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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2263/16.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. DECISÕES-SURPRESA.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1, 2 E 5, AL.A), DO R.G.I.T.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONDUTA NEGLIGENTE.
LEGISLADOR FAZ EXPRESSA MENÇÃO À “ENTREGA” E NÃO AO “PAGAMENTO” DO TRIBUTO.
LIQUIDAÇÃO DO I.V.A.
MÉTODO SUBTRACTIVO INDIRECTO.
NULIDADE INSUPRÍVEL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ARTºS.63, Nº.1, AL.D), E 79, Nº.1, DO R.G.I.T.
INDICAÇÃO DOS ELEMENTOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A FIXAÇÃO DA COIMA APLICADA.
ARTº.27, DO R.G.I.T.
APLICAÇÃO DE UMA COIMA PELO MONTANTE MÍNIMO EM ABSTRACTO PERMITIDO.
CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
Sumário:1. Estabelece-se no artº.3, nº.3, do C.P.C., que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa, aplicando-se tal regra, não apenas na 1ª. Instância, mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como é um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa.
2. A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.a), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2012 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12).
3. A contra-ordenação p.p. no artº.114, do R.G.I.T., constitui o reverso do crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do mesmo diploma. Assim, a não entrega, total ou parcial, por um período até noventa dias (computados desde o termo do prazo legal em que a respectiva entrega deve efectuar-se - cfr.artº.41, do C.I.V.A.), do imposto devido, constitui a infracção prevista no citado artº.114, do R.G.I.T. Por sua vez, quando tenham decorrido mais de noventa dias sobre o termo legal do prazo de entrega da prestação e a conduta seja dolosa, estaremos perante o crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do R.G.I.T.
4. Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.). Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.
5. No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), equiparam-se às situações em que há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, as omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de liquidação que deve ser efectuada pelos sujeitos passivos, de que são exemplo as situações previstas nas alªs.a) e e) deste nº.5, que sucedem na maior parte dos casos de I.V.A.
6. Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
7. O legislador faz expressa menção à “entrega” e não ao “pagamento” do tributo. O verbo “entregar” provém, etimologicamente, do vocábulo latino “integrare”, isto é, passar às mãos de outrem. A “entrega” não tem de traduzir-se num acto material, antes pode ser uma “entrega” que ocorre por força da lei e, neste sentido, estamos perante uma “entrega legal”. Certo é que, de acordo com a lei, a entrega do imposto pressupõe a possibilidade do credor dispor de tal quantia, contrariamente ao que defende o recorrente, situação que, no caso concreto, se não verificou dentro do prazo legalmente previsto para o efeito.
8. O I.V.A. é liquidado de acordo com o método subtractivo indirecto ou método de crédito de imposto, sendo tributo que pertence ao Estado e que o sujeito passivo tem a obrigação de liquidar e cobrar por conta do mesmo Estado. Mais se deve referir que a prestação a entregar não corresponde à parcela de imposto deduzido, mas sim à diferença positiva entre o tributo suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
9. Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
a-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
e-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f-A condenação em custas.
10. A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada. Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T.
11. Deve constar da decisão de aplicação de coima a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada. O que se pretende exigir com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artº.268, nº.3, da C.R.P.) e com a garantia do direito à defesa (artº.32, nº.10, da C.R.P.), o qual exige que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão.
12. Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, mais assegurando a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
13. Os elementos determinantes para a graduação da coima constam do artº.27, do R.G.I.T., referindo-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à situação económica deste, devendo sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra ordenação. A ponderação destes elementos (de características agravantes ou atenuantes) constitui requisito legal da decisão administrativa, cuja falta acarreta a nulidade insuprível da mesma (e recorde-se que a ponderação destes elementos não se reconduz à sua descrição automática).
14. A jurisprudência e doutrina têm entendido que aplicada uma coima pelo montante mínimo em abstracto permitido e constando dos autos os elementos que permitem o controlo judicial da sua aplicação, não constitui nulidade insuprível a omissão da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.
15. Se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório. Por outras palavras, tais nulidades, na medida em que inquinam a acusação, ou seja, a decisão que aplica a coima, devem visualizar-se como excepções dilatórias que geram a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente e consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.103 a 107 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, "K…….. - Sistemas de Protecção e Segurança, Unipessoal, L.da.", e, em consequência, determinou a anulação da decisão de aplicação de coima, constante do processo de contra-ordenação nº. …..-2016/00….. o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Lourinhã.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.115 a 119-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos presentes autos está em causa a aplicação de uma coima de por parte do Serviço de Finanças da Lourinhã no montante de € 7.207,90 pela prática de contra-ordenação prevista no artigo 27, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do CIVA e punida pelo artigo 114.º, n.º 2, m.º 5, alínea a) e artigo 26, n.º 4 do RGIT;
2-Constata-se que a sociedade recorrente apenas fez "incidir o seu pedido na verificação dos pressupostos para a dispensa de coima nos termos do artigo 32.º do RGIT” (fls. 4 da sentença);
3-Até porque todos os elementos lhe foram sendo sucessivamente facultados, quer através do Auto de Noticia, quer através da notificação para defesa ou pagamento com redução nos termos do artigo 70.º do RGIT constando, inclusivamente, desta última já quer o montante mínimo (€ 6.552,64), quer o montante máximo possível (€ 21.842,16) da coima aqui em causa (fls. 34 dos autos);
4-Por outras palavras, parece-nos de concluir que, no que diz respeito ao arguido agora recorrente, a decisão terá sido apreendida de uma forma globalmente satisfatória, incluindo os factos pertinentes e o seu enquadramento no tipo de ilícito contra­ordenacional que lhe é imputado, bem como todos os atinentes circunstancialismos de tempo e de modo que estiveram na base do seu montante;
5-Tanto assim foi que não pôs em crise qualquer destes elementos, baseando o seu recurso noutra problemática completamente distinta, uma alegada atenuante especial que, na sua opinião, fundamentaria uma dispensa de coima ao abrigo do artigo 32.º do RCPIT;
6-Ao arrepio de tudo isto veio o Tribunal considerar nula a coima aqui em causa por não terem sido ponderados os elementos determinantes para a graduação da coima elencados no artigo 27.º do RGIT;
7-Desde logo, terá de se registar que esta matéria não foi arguida nem discutida nos presentes autos, pelo que constitui uma surpresa, para ambas as partes, o Tribunal ter vindo na sentença a debruçar-se sobre esta problemática porque mesmo sendo de conhecimento oficioso, não houve qualquer pronuncia prévia pelas partes, circunstancia particularmente importante porque a decisão é motivada exclusivamente nesta matéria;
8-O que desde já se alega por violar o princípio do contraditório que tem consagração constitucional (artigo 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e, no processo penal, no artigo 327.º do CPP, aqui subsidiariamente aplicável;
9-Como se disse, o Tribunal a quo considerou que foram omitidos os elementos essenciais para a quantificação concreta da coima previstos no artigo 27.º do RGIT, desvalorizando as indicações da situação económica "baixa" ou a frequência da prática da infracção como "acidental" como "(...) não é possível saber-se o que a AT entende (...) nem no processo existem elementos que permitam o controlo jurisdicional dessa conclusão" (fls. 8 da sentença), como não preenchendo os requisito legal da decisão administrativa e que a sua falta acarretaria uma nulidade insuprível desta nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT, seguindo, segundo se afirma, o entendimento vertido no Acórdão n.º 0144/06 de 28.06.2006 do STA cujo sumário reproduz. (fls. 7 e 8 da sentença);
10-Mas, salvo o devido respeito, não nos parece ser isso o que aresto referido nos diz. Basta verificar o texto do acórdão que explica a situação de facto ali em causa e que já se reproduziu (cfr. artigo 12);
11-Porque ali o decisor nada disse sobre a graduação da coima, ao contrário da presente situação onde a realidade é qualitativamente muito diferente uma vez que, conforme consta do probatório (ponto 5 e fls. 54 dos presentes autos), foi efectuado o escrutínio da situação concreta nos seguintes termos:

Actos de Ocultação: não
Benefício económico: 0,00
Negligência: simples
Obrigação de não cometer a infracção: não
Situação económica e financeira: baixa
Tempo decorrido desde a sua prática: > 6 meses

12-Embora de uma forma sumária, até em forma de quadro, mas ao contrário da situação citada, verifica-se uma apreciação concreta e qualitativa dos vários elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º do RGIT, efectuada de uma forma compreensível pelo cidadão comum naquelas condições, incluindo o arguido que, como se viu, nem sequer pôs em crise esta matéria no presente recurso;
13-Pelo que, na nossa opinião, terão de ser dados como preenchidos os requisitos previstos no artigo 27.º do RGIT aqui considerados em falta;
14-E mesmo que assim não se considere, também se verifica que neste caso concreto que todos eles são circunstâncias favoráveis ao arguido;
15-Que dessa forma viu o montante da coima aplicada, que em termos abstractos poderia variar entre € 6.552,64 e € 21.842,16, vir a ser estabelecida em € 7.207,90, ou seja, muito perto do limite mínimo e praticamente apenas um terço do limite máximo, por aplicação do apuramento das circunstâncias concretas referidas;
16-Por isso, no nosso entendimento, a decisão de aplicação da presente coima foi efectuada de forma absolutamente legal e que se deverá manter na ordem jurídica;
17-Razões pelas quais, e salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá a douta sentença ora posta em crise ser revogada, e substituída por outra que mantenha a coima aplicada, ora recorrida.
X
A sociedade arguida não produziu contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.140 a 142 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.144 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.103 e 104 do processo físico):
1-No dia 20/01/2016, na Direção de Finanças de Lisboa, a Inspetora Tributária Estagiária, A…………., verificou pessoalmente que o sujeito passivo, K……. Sistemas de Proteção e Segurança Unipessoal, Lda., infringiu o disposto no nº 5 e 11 do art. 78º do CIVA, porque regularizou/deduziu a seu favor em 06/2012, IVA, no montante de € 21.842,16, sem que tenha comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada e a regularização efetuada não foi efetuada pelo SP insolvente; Normas Infringidas: art. 27º, nº 1 e 41º, nº 1, al. b) do CIVA (falta de pagamento do imposto); Normas punitivas: Art. 114º, nº 2, nº 5 al. a), e 26º, nº 4 do RGIT - Falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo” (cfr.auto de notícia junto a fls.4 do processo físico, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
2-O auto de notícia, mencionado no ponto anterior, deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal, n.º ……-2016/00……, cuja parte administrativa correu os seus termos no Serviço de Finanças da Lourinhã, sendo autuado em 20/01/2016 (cfr.documento junto a fls.3 do processo físico);
3-Da decisão de fixação da coima exarada no processo consta a aplicação da coima no valor de € 7.207,90, acrescida de € 76,50 a título de custas (cfr.documento junto a fls.53 e verso do processo físico, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
4-Da decisão de fixação da coima consta, ainda, a enunciação das normas infringidas e punitivas: “Normas infringidas: art.27º, nº 1 e 41º, nº 1, al. b) CIVA - Falta de Pagamento do Imposto; Normas punitivas: Art. 114º, nº 2, nº 5 a) e, 26º, nº 4 do RGIT - Falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo” (cfr.documento junto a fls.53 e verso do processo físico);
5-Da decisão de fixação da coima, consta a informação referente a “Requisitos / Contribuinte” que a seguir se transcreve:
(cfr.documento junto a fls.53 e verso do processo físico).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos, com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos objeto de análise concreta, não se provaram outros, suscetíveis de afetar a decisão e que importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido e, em consequência, declarou a nulidade da decisão de aplicação de coima (cfr.nº.3 do probatório), ao abrigo do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T., devido a falta de identificação dos elementos determinantes da graduação concreta da coima aplicada.
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Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente aduz, em primeiro lugar, que o Tribunal “a quo” ao considerar nula a decisão de aplicação de coima, dado não terem sido ponderados os elementos determinantes para a graduação da mesma e elencados no artº.27, do R.G.I.T., tal decisão constitui uma surpresa, para ambas as partes. Que tal constitui violação do princípio do contraditório que tem consagração constitucional (cfr.artº.32, nº.5, da C.R.P.) e no processo penal, no artº.327, do C.P.P., aqui subsidiariamente aplicável (cfr. conclusões 6 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, a preterição de uma formalidade legal e consequente existência de uma nulidade processual no âmbito dos presentes autos.
Deslindemos se o presente processo padece de tal vício.
Estatui o artº.3, nº.3, do C.P.Civil, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório (actualmente entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo"), não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª. Instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as citadas decisões-surpresa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/1/2014, rec.663/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2017, proc.2035/09.9BELRA; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se que o Tribunal “a quo” ao considerar nula a decisão de aplicação de coima, dado não terem sido ponderados os elementos determinantes para a graduação da mesma e elencados no artº.27, do R.G.I.T., não violou o citado princípio do contraditório e as normas constantes dos artºs.32, nº.5, da C.R.P., e 327, do C.P.P., pelos seguintes motivos, os quais passamos a enumerar:
1-A exigência do cumprimento do princípio do contraditório, prevista nos citados artºs.32, nº.5, da C.R.P., e 327, do C.P.P., remete-nos para as questões suscitadas durante a audiência de discussão e julgamento em processo penal, fase de processo que não existiu no caso dos autos, em que a decisão do Tribunal “a quo” foi estruturada através de despacho (cfr.artº.64, do R.G.C.O.; despacho exarado a fls.84 do processo físico);
2-A falta de requisitos da decisão de aplicação de coima consubstancia nulidade insuprível em processo de contra-ordenação tributária, de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo (cfr.artº.63, nºs.1, al.d), e 5, do R.G.I.T.);
3-Encontramo-nos perante situação que se reconduz à interpretação e aplicação das regras de direito, face à qual o Tribunal não está sujeito às alegações das partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
Por último, sempre se dirá que será questionável a legitimidade da Fazenda Pública, enquanto entidade que estruturou a decisão administrativa de aplicação de coima, para em sede de recurso vir alegar a violação do princípio do contraditório, nesta fase processual (cfr.artº.80, nº.1, do R.G.I.T.; artº.59, nº.2, do R.G.C.O.).
Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio do recurso.
O apelante defende, igualmente e em síntese, que terão de ser dados como preenchidos os requisitos previstos no artº.27, do R.G.I.T., por parte da decisão de aplicação de coima em causa no presente processo. Que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a decisão de aplicação de coima objecto do processo (cfr.conclusões 1 a 5 e 9 a 16 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
De acordo com a decisão de aplicação de coima (cfr.nºs.3 e 4 do probatório) a norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.a), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2012 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12), a qual tinha a seguinte previsão e estatuição:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5-Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;
(...).

Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8459/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813 e 814).
No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), equiparam-se às situações em que há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, as omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de liquidação que deve ser efectuada pelos sujeitos passivos, de que são exemplo as situações previstas nas alªs.a) e e) deste nº.5, que sucedem na maior parte dos casos de I.V.A. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc. 2660/15.9BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo (cfr.nºs.3 e 4 do probatório).
De acordo com a doutrina penalista, determinada conduta considera-se dolosa sempre que o agente pretenda com a mesma atingir um resultado típico (dolo directo), ou preveja tal resultado como consequência necessária da sua actuação (dolo necessário), ou ainda, embora não desejando tal resultado como consequência directa ou necessária da sua conduta, prossegue, apesar de tudo, a mesma (dolo eventual). Por sua vez a conduta do agente considera-se meramente negligente quando o agente não pretende atingir o facto oposto à lei mas age sem a necessária diligência para o evitar. Para se concluir pela actuação dolosa ou negligente do agente deve o Tribunal lançar mão do critério da normalidade ou da experiência comum (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc. 2660/15.9BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS).
O C.I.V.A. impõe obrigações de quatro tipos aos sujeitos passivos de imposto, entre elas se encontrando a obrigação de pagamento, da qual é expressão do artº.27, do mesmo diploma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.304 e seg.).
“In casu”, estamos perante prestação tributária de I.V.A. deduzida pela sociedade recorrida (no montante total de € 21.842,16), relativa ao segundo trimestre de 2012, sendo que tal montante não foi regularizado a favor do Estado pelo sujeito passivo de imposto, entretanto insolvente (cfr.nºs.1 e 3 do probatório).
A contra-ordenação p.p. no artº.114, do R.G.I.T., constitui o reverso do crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do mesmo diploma. Assim, a não entrega, total ou parcial, por um período até noventa dias (computados desde o termo do prazo legal em que a respectiva entrega deve efectuar-se - cfr.artº.41, do C.I.V.A.), do imposto devido, constitui a infracção prevista no citado artº.114, do R.G.I.T. Por sua vez, quando tenham decorrido mais de noventa dias sobre o termo legal do prazo de entrega da prestação e a conduta seja dolosa, estaremos perante o crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do R.G.I.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1988, pág.206 e seg.; A. José de Sousa, Infracções Fiscais não Aduaneiras, 2ª. edição, Almedina, 1995, pág.136; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
O legislador faz expressa menção à “entrega” e não ao “pagamento” do tributo. O verbo “entregar” provém, etimologicamente, do vocábulo latino “integrare”, isto é, passar às mãos de outrem. A “entrega” não tem de traduzir-se num acto material, antes pode ser uma “entrega” que ocorre por força da lei e, neste sentido, estamos perante uma “entrega legal” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do C. Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.98).
E recorde-se que o I.V.A. é liquidado de acordo com o método subtractivo indirecto ou método de crédito de imposto, sendo tributo que pertence ao Estado e que o sujeito passivo tem a obrigação de liquidar e cobrar por conta do mesmo Estado. Mais se deve referir que a prestação a entregar não corresponde à parcela de imposto deduzido, mas sim à diferença positiva entre o tributo suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/05/2011, rec.209/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/03/2013, rec.1451/12; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. - Perspectiva da jurisprudência tributária, Revista Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª. Edição, Almedina, 2010, pág.620).
Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, nulidade esta de conhecimento oficioso, conforme estatui o nº.5, da citada norma legal e supra se referiu (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.444).
Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
1-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
2-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
3-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
4-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
5-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
6-A condenação em custas.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/11/2014, proc. 7974/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.143 e 144).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.3 a 5 do probatório), o despacho administrativo de aplicação de coima exarado no presente processo não satisfaz os requisitos previstos na lei e enumerados supra, quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, tudo conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
Expliquemos porquê.
Nos termos do artº.79, nº.1, al.c), do R.G.I.T., a decisão de aplicação de coima deve conter a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, assim não bastando a remessa para um documento distinto dela em que tais elementos, eventualmente, sejam indicados.
O que se pretende exigir com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artº.268, nº.3, da C.R.P.) e com a garantia do direito à defesa (artº. 32, nº.10, da C.R.P.), o qual exige que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517).
Revertendo ao caso dos autos, da factualidade provada se retira que foi aplicada ao arguido uma coima no montante de € 7.207,90 (cfr.nºs.3 e 4 do probatório).
Em abstracto, a coima aplicável ao caso dos autos variava entre um mínimo de € 6.552,65 (30% do imposto em falta, o qual era de € 21.842,16) e um máximo de € 21.842,16 (imposto em falta), tudo levando em consideração o disposto nos artºs.26, nº.4, e 114, nº.2, ambos do R.G.I.T., havendo depois que fazer funcionar os vectores, agravantes e atenuantes da medida concreta da coima, previstos e aplicáveis nos termos dos artºs.13 e 27, do mesmo diploma (vectores estes que não têm natureza taxativa).
No caso concreto, sendo a coima concretamente aplicada (€ 7.207,90) superior ao mínimo em abstracto permitido, padece o despacho que a aplica da nulidade prevista no citado artº.79, nº.1, al.c), do R.G.I.T.
Os elementos determinantes para a graduação da coima constam do citado artº.27, do R.G.I.T., referindo-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à situação económica deste, devendo sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra ordenação. A ponderação destes elementos (de características agravantes ou atenuantes) constitui requisito legal da decisão administrativa, cuja falta acarreta a nulidade insuprível da mesma (e recorde-se que a ponderação destes elementos não se reconduz à sua descrição automática).
A decisão recorrida omite tais elementos. Das poucas referências que contem reconduzem-se à indicação da situação económica do agente, “baixa”, e à frequência da prática da infracção “acidental”. Ora, desde logo, quanto à situação económica do agente não é possível saber-se o que a A. Fiscal entende por situação baixa, nem no processo existem elementos que permitam o controlo jurisdicional dessa conclusão. Mais apropriado seria mencionar se a sociedade arguida apresentou lucro tributável, ou não, e qual o seu montante, de modo a perceber-se qual a real situação económica da sociedade. O mesmo de diga da prática da infracção “acidental”. Fica, portanto, por fundamentar a concreta aplicação da coima de € 7.207,90, porque superior ao mínimo legal em abstracto previsto na lei.
A jurisprudência e doutrina têm entendido que aplicada uma coima pelo montante mínimo e constando dos autos os elementos que permitem o controlo judicial da sua aplicação, não constitui nulidade insuprível a omissão da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima (cfr.ac.STA-2ª.Secção, 22/09/1993, rec.16098; ac.STA-2ª.Secção, 16/04/1997, rec.21221; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.522).
Porém, a coima aplicada no despacho objecto do presente processo excede o limite mínimo, pelo que não tem aplicação a doutrina supra referida.
Importa, pois, concluir que o despacho de aplicação da coima não satisfaz os requisitos a que se alude o artº.79, nº.1, als.c) e d), do R.G.I.T., assim enfermando da nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), do mesmo diploma legal.
Haverá, agora, que examinar qual o efeito da decretada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima exarada nos presentes autos.
A tal questão nos responde, em primeira linha, o artº.63, nº.3, do R.G.I.T.
Na sequência da declaração de uma nulidade insuprível, o processo não é necessariamente extinto, devendo ser praticados os actos necessários para que a mesma seja sanada. É isso que se infere do preceituado no artº.63, nº.3, do R.G.I.T., ao impor o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, sendo este regime aplicável à generalidade das nulidades previstas no nº.1, do preceito, entre os quais se inclui a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas. Assim, o efeito da declaração destas nulidades consiste na anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos, e não a absolvição da instância ou o arquivamento do processo contra-ordenacional. Os efeitos são estes mesmo que a declaração de nulidade ocorra na fase judicial do processo, após a apresentação do processo ao juiz, como evidencia a sistematização do R.G.I.T., dado que, da colocação sistemática do artº.63, deste diploma, se deve concluir que a mesma norma se aplica, tanto à fase administrativa, como à fase judicial do processo. Assim, se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório. Por outras palavras, tais nulidades, na medida em que inquinam a acusação, ou seja, a decisão que aplica a coima, devem visualizar-se como excepções dilatórias que geram a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente e consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório (cfr.artº.52, do R.G.I.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2009, rec.938/09; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/4/2010, rec.270/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc. 8459/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/12/2018, proc.2478/17.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.447).
Arrematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 5 de Junho de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Vital Lopes - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)