comercial Impugnante foi objecto de inspecção tributária determinada pelas Ordens de Serviço n°OI2010...../OI2011..... emitidas pela Divisão de Inspecção Tributária … da Direcção de Finanças de Setúbal visando os exercícios de 2006 e 2007, concretamente emanadas do Director de Finanças Adjunto em despachos seus datados de 12/10/2010 e 24/05/2011;

4) Estas Ordens de Serviço com o objectivo de proceder a inspecção externa foram notificadas à sociedade Impugnante na pessoa do TOC ..... em 07/06/2011;

5) A inspecção tributária antes descrita teve início em 07/06/2011 e conclusão em 21/10/2011 e foi comunicada à sociedade Impugnante mediante carta aviso remetida em 07/06/2011;

6) Das conclusões da acção de inspecção resultaram correcções em sede de IVA no valor total de 59.713,00 euros quanto ao exercício de 2007, assim distribuídas:

DataIVA
Junho – 078.824,20 €
Julho – 0741.454,00 €
Agosto – 077.528.50 €
Outubro – 071.911,00 €
Total Geral59.717,70 €
7) Estas correcções em sede de IVA assentam na seguinte conclusão extraída no relatório: "(...) Pelo facto de existirem indícios fundados de que as transacções comerciais tituladas pelas facturas discriminadas nos pontos III.A. 1. 1, III. A. 1.2. e III.A.1.3. representarem simulação de transacções e pagamentos, através da interposição de terceiras pessoas, face aos factos já apurados vai proceder-se à correcção do imposto deduzido com fundamento nos termos do n°3 do art.19° do CIVA (…)”;

8) Por sua vez estas conclusões remetem para a seguinte análise da contabilidade:

Data(2)Valor líquidoIVATotal
Mar-06144.300,00 €30.303,00 €174.603,00 €
Mai-06155.000,00 €32.550,00 €187.550,00 €
Ago-06285.000,00 €59.850,00 €344.850,00 €
Out-06139.000,00 €29.190,00 €168.190,00 €
Dez-06142.000,00 €29.820,00 €171.820,00 €
Total Geral865.300,00 €181.713,00 €1.047.013,00 €


DataValor líquidoIVANome
Jun-0729.520,006.199,20António ..........
Jun-0712.500,002.625,00António ..........
Jun-07 Total42.020,008.824,20
Jul-078.400,001.764,00António ..........
Jul-0791.000,0019.110,00António ..........
Jul-0798.000,00 €20.580,00 €P.........., Lda
Jul-07 Total197.400,00 €41.454,00 €
Ago-0710.850,002.278,50Jorge ..........
Ago-0725.000,005.250,00Jorge ..........
Ago-07 Total35.850,007.528,50
Out-079.100,001.911,00Jorge ..........
Out-07 Total9.100,001.911,00
Total Geral284.370,0059.717,70
9) Os pontos do relatório a que se faz alusão em tais conclusões descrevem a análise efectuada pela equipa inspectiva do seguinte modo:

A.1. Custos do Exercício

A.1.1.- Compras de Cortiça

A.1.1.1. - P.........., Lda. - NIPC ..........

A.1.1.1.1. Facturação detectada na contabilidade

a) A empresa L.........., Lda tem registadas na sua contabilidade facturas emitidas em nome da sociedade P.........., Lda., Lda, conforme se discriminam; (anexos n°s I e II)




A.1. 1.1. 2. Diligências Efectuadas

Foi efectuada acção inspectiva à sociedade P.......... Lda., NIPC .........., relativamente ao exercício de 2006, tendo-se verificado o seguinte:

a) A empresa P.......... entregou, no dia 28 de Maio de 2007, uma declaração de rendimentos, modelo 22 de IRC, de 2006. Verificou-se que não foram declarados quaisquer proveitos na declaração anual: (anexo III)

b) No dia 29 de Novembro de 2007, foi entregue uma nova declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de 2006, onde foram declarados proveitos no valor de 865.300,00€, ou seja, o mesmo valor de facturação contabilizada pela "sociedade L..........", no pressuposto que a "sociedade P.........." apenas teve um único cliente; (anexo n°IV)

c) No dia 25 de Outubro de 2007, foi entregue uma declaração anual de 2006, onde não foram declarados quaisquer proveitos; (anexo V)

d) No dia 3 de Dezembro de 2007, foi entregue uma segunda declaração anual de 2006, onde foram declarados proveitos no valor de 865.300,00 €; (anexo VI)

e) Todas as primeiras declarações periódicas de IVA, referentes ao exercício de 2006, foram entregues com valor nulo na base tributável; (anexo VII)

f) No dia 26 de Novembro de 2007 foram entregues declarações periódicas de IVA de substituição, referentes aos meses de Março, Maio, Agosto, Outubro e Dezembro. As bases tributáveis destas declarações totalizam 865.300,00€, precisamente os valores contabilizados pela "sociedade L.........."; (anexo VIII)

g) Ao fazer o cruzamento do anexo O da declaração anual da empresa P.........., Lda. com o anexo P dos seus fornecedores verificou-se que existia uma divergência no valor de 181.713,00 €. Ao analisar a referida divergência verificou-se que esta se deveu ao facto de a empresa P.......... ter declarado o valor das suas vendas sem IVA no anexo O, enquanto que o seu cliente, a empresa L.......... Lda, .........., declarou o valor das compras com IVA; (anexo IX)

h) A empresa P.......... foi notificada, através do ofício n°....., de 06-04-2010, registo nos CTT n°RM……....PT da Direcção de Finanças de Setúbal, para apresentar na sede da sociedade, situada na Rua .......... n°37 - r/c, em Grândola, no dia 6 de Maio de 2010, pelas 10,00 horas, os registos contabilísticos, registos auxiliares e respectivos documentos suporte, relativos à escrita da empresa do exercício de 2006; (anexo X)

i) A aludida notificação foi devolvida com a indicação "Objecto não reclamado", pelo que foi enviada uma nova notificação, nos termos do n°5 do artigo 39° do CPPT, através do ofício n°….., de 23/04/2010, registo nos CTT n°RM..........PT, que também foi devolvida com a mesma indicação: (anexo XI)

j) O Sr. José .......... foi notificado, na qualidade de representante de cessação da empresa P.........., através do ofício nº…..; de 06-04-2010, registo nos CTT nº RM..........PT, para apresentar na Rua .......... n°37 - r/c, em Grândola, no dia 5 de Maio de 2010: pelas 10 00 horas os registos contabilísticos, registos auxiliares e respectivos documentos suporte, relativos à escrita da empresa do exercício de 2006: (anexo XII)

k) A referida notificação foi devolvida com a indicação "Objecto não reclamado", pelo que foi enviada uma nova notificação, nos termos do n°5 do artigo 39° do CPPT, através do ofício n°….., de 23/04/2010, registo nos CTT n°RM..........PT, que também foi devolvida com a mesma indicação; (anexo XIII)

l) Face à falta de colaboração do representante de cessação da empresa P.......... foi solicitado à empresa L.......... Lda, .......... que remetesse a estes serviços fotocópia das facturas, extractos de conta corrente e respectivos meios de pagamento;

m) Foram apresentadas as facturas em análise e foram discriminados os seguintes cheques como pagamentos das aludidas transacções em 2006 e 2007 à empresa P..........: (anexo XIV)




n) Da análise aos cheques verificou-se que, em regra, para cada factura eram emitidos dois cheques, um no valor do IVA e o outro no valor da mercadoria sem IVA. Ouvido em declarações o Sr. Luís .........., sócio-gerente da entidade emitente dos cheques, sobre a razão para tal situação, este declarou que era emitido um cheque no valor do IVA, que deveria ser utilizado em primeiro lugar pelo sujeito passivo a fim de cumprir as suas obrigações em sede de IVA, enquanto que o outro cheque só deveria ser depositado pela empresa P.......... mais tarde. Apesar de tal argumento, não se verificou que assim fosse, visto que a sociedade P.........., Lda. não procedeu à entrega das declarações no prazo devido e do respectivo imposto nos cofres do Estado, até à presente data; (anexo XV)

o) Verificou-se ainda que todos os cheques emitidos pela empresa em inspecção à empresa P.........., Lda., apesar de terem sido emitidos à ordem desta, tinham sido todos endossados a terceiros. Questionado o Sr. Luís .......... sobre se saberia qual o motivo para esta situação, este declarou que o Sr. José .......... lhe disse que tinha dívidas cujo pagamento estava em atraso no banco onde a empresa tinha conta bancária e que se os depositasse estes seriam de imediato cativados para pagamento das referidas dívidas, pelo que os endossava a terceiros que lhe entregariam o dinheiro correspondente ao valor dos cheques; (anexo XV)

p) As contas dos beneficiários dos cheques são as seguintes, indicando-se em referência 1) 2) e 3) os titulares das respectivas contas:

1. Conta bancária cujos titulares são Ana .......... e Luís .........., precisamente o sócio gerente da sociedade – vide anexo XVI

2. Conta Bancária em que é titular Maria ........... O Sr. Luís .......... tem em comum um filho com esta senhora conforme certidão de nascimento e informação da C.......... em anexos VXI e XVII.

3.Conta Bancária em nome dos titulares José ........... Maria V.........., Ludovina ........... De acordo com a certidão de nascimento de Luís .........., José .......... e Ludovina .......... são seus avós maternos e Maria V.......... é sua mãe (anexos XVII e XVIII):

q) O transporte desta mercadoria encontra-se quase sempre suportado por guias de remessa emitidas pela empresa L.......... Lda., conforme anexo XIX;

r) De acordo com o preenchimento das referidas guias de remessa, o transporte da mercadoria vendida pela empresa P.........., Lda à empresa L.........., Lda. em 2006, foi efectuado através de um veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-..-.., propriedade da segunda sociedade;

s) Saliente-se que no exercício de 2006 o maior valor declarado pela sociedade L.........., Lda. como aquisições de cortiça foi relativo ao fornecedor P.........., Lda,, com o valor de 1.047.013,00 €; (fls.1 do anexo IX)

t) Por outro lado, não foi detectado através do cruzamento dos anexos O/P da declaração anual quaisquer contribuintes que tenham relação comerciais com a sociedade P.........., Lda, estando apenas relacionada com as aludidas transacções declaradas por L.........., Lda.; (fls.2 do anexo IX)

u) Assim sendo, não obstante as declarações de rendimentos e IVA entregues pela empresa P.......... Lda, não foi detectada uma estrutura empresarial sólida declarada, que justifique que a mesma nos exercícios em análise exercesse uma actividade real que lhe permitisse facturar tais montantes, unicamente à sociedade L.........., Lda.

A.1.1.2. - NIF .......... - António ..........

A. 1.1.2.1. - Facturação detectada na contabilidade (anexo XX)




A.1.1.2.2. - Diligências Efectuadas

1. O contribuinte em análise foi alvo de inspecção tributária no âmbito da ordem de serviço n° OI2010….. por se ter verificado que se encontrava em incumprimento fiscal nos exercícios de 2007, 2008 e 2009;

2. Em primeira análise, na aplicação da Inspecção Tributária na opção de cruzamentos da declaração anual nos anexos O/P de 2007, constatou-se que foi declarado pela firma L.......... Lda., como aquisições a António .........., o valor de 358.668,00€, no anexo P. Por outro lado, foi declarado por António .......... no seu anexo O, de clientes como vendas efectuadas àquela sociedade o valor de 187.550,00€; (anexo XXI)

3. Face à divergência no exercício de 2007, no dia 26 de Outubro de 2010 foi ouvido em declarações (anexo XXII) o contribuinte Sr. António .........., tendo declarado que:

a. "No que respeita às vendas à empresa L.........., Lda. apenas vendi de facto cortiça no montante de 187.550,00€ que foi por mim recebida através do cheque. As outras facturas (...) números 270, 391, 392 e 393 foram passadas por mim mas a cortiça era do meu irmão Victor .........., NIF .......... (...)";

4. Obtidos os cheques emitidos pela empresa L.........., Lda., de pagamento das aludidas facturas, com os números 270, 391, 392 e 393, verificou-se que estes foram endossados pelo Sr. António .......... à Sra. Elsa .......... (A Sra. Elsa .......... foi identificado por António .......... como sendo a esposa do sei irmão Victor ..........), NIF .........., a beneficiária dos mesmos (anexo XXIII) a levantá-los, à excepção do pagamento do valor líquido da factura n° 393 de 91.000,00€ (anexo XXIV), que foi endossado e depositado numa conta do Banco .......... com o n°........... Em análise às contas já identificadas, constatou-se que são titulares os avós e mãe de Luís .........., conforme anexo XVIII.

5. No que se refere à factura com o n° 184, foi paga através de cheque, tendo este sido depositado na conta do Sr. António .......... (anexo n° XXV);

6. Face ao exposto, as facturas abaixo discriminadas não titulam transacções verdadeiras, visto que as vendas não foram efectuadas pelo próprio emitente das facturas, mas pelo seu irmão, Sr. Victor .........., conforme declarações em anexo XXII, sendo a esposa deste a beneficiar do pagamento dos valores em causa:




7. Por outro lado, a factura n°393 emitida por António .........., igualmente não titula nenhuma transacção, já que ficou provado que o destino do cheque emitido em nome de António .......... para pagamento da factura foi precisamente a conta bancária em que são titulares, familiares do sócio gerente, ou seja, os avós e mãe de Luís ...........

8. Não obstante o referido anteriormente, o Sr. Victor .......... encontra-se enquadrado em IVA pela actividade de comércio por grosso de cortiça, verificando-se que no exercício de 2007, o mesmo até emitiu a factura n° 21 a Luís .......... pela venda de uma pilha de cortiça, conforme anexo XXVI, verificando-se o depósito do respectivo valor na sua conta bancária.

A.1.1.3. -NIF .......... -Jorge ..........

A.1.1.3.1. - Facturação detectada na contabilidade (anexo XXVII)




A.1.1.3.2. - Diligências Efectuadas

1. O contribuinte foi alvo de acção inspectiva ao exercício de 2007, tendo-se verificado que o mesmo era não declarante em IRS e IVA desde o exercício de 2002, tendo sido instaurado processo de inquérito, conforme já referido no 3°§ do ponto II.B.;

2. De salientar que a quase totalidade da informação obtida sobre este contribuinte - o Jorge .......... - foi decorrente da investigação efectuada pelo NIC - SATAC (Núcleo de Investigação Criminal - Serviço de Apoio Técnico à Acção Criminal) da Direcção de Finanças de Setúbal;

3. Tendo sido solicitados comprovativos de pagamentos, nomeadamente cheques frente e verso das facturas emitidas por Jorge .......... à sociedade L.........., Lda. e a outro contribuinte de outra unidade orgânica, adiante designado por "contribuinte X" constatou-se que para os pagamentos das facturas n°s 2 e 5, os cheques foram endossados a terceiras pessoas, identificadas como Aldo .......... e João ..........; (anexo XXVIIl)

4. Apenas o cheque correspondente à factura n°3, emitido por L.........., Lda., foi recebido por Jorge .........., onde figura no verso a identificação do seu BI, que confere com os dados fornecidos pela Direcção de Serviços de Identificação Civil; (anexos XXIX)

5. Na investigação efectuada pelo NIC/SATAC, foi informado pela GNR do Pinhal Novo que o Sr. Jorge .......... é conhecido por contrafacção de roupa e que há rumores de se ter ausentado para parte incerta;

6. De facto pela análise ao cadastro verificou-se que o contribuinte se encontra enquadrado desde 2001-03-01 pela actividade de "Comércio por grosso de vestuário" (anexo XXX);

7. Porque havia indícios da existência de crime Fraude Fiscal Qualificada, previsto no Art°104° do RGIT, na conduta tomada por Jorge .......... foi inquirido o Sujeito Passivo a quem foi endossado o cheque a fls.1/3 do anexo XXVIII.

8. Da inquirição resultaram os seguintes factos apurados:

a) o inquirido Aldo .......... assumiu ter sido titular do direito de crédito sobre o cheque (..-), mas não ter sido utilizador do dinheiro., já que serviu de mero interveniente no levantamento do cheque e reconhecer um terceiro elemento masculino que usa uma assinatura similar à do Jorge .......... nos levantamentos dos cheques Passo a citar as declarações prestadas em sede de inquirição de Testemunha a (...): "reconhece o cheque da C….., que levantou no balcão da C.......... de Grândola, porque as pessoas que estavam a fazer um negócio ao pé de si, na Várzea Redonda, como não tinham conta na C….., pediram-lhe para o levantar..... Recorda-se que quem lhe deu o cheque não tem nada a ver com a foto que se encontra no processo a (Anexo XXIX)...Eram uns três ou quatro homens, nenhum deles é o da foto... Mas o homem que assinou o cheque com o nome Jorge .........., estava consigo no Banco e viu-o assinar o cheque.. .Reconhece-o se o vir, mas não sabe quem ele é. Sabe que ele tem um Mercedes preto CLK de 2 lugares.. ..É um homem de meia altura, cabelo grisalho,. não é gordo nem magro, perto de 40 anos, usa óculos de sol, com ar de empresário, tem "entradas" no cabelo.

9. Das diligências efectuadas junto do "contribuinte X", apurou-se que contribuinte Bruno .........., NIF .........., inquirido em 25/08/2010 como testemunha e em 06/09/2010, como arguido, teve interligação com as facturas emitidas por Jorge .......... (vide anexos XXXII e XXXIII):

1. crédito sobre o cheque (...), emitido por "contribuinte X", e recebido a totalidade do dinheiro resultante e interveniente nas transacções de cortiça - sendo o Jorge .......... um mero emitente da facturação, trazido por um tal João "da J….." -, assim como se assume como fornecedor/intermediário entre esses e os adquirentes "contribuinte X" e L.........., Lda. No entanto, o Arguido, com um discurso atabalhoado, acabou por denunciar uma situação diferente, já que o cheque é do "contribuinte X" e é mencionada uma transacção com o Luís ........... Passo a citar: "Recorda-se duma transacção de cerca de 600 arrobas de cortiça que o declarante vendeu a Luís ............. No entanto, embora tenha vendido uma boa quantidade de cortiça ao Luís .........., não a facturou na totalidade. Só facturou metade da cortiça e o Jorge .......... facturou a outra metade...Houve um intermediário nesta transacção, que se chama João, só o conhece assim e que é da J…... Foi este João que arranjou este negócio de venda de cortiça ao Luís ........... Foi este João que disse ao declarante, precisar que este só facturasse metade da cortiça, porque ele, João, precisava de passar facturas para ter um volume de negócios, que lhe permitisse ter "imagem no Banco" por causa de créditos Foi este João, que afinal não facturou a outra metade da cortiça, e que trouxe o Jorge .......... que passou a factura da metade restante da cortiça ao Luís .........., embora não lhe tenha vendido nada ...A cortiça foi na totalidade vendida por si ao Luís .........., mas só facturou metade. No entanto recebeu a totalidade do preço da cortiça. Como ia referiu a outra metade foi facturada pelo Jorge ..........". Confrontado com o facto de estarmos perante um cheque emitido pelo "contribuinte X" disse: "levantou o cheque de (...) no Banco ..... e entregou o dinheiro ao João ..... ou João C……, da J…... Não sabe o apelido dele. Chamam-lhe "o G….." que tem um Mercedes preto, de 2 lugares.....O que sabe é que vendeu ao Luís .......... cortiça, que não facturou, quem a facturou foi o Jorge ........... Todo esse negócio foi feito pelo João da J….., que precisava de cortiça para vender ao Luís ........... O declarante vendeu a cortiça ao João da J..... e ao Jorge .......... e recebeu o pagamento da cortiça do João da J....., em dinheiro vivo, 25.000 euros. Recebeu em maços ainda com a cinta de papel. Foi em Grândola, à porta da C........... Só estavam presentes os 3, ele declarante, o João e o dito Jorge, que só viu nesse dia. Foi o João que disse que era o Jorge quem facturava a cortiça na totalidade, ao Luís .............. foram os carros do Luís .......... que carregaram a cortiça...Nessa transacção de cortiça houve dois emitentes de facturas, ele Bruno e o Jorge, houve um único fornecedor de cortiça, ele Bruno, houve dois "compradores" o Luís e o João, mas um único comprador final que foi o Luís .........., porque a cortiça foi toda para ele. Houve 2 pagamentos de cortiça, um em dinheiro - 25.000 Euros que foi o João que pagou, outro pagamento de 18.000 e tal euros, em cheque que foi o Luís que pagou." que se refere precisamente à factura n°034 de 30/08/2007 emitida por Bruno .......... no valor de 18.150,00€, vide anexo XXXIV.

2. das diligencias encetadas foi possível identificar o tal João "da J....." como sendo João .........., (NIF ..........), vide anexos XXVIII, fls.3/3, e XXXV, que se encontrava a trabalhar na Alemanha, mas foi encontrado na residência da mãe, na J..... e foi constituído Arguido, não tendo contudo prestado quaisquer declarações, pelo que nada adiantou à investigação dos factos que importava provar- facturação falsa e negócio simulado, tendo inclusive faltado ao interrogatório agenciado.

10. o Jorge .......... não foi encontrado, nem identificado pelos intervenientes nas transacções, sendo que se encontra em parte incerta, conforme informado pela GNR de Pinhal Novo;

11. a ter havido transacções, efectivas, de cortiça, em que os adquirentes são o "contribuinte x" e L.......... Lda, estas não são tituladas pelas facturas em causa nos autos, já que o Bruno .......... confirma ter vendido cortiça a L.........., mas facturado unicamente metade, sendo a restante metade da cortiça vendida, facturada pelo Jorge .........., sem existir actividade declarada de comércio de cortiça;

12. pelo que se conclui, que quer as facturas quer os cheques, não titulam transacções verdadeiras, porque as primeiras foram emitidas por quem não vende; e os segundos pagam a quem não facturou;

13. há um elemento conhecido de todos que é o João "da J.....", verdadeiro "cérebro" de toda esta actividade desenvolvida à volta da venda de cortiça, conclusão extraída das declarações prestadas pelas Testemunhas, porque arranja contactos, fornecedores, clientes, emitentes de facturas que desaparecem sem deixar rasto, havendo indícios de ser, também, fornecedor não colectado (cessou a actividade em 18/05/2007, conforme consta no anexo XXXVI), sendo que o único cheque, aparentemente, assinado e recebido pelo Jorge .......... é o que, onde está mencionado o n° BI do recebedor, vide anexo XVIII fls. 2/3 ;

14. no caso concreto, o utilizador L.........., Lda deduziu, indevidamente, o IVA liquidado nas facturas abaixo elencadas, tendo o emitente Jorge .......... actuado como cúmplice na emissão das mesmas, as quais não titulam verdadeiras transacções, quanto ao vendedor-emitente, mas que titulam vendas de cortiça (não declaradas) por terceiros, nomeadamente o Bruno ..........;




10) Da análise a estes fornecedores da sociedade inspeccionada concluiu o relatório do seguinte modo quanto ao IRC:

A.3.1. - P.........., Lda.

1. Em conclusão das diligências efectuadas em relação à sociedade P.........., Lda., os cheques apresentados por Luís .......... como pagamentos a esta sociedade são endossados pelo Sr. José .........., que por sua vez são depositados em contas bancárias particulares do Sr. Luís .......... e de seus familiares, conforme informação bancária da C.......... e Banco .......... e conforme se aferiu das certidões de nascimento, que evidenciam as relações familiares existentes;

2. Do exposto se prova que a beneficiária dos valores dos cheques não é a sociedade P.........., Lda, mas o próprio sócio gerente Luís .......... ou familiares, com relação estreita com o mesmo;

3. Pode-se concluir que as facturas emitidas pela empresa P.......... Lda à empresa L.......... Lda não titulam transacções verdadeiras entre as duas empresas pelo facto de:

a. Os cheques emitidos pela empresa L.......... Lda, para pagar as supostas compras de cortiça contabilizadas à empresa P.......... Lda foram endossados ao próprio sócio-gerente e familiares directos, não tendo sido comprovado o pagamento das verbas àquela sociedade;

b. Verificaram-se incoerências nos valores das declarações de rendimentos, anual e periódicas de IVA entregues pela sociedade P.........., Lda, não obstante as substituições das mesmas, o que corrobora ainda mais o objectivo no sentido de simular as operações em causa;

c. A empresa L.......... Lda pagou sempre o valor do IVA das facturas à parte, i.e., pagava o valor da cortiça com um cheque ou dois e o valor do IVA com outro, facto também indiciador;

d. Foi utilizada a figura da sociedade P.......... Lda., com o objectivo de simular as transacções inexistentes;

e. A empresa P.......... Lda não pagou o Imposto liquidado nas suas declarações periódicas de IVA nos cofres do Estado, no prazo para pagamento voluntário ou em cobrança coerciva, nem sequer após notificação nos termos de artigo 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias:

f. A empresa P.......... Lda não pagou o Imposto liquidado na sua declaração modelo 22 de IRC de 2006;

g. Nas declarações prestadas pelo Sr. Luís .......... em anexo n° 15, de 12 de Agosto de 2010, depois de inquirido sobre o destino dos cheques emitidos à sociedade P.........., Lda., e a quem eram os mesmos endossados, não referiu quem eram os destinatários, tendo omitido esse facto, que afinal foram precisamente os seus familiares directos;

A.3.2. - António .......... / Victor ..........

1. Conforme declarações do Sr. António .........., irmão de Victor .........., NIF .......... emitiu facturação no valor de €171.118,20 à sociedade L.........., Lda, no entanto, pelas declarações prestadas assumiu que o valor em causa referia-se às facturas n°s 270, 391, 392 e 393 de transacções de cortiça que pertencia ao seu irmão Victor .........., argumentando ter feito um favor ao seu irmão;

2. Na sequência das diligências efectuadas junto da sociedade L.........., Lda., solicitaram-se os comprovativos de pagamento, tendo-se concluído que:

i. Os cheques emitidos para pagamento, ao Sr. António .......... relativas às facturas n°s 270, 391 e 392, foram endossados à Srª. Elsa .........., esposa do seu irmão Victor ..........;

ii. Relativamente à factura n°393, o cheque do valor líquido da factura, sem IVA, de 91.000,00 foi igualmente endossado, mas depositado numa conta do Banco .........., com o n°.........., pertencente aos avós e mãe de Luís ...........

3. Perante tais factos, no que concerne às facturas emitidas com os n°s 270: 391 e 392, as mesmas não titulam transacções verdadeiras, visto que as vendas de cortiça não foram efectuadas pelo sujeito passivo emitente das facturas, mas pelo seu irmão, Sr. Victor ..........;

4. Por outro lado, relativamente à factura n°393 verificou-se que o cheque de pagamento emitido ao valor líquido da factura, foi utilizado com o objectivo de simular aquela transacção, já que os valores pagos foram efectivamente depositados em conta do B....., de familiares directos do sócio-gerente.

A.3.3. - Jorge ..........

1. Perante a informação recolhida no âmbito da investigação do inquérito n°NUIPC 2/10.0IDSTB verificou-se que o Sr. Jorge .......... actuou, como cúmplice, em obediência aos planos aparentemente estabelecidos por João .......... com o propósito, comum, de simularem transacções comerciais, sabendo que as facturas não eram verdadeiras, com o propósito do utilizador das facturas, a Sociedade L.........., Lda, obter vantagens patrimoniais.

A.3.4. Resumo em sede de IRC

1. Para a efectivação das vendas declaradas o contribuinte suportou necessariamente custos de aquisição com a mercadoria, no entanto, os documentos referentes aos contribuintes já indicados apresentam anomalias que indiciam que a escrita não revela a exacta situação patrimonial, nem os fornecedores daquela mercadoria terão sido aqueles;

2. Certamente que, se ao volume de negócios declarado expurgarmos os custos que se identificaram com fortes indícios de simulação de transacções, o resultado fiscal obtido se encontraria certamente desajustado face à realidade patrimonial da actividade desenvolvida;

3. Nesse pressuposto, entende-se que são de aceitar como custos os valores declarados, sem prejuízo do n°3 do Artº19 do CIVA, concluindo-se que as referidas facturas contabilizadas tiveram como objectivo colmatar deficiências em documentar custos de aquisição da cortiça, cujos fornecedores efectivos não emitiram as respectivas facturas.”

11) No relatório da inspecção consta o capítulo XIX respeitante ao direito de audição contendo análise do requerimento apresentado pela sociedade Impugnante no seguimento de notificação do projecto do relatório para exercício de tal direito concluindo do seguinte modo:

6. Depois de analisados os factos expostos nas petições efectuadas em 08/11 e 7/12, do corrente ano pela sociedade, verificou-se que os fundamentos apresentados não são susceptíveis de anular as propostas efectuadas no projecto de relatório de inspecção tributária.

7. Face ao exposto, não se propõem alterações às propostas de correcção efectuadas.

12) O relatório da inspecção encontra-se datado de 12/12/2011 e foi notificado à sociedade Impugnante em 28/12/2011;

13) Nessa sequência foram elaboradas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios com os números .........., .........., .........., .........., e .........., .........., .........., .........., respectivamente, emitidas em 24/01/2012, e com data limite de pagamento do imposto assim liquidado e juros até 31/03/2012, cuja notificação à sociedade Impugnante ocorreu através de carta registada;

14) Em 26/10/2010 foram instaurados os processos de inquérito crime n°s 2/10.9 IDSTB-A e 290/10.0 IDSTB, contra a sociedade Impugnante, na sequência de autos de notícia levantados em 12/12/2011, por alegada prática do crime de fraude fiscal qualificada em sede de IVA e IRS nos períodos de 2006 e 2007 face aos elementos recolhidos no âmbito do procedimento de inspecção levado à mesma.

15) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada neste TAF em 28/06/2012».


***

Quanto ao julgamento da matéria de facto, lê-se, ainda na Sentença recorrida:

“Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos constantes dos autos, designadamente os apensos que constituem cópia certificada do relatório conclusivo da acção inspectiva a que a sociedade foi submetida e documentos a ele anexos bem como naqueles que as instância do Tribunal foram juntos para efeitos de instrução em conformidade com o determinado pelo Douto Acórdão do TCA Sul”.

“Não ficaram provados os factos que concretamente se mostram contrários à matéria assente.

O demais resultará da análise do direito aplicável ao caso”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

14. Em 26/10/2010, foi instaurado o processo de inquérito nº 290/10.0ISDTB, com base na informação preliminar elaborada no decorrer de procedimento inspetivo ao sujeito passivo “P.........., Lda”. e despacho do Diretor de Finanças de Setúbal (cfr.fls. 668 a 674 dos autos);


***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

16. A Ordem de Serviço OI2011....., identificada em 3) apresenta, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte teor:

"Texto integral no original; imagem"

(…)




"Texto integral no original; imagem"

(cfr. doc.junto com a p.i. a fls.70 )

17. A Ordem de Serviço OI20100....., identificada em 3) apresenta na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte teor:

"Texto integral no original; imagem"

(…)




"Texto integral no original; imagem"

(cfr. doc.junto com a p.i. a fls.69 )

18.O Relatório de Inspeção Tributária referido em 9., reporta-se aos exercícios de 2006 e 2007, tendo sido elaborado, em 12 de dezembro de 2011, pelo técnico Nelson .........., com parecer favorável da chefe de equipa Paula .......... (facto não controvertido e que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária);

19. No âmbito do processo de inquérito nº 290/10.0ISDTB, referido em 14, foi levantado auto de notícia contra a sociedade “L.........., LDA”, do qual resulta na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:






(cfr doc. de fls.673 e 674 dos autos);

20.Em 30 de abril de 2012, a sociedade “L.........., LDA” foi constituída arguida no processo de inquérito NUIPC 290/10.0IDSTB (facto que se extrai do teor de fls. 668 a fls. 674, corroborado pelas fls. 229 a 235 dos autos e fls. 747 a 771 constantes do processo nº 164/12, mediante consulta na plataforma SITAF, coadjuvado com a factualidade assente na sentença a fls. 508 e seguintes);

***


III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IVA, referentes aos períodos de junho, julho, agosto e outubro de 2007, no valor de €59.717,70, acrescido dos respetivos juros compensatórios, tudo perfazendo o valor global de €69.873,87.

Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

§ Se a decisão recorrida é nula por nela não terem sido apreciadas as seguintes questões:

Ø A "falta de menção da qualidade" em que atuou o Diretor de Finanças Adjunto;

Ø A inexistência de credenciação do funcionário que praticou os atos de inspeção, mormente, carta aviso e elaboração de relatório inspetivo e sua consequência legal;

Ø Ónus da prova que impende sobre a Administração Tributária no momento em que não aceita a dedução do IVA;

Ø As alegações complementares por si apresentadas;

§ Improcedendo as aludidas nulidades, se existe erro de julgamento quanto à falta de menção do autor do ato e inexistência de credenciação para os atos de inspeção;

§ Se a sentença incorreu em erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito competindo, assim, aferir se a Administração Tributária apurou indícios suficientes para concluir pela emissão de faturação falsa e consequentemente pela desconsideração do IVA suportado.

§ Se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que julgou não verificada a caducidade do direito de liquidar, por não ser aplicável à situação concreta o alargamento do prazo previsto no n.° 5, do artigo 45.° da Lei Geral Tributária, atenta a inexistência de auto de notícia indiciando a Recorrente pela prática de infração tributária respeitante aos factos em apreço.

§ Se a aludida interpretação acolhida pelo Tribunal a quo é inconstitucional por violação dos artigos 2°, 32.°, 18°, n.° 2 e 3 e 266°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e 8.°, n.° 2., alínea a), da Lei Geral Tributária.

Comecemos pela análise da omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão(2).

Feitos os considerandos de direito que relevam para os autos, atentemos, então, individualizada e casuisticamente se a decisão recorrida padece da arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Iniciemos, assim, a abordagem pela alegada omissão de pronúncia quanto à "falta de menção da qualidade" em que atuou o Diretor de Finanças Adjunto.

A Recorrente alega que o Diretor de Finanças Adjunto tinha competência para emitir as Ordens de Serviço, mas continua a existir ilegalidade do procedimento por falta de menção da qualidade em que atuou, sendo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta invalidade e sobre a sua consequência legal, sendo, por isso, a sentença nula por omissão de pronúncia.

Porém, atentando na decisão recorrida verifica-se que, contrariamente, ao evidenciado pela Recorrente o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre tal questão, bastando, para o efeito, atentar no ponto 8.1 da aludida sentença, com epígrafe “Da ilegalidade do Procedimento de Inspecção Tributária por falta de menção na Ordem de Serviço nº OI2011..... da qualidade de delegado, subdelegação ou substituto do Director de Finanças Adjunto”, na qual é analisada, com pormenor, a aludida ilegalidade e suas cominações legais.

Na verdade, compulsado o aludido item da decisão recorrida, verifica-se que a mesma começa por aludir à posição das partes, convocando depois o teor do Diário da República onde consta o Despacho de delegação de competências o qual é examinado com detalhe, para depois transpor para a realidade fática em apreço e concluir, com apelo à Jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente, que não se verifica a ilegalidade suscitada pela Impugnante, ora, Recorrente.

Assim, em face de todo o exposto dimana inequívoco que não se verifica a aludida nulidade.

Continuemos a análise das demais nulidades arguidas.

A Recorrente sustenta que a decisão recorrida não se pronunciou sobre o ónus da prova que impende sobre a Administração Tributária quando desconsidera o IVA suportado.

Porém, mais uma vez, não lhe assiste razão.

Senão vejamos.

Atentando na decisão recorrida é por demais evidente a aludida pronúncia, tendo a Juiz do Tribunal a quo abordado a questão do ónus da prova e evidenciado que não só a Administração Tributária cumpriu o ónus da prova a que estava adstrita como a Recorrente não demonstrou a materialidade das operações, como era seu ónus.

Neste âmbito, atente-se, designadamente, no excerto que infra se transcreve o qual é elucidativo do que vimos dizendo: “No caso vertente, pela motivação factual referenciada no relatório e que concluiu que as facturas em causa nos autos não titulavam operações reais efectivas nem transacções reais, justificava-se o recurso às mencionadas correcções técnicas. Em concreto, nada foi demonstrado pela Impugnante que tenha feito periclitar a prova da AT e a convicção que a mesma criou no Tribunal.”

Assim, em face do exposto dimana inequívoco que não se verifica a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Atentemos, ora, na nulidade decorrente do facto do Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre as alegações complementares que se seguiram à junção dos documentos de fls. 721 e seguintes.

Importa, desde já, relevar que os documentos a que a Recorrente faz alusão não se encontram juntos a fls. 721 e seguintes dos autos, mas sim a fls. 668 a 674, constando as apelidadas “alegações complementares" a fls. 683 a 691 dos autos. De todo o modo, importa sublinhar que as aludidas alegações mais não substanciam que a sua pronúncia relativamente aos documentos juntos aos autos por determinação do Tribunal a quo, em conformidade com o que havia sido ordenado por este Tribunal Central no acórdão que anulou a primeira sentença proferida nos autos por défice instrutório.

Note-se que o objeto do processo é fixado e delimitado na fase dos articulados, conforme resulta do teor do artigo 108.º do CPPT. Com efeito, é na petição inicial que o Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do ato de liquidação, regra que só conhece as exceções previstas nos normativos 264.º, 265.º e 588.º do CPC, aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do artigo 2º do CPPT, concatenadas com questão superveniente, ou de conhecimento oficioso, sob pena de violação do princípio da estabilidade da instância.

Pelo que, como é bom de ver, o Tribunal a quo não está vinculado a emitir pronúncia por questões que advenham em fase ulterior, o mesmo é dizer que a omissão de pronúncia só ocorre relativamente a vícios expressamente invocados na petição inicial e que o Tribunal a quo não se tenha pronunciado.

Pelo que, improcede a arguida omissão de pronúncia.

Vejamos, ora, a questão inerente à falta de pronúncia sobre a inexistência de credenciação do funcionário que praticou os atos de inspeção, mormente, carta aviso e elaboração de relatório inspetivo e sua consequência legal.

Comecemos por atentar no articulado inicial.

Na petição inicial a Recorrente no ponto II intitulado de “Fundamentos da Impugnação”, convoca sob a epígrafe de “Ilegalidade do procedimento de Inspecção Tributária, por falta de menção, na Ordem de Serviço nº OI2010....., da qualidade de delegado, subdelegado ou substituto do Director de Finanças Adjunto”, ilegalidades do procedimento inspetivo numa dupla vertente, ou seja, a falta de menção da qualidade em que o Diretor de Finanças José .......... interveio, já analisada anteriormente, e bem assim, a partir do artigo 25.º da p.i. até ao artigo 37.º, a falta de credenciação por não resultar dos elementos dos autos que Nelson .......... tenha sido devidamente credenciado para a realização da ação inspetiva do ano de 2007.

E, de facto, atentando na decisão recorrida não resulta pronúncia expressa sobre a aludida questão, verificando-se, efetivamente, nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, de imediato, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta que o Relatório de Inspeção Tributária foi elaborado por Nelson .........., o qual não se encontrava devidamente credenciado para o efeito, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2010....., o que constitui violação do disposto no artigo 46.º, n.ºs 1 e 2 do RCPIT, sendo, pois, ilegais os atos de inspeção realizados sem a necessária credenciação e, consequentemente, anuláveis os subsequentes atos de liquidação, nos termos previstos nos artigos 135.º, 136.º e 141.º do CPA.

Porém, conforme veremos não lhe assiste razão. Vejamos porque assim o entendemos.

Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

Dispõe o artigo 46.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, sob a epígrafe de “credenciação”, que:

“1 – O início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam.

2 – Consideram-se credenciados os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do ato de inspeção, ou no caso de não ser necessária ordem de serviço de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do ato.

3 – A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:

a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspeção;

b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos atos de inspeção, do respetivo chefe de equipa e da entidade a inspecionar;

c) O âmbito e a extensão da ação de inspeção.

4 – Não será emitida ordem de serviço quando as ações de inspeção tenham por objetivo:

a) A consulta, recolha e cruzamento de elementos;

b) O controlo de bens em circulação;

c) O controlo dos sujeitos passivos não registados.

5 – O despacho que determina a prática do ato, quando não seja necessária a ordem de serviço, deve referir os seus objetivos e a identidade da entidade a inspecionar e dos funcionários incumbidos da sua execução.

6 – Nas ações de inspeção direcionadas a contribuintes não identificados previamente, nomeadamente nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 4, o despacho conterá menção genérica dos contribuintes passíveis de controlo.

7 – As ações de inspeção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeito passivo, de qualquer área territorial, com quem o sujeito passivo inspecionado mantenha relações económicas são efetuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indica a tarefa executada.”

Mais preceitua o artigo 47.º do mesmo diploma legal relativamente às consequências da falta de credenciação que:

“É legítima a oposição aos atos de inspeção com fundamento na falta de credenciação dos funcionários incumbidos da sua execução.”

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos legais dimana que o início do procedimento externo de inspeção depende, efetivamente, da credenciação dos funcionários e do porte de cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam, visando, assim, assegurar que a inspeção é efetuada por quem se encontra habilitado para tal, sendo certo que a cominação para a falta de credenciação é, tão-só, a legítima oposição aos atos de inspecção(3).

Mas, atentemos, ora, no recorte fáctico dos autos.

No caso sub judice, conforme expressamente reconhece a Recorrente e dimana do probatório foram emitidas duas ordens de serviço para a realização das ações inspetivas de natureza externa e de âmbito geral aos anos de 2006 e 2007, concretamente, as ordens de serviços n.ºs OI2011..... e OI2010....., respetivamente.

Mais resulta do teor da Ordem de serviço n.º OI2010..... que foi determinada a realização de uma ação de inspeção externa de âmbito geral ao ano de 2007, da qual consta como funcionários credenciados para a prática dos atos de inspeção Paula .......... e António ...........

Resultando, por seu turno, da ordem de serviço OI2011..... que determinou a realização de ação inspetiva externa, de âmbito geral, ao ano de 2006, como funcionários habilitados para a sua execução Paula .......... e Nelson ...........

Constatando-se, a final, que o Relatório de Inspeção Tributária reportado aos anos de 2006 e 2007, foi elaborado por Nelson .........., com parecer da chefe de equipa Paula ...........

Ora, face ao supra exposto entende-se que não logra provimento o entendimento da Recorrente quando peticiona a ilegalidade dos atos de inspeção realizados, desde logo, porque o aludido Relatório Inspetivo se reporta a dois exercícios/anos fiscais, tendo por base todos os atos de inspeção realizados.

Ademais, sempre importa ter presente que, no caso vertente, mesmo ajuizando-se existir uma mera irregularidade, a verdade é que a mesma nunca lograria afetar os atos de liquidação cominando-os de anulabilidade, visto que, por um lado, não se vislumbra de que forma-nem tão pouco a Recorrente o substancia como era seu ónus- a alegada falta de credenciação prejudicou os direitos da Recorrente, até porque, no caso vertente, deduziu a presente impugnação judicial e, por outro lado, porque qualquer irregularidade se mostraria sanada pela intervenção da funcionária Paula .........., a qual se encontrava devidamente credenciada para a prática de atos nos exercícios fiscais de 2006 e 2007.

Mais importa sublinhar que pese embora invoque que o identificado funcionário praticou atos de inspeção não estando credenciado para tal, não identificou os atos a que se reporta, para além do relatório de inspeção tributária e da assinatura de uma carta-aviso, sendo certo que quanto a esta última só faz alusão nas suas alegações escritas e não no articulado inicial, conforme legalmente se impunha.

Acresce, outrossim, que não resulta dos autos, nem tão-pouco a Recorrente o alega, como era seu ónus, que tenha havido qualquer oposição aos atos de inspeção, permitindo, assim, inferir que a Recorrente não colocou em causa que os funcionários da Administração Tributária que procederam à inspeção, indicados na cópia da Ordem de Serviço entregue e assinada pelo Técnico Oficial de Contas da sociedade Recorrente, tenham sido legalmente habilitados de praticar os atos inspetivos que praticaram.

A final e que conforme já evidenciado anteriormente, a cominação para a falta de credenciação está tipificada na lei, tendo o legislador, de forma absolutamente clara, regulamentado no citado normativo 47.º do RCPIT que as consequências para a falta de credenciação coadunam-se, tão-só, com a possibilidade de oposição aos atos de inspeção, inexistindo, assim, qualquer fundamento para concluir que tal falta tem como efeito a ineficácia ou implica a nulidade dos atos de inspeção e subsequentemente dos atos de liquidação. Neste particular, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 1429/08.1BELRS, datado de 11 de abril de 2019.

In fine, importa relevar que a aludida interpretação não traduz qualquer violação dos artigos 18.º, 266.º e 271.º, n.º 1 da CRP, não se vislumbrando, de todo, de que forma e em que sentido os direitos, liberdades e garantias poderiam ser violados e coartados, desde logo, porque como vimos a lei faculta a possibilidade de oposição aos atos de inspeção, faculdade que a Recorrente não logrou utilizar.

Improcede, assim, a aludida ilegalidade.

Aqui chegados, importa, ora, analisar se procedem os demais erros de julgamento sindicados pela Recorrente.

A Recorrente alega que a decisão recorrida padece de erro de julgamento relativamente à afirmada não verificação da invalidade da notificação da ordem de serviço que iniciou o procedimento inspetivo, sustentando, para o efeito, que o ato de notificação viola o disposto nos artigos 39.° do CPPT, 46.° e 51.° todos do RCPIT, o que determina a ilegalidade do procedimento de inspeção externa e consequentemente os atos de liquidação impugnados.

Importa, desde já, relevar que a questão que, ora, cumpre decidir não é, pelo menos nos seus traços essenciais, nova na jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo, tendo sido objeto de apreciação no acórdão datado de 6 de abril de 2017, proferido no processo n° 164/12.0BEBJA e ulteriormente acolhida no processo n°163/12.2BEBJA, e bem assim no processo nº 240/12.0 BEBJA.

Pelo que, reanalisada a questão e uma vez que subscrevemos integralmente o aí decidido, limitamo-nos, nesta parte, tendo em atenção o preceituado no artigo 8.° do Código de Civil (que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), a transcrever os fundamentos constantes no primeiro Acórdão citado:

“Desde logo, se dirá que as ordens de serviço emitidas com vista ao procedimento inspectivo em causa o foram ao abrigo de acto de delegação de competências publicado no jornal oficial (cfr.n°. 14 do probatório).

Por outro lado, a notificação que permite suspender nos termos legais (cfr.art°.46, nº. 1, da L.G.T.) o prazo de caducidade da liquidação é o da ordem de serviço ou do despacho no início da acção de inspecção externa, a efectuar nos termos do art°.51, do R.C.PI.T, sendo que a assinatura de tal ordem de serviço pode ser realizada pelo técnico oficial de contas, nos termos do n°.3 do preceito, independentemente de o sujeito passivo em causa ser uma pessoa singular ou colectiva (cfr ac.TC.A. Sul2a. Secção, 23/10/2012, proc. 5792/12; ac.TCA. Sul-2ª. Secção, 23/4/2015, proc.8399/15; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, pág.276 e seg.).

Ainda, sempre se dirá que a falta de menção dos poderes ao abrigo dos quais foram emitidas as citadas ordens de serviço, tal como a consequente comunicação do início de procedimento de inspecção externa não gera qualquer invalidade se, não obstante a sua falta, se demonstrar que o interessado teve conhecimento do procedimento (e do respectivo objecto) a tempo de nele poder intervir. E se houver lugar a notificação para o exercício do direito de audição prévia, o vector em causa poderá ficar, desde logo, satisfeito (pese a falta de comunicação), se o interessado considerar que não tem nada a acrescentar áquilo que resultou da anterior instrução do procedimento. E não poderia ser de outro modo na medida em que as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas, assim se podendo visualizar como meras irregularidades sem efeitos invalidantes de acordo com o princípio do aproveitamento do acto administrativo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ªSecção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac. 1TC.A.Sul-28.Secção, 23/4/2015. proc.8399/15; Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2. edição, Livraria Almedina, 1997, pág.433 e seg, particularmente a fls.438; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág,318).

Revertendo para o caso dos autos, constando dos mesmos que as ordens de serviço foram notificadas ao TOC do sujeito passivo e que este foi devidamente notificado, quer em sede de audição prévia, quer do relatório final (cfr.n°s.9 e 10 do probatório) não se pode invocar qualquer efeito invalidante nem a preterição de qualquer formalidade. Para mais, quando reagiu pela via judicial contra o mesmo acto administrativo, praticado pela entidade competente, tendo o Tribunal admitido a apreciação do mérito da sua pretensão (cfr ac. STA-Pleno da. Secção, 15/11/200 1, rec.43061). Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente fundamento do recurso, nessa medida se confirmando a decisão recorrida neste segmento.”

Face à fundamentação jurídica supra citada à qual se adere, dúvidas não subsistem de que não assiste razão à Recorrente, razão pela qual a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura.

Analisemos, ora, a questão inerente à caducidade do direito à liquidação.

O Tribunal a quo decidiu que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação atento o alargamento do prazo, consignado no artigo 45.º, nº5, da LGT, em virtude da instauração do processo crime.

A Recorrente dissente de tal juízo de valoração entendendo que, no caso vertente, não há lugar à aplicação do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45°, n°5, da LGT, desde logo, porque estando a instauração de inquérito criminal dependente do levantamento de um auto de notícia, o mesmo apenas foi levantado em 12 de dezembro de 2011 sendo que nele não vêm enunciados os factos que deram origem ao processo-crime. Com efeito, aduz que inexistindo auto de notícia que indicie a Recorrente não poderá ser aplicado o artigo 45.º, nº5 da LGT.

Sustenta, outrossim, que o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo viola o princípio da dignidade humana, a certeza e segurança jurídicas, decorrentes do Estado de Direito Democrático, o direito à não auto-incriminação e o direito a um processo equitativo.

Mais uma vez não lhe assiste razão, convocando-se, novamente, o Aresto que vimos fazendo alusão, cuja fundamentação secundamos na íntegra e nos eximimos de expender outras considerações, transcrevendo, para o efeito, os seguintes trechos que reputamos relevantes para dirimir a questão:

“Sustenta o apelante, igualmente e em síntese, que não há lugar a aplicação do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do art°.45, n°5, da L.G.T, por inexistência dos pressupostos legais da aplicação de tal norma ao caso concreto.

Que a instauração de inquérito criminal depende do levantamento de um auto de notícia, o que apenas aconteceu em 12 de dezembro de 2011. Que a interpretação da norma constante do art°.45, n°5, da L.G.T, efectuada pela decisão recorrida, padece de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo, o direito a não autoincriminação, o princípio da legalidade fiscal e os principios da segurança e certezas jurídicas (cfr conclusões L), O) e P) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.

No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.art°.640.º do C.PCivil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.

Avancemos.

Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal (cfr.art°s.328, 331 e 333, todos do C.Civil; art°.579, do C.PCivil; Luis A. Canialho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.FD.L., 1983, pág.567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3a edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3a.edição, 1984, pág,29 e seg.).

No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no art°.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior art°.33, n°. 1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido art°.45, da L.G.Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac,TC,A.Sul-23.Secção, 23/10/2012, proc. 5792/12; ac. TC.A, Sul2a, Secção, 28/11/2013, proc. 7031/13; ac. TC,A. Sul-28, Secção, 1/10/2014, proc. 7773/14; ac. TC.A. Sul2a, Secção, 24/09/20 15, proc.8523/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributãría comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3a.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vis/is, 1999, pág.225 e seg.).

A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional n°. 1/82, de 30/9, prevê no seu art°.268, n°3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 48, Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).

A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr ac.TC.A.Sul-2ª Secção, 22/1/2013, proc. 6055/12; ac. TC.A. Sul-2ª Secção, 23/04/2015, proc. 8399/15; Alberto Pinheiro Xavier Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª, edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).

No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.art°.67, n°1, do C.PA., então em vigor; ac.TC.A.Sul Secção, 2/10/2012, proc. 5673/12; ac. TC.A. Sul-2ªSecção, 22/1/2013, proc. 6055/12; ac. TC.A. Sul-2ª. Secção, 23/04/20 15, proc. 8399/15).

Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição á execução fiscal (cfr ac. STA.-Secção, 12110/2005,rec. 633/05;ac. TC.A. Sul-2ª Secção, 16/10/2012, proc. 5594/12; ac. TC.A. Sul-2ª Secção, 28/11/20 13, proc. 703 1/13; ac. TC.A, Sul-2ª Secção, 23/04/20 15, proc. 8399/15; ac. T C.A. Sul-2ª Secção, 24/09/20 15, proc. 8523/15).

Conforme mencionado supra, o prazo de caducidade do direito à liquidação é actualmente de quatro anos, nos termos do art°.45, n°. 1, da L. G. Tributária.”

Feitos estes considerandos iniciais, e transpondo-os para a realidade fática dos autos, resulta que encontrando-nos perante liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de junho, julho, agosto e outubro, o cômputo do prazo inicia-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

O mesmo é dizer que, o início do prazo ocorreu em 01 de janeiro de 2008 e expiraria em 31 de dezembro de 2011, porém tal termo ocorreria caso não fosse contemplada qualquer causa de suspensão ou facto que determinasse, em concreto, o alargamento do prazo de caducidade.

In casu, como visto o Tribunal a quo subsumiu a questão fática no citado artigo 45.º, nº5 da LGT, com o consequente alargamento do prazo de caducidade em face da instauração de processo de inquérito, e a verdade é que mais uma vez se entende que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente.

Atentemos, então, porque assim o entendemos, convocando, mais uma vez, o discurso jurídico do Aresto que vimos seguindo:

“O art°.45, n°5, da L.G.T., introduzido pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (sendo aplicável aos prazos de caducidade em curso no momento da sua entrada em vigor - cfr.art°.57, n°2, da Lei 60-4/2 005, de 30/12), consagra um vector de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o acto tributário em causa derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento do inquérito ou o trânsito em julgado da sentença exarada no respectivo processo criminal, em ambos os casos acrescido de um ano. Por outras palavras, o alargamento do prazo de caducidade em causa só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos. Por outro lado, o citado alargamento do prazo de caducidade somente se verifica face aos casos em que se deva aplicar em teoria, o prazo geral de caducidade previsto no n°. 1 da mesma norma (cfr.ac. S.TA.-23.Secção, 1/10/2014, rec. 178/14, ac. TC.A. Sul 2.ª Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.TC.A. Sul-2ª Secção, 24/09/2015, proc.8523/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pág.366).

O facto de o legislador consagrar que a caducidade só ocorre após um ano computado sobre o arquivamento do inquérito ou o termo do processo criminal, destina-se a permitir que haja lugar aos procedimentos e diligências legal e tecnicamente indispensáveis à estruturação de uma liquidação válida e sua notificação ao sujeito passivo. Aí se incluem, por exemplo, a elaboração do projecto de relatório de inspecção e notificação do mesmo, para efeitos de audição prévia, a elaboração do relatório definitivo da inspecção e sua notificação, ou seja, o desenvolvimento dos procedimentos técnicos de promoção da liquidação. Por isso, este prazo de um ano subsequente ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado do processo crime é, por vezes, designado de prazo técnico de estruturação da liquidação. Por outras palavras, é o prazo que o legislador teve como razoável para que a A. Fiscal possa levar a cabo todas as diligências que a estruturação de uma liquidação acarreta (cfr. José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2015, Almedina, pág.412).

“In casu”, de acordo com a factualidade provada (cfr.nºs.12 e 15 do probatório), estão reunidos os pressupostos de aplicação ao presente processo da extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação constante do examinado artº.45, nº.5, da L.G.T., conforme decidiu o Tribunal “a quo”. Assim é, porquanto, corre termos processo de inquérito crime no DIAP - Secção Única, da Comarca de Setúbal (inquérito nº290/10.0 IDSTB), no âmbito do qual estão sob apreciação os factos que originaram a liquidação impugnada no presente processo. Mais se dirá que em tal inquérito crime, iniciado em 2010, a sociedade recorrente tem o estatuto de arguida, estando indiciada pela prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada. Por último, não é verdade que o auto de notícia que originou a instauração do inquérito criminal date de 12/12/2011.”

Ora, tecidos estes considerandos de direito, e atentando no recorte probatório dos autos resulta perentoriamente que no ano de 2010 foi instaurado processo de inquérito crime, o qual correu termos no DIAP-Secção Única, da Comarca de Setúbal (inquérito nº 290/10.0IDSTB), sendo que os factos objeto de investigação no processo-crime, respeitam a indícios da prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada, logo com correspondências com os factos que fundamentam os atos tributários impugnados.

Resulta, assim, demonstrado que a ação inspetiva teve origem em informação e proposta do Serviço de Finanças de Grândola e em relação a factos relativamente aos quais foi instaurado o processo de inquérito n.º 290/10.0IDSTB, ou seja, por indícios da prática dos crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada, relativos a IRS e IVA dos anos de 2006 e 2007. Pelo que é aplicável, sem margem para dúvidas, o disposto no artigo 45.º, n.º 5 da LGT(4). E porque não existem quaisquer elementos que o mesmo tenha sido arquivado, nem transitada em julgado a sentença, o prazo de caducidade não decorreu.

De relevar, neste particular, que em nada releva a circunstância de o Relatório de Inspeção Tributária não enunciar os factos pelos quais foi instaurado o processo criminal. Aliás, não releva, nem tem de relevar, pois os âmbitos de abrangência são completamente distintos. Em bom rigor, o que importa é que se apure se tal inquérito criminal existe e se reporta aos factos a que se refere, também, a ação inspetiva, em nada relevando, outrossim, as datas em que foram emitidos os autos de notícia.

In casu, existe auto de notícia dele constando, contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, devidamente especificados os factos que o determinaram, bastando, para o efeito, uma leitura atenta do mesmo para se aquilatar a total identidade entre os factos objeto do processo de inquérito e os atos de liquidação, inexistindo, como é bom de ver, qualquer deficit instrutório.

Conclui-se, assim, que as liquidações impugnadas e a investigação criminal reportam-se aos mesmos factos(5), existindo, portanto, identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação subsumindo-se a questão no citado artigo 45.º, nº5 da LGT, sendo a data relevante para efeitos de aplicação desta norma a data da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração(6).

E por assim ser, dimana inequívoco que contrariamente ao sustentado pela Recorrente estão reunidos os pressupostos para a aplicação do alargamento do prazo de caducidade.

Ainda, neste particular, e a propósito da convocada inconstitucionalidade da norma visada quando interpretada no sentido propugnado pelo Tribunal a quo e, ora, confirmado nesta instância, cumpre relevar que a mesma não merece provimento, desde logo, porque não existe a devida substanciação. Ademais, e na esteira do já citado Acórdão: “Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.art°s.204 e 280, n°. 1, da C. R. Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4, Edição, 2°. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág. 940 e seg.), No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.art°.204, da C.R.Portuguesa; J J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4. Edição, 2°. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac. TCA. Sul-2ª, Secção, 27/4/2006, proc. 64561/96; ac. TC.A. Sul-2ª. Secção, 11/1/20 11, proc. 4401/10; ac. TC.A. Sul 2ª. Secção, 5/6/20 12, proc.5445/12).

Apesar do acabado de mencionar, não lobriga este Tribunal no que possa ter violado os citados princípios constitucionais do direito a um processo equitativo, o direito a não autoincriminação, da legalidade fiscal e da segurança e certeza jurídicas (o recorrente também nada concretiza neste domínio), pelo que se julga improcedente o presente vector do recurso.”.

Nesta matéria, a jurisprudência do Tribunal Constitucional(7) sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, vem afirmando que para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

“a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)”.

Dois aspectos são salientados pelo Tribunal Constitucional: Em primeiro lugar, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão nº 287/90)”

Por outro lado o princípio implica uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Porém, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção (cf. Acórdão 128/09).

Haverá assim que proceder, em cada caso, como se sublinha no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2001, “a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte”

Com efeito, a estatuição de prazos diferentes de caducidade do direito à liquidação consoante exista ou não processo de inquérito criminal emana da diferença entre os interesses subjacentes à Inspeção Tributária e ao processo de inquérito crime. Aduza-se, em abono da verdade, que a infração criminal consiste na violação de valores jurídico-criminais, tutelados pelo direito criminal através de diversos tipos legais de crimes, que se prendem com a vida comunitária. Diferentemente, com o procedimento de inspeção visa-se a arrecadação de receita para a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artigo 103.º, n.º 1 da CRP).

Com efeito, a ratio legis do alargamento do prazo resulta da gravidade dos factos e da complexidade na sua averiguação, não se vislumbra, portanto, qualquer inconstitucionalidade na aplicação, no caso vertente, deste preceito legal, que não pretere o princípio da certeza e segurança jurídica decorrente do Estado de Direito Democrático, não só porque não se trata de uma prorrogação ad aerternum do prazo de caducidade, mas também porque tal princípio tem ser analisado e balanceado com a necessidade da prossecução do interesse público, na realização da justiça penal e tributária.

Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o erro de julgamento decorrente da errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, mormente, afirmação de faturação falsa.

A Recorrente sustenta, neste particular, que para haver simulação seria necessário que a Administração Tributária tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das faturas com o esquema de simulação, sendo que a aceitar-se que o ónus da Administração Tributária se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente a emitentes das faturas levaria a que os utilizadores das faturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir os custos que efetivamente suportaram, sem que tivessem incumprido qualquer obrigação perante o Estado, pelo que não tendo sido observado este ónus, as liquidações deverão ser anuladas.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Comecemos por aquilatar a natureza e a mecânica do IVA.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O objetivo de neutralidade vertido na Diretiva IVA 2006/112 (Diretiva IVA) determina que, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” (vide 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º).

O direito à dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C-518/14, Paper Consult, C-101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C-101/16).

No concernente aos requisitos substantivos, resulta do artigo 168.º alínea a), da Diretiva IVA que, para beneficiar desse direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção dessa diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (neste sentido, Senatex, C-518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C-101/16).

Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva IVA prevê que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com os seus artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.ºe 240.º.

Ainda neste particular e quanto à definição, âmbito e abrangência do direito à dedução, importa chamar à colação o teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 01148/11, com data de 03 de julho de 2013, no qual é feita uma análise bastante aprofundada e minuciosa sobre esta questão, e a cuja fundamentação se adere.

A nível nacional, os mecanismos de dedução do IVA, estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita o seu n.º 3, dimana que “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.”.

Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Sendo certo que, para efetivar o ónus da prova em sede de direito à dedução do IVA, é jurisprudência assente que basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de exercer o direito à dedução do IVA, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

Para o efeito, atente-se no teor do Aresto proferido pelo STA, em Plenário, no âmbito do processo nº 0591/15, datado de 17 de fevereiro de 2016, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo sumário se extrata na parte que os autos releva:

“II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Vistos os conceitos de direito que relevam para o caso dos autos e densificada a questão do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço, competindo aferir se a Administração Tributária reuniu ou não os elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, se foram recolhidos indícios bastantes que permitam concluir pela dedução indevida de IVA.

Neste particular, importa convocar o teor do Relatório da Administração Tributária, fazendo uma análise casuística dos factos indiciários convocados relativamente aos três emitentes de faturas falsas para os períodos visados na presente ação.

Vejamos, então.

São evidenciados como factos indiciários relativamente à empresa “ P.........., Lda”, os que resumidamente se elencam:

Ø Os cheques emitidos pela empresa “L.......... Lda”, para pagar as supostas compras de cortiça contabilizadas à empresa “P.......... Lda” foram endossados ao próprio sócio-gerente e familiares diretos, não tendo sido comprovado o pagamento das verbas àquela sociedade;

Ø Incoerências nos valores das declarações de rendimentos, anual e periódicas de IVA entregues pela sociedade “P.........., Lda”;

Ø A empresa “L.......... Lda” pagou sempre o valor do IVA das faturas à parte, isto é, pagava o valor da cortiça com um cheque ou dois e o valor do IVA com outro;

Ø A empresa “P.......... Lda” não pagou o Imposto liquidado nas suas declarações periódicas de IVA nos cofres do Estado, no prazo para pagamento voluntário ou em cobrança coerciva, nem sequer após notificação nos termos de artigo 105° do RGIT.

Ø A empresa “P.......... Lda” não pagou o Imposto liquidado na sua declaração modelo 22 de IRC de 2006;

Ø Nas declarações prestadas por Luís .........., datadas de 12 de Agosto de 2010, depois de inquirido sobre o destino dos cheques emitidos à sociedade “P.........., Lda”, e a quem eram os mesmos endossados, não referiu quem eram os destinatários, tendo omitido esse facto, sendo certo que ulteriormente foi apurado que os beneficiários eram seus familiares diretos;

Ø Não foi detetado através do cruzamento dos anexos O/P da declaração anual quaisquer contribuintes que tenham relação comerciais com a sociedade “P.........., Lda”, estando apenas relacionada com as transações declaradas por L.........., Lda;

Ø Não foi detetada uma estrutura empresarial sólida declarada, que justifique que a mesma nos anos de 2006 e 2007 exercesse uma atividade real que lhe permitisse faturar tais montantes, unicamente à sociedade “L.........., Lda”.

Relativamente ao fornecedor António .......... são evidenciados os seguintes factos indiciários:

Ø Incumprimento fiscal nos exercícios de 2007, 2008 e 2009;

Ø Divergências de valores declarados: mediante cruzamentos da declaração anual nos anexos O/P de 2007, constatou-se que foi declarado pela firma “L.......... Lda”, como aquisições a António .........., o valor de 358.668,00€, no anexo P. Por outro lado, foi declarado por António .......... no seu anexo O, de clientes como vendas efetuadas àquela sociedade o valor de 187.550,00€;

Ø Ouvido em declarações António .........., declarou que:

o No respeitante às vendas à empresa L.........., Lda, apenas teria procedido à venda de cortiça no montante de 187.550,00€, relevando, ainda, que as faturas com os números 270, 391, 392 e 393 embora emitidas pelo próprio, a cortiça era do seu irmão Victor ...........

Ø Relativamente aos meios de pagamento constatou-se o seguinte:

o Os cheques emitidos pela empresa “L.........., Lda”, para pagamento das faturas, com os números 270, 391, 392 e 393, foram endossados por António .......... a Elsa .........., a qual se veio apurar ser a esposa do seu irmão Victor ...........

o A beneficiária Elsa .......... procedeu ao seu levantamento, ressalvado o pagamento do valor líquido da factura n° 393 de 91.000,00€ , o qual foi endossado e depositado numa conta do Banco .......... com o n°...........

o Nas contas identificadas para depósito, são titulares os avós e mãe de Luís ...........

No que diz respeito ao fornecedor Jorge .......... são evidenciados os seguintes factos indiciários:

Ø O contribuinte é não declarante em IRS e IVA desde o exercício de 2002, tendo sido instaurado processo de inquérito;

Ø Quanto aos meios de pagamento constatou-se o seguinte:

o Para pagamentos das faturas n°s 2 e 5, os cheques foram endossados a terceiras pessoas, identificadas como Aldo .......... e João ..........;

o Apenas o cheque correspondente à fatura n°3, emitido por L.........., Lda., foi recebido por Jorge ..........;

Ø Decorrente da investigação efetuada pelo NIC/SATAC, a GNR do Pinhal Novo informou que Jorge .......... é conhecido por contrafação de roupa havendo rumores de se ter ausentado para parte incerta;

Ø O contribuinte encontra-se enquadrado desde 2001-03-01 pela atividade de "Comércio por grosso de vestuário";

Ø Decorrente da prestação de declarações, Aldo .......... assumiu ter sido titular do direito de crédito sobre o cheque mas não ter sido utilizador do dinheiro., já que serviu de mero interveniente no levantamento do cheque;

Ø Reconheceu o mesmo um terceiro elemento masculino que usa uma assinatura similar à do Jorge .......... nos levantamentos dos cheques

Ø Apurou-se que Bruno .........., teve interligação com as faturas emitidas por Jorge .........., conforme inquirição do próprio;

Ø Existe um elemento conhecido de todos que é o João "da J.....", verdadeiro "cérebro" de toda esta atividade desenvolvida à volta da venda de cortiça, uma vez que, segundo inquirição de testemunhas, arranja contactos, fornecedores, clientes, emitentes de faturas que desaparecem sem deixar rasto, havendo indícios de ser, também, fornecedor não coletado (cessou a atividade em 18/05/2007).

Ø Perante informação recolhida no âmbito da investigação do inquérito n°NUIPC 2/10.0IDSTB verificou-se que Jorge .......... atuou, como cúmplice, em obediência aos planos aparentemente estabelecidos por João .......... com o propósito, comum, de simularem transações comerciais, sabendo que as faturas não eram verdadeiras, com o propósito do utilizador das faturas, a Sociedade “L.........., Lda”, obter vantagens patrimoniais.

Ora, em face dos factos supra expendidos e analisando-os à luz das regras da experiência, afigura-se que os elementos coligidos pela Administração Tributária são, contrariamente ao sustentando pela Recorrente, razoáveis e bastantes para justificar a atuação da Administração Tributária no sentido de desconsiderar o IVA que deduziu relativamente às faturas emitidas pelos fornecedores supra elencados, com o fundamento de que os fornecimentos/serviços a que respeitam serem simulados.

Dito de outro modo, não precisando a Administração Tributária de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, afigura-se que, in casu, invocou factos que traduzem uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas.

Destarte, tendo a Administração Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia, competia à Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que o fornecimento da cortiça nas faturas em causa são reais, ou seja, que aquelas faturas têm subjacentes operações com materialidade, o que, como visto, não logrou fazê-lo.

De sublinhar, mais uma vez, que o Tribunal a quo evidencia que “[t]al como já decorre da matéria que se julgou assente, não considerou o Tribunal credível a tese de acordo com a qual a sociedade Impugnante necessitava de um intermediário no processo de aquisição, papel este desempenhado pelo seu sócio-gerente ou pelos fornecedores, dada a maior credibilidade destes junto dos produtores. E, a partir daqui, pretendeu demonstrar os endossos de cheques para os mesmos alegando que serviam para os pagamentos aos produtores e adiantamentos a eles mas que retornariam ao sócio-gerente.

Sucede que não logrou convencer o Tribunal tal modo criativo de justificar a facturação pois não demonstrou de qualquer modo que permitisse fazer ceder a conclusão extraída pela AT da análise da mesma.”

Note-se que a Recorrente não impugna a matéria de facto, sendo que do acervo probatório dos autos não resulta qualquer realidade fática que permita concluir pela materialidade das operações.

Impunha-se, assim, que a Recorrente tivesse provado que, pese embora aqueles indícios, as transações comerciais desenvolvidas entre si e as sociedades emitentes e tituladas nas faturas desconsideradas se tinham efetivamente concretizado, o que, manifestamente, não sucedeu no caso vertente.

Assim, tudo visto e ponderado, improcede a mencionada violação do preceituado no artigo 19.º n.° 3, do CIVA, não merecendo, nessa medida, qualquer censura quer a interpretação e aplicação concreta que do aí se mostra imposto pela Administração Tributária quer a sindicância que dessa aplicação foi realizada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, bem, conclui, pela legalidade das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios impugnadas, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)






_______________________________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(3) Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29-3-2012, processo n.º 00607/11.0BEAVR.
(4) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Norte, processo n.º 00670/08.1BEBRG, de 18/01/2012, acórdão do STA, processo n.º 0343/08, de 02/07/2008.
(5) Vide Ac. STA, proferido no processo nº 0178/14, com data de 1/10/de 2010.
(6) Neste sentido vide a jurisprudência do STA vertida nos acórdãos de 1/10/2014, proc. n.º 0178/14 e de 21/10/2015, proc. n.º 01477/13.
(7) Vide Acórdãos do Tribunal Constitucional aí referenciados, citados no Aresto do STA, proferido no processo 0749/11, de 12.01.2012.