Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10792/01
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/10/2007
Relator:Rui Pereira
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR – NULIDADE DO PROCESSO – ALTERAÇÃO DA PENA APLICADA
Sumário:I – Se o recorrente introduziu na alegação final um novo vício – nulidade insuprível do processo disciplinar, por violação do disposto no artigo 42º do ED –, que não havia identificado na petição de recurso, estando por conseguinte em causa a invocação de vício que, a proceder, fere a decisão recorrida de nulidade e não de mera anulabilidade, é legalmente admissível a arguição de tal vício novo, com a consequente possibilidade do Tribunal dele conhecer.
II – Se o recorrente respondeu à nota de culpa, arrolando várias testemunhas, que foram inquiridas, e não se vislumbrando quaisquer outras diligências de prova que tivessem sido requeridas pelo recorrente e que não tivessem sido deferidas e levadas a cabo pelos instrutores encarregues de tramitar o processo disciplinar, não pode ter-se por verificada a nulidade insuprível consistente na violação do artigo 42º do ED.
III – Sendo o recurso contencioso de mera anulação, o tribunal apenas aprecia a legalidade do acto, anulando-o se estiver em desconformidade com a lei ou os princípios jurídicos, não podendo ele próprio, lançando mão do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual, o que consistiria em fazer administração activa, o que lhe está vedado, posto que essa actividade só pela Administração pode ser levada a cabo.
IV – Envolvendo a determinação da medida da pena o exercício de um poder discricionário por parte da Administração, o mesmo é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, o que não prefigura a hipótese dos autos [Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 1-7-97, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 41.177, e de 16-2-2006, da 1ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 0412/05].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Octaviano ..., Médico Especialista de Oftalmologia, Chefe de Serviços do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, veio interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Sr. Ministro da Saúde, datado de 24 de Julho de 2001, exarado no Parecer nº 239/01 – Processo nº 01/0166 –, que, em decisão de recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente, manteve a pena disciplinar de 30 dias de suspensão que lhe havia sido aplicada pelo Sr. Inspector-Geral da Saúde.
A entidade recorrida respondeu, pugnando pela manutenção do decidido.
Na respectiva alegação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1ª – Não se deu cumprimento às diligências solicitadas pelo arguido;
2ª – Não se fundamentou, nem se lhe comunicou o motivo pelo qual tais diligências não foram levadas a efeito;
3ª – Está, pois, violado o artigo 42º do ED – o que constitui nulidade insuprível;
4ª – A "confissão" do arguido, extraída da alínea c) da sua 2ª conclusão nunca teve a dimensão que lhe foi atribuída, tanto mais que o que se "disse" e "escreveu", nem foi em público, nem foi de carácter ofensivo – tais qualificações são da responsabilidade da Administração e só a ela caberia tê-lo provado, o que não conseguiu;
5ª – O recorrente não cometeu qualquer infracção de natureza disciplinar – onde estão as provas? E a contraprova?;
6ª – A haver qualquer falta mínima, estão reunidos os requisitos legais não só para a diminuição da pena a aplicar, mas, e sobretudo, para a sua suspensão – Cfr. artigos 33º e 9º do ED, conjugados com o artigo 50º do Código Penal”.
A entidade recorrida contra-alegou, concluindo pelo improvimento do recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer a fls. 64/65, no qual conclui nos seguintes termos:
[…]
2. A meu ver, sendo o pedido ilegal, deverá ser rejeitado ou improceder.
Desde logo, estamos em sede de recurso contencioso de mera legalidade e de anulação – artigo 6º do ETAF – e não de plena jurisdição: assim sendo, embora imperfeito o pedido na petição de recurso, poderia ser aperfeiçoado – de acordo com os artigos 36º, nº 1 e 40º, nº 1 da LPTA – era aceitável por razões de celeridade, eficácia e de economia processual; todavia, em sede de alegações – visto o disposto nos artigos 690º do CPCivil, aplicável “ex vi” do artigo 67º, § único do RSTA –, não é viável convite ao aperfeiçoamento designadamente perante as conclusões e o pedido que aqui foram apresentados, tanto mais que o recorrente abandonou nas alegações as pretensas ilegalidades que invocara na petição e nestas introduziu uma nulidade, o que lhe era vedado pelo princípio da estabilidade da instância.
Estando o julgador sujeito aos princípios do dispositivo e da legalidade estritos, não deverá conhecer do pedido, porque ilegal, de mandar "arquivar os presentes autos”.
Mesmo havendo que conhecer de fundo, sempre improcederia o recurso, porque sendo a intervenção do tribunal reservada aos casos de erro grosseiro, isto é, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, não havia sequer lugar a sindicar judicialmente o acto recorrido, tanto mais que não foram sequer alegadas tais excepcionais irregularidades ou erros notórios de apreciação – cfr. o Acórdão do STA, de 4-3-97, Recurso nº 37.332.
No mesmo sentido, por exemplo, o Acórdão do STA, de 9-10-97, Recurso nº 40.274: "Assim a decisão punitiva só pode ser judicialmente controlada, neste aspecto, nos termos em que o é o exercício do poder discricionário, designadamente por erro nos pressupostos de facto, desvio de poder ou violação dos limites internos do poder discricionário [princípio da proporcionalidade, necessidade e adequação]."
O Acórdão do STA, de 22-10-98, Recurso nº 42.159, também ensina:
"V – Em sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados. VII – A medida punitiva a aplicar deverá, assim, ser aquela que, sendo idónea aos fins a atingir se apresente como menos gravosa para o arguido. VIII – Pode, a este propósito, falar-se do princípio da intervenção mínima, necessariamente ligado ao princípio do "favor libertatis" que deve levar a Administração a escolher, de entre as medidas que satisfaçam igualmente o interesse público, a que se configure como menos lesiva."
"Há erro grosseiro ou palmar na fixação da pena disciplinar quando esta é manifestamente injusta ou manifestamente desproporcionada, pelo que, em tais casos, a Administração infringe os princípios constitucionais a que está vinculada da justiça e da proporcionalidade, nos termos do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República", como decidiu o Acórdão do STA, Pleno, de 23-6-98, Recurso nº 40.332.
De resto, tendo o arguido do processo disciplinar, ora recorrente, confessado os factos que a acusação lhe imputou, sendo certo que abandonou a substância da petição e acrescentou ilegitimamente as alegações, não padece mais de incoerência que de falta de fundamentos para o demandado, estando desde sempre na posse de todos os elementos que lhe permitiam impugnar o acto; não pode deixar de se concordar com a posição da autoridade recorrida, quanto à impertinência ou desnecessidade das diligências e à aplicação do disposto no artigo 61º, nº 3 do ED, para afastar a pretensa nulidade do artigo 42º do mesmo ED. Como constitui Jurisprudência pacífica e se decidiu, por exemplo, no Acórdão do STA, de 20-5-99, Recurso nº 43.588, "A arguição dos vícios do acto impugnado deve ser feita na petição de recurso [artigo 36º, nº 1, alínea d) da LPTA], só podendo atender-se a arguição de novos vícios na alegação final em caso de conhecimento superveniente à interposição do recurso, salvo se forem de conhecimento oficioso".
3. Em conclusão, sendo formulado pedido ilegal, qual seja o de arquivamento do processo disciplinar, deverá ser rejeitado o recurso ou improceder, segundo o meu parecer”.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso contencioso, consideram-se assentes os seguintes factos:
i. O recorrente é chefe do serviço de oftalmologia do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro.
ii. Na sequência de proposta nesse sentido formulada no Processo de Averiguações nº 32/98, foi, por despacho do Inspector-Geral da Saúde, datado de 28-6-99, determinada a instauração de procedimento disciplinar contra o recorrente [cfr. fls. 1 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iii. Com data de 29-2-2000, foi deduzida acusação contra o recorrente, pela prática dos seguintes factos:
O arguido é funcionário público e tem vindo a desempenhar as suas funções no Serviço de Oftalmologia do Hospital Distrital de Aveiro, com a categoria de chefe de serviço.
No dia 31 de Maio de 1999, o arguido observou no Hospital Distrital de Aveiro, na consulta externa de oftalmologia, o utente Francisco ...s, o qual, por ser diabético, tinha sido submetido no citado Hospital a quatro sessões de laserterapia, três ministradas pelo Dr. Mário ..., e uma pelo Dr. Leonel ....
Durante a consulta o arguido, que nunca antes tinha observado o mencionado utente, referindo-se aos médicos do Hospital Distrital de Aveiro que lhe haviam ministrado as laserterapias, proferiu a seguinte expressão: "São como crianças, quando têm um aparelho novo gostam de brincar com ele".
Depois, reportando-se à forma como aqueles médicos efectuaram os disparos laser disse ao utente: "É como um caçador mandar dois disparos para uma árvore coberta de folhas sem ver os pássaros".
Ainda no decorrer da consulta disse o arguido ao utente: “Lá vem ele mais uma vez, anda a ver se descobre mais alguma coisa”, referindo-se à passagem pelo local de um enfermeiro que encaminhava os utentes para as consultas.
Em 14 de Janeiro de 1999, o Conselho de Administração do HIDP decidiu alterar a modalidade da prestação do serviço de urgência a efectuar pelo arguido, alteração esta com efeitos a partir de Fevereiro de 1999.
Devendo este, segundo a aludida decisão, efectuar o serviço de urgência não no regime de prevenção, mas no regime de presença física.
O arguido foi formalmente notificado da referida decisão do Conselho de Administração do Hospital Distrital de Aveiro, em 20 de Maio de 1999.
Todavia, este não cumpriu esta determinação, continuando, após o dia 20-5-99, a efectuar os serviços de urgência para que foi escalado, não no regime de presença física, mas no regime de prevenção.
10º
Assim, o arguido estando escalado para efectuar serviço de urgência em presença física, das 14 horas às 2 horas do dia seguinte, nos dias 26-5-99, 2-6-99, 9-6-99, 16-6-99, 23-6-99 e 30-6-99; das 14 horas às 20 horas, nos dias 21-7-99, 28-7-99, 4-8-99, 11-8-99, 18-8-99 e 25-8-99; e por fim, das 8 horas às 20 horas, nos dias 1-9-99, 8-9-99, 15-9-99, 13-10-99, 27-10-99, 3-11-99, 10-11-99, 17-11-99, 24-11-99 e 1-12-99,
11º
Não esteve em presença física no Serviço de Urgência do Hospital Distrital de Aveiro durante nenhum desses períodos.
12º
Tendo indicado nas folhas de ponto do Serviço de Urgência referentes aos dias citados no artigo 20º que cumpria o horário não no regime de presença física, conforme constava das referidas folhas, mas no regime de prevenção.
13º
Só não fazendo esta indicação nas folhas de ponto respeitantes aos dias 24-11-99 e 1-12-99.
14º
Com a conduta referida nos artigos 2º a 5º o arguido violou os deveres gerais de zelo e correcção previstos, respectivamente, nas alíneas b) e f) do nº 4 e nºs 6 e 10 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro;
15º
Praticando, assim, infracção disciplinar punível, nos termos do artigo 23º, nº 2, alínea d), do Estatuto Disciplinar, com a pena de MULTA, prevista no artigo 11º, nº 1, alínea b), e 12º, nº 2, do mesmo diploma.
16º
Com o comportamento descrito nos artigos 6º a 14º o arguido violou de forma continuada os deveres gerais de zelo e obediência previstos, respectivamente, nas alíneas b) e c) do nº 4 e nºs 6 e 7 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar;
17º
Praticando, desta forma, infracção disciplinar punível, nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea h), e nº 3, do Estatuto Disciplinar com a pena de SUSPENSÃO, DE 121 a 124 DIAS, prevista nos artigos 11º, nº 1, alínea c), e 12º, nº 4, alínea b), do mesmo diploma, por esse comportamento configurar uma desobediência reiterada e ostensiva pelo arguido face a ordens em matéria de serviço que lhe foram formalmente transmitidas pelo Conselho de Administração do Hospital Distrital de Aveiro.
18º
O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que os seus comportamentos não lhe eram permitidos e que, consequentemente, incorreria em responsabilidade jurídico-disciplinar.
19º
Contra o arguido milita a circunstância agravante especial prevista na alínea g) do artigo 31º do Estatuto Disciplinar [acumulação de infracções], não se verificando a favor do mesmo qualquer atenuante especial prevista no artigo 29º do citado diploma.” [cfr. fls. 193/195 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iv. O recorrente respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 204/211vº do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, requerendo a declaração de nulidade da acusação, por violação do disposto nos artigos 12º, nº 2, 14º, nº 1 e 59º, nº 6, todos do ED, além de arrolar várias testemunhas.
v. Por despacho dos instrutores, datado de 11-4-2000, foi a Ilustre Advogada do recorrente notificada para indicar, ao abrigo do disposto no artigo 61º, nº 4 do ED, os artigos da defesa/contestação a que cada testemunha por si arrolada deveria ser ouvida, visto tal indicação não ter sido efectuada na contestação apresentada [cfr. fls. 233 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
vi. Em resposta a tal notificação, veio aquela Ilustre Advogada apresentar o requerimento constante de fls. 236 e vº do processo instrutor apenso, com o seguinte teor:
Octaviano..., arguido no processo acima referenciado, vem, respeitosamente, na sequência da notificação recebida dizer que, salvo o respeito por opinião contrária, não é obrigada, pois tal facto é totalmente impossível e inviável a qualquer um, indicar nesta fase do processo a que factos as testemunhas indicadas irão responder.
Durante a fase da sua defesa, salvo situações excepcionais previstas na lei, não podem ser ouvidas mais de três testemunhas a cada facto. Mas como pode haver factos aos quais a testemunha indicada, no início da inquirição, para responder declare que "nada sabe", e assim aquele facto poder ser indicada à testemunha seguinte. Pelo que só na inquirição concreta das testemunhas se poderá ir indicando a quais factos elas vão respondendo.
Não há nada na lei que obrigue, por tal ser impossível, à indicação antecipada dos factos a que cada testemunha irá responder. Pois a fase da defesa não é somente a contestação da nota de culpa, mas abrange também, entre outras diligências, a audição de testemunhas arroladas por este.
Pede a V. Exª se digne promover os ulteriores termos.”.
vii. Por despacho de fls. 239 e vº do processo instrutor apenso, foram designadas as datas para a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, que foram notificadas para o efeito.
viii. Entretanto, por requerimento entrado na Inspecção-Geral da Saúde em 16-5-2000, os mandatários constituídos pelo recorrente vieram renunciar ao mandato, o que determinou a notificação do recorrente para constituir novo mandatário e o consequente adiamento da inquirição das testemunhas por aquele arroladas [cfr. fls. 253/256 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
ix. Por despacho do instrutor, datado de 5-6-2000, foi o recorrente notificado para dar cumprimento ao disposto no artigo 61º, nº 4 do ED, indicando, no prazo de cinco dias úteis, os artigos da defesa/contestação a que cada testemunha arrolada deveria ser inquirida, uma vez que tal indicação não havia sido feita pela anterior mandatária constituída, e ainda para constituir novo mandatário, visto o processo não poder ficar a aguardar “sine die” por esse facto [cfr. fls. 257 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
x. Em 8-6-2000 o recorrente fez juntar aos autos procuração constituindo novos mandatários [cfr. fls. 260/261 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xi. Por despacho de fls. 267 e vº do processo instrutor apenso, foram designadas novas datas para a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, que foram notificadas para o efeito.
xii. Com data de entrada na Inspecção-Geral da Saúde, o recorrente apresentou um requerimento com o seguinte teor:
Dando satisfação ao douto ofício acima referido, na sequência da constituição como Mandatário do arguido, cuja Procuração se juntou aos autos, capeado pelo Ofício, também supra citado, assim se organiza a Defesa Testemunhal, distribuindo as Testemunhas já indicadas, anteriormente, pela matéria constante da Acusação, pela seguinte forma e ordem:
1 – Com excepção da última [a indicada em 7º], todas são "Abonatórias" do bom relacionamento profissional, dedicação ao serviço, empenho, zelo, respeito, responsabilidade, assiduidade, capacidade e competência técnica do arguido:
1.1. – Os Srs. Drs. Adriano..., João ..., Manuel ... – abonarão, concretamente, sobre a dedicação, zelo, empenho, sentido de responsabilidade, assiduidade e respeito profissionais;
1.2. – Na medida dos seus conhecimentos técnicos, além dos citados Médicos referidos em 1.1., deporão sobre a competência técnica do arguido os Senhores Dr. Luís ... e Enfº Adão....
2 – Relativamente à matéria dos artigos 2º a 5º, com realce para o saber técnico e capacidade profissional de laserterapia oftalmológica, deporão os Senhores:
– Dr. Luís ... ;
– Enfº Adão ...;
– Utente – D. Beatriz ....
3 – Relativamente à matéria vertida nos artigos 6º a 13º e 17º a 19º, deporão os Senhores:
– Dr. Adriano ... – Director de Serviços;
– Dr. Alfredo ...; e,
– Enfº Adão....
Atendendo ao facto das Testemunhas terem de ser apresentadas, e nem todas residirem em Aveiro, além dos seus afazeres profissionais,
REQUER-SE QUE
O arguido seja notificado da data [ou datas] para o seu depoimento com uma antecedência nunca inferior a 15 dias úteis.” [cfr. fls. 276/277 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xiii. As testemunhas arroladas pelo recorrente foram inquiridas nos dias 3-7-2000 [cfr. fls. 289/292 e 297 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], e 4-7-2000 [cfr. fls. 298/301 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xiv. Em 18-5-2001 foi elaborado o relatório final, com o seguinte teor:
Proc. nº 223/99-D
Arguido: Dr. O... Chefe de Serviço de ... do Hospital Infante D. Pedro – Aveiro.
1 – INTRODUÇÃO
1.1. O presente processo disciplinar foi instaurado por despacho do Sr. Inspector-Geral da Saúde de 28.06.99, exarado sobre documento constante de fls. 1.
1.2. Este processo foi precedido de um processo de averiguações instaurado em 22.10.98 por deliberação do Conselho de Administração do agora denominado Hospital Infante D. Pedro [HIDP].
1.3. Pela Ordem de Serviço nº 469/99, de 19 de Agosto de 1999, constante de fls. 55, foram os signatários nomeados instrutores do processo disciplinar em referência.
2 – DA INSTRUÇÃO
2.1. Foram ouvidas em auto as pessoas a seguir indicadas.
2.1.1. Médicos do HTDP:
- Dr. Leonel .... Assistente Hospitalar de Oftalmologia, fls. 77 a 79;
- Dr. David ..., Director do Serviço de Oftalmologia, fls. 80 a 82;
- Dr. António ..., Director Clínico, fls. 166 e 167;
- Dr. Octaviano ..., Chefe de Serviço de Oftalmologia, arguido no presente processo disciplinar, fls. 85 a 87, 182 e 183.
2.1.2. Utentes do Serviço de Oftalmologia do HIDP:
- Maria ..., fls. 105 e 106;
- Cláudio ..., fls. 163 e 164;
- Salvador ..., fls. 165;
- Francisco ..., fls. 184 e 185.
2.2. Juntaram-se aos autos os documentos a seguir indicados:
- Registo biográfico disciplinar do arguido, fls. 64:
- Carta subscrita pelo arguido, dirigida a médico da Casa de Saúde de Stª Filomena e entregue a um utente, fls. 83 e 84;
- Elementos clínicos de utentes da Consulta Externa de Oftalmologia do HIDP, fls. 88 a 90, 93 a 104;
- Fotocópia de folha da agenda de marcações de exames do Dr. Leonel ..., fls. 91;
- Registo manuscrito dos exames de laser efectuados pelo Dr. Leonel..., abrangendo o período de 15.06.98 a 19.08.98, fls. 92;
- Bilhete manuscrito pelo arguido e por este entregue à utente Maria..., fls. 107;
- Certidão da acta do CA do HIDP deliberando a alteração do regime de prestação do serviço de urgência pelo arguido, fls. 117;
- Folhas de ponto do serviço de urgência do HTDP, fls. 119 a 145 e 170 a 181;
- Deliberação do CA do HTDP deferindo, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2000, o pedido de dispensa do Serviço de Urgência formulado pelo arguido, fls. 168;
- Horário individual do arguido, aprovado em 31.12.99, fls. 169.
2.3. Concluída a instrução foi elaborada a informação constante de fls. 186 a 192, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, na qual, foi enunciada a matéria objecto do presente processo tida como provada, bem como a qualificação jurídica da mesma, tendo-se em síntese concluído o seguinte:
- O comportamento do arguido para com a utente Maria ..., no dia 18.05.98, no corredor de consulta externa do Serviço de Oftalmologia do HIDP, bem como o comportamento do mesmo para com o Dr. Leonel..., no dia 29.06.98, aquando este estava a efectuar um tratamento ao utente Cláudio ... no gabinete de laserterapia do citado serviço, consubstanciam infracção disciplinar punível com pena de multa, nos termos do artigo 23º, nº 2, alínea d), do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, doravante designado por ED.
- Todavia, tendo estes factos ocorrido antes de 25 de Março de 1999, conclui-se que as infracções decorrentes dos mesmos estavam amnistiados por força do artigo 7º, alínea c), da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, pelo que se propôs o arquivamento do procedimento disciplinar quanto aos factos supra referidos.
- Por sua vez, conclui-se que os demais comportamentos imputados ao arguido consubstanciavam matéria infractória não abrangida pela citada Lei, pelo que se propôs a dedução de acusação quanto a esta matéria.
- O Sr. Subinspector-Geral da Saúde, em despacho constante de fls. 186, concordou com as conclusões formuladas na informação em referência, ordenando que se procedesse em conformidade ao nela proposto.
3 – DA ACUSAÇÃO
3.1. Face aos factos apurados na instrução foi deduzida acusação contra o arguido, inserta nos autos a fls.193 a 195, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido;
3.2. Na qual o arguido foi acusado, em síntese, de ter violado os deveres gerais de zelo e correcção no decurso de uma consulta de um utente no Serviço de Oftalmologia do HIDP, por proferir determinados comentários relativamente a outros médicos do serviço que haviam efectuado tratamentos laser ao mesmo utente;
3.3. E ainda de ter violado de forma continuada os deveres gerais de zelo e de obediência, por continuar a prestar o serviço de urgência no regime de prevenção, isto após haver sido notificado da deliberação do CA do HIDP que determinou que o arguido passasse a efectuar esse serviço no regime de presença física;
3.4. Sendo a primeira das infracções punível, nos termos do artigo 23º, nº 2, alínea do ED com a pena de multa, prevista nos artigos 11º, nº 1, alínea b), e 12º, nº 2, do mesmo diploma, e sendo a última, de acordo com o artigo 24º, nº s 1, alínea h), e 3, do ED, punível com a pena de suspensão, prevista nos artigos 11º, nº 1, alínea c), e 12º, nº 4, alínea b), do citado diploma.
4 – DA DEFESA
4.1. O arguido apresentou a sua defesa, onde em síntese, alegou o seguinte:
– A nota de culpa padece de nulidades insupríveis, uma vez que dela constam duas penas sem que se indique qual delas será aplicada, caso se comprovem os factos, e sem que se concretize o montante ou duração da pena a aplicar, designadamente quanto à pena de multa, não mencionando ainda a mesma nota de culpa a delegação do poder de punir, sendo assim violados, respectivamente, os nºs 4 e 6 do artigo 59º do ED.
– Não constam da acusação factos susceptíveis de configurar negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais, não se verificando, por isso, os pressupostos estabelecidos no artigo 24º, nº 1, do ED, para a aplicação da pena de suspensão.
– Não existem nos autos elementos que permitam concluir que o arguido, com os comentários por si proferidos, teve a intenção de denegrir a imagem dos colegas ou de lhes imputar um comportamento pejorativo, não figurando, aliás, tal conclusão do articulado da acusação, pelo que não há fundamentos para lhe imputar a prática de infracção disciplinar por violação do dever geral de correcção.
– A ordem dada ao arguido de prestação do serviço de urgência no regime de presença física das 14 H às 2 H era ilegal, pois implicaria a realização de trabalho extraordinário pelo arguido, sem acordo deste. Esta situação de ilegalidade é, aliás, mencionada nas folhas de ponto do serviço de urgência a fls. 119 e segs. pelo Director do Serviço de Urgência do HIDP. Nestes termos, o arguido não violou qualquer dever de obediência, isto porque ninguém está obrigado a cumprir ordens ilegais, mesmo que sejam dadas por quem de direito.
– Verificam-se as circunstâncias atenuantes especiais, previstas nas alíneas a) e c) do artigo 29º do ED, porquanto o arguido além de trabalhar na função pública há mais de 30 anos, sempre com exemplar comportamento e com zelo, tem-se empenhando em melhorar a valência de oftalmologia do Hospital, conseguindo, por via disso, adquirir para uso do HIDP um aparelho de raios Laser através de fundos por si angariados, prestando desta forma serviços relevantes à população do Distrito de Aveiro.
4.2. – DA PRODUÇÃO DA PROVA OFERECIDA PELA DEFESA
4.2.1. Foram inquiridas as seguintes testemunhas:
- Dr. Luís ..., fls. 289 e 290;
- Dr. Adriano..., fls. 291 e 292;
- Dr. João ..., fls. 297;
- Dr. Alfredo..., fls. 298;
- Enfº Adão .., fls. 299;
- Beatriz ..., fls. 300;
- Dr. Manuel ..., fls. 301.
4.2.2. Foram juntos aos autos pela defesa os documentos a seguir indicados:
- Cópia de requerimento subscrito pelo arguido dirigido ao Dr. Adriano..., chefe de equipa de urgência, fls. 293 e 294;
- Ofício e aditamento ao mesmo enviados em 23.01.92 pelo Dr. Adriano... à Directora Clínica do HIDP, fls. 295 e 296.
4.3. – APRECIAÇÃO DA DEFESA
4.3.1. A alegação do incumprimento do preceituado no artigo 59º, nº 4 do ED, é claramente improcedente, isto porque, contrariamente ao referido pela defesa, a citada norma não impõe que se indique na acusação qual a pena concreta que será aplicada ao arguido, comprovando-se os factos contra ele aduzidos.
De facto, aquela norma apenas prevê a indicação na acusação da pena ou das penas disciplinares correspondentes à infracção ou infracções imputadas ao arguido, não obrigando à determinação da pena a aplicar [sendo certo que esta não poderá ser superior à pena mais grave constante da acusação], nem à respectiva concretização, caso esta tenha montante ou duração variável.
Na verdade, não teria sentido realizar essa determinação e concretização da pena antes da finalização da instrução do processo, designadamente antes do oferecimento da defesa e da produção da respectiva prova, pelo que, aliás como resulta do artigo 65º, nº 1, do ED, só no relatório final deve ser feita referência à pena concreta a aplicar ao arguido.
Por sua vez, carece do qualquer fundamento o argumento de que foi violado o artigo 59º, nº 6, do ED, isto porque não existe no caso qualquer delegação do poder de punir, tendo o Sr. Inspector-Geral da Saúde competência própria, nos termos do artigo 5º, alínea j), do Decreto Lei nº 291/93, de 24 de Agosto [Lei Orgânica da I.G.S.], para aplicar penas disciplinares não expulsivas.
4.3.2. Quanto à alegada não verificação dos pressupostos de aplicação da pena de suspensão refira-se o seguinte.
A aplicação da pena de suspensão quanto a comportamentos tipificados nas alíneas b) a h) do nº 1 do artigo 24º do ED, não depende da comprovação de qualquer dos requisitos estabelecidos no corpo do referido artigo, a saber: negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais.
Na verdade, aqueles comportamentos são uma enunciação exemplificativa de condutas qualificadas pelo legislador como de negligência grave ou de grave desinteresse pelos deveres profissionais.
Assim, integrando os factos imputados ao arguido a alínea h) do nº 1 do artigo 24º do ED, é-lhe aplicável a pena de suspensão, sendo para o efeito desnecessário referir ou comprovar a verificação de qualquer dos supra citados requisitos.
4.3.3. Por sua vez, o facto alegado pela defesa de que o arguido não teve a intenção de denegrir a imagem dos seus colegas ou de lhes imputar um qualquer comportamento pejorativo não obsta a que o mesmo, como se refere na acusação, tenha praticado a infracção disciplinar prevista no artigo 23º, nº 2, alínea d), do ED.
De facto, estando o arguido, enquanto funcionário público, vinculado ao dever geral de correcção, previsto no artigo 3º, nºs 4, alínea f) e 10, do ED, o mesmo não poderia ignorar que ao proferir as afirmações em referência, constantes dos artigos 3º e 4º da acusação, estava a tratar com clara falta de respeito colegas da sua especialidade perante um utente que pelos mesmos havia sido tratado, e que, desta forma, incorreria em responsabilidade disciplinar.
4.3.4. Seguidamente, improcedem os argumentos no sentido da não violação do dever de obediência pelo arguido.
Em primeiro lugar, não se vislumbra qualquer ilegalidade na deliberação do CA do HIDP [de que consta certidão a fls. 117] que, para salvaguardar o atempado atendimento na urgência, determinou, sem acordo do arguido, que este passasse a realizar o serviço de urgência no regime de presença física.
Isto porque, segundo o artigo 31º, nº 5, do Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março, o acordo do médico só é necessário para os casos de conversão do regime de 12 horas de urgência em 24 horas de prevenção. Ora, no caso em análise verifica-se o inverso: a alteração do regime de prevenção de 24 horas para o regime de presença física de 12 horas, para a qual não prevê a lei a necessidade do referido acordo.
Na verdade, sendo a conveniência de serviço um dos requisitos da prestação do serviço de urgência no regime de prevenção, não se justificaria que a cessação do mesmo por razões de serviço ficasse dependente da vontade do médico.
Depois, a prestação de serviço de urgência fora do horário de trabalho do médico não implica forçosamente o acordo deste. Efectivamente, nos termos do artigo 30º, nº 6, do citado diploma, tal acordo só é necessário quando o médico realize mais de 12 horas de trabalho extraordinário por semana.
Assim, mesmo que se admitisse que os diferentes períodos semanais para que o arguido foi sucessivamente escalado para prestar serviço de urgência [Até Junho de 99: das 14 horas às 2 horas do dia seguinte; até Agosto de 99: das 14 horas às 20 horas, de Setembro de 99 em diante: das 8 horas às 20 horas] estavam, na sua totalidade, fora do seu horário de trabalho de 35 horas, o que desde logo se afigura como inverosímil, não existem nos autos quaisquer elementos que indiciem que o arguido realizava quaisquer outras horas extraordinárias, nem tal foi sequer alegado pela defesa. Pelo que, face ao exposto, o cumprimento dos supra referidos períodos de urgência não implicava em qualquer dos casos a realização de mais de 12 horas de trabalho extraordinário por semana, não dependendo, por isso, a realização dos mesmos de acordo do médico.
Esclareça-se que nas anotações constantes a fls. 120 a 136 dos autos [a fls. 119 não contém qualquer anotação referente ao arguido], realizadas pelo Dr. Adriano..., chefe da equipa de urgência para a qual o arguido estava escalado [na defesa é referido, erradamente, que as mesmas foram efectuadas pelo Director do Serviço de Urgência], não se menciona qualquer ilegalidade no horário do arguido, apenas se refere, como aliás esclareceu o citado chefe de equipa, vd. fls. 291, a existência de uma irregularidade resultante da não correspondência entre horário para que o arguido estava escalado e o horário por este efectivamente cumprido.
Nestes termos, conclui-se não existir, face à matéria dos autos, qualquer irregularidade nos sucessivos horários de serviço de urgência fixados ao arguido. Porém, cumpre referir que mesmo que assim não fosse, tal não legitimaria o não cumprimento dos referidos horários pelo arguido.
Na verdade, como resulta do artigo 10º do ED, o facto de funcionário considerar a ordem ilegal não faz cessar o dever de obediência, o qual, nos termos do nº 5 da citada norma, bem como do artigo 271º, nº 3, da CRP, apenas cessa quando o cumprimento da ordem implicar a prática de qualquer crime ou, ainda, segundo defende o Prof. Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 652, quando as ordens ou instruções provenham de acto nulo [artigo 134º, nº 1, do CPA].
Ora, in casu, não se verificava nenhuma destas duas situações, mesmo que as ilegalidades invocadas pela defesa fossem procedentes.
3.5. Por fim, refira-se o seguinte a propósito das circunstâncias atenuantes especiais invocadas pela defesa.
Tendo sido aplicada ao arguido uma pena disciplinar há cerca de dois anos e meio, como consta do registo biográfico disciplinar do mesmo inserto a fls. 64, não pode o seu comportamento ser havido como exemplar, pelo que não se verifica a atenuante prevista na alínea a) do artigo 29º do ED.
Todavia, será tida em conta em sede de determinação concreta da pena, nos termos do artigo 28º do ED, o facto demonstrado pela defesa de que o arguido exerce funções no HIDP há mais de 20 anos, denotando ao longo desse tempo grande disponibilidade para os utentes, bem como interesse e empenho no funcionamento da valência de oftalmologia do referido Hospital, da qual foi em tempos o único especialista. Também não poderá deixar de se ponderar que os comportamentos infractórios do arguido, em parte, terão resultaram deste, como foi referido por uma testemunha igualmente com muitos anos de serviço no HIDP, ter tido dificuldade em se adaptar à nova vivência hospitalar resultante da evolução verificada neste nos últimos anos.
Por outro lado, foi efectivamente demonstrado na prova testemunhal produzida pela defesa, que há cerca de sete ou oito anos o arguido conseguiu adquirir para uso do HIDP um aparelho de laser, de custo elevado segundo resulta dos autos, através de fundos por si angariados, possibilitando, desta forma, um mais fácil acesso à laserterapia por parte da população da região de Aveiro.
Porém, dado que apenas são integráveis na alínea c) do artigo 29º do ED as acções de excepcional mérito publicamente reconhecidas, por quem de direito como relevantes para o País, não se considera verificada a supra referida circunstância atenuante especial. Isto embora se conclua que, revelando o mencionado comportamento um assinalável e muito meritório espírito de empenho e dedicação ao Serviço por parte do arguido, o mesmo relevará enquanto atenuante a considerar nos termos do artigo 28º do ED.
5 – CONCLUSÕES QUANTO A FACTUALIDADE PROVADA
Face à acusação e à prova produzida pela defesa fixa-se a seguinte matéria de facto.
5.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
5.1.1. No dia 31 de Maio de 1999, o arguido observou no Hospital Distrital de Aveiro, na consulta externa de oftalmologia, o utente Francisco ..., o qual, por ser diabético, tinha já sido submetido no citado Hospital a quatro sessões de laserterapia, três ministradas pelo Dr. Mário .... e uma pelo Dr. Leonel .... [Cfr. fls. 76, 93 a 104, 184 e 185];
5.1.2. Durante a consulta o arguido, que nunca antes tinha observado o mencionado utente, referindo-se aos médicos do H1DP que lhe haviam ministrado as laserterapias, proferiu a seguinte expressão:
"São como crianças, quando têm um aparelho novo gostam de brincar com ele" [Cfr. fls. 184 e 185];
5.1.3. Depois, reportando-se à forma como aqueles médicos efectuaram os disparos laser disse ao utente: "É como um caçador mandar dois disparos para uma árvore coberta de folhas sem ver os pássaros" [Cfr. fls. 184 e 185];
5.1.4. Em 14 de Janeiro de 1999, o Conselho de Administração do HIDP decidiu alterar a modalidade da prestação do serviço de urgência a efectuar pelo arguido, alteração esta com efeitos a partir de Fevereiro de 1999 [Cfr. fls. 117, 166 e 167];
5.1.5. Devendo este, segundo a aludida decisão, efectuar o serviço de urgência não no regime de prevenção, mas no regime de presença física [Cfr. fls. 117 e 166, 167];
5.1.6. O arguido foi formalmente notificado da referida decisão do Conselho de Administração do HIDP, em 20 de Maio de 1999 [Cfr. fls. 109, 166, 167, 182 e 183];
5.1.7. Todavia, este não cumpriu esta determinação, continuando, após o dia 20.05.99, a efectuar os serviços de urgência para que foi escalado não no regime de presença física, mas no regime de prevenção [Cfr. fls. 131 a 136, 139 a 145, 166, 167, 170, 171, 173, 175 a 180, 182, 183 e 291 e 292];
5.1.8. Assim, o arguido estando escalado para efectuar serviço de urgência em presença física, das 14 horas às 2 horas do dia seguinte, nos dias 26.05.99, 02.06.99, 09.06.99, 16.06.99, 23.06.99 e 30.06.99; das 14 horas às 20 horas, nos dias 21.07.99, 28.07.99, 04.08.99, 11.08.99, 18.08.99 e 25.08.99; e por fim, das 8 horas às 20 horas, nos dia 01.09.99, 08.09.99, 15.09.99, 13.10.99, 27.10.99,03.11.99, 10.11.99, 17.11.99, 24.11.99 e 01.12.99;
5.1.9. Não esteve em presença física no Serviço de Urgência do HIDP durante nenhum desses períodos [Cfr. fls. supra referidas];
5.1.10. Tendo indicado nas folhas de ponto do Serviço de Urgência referentes aos dias citados no ponto 5.1.8., exceptuando os dias 24.11.99 e 01.12.99, que cumpria o horário não no regime de presença física, conforme constava das referidas folhas, mas no regime de prevenção [Cfr. fls. supra referidas];
5.1.11. Nos mencionados períodos do serviço de urgência o arguido, sempre que chamado, compareceu no Serviço de Urgência, não demorando para o efeito mais de 15 minutos [Cfr. fls. 166, 167, 291 e 292].
6 – CONCLUSÕES QUANTO AO DIREITO
6.1.1. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA:
6.1.1. As expressões proferidas pelo arguido constantes dos pontos 5.1.2 e 5.1.3. têm um conteúdo claramente desrespeitoso para com os colegas do mesmo nelas visados, isto porque transmitem de imediato a ideia que estes eram médicos pouco idóneos e irresponsáveis, que utilizavam uma técnica terapêutica de forma aleatória.
Assim, o arguido, ao proferir as referidas expressões, no decurso de uma consulta, perante o utente a quem os citados médicos haviam ministrado a aludida técnica terapêutica, violou os deveres gerais de zelo e de correcção previstos no artigo 3º, nº s 4, alíneas b) e f), 6 e 10 do ED, praticando assim a infracção prevista no artigo 23º, nº 2, alínea d), de mesmo diploma.
6.1.2 Por outro lado, face aos factos vertidos nos pontos 5.1.4. a 5.1.11. verifica-se que o arguido não acatou, de forma reiterada e ostensiva, uma ordem legítima do Conselho de Administração do HIDP, violando, assim, o deveres gerais de zelo e de obediência, previstos no artigo 3º, nºs 4, alíneas b) e c), 6 e 7 do ED, pelo que praticou a infracção disciplinar prevista no artigo 24º, nº 1, alínea h), do mesmo diploma.
Na verdade, a persistente e intencional não observância pelo arguido de uma ordem legítima que lhe fora formalmente dada através de comunicação escrita, pelo CA do HIDP, configura uma deliberada insubordinação daquele médico face ao órgão máximo da hierarquia do Hospital, daí decorrendo a prática de desobediência ostensiva e grave, subsumível na supra referida norma, isto apesar de o sucessivo não cumprimento da ordem não ter causado aparentemente prejuízos relevantes ao serviço de urgência.
6.2. – DETERMINAÇÃO CONCRETA DA PENA
6.2.1. O arguido praticou duas infracções: uma punível com pena de multa outra punível com a pena da suspensão. Todavia, dado que segundo o artigo 14º, nº 1, do ED, apenas pode ser aplicada uma pena disciplinar, é-lhe aplicável a pena correspondente a infracção mais grave, relevando a outra infracção, nos termos do artigo 31º, nº 1, alínea g), do ED, como circunstância agravante especial.
6.2.2. Pelo que, nos termos do artigo 24º, nºs 1, alínea h), e 3 do ED, seria aplicável ao arguido a pena de suspensão de 121 a 240 dias prevista no artigos 11º, nº 1, alínea c), e 12º, nº 4, alínea b) do mesmo diploma.
6.2.3. Porém, ponderando, nos termos do artigo 28º do ED, as atenuantes referidas no ponto 4.3.5, e não obstante a aludida circunstância agravante, afigura-se que uma pena de suspensão dentro da supra referida moldura é uma pena demasiado grave e desproporcionada, sendo, por isso, de aplicar ao arguido uma pena de suspensão compreendida na moldura de 20 a 120 dias, a qual, tendo em conta as circunstâncias em que as infracções foram cometidas, bem como a personalidade do arguido, é graduada em 30 dias efectivos de suspensão.
7 - PROPOSTAS
7. De acordo com o exposto propomos o seguinte:
7.1. Que seja aplicado ao arguido, Dr. ..., Chefe de Serviço de ... do Hospital Infante D. Pedro a pena de SUSPENSÃO, prevista nos artigos 11º, nº 1, alínea c), e 12º, nº 4 do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, GRADUADA EM TRINTA DIAS.
7.2. Que sejam notificados, nos termos habituais, do presente relatório e do despacho que sobre ele vier a recair:
- O arguido;
- O Ilustre advogado do arguido, constituído por procuração inserta a fls. 263;
- O CA do Hospital Infante D. Pedro – Aveiro.” [cfr. fls. 302/314 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xv. Por despacho datado de 4-6-2001, o Inspector-Geral da Saúde aplicou ao recorrente a pena disciplinar de suspensão, graduada em 30 dias [Idem, fls. 302].
xvi. Inconformado, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o aqui recorrido Ministro da Saúde [cfr. fls. 337/344 do processo instrutor apenso e 19/26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xvii. Para os efeitos previstos no artigo 172º do CPA, foi elaborada na Inspecção-Geral da Saúde uma Informação, datada de 10-7-2001, com o seguinte teor:
Assunto: Recurso hierárquico da decisão proferida pelo Sr. Inspector-Geral no processo disciplinar nº 223/99-D.
1. O arguido do processo disciplinar supra referido interpôs recurso hierárquico da decisão do Sr. Inspector-Geral que lhe aplicou a pena disciplinar de 30 dias efectivos de suspensão, alegando, em síntese, o seguinte:
- Que as afirmações que lhe são imputadas não tiveram como intenção ofender os médicos nelas visados, mas sim alertar o utente quanto à alegada ignorância dos referidos médicos no que concerne a técnica de laserterapia, verificando-se, assim, as causas de exclusão da ilicitude previstas nos artigos 31º, nº 2, alíneas a) a c), do Código Penal, bem como no artigo 32º, alíneas c) a e) do Estatuto Disciplinar, porquanto o arguido actuou na defesa legítima de um serviço e de um bem público, assim como no cumprimento dum direito e de um dever, não lhe sendo exigível conduta diversa.
- Que a ordem dada ao arguido era ilegítima e ilegal pelo que o seu não cumprimento não é punível disciplinarmente.
- Que mesmo a admitir-se a aplicação de uma pena deveria a mesma ser suspensa, atendendo às atenuantes referidas no relatório final.
2. Tais alegações vislumbram-se, porém, improcedentes, pelos motivos a seguir sucintamente expostos.
2.1. Não se verifica qualquer das causas de exclusão da ilicitude referidas pela defesa na primeira alegação. Assim, em primeiro lugar é de excluir a invocada legítima defesa, desde logo porque as frases imputadas ao arguido não visaram fazer cessar ou impedir qualquer agressão em curso ou com início iminente. Depois, não se vislumbra qual o direito ou qual o dever cujo exercício ou cujo cumprimento tivesse como aceitável consequência a produção pelo arguido dos comentários referidos nos autos, perante um utente, relativamente a dois seus colegas de especialidade. Por fim, mostra-se claro que era possível e exigível ao arguido a adopção de uma outra conduta.
2.2. Por sua vez, os argumentos aduzidos na supra enunciada segunda alegação quase coincidem com alguns dos já invocados na defesa escrita apresentada pelo arguido, os quais foram devidamente apreciados no relatório final. Àqueles apenas acresce o argumento de que a decisão da mudança de regime de prestação de serviço de urgência revestiu o carácter de punição, sem audiência prévia do arguido, tendo, por isso, sido violado o artigo 38º, nº 2, do Estatuto Disciplinar. Ora, essa conclusão não tem qualquer fundamento, pois as penas disciplinares estão taxativamente tipificadas no artigo 11º do Estatuto Disciplinar, não sendo por isso admissível considerar que a supra citada decisão teve tal natureza, tão-pouco é possível fazer equivaler a mesma decisão a uma qualquer pena disciplinar, designadamente à pena de repreensão escrita.
2.3. Refira-se por fim que as atenuantes que militam a favor do arguido, as quais já motivaram que lhe fosse aplicada uma pena muito próxima do limite mínimo da moldura sancionatória mais baixa da pena de suspensão, não obstam a que lhe deva ser aplicada uma pena efectiva de suspensão, considerando a gravidade e censurabilidade da sua conduta de persistente e reiterada desobediência, bem como as necessidades de prevenção geral e especial de comportamentos idênticos.
3. Nestes termos entendemos que os argumentos alegados pela defesa carecem de fundamento, pelo que a decisão recorrida deve ser mantida e o recurso hierárquico declarado improcedente.” [cfr. fls. 352/353 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xviii. Visando preparar a decisão de tal recurso hierárquico, foi elaborado pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde em 16-7-2001 o Parecer nº 239/2001, com o seguinte teor:
PARECER
Assunto: Recurso hierárquico necessário interposto por O..., do despacho de 4-6-2001 do Inspector-Geral da Saúde, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão graduada em 30 dias.
I – INTRODUÇÃO
1. O Dr. Octaviano ..., chefe de serviço de oftalmologia do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, interpôs o recurso hierárquico acima referido.
2. O recorrente tem legitimidade e o recurso está em tempo.
3. Pelo despacho sob recurso o Sr. Inspector-Geral da Saúde aplicou ao recorrente a pena disciplinar de suspensão graduada em 30 dias, com base nos seguintes factos dados como provados pelo Sr. Instrutor no relatório final que mereceu concordância da entidade competente:
II – OS FACTOS
4. O arguido, aqui recorrente, vem acusado do seguinte, conforme relatório final:
a) No dia 31 de Maio de 1999, o arguido observou no Hospital Distrital de Aveiro, na consulta externa de oftalmologia, o utente Francisco ..., o qual, por ser diabético, tinha sido submetido no citado Hospital a quatro sessões de laserterapia, três ministradas pelo Dr. Mário ..., e uma pelo Dr. Leonel ... [Cfr. fls. 76, 93 a 110, 184 e 185].
b) Durante a consulta o arguido, que nunca antes tinha observado o mencionado utente, referindo-se aos médicos do HIDP que lhe haviam ministrado as laserterapias, proferiu a seguinte expressão: "São como crianças, quando têm um aparelho novo gostam de brincar com ele" [Cfr. fls. 184 e 185].
c) Depois, reportando-se à forma como aqueles médicos efectuaram os disparos laser disse ao utente: "É como um caçador mandar dois disparos para uma árvore coberta de folhas sem ver os pássaros" [Cfr. fls. 184 e 185].
d) Em 14 de Janeiro de 1999, o Conselho de Administração do HIDP decidiu alterar a modalidade da prestação do serviço de urgência a efectuar pelo arguido, alteração esta com efeitos a partir de Fevereiro de 1999 [Cfr. fls. 117, 166 e 167].
e) Devendo este, segundo a aludida decisão, efectuar o serviço de urgência não no regime de prevenção, mas no regime de presença física [Cfr. fls. 117 e 166/167].
f) O arguido foi normalmente notificado da referida decisão do Conselho de Administração do HIDP, em 20 de Maio de 1999 [Cfr. fls. 109, 166, 167, 182 e 183].
g) Todavia, este não cumpriu esta determinação, continuando, após o dia 20-5-99, a efectuar os serviços de urgência para que foi escalado não no regime de presença física, mas no regime de prevenção [Cfr. fls. 131 a 136, 139 a 145, 166, 167, 170, 171, 173, 175 a 180, 182, 183 e 291 e 292].
h) Assim, o arguido estando escalado para efectuar serviço de urgência em presença física, das 14 horas às 2 horas do dia seguinte, nos dias 26-5-99, 2-6-99, 9-6-99, 16-6-99, 23-6-99 e 30-6-99; das 14 horas às 20 horas, nos dias 21-7-99, 28-7-99, 4-8-99, 11-8-99, 18-8-99 e 25-8-99; e por fim, das 8 horas às 20 horas, nos dias 1-9-99, 8-9-99, 15-9-99, 13-10-99, 27-10-99, 3-11-99, 10-11-99, 17-11-99, 24-11-99 e 1-12-99.
i) Não esteve em presença física no Serviço de Urgência do HIDP durante nenhum desses períodos [Cfr. fls. supra referidas].
j) Tendo indicado nas folhas de ponto do Serviço de Urgência referentes aos dias citados na alínea h) exceptuando os dias 24-11-99 e 1-12-99, que cumpria o horário não no regime de presença física, conforme constava das referidas folhas, mas no regime de prevenção [Cfr. fls. supra referidas].
l) Nos mencionados períodos do serviço de urgência o arguido, sempre que chamado, compareceu no Serviço de Urgência, não demorando para o efeito mais de 15 minutos [Cfr. fls. 166, 167, 291 e 292].
III – CONCLUSÕES E DECISÃO
5. Face à factualidade dada como provada, foram retiradas as seguintes conclusões:
a) As expressões proferidas pelo arguido constantes das alíneas b) e c) do nº 4 supra, têm um conteúdo claramente desrespeitoso para com os colegas do mesmo nelas visados, isto porque transmitem de imediato a ideia que estes eram médicos pouco idóneos e irresponsáveis, que utilizavam uma técnica terapêutica de forma aleatória.
b) Assim, o arguido, ao proferir as referidas expressões, no decurso de uma consulta, perante o utente a quem os citados médicos haviam ministrado a aludida técnica terapêutica, violou os deveres gerais de zelo e de correcção previstos no artigo 3º, nºs 4, alíneas b) e f), 6 e 10 do ED, praticando assim a infracção prevista no artigo 23º, nº 2, alínea d), do mesmo diploma.
c) Por outro lado, face aos factos vertidos nas alíneas d) a l) do nº 4 antecedente, verifica-se que o arguido não acatou, de forma reiterada e ostensiva, uma ordem legítima do Conselho de Administração do HIDP, violando, assim, os deveres gerais de zelo e de obediência, previstos no artigo 3º, nºs 4, alíneas b) e c), 6 e 7 do ED, pelo que praticou a infracção disciplinar prevista no artigo 24º, nº 1, alínea h), do mesmo diploma.
d) Na verdade, a persistente e intencional não observância pelo arguido de uma ordem legítima que lhe fora formalmente dada através de comunicação escrita, pelo CA do HIDP, configura uma deliberada insubordinação daquele médico face ao órgão máximo da hierarquia do Hospital, daí decorrendo a prática de desobediência ostensiva e grave, subsumível na supra referida norma, isto apesar de o sucessivo não cumprimento da ordem não ter causado aparentemente prejuízos ao serviço de urgência.
e) O arguido praticou duas infracções: uma punível com pena de multa outra punível com a pena de suspensão. Todavia, dado que segundo o artigo 14º, nº 1 do ED, apenas pode ser aplicada uma pena disciplinar, é-lhe aplicável a pena correspondente à infracção mais grave, relevando a outra infracção, nos termos do artigo 31º, nº 1, alínea g), do ED, como circunstância agravante especial.
f) Pelo que, nos termos do artigo 24º, nºs 1, alínea h) e 3 do ED, seria aplicável ao arguido a pena de suspensão de 121 a 240 dias prevista nos artigos 11º, nº 1, alínea c), e 12º, nº 4, alínea b) do mesmo diploma.
g) Porém, ponderando, nos termos do artigo 28º do ED, as atenuantes (...) e não obstante a aludida circunstância agravante, afigura-se que uma pena de suspensão dentro da supra referida moldura é uma pena demasiado grave e desproporcionada, sendo, por isso, de aplicar ao arguido uma pena de suspensão compreendida na moldura de 20 a 120 dias, a qual, tendo em conta as circunstâncias em que as infracções foram cometidas, bem como a personalidade do arguido, é graduada em 30 dias efectivos de suspensão.
6. O Inspector-Geral da Saúde, através do despacho objecto do presente recurso, deu a sua concordância ao relatório e conclusões do Instrutor e aplicou a pena tal como proposto.
IV – O RECURSO
7. O recorrente vem impugnar o despacho recorrido alegando, no essencial, o seguinte, conforme conclusões da petição de recurso:
a) "As averiguações ficaram-se num plano meramente administrativo-formal, enredando-se no diz que diz, nunca tendo ido ao fundo da questão, quer no aspecto das ditas frases ofensivas, quer no incumprimento da ordem do CA para o recorrente passar a fazer o serviço de urgência em regime de presença física e não em regime de prevenção, como sempre tinha feito e como todos os colegas do colégio de oftalmologia continuam a fazer. O recorrente foi o único destinatário da referida ordem do CA do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, no universo dos médicos especialistas de oftalmologia.
b) Assim, as ditas frases de cariz ofensivo nunca poderiam ser consideradas matéria disciplinar porque:
– Correspondiam à verdade pura e simples, tecnicamente constatada;
– Nunca foram proferidas com a intenção de ofender, mas sim com a finalidade de alertar para a ignorância e arrogância de médicos ditos especialistas na técnica de laserterapia, quando o que estavam a fazer demonstrava absoluto desconhecimento da tal técnica e implicava gastos elevadíssimos e desnecessários a suportar pelo erário público;
– O recorrente limitou-se, pois, a constatar um facto, a dizê-lo e até a escrevê-lo, na defesa legítima dum serviço e dum bem público, no cumprimento dum direito e dum dever – Cfr. Alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 31º do Código Penal Português, e artigo 32º, alíneas c) a e) do DL nº 24/84, de 16/1 [ED].
c) De igual forma, também a alegada desobediência à ordem do CA do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, não constitui qualquer ilícito de natureza disciplinar, já que:
– Tal ordem revestiu um carácter de punição, sem audição prévia do arguido – o que violou o disposto no artigo 38º, nº 2 do Estatuto Disciplinar [DL nº 24/84, de 16 de Janeiro];
– Tal ordem foi, unicamente, dirigida ao aqui recorrente, no universo dos médicos especialistas de oftalmologia, sem sequer ter em atenção o seu estatuto de Chefe de Serviços, criando uma situação insuportável de discriminação de tratamento, pelo que violou o princípio da igualdade de tratamento, discricionariamente, e sem qualquer fundamentação, tornando essa orientação/ordem ilegítima e ilegal, por discricionária – Cfr. artigo 13º, bem como a ideia de igualdade de tratamento aflorada nos artigos 58º, nº 3, alínea b) e 59º, nº 1, alínea a), todos da CRP.
d) O recorrente não cometeu, pois, qualquer infracção susceptível de procedimento disciplinar.
e) Mesmo a admitir-se a aplicação de qualquer pena, como corolário do processo disciplinar agora e aqui impugnado, nos termos do artigo 33º, nº 1 do Estatuto Disciplinar – DL nº 24/84, de 16 de Janeiro –, a pena que foi aplicada ao recorrente bem deveria ter sido suspensa pelas razões que os próprios Senhores Inspectores invocam para a diminuição da moldura penal ajustável ao caso concreto – Cfr. artigo 33º, nº 1, do ED, conjugado com o artigo 50º e seguintes do Código Penal, “ex vi” artigo 9º do ED.
f) E, assim sendo, este processo deverá ser arquivado, sem mais, face a tudo quanto se disse acima, e que corresponde à verdade dos factos".
g) Em alternativa, e como modo de fazer a justiça que se requer, deverá a pena ser suspensa, nos termos do artigo 33º, nº 1 do DL nº 24/84, de 16 de Janeiro, conjugado com o artigo 50º do Código Penal, “ex vi” artigo 9º do citado DL nº 24/84, de 16 de Janeiro".
V – APRECIANDO:
8. No que diz respeito às palavras proferidas pelo recorrente perante o doente e relacionadas com o desempenho profissional do seus colegas, designadamente as frases "São como crianças, quando têm um aparelho novo gostam de brincar com ele" e "ê como um caçador mandar dois disparos para uma árvore coberta de folhas sem ver os pássaros" são expressões inadmissíveis que constituem infracção disciplinar por violação do dever geral de zelo e correcção.
9. Em sua defesa o recorrente argumenta, em resumo:
10. Que tinha razões para proferir aquelas expressões pois traduzem a verdade.
11. Que não agiu com intenção de ofender pessoalmente qualquer colega.
12. Que, pelo contrário, agiu na defesa do interesse dos doentes e do serviço.
13. Que aquela era a única forma de se fazer ouvir, evitar gastos desnecessários e evitar que "a arrogância e a ignorância fizessem mais estragos, quer em termos de saúde,...quer em termos económico-financeiros".
14. Que actuou no uso do direito de legítima defesa, actuando de acordo com aquilo que entendeu ser seu dever e sem que o seu comportamento possa ser classificado de ilícito.
15. Estamos, contudo, perante um daqueles casos em que o arguido, ainda que pudesse ter alguma razão, sempre a teria perdido pela forma como decidiu agir e intervir.
16. Não é forma correcta nem adequada de melhorar procedimentos técnicos e procedimentais do serviço de oftalmologia de que o recorrente é chefe de serviço, fazê-lo mediante a prolação de frases desprestigiantes dos colegas e do próprio serviço e do Hospital.
17. Se entendia que alguma coisa ia mal, competia ao arguido, em primeiro lugar, como chefe do serviço, orientar os serviços e os técnicos que nele trabalham no sentido do que entende ser correcto.
18. Se não o conseguisse, sempre lhe restava o direito de, pela via hierárquica, suscitar a definição de situações e procedimentos que tivesse por convenientes.
19. Não o conseguindo, sempre poderia recorrer às mais altas instâncias, ainda que para além do próprio Conselho de Administração do Hospital e depois de dar conhecimento a este, no sentido de tentar fazer prevalecer os seus pontos de vista.
20. Não o tendo feito, agiu com desrespeito pelos colegas pois que colocou em causa a sua honorabilidade e competência como profissionais, por via que não é a adequada.
21. O que está a ser apreciado no presente processo disciplinar não é a competência técnico-científica relativa do recorrente e dos seus colegas oftalmologistas, mas o comportamento daquele frente a um doente perante o qual foram proferidas expressões claramente desrespeitosas e desprestigiantes que, como se disse, são susceptíveis de afectar não só os colegas como o próprio serviço e o Hospital.
22. Não havia, por isso que, no âmbito do processo disciplinar empreender investigações sobre a "verdade" relativamente à competência dos médicos já que não é isso que está em causa nem é lugar próprio para avaliar, mas sim a conduta inadequada do arguido.
23. Também não parece possível considerar que o recorrente agiu em legítima defesa já que a sua conduta, no momento em que se verificou e pela forma em que se verificou, não se destinava a impedir a concretização de qualquer agressão à saúde do doente.
24. Quanto à determinação do Conselho de Administração no sentido de o recorrente deixar de fazer urgência em regime de prevenção para passar a fazê-la em regime de presença física, recorda-se que os actos administrativos são susceptíveis de recurso de anulação que é o meio próprio que os interessados têm ao seu dispor para reagir contra determinações que lhe pareçam ilegais ou injustas.
25. Mas, considerando o princípio da presunção de legalidade [privilégio de execução prévia] de que gozam os actos administrativos, não podia o recorrente deixar de cumprir a determinação que lhe foi dirigida sem reagir e obter a suspensão ou anulação da mesma pelos meios legais ao seu alcance, sob pena de incorrer, como incorreu, em desobediência a uma ordem superior legítima.
26. Saber se a deliberação tomada pelo Conselho de Administração estava ferida de algum vício de violação de lei, desvio de poder ou outro, seria questão a avaliar em sede própria, isto é, no âmbito do recurso que do referido acto tivesse sido interposto.
27. Quanto à graduação da pena única que lhe foi aplicada, ela afigura-se correctamente determinada tendo em conta a moldura legalmente prevista e referida na decisão recorrida [pena de 121 a 240 dias de suspensão] bem como a obrigação de se considerar a circunstância agravante especial decorrente da acumulação de infracções, sem prejuízo das circunstâncias atenuantes que foram levadas em devida conta e sem as quais a pena teria sido mais grave do que a aplicada.
28. A pena de suspensão graduada em 30 dias afigura-se equilibrada e justa face aos factos apurados, às circunstâncias e à personalidade do recorrente.
CONCLUSÕES:
1º – O despacho do Senhor Inspector Geral da Saúde, objecto de recurso não está inquinado de qualquer vício susceptível de determinar a sua anulação e a pena aplicada mostra-se graduada de forma justa face à moldura penal, às circunstâncias em que as infracções foram praticadas.
2º – Propõe-se que seja negado provimento ao presente recurso hierárquico.” [cfr. fls. 357/365 do processo instrutor apenso e 10/18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xix. Sobre esse Parecer recaiu em 24-7-2001 o despacho recorrido, da autoria do Ministro da Saúde, negando provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente.
xx. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Registo Biográfico/Disciplinar do recorrente, nomeadamente na parte em que dele consta a aplicação de uma pena de repreensão escrita, por Despacho do Inspector-Geral da Saúde, de 28-12-98 [cfr. fls. 64 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo esta a factualidade relevante, e ainda antes de analisar se procedem os vícios que o recorrente assaca ao despacho recorrido, há que conhecer da “questão prévia” suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul.
No seu parecer final, sustenta aquele Digno Magistrado que, visto estarmos “em sede de recurso contencioso de mera legalidade e de anulação – artigo 6º do ETAF – e não de plena jurisdição, e assim sendo, embora imperfeito o pedido na petição de recurso, poderia ser aperfeiçoado – de acordo com os artigos 36º, nº 1 e 40º, nº 1 da LPTA, era aceitável por razões de celeridade, eficácia e de economia processual; todavia, em sede de alegações, visto o disposto nos artigos 690º do CPCivil, aplicável “ex vi” do artigo 67º, § único do RSTA –, não é viável convite ao aperfeiçoamento designadamente perante as conclusões e o pedido que aqui foram apresentados, tanto mais que o recorrente abandonou nas alegações as pretensas ilegalidades que invocara na petição e nestas introduziu uma nulidade, o que lhe era vedado pelo princípio da estabilidade da instância. Estando o julgador sujeito aos princípios do dispositivo e da legalidade estritos, não deverá conhecer do pedido, porque ilegal, de mandar "arquivar os presentes autos”.
Vejamos se assim é.
Como é sabido, a causa de pedir no recurso contencioso é constituída pelos factos integradores dos vícios imputados ao acto contenciosamente impugnado pelo que, em princípio, os mesmos devem ser invocados na petição inicial [cfr. artigo 36º, nº 1, alínea d) da LPTA].
Ora, na petição de recurso constante de fls. 2/9 dos autos, o recorrente sintetizou da seguinte forma os vícios de que, em seu entender, padecia o acto recorrido:
1ª – As averiguações ficaram-se num plano meramente administrativo-formal, enredando-se no "diz que diz", nunca tendo ido ao fundo da questão, quer no aspecto das ditas frases "ofensivas", quer no incumprimento da "ordem" do CA para o recorrente passar a fazer serviço de urgência em regime de "presença física" e não em regime de "prevenção", como sempre tinha feito e como todos os "Colegas" do Colégio de Oftalmologia continuaram a fazer. O recorrente foi o único destinatário da referida "ordem" do CA do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, no universo dos Médicos Especialistas de Oftalmologia.
2ª – Assim, as ditas frases de cariz "ofensivo" nunca poderiam ser consideradas matéria disciplinar porque:
a) Correspondiam à verdade pura e simples, tecnicamente constatada;
b) Nunca foram proferidas com a intenção de ofender, mas sim com a finalidade de "alertar" para a ignorância e arrogância de "Médicos" ditos Especialistas na técnica de laserterapia, quando o que estavam a fazer demonstrava absoluto desconhecimento de tal técnica e implicava gastos elevadíssimos e desnecessários a suportar pelo erário público;
c) O recorrente, pois, limitou-se a constatar um facto, a dizê-lo e até a escrevê-lo, na "defesa legítima dum serviço e dum bem público", "no cumprimento dum direito e dum dever" – Cfr. alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 31º do Código Penal Português, e artigo 32º, alíneas c) a e) do DL nº 24/84, de 16/1 [ED].
3ª – De igual forma, também a alegada desobediência à "ordem" do CA do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, não constituiu qualquer ilícito de natureza disciplinar, já que:
a) Tal "ordem" revestiu um carácter de punição, sem audição prévia do "arguido" – o que violou o disposto no artigo 38º, nº 2 do Estatuto Disciplinar [DL nº 24/84, de 16 de Janeiro];
b) Tal "ordem" foi, unicamente, dirigida ao aqui recorrente, no universo dos Médicos Especialistas de Oftalmologia, sem sequer ter em atenção o seu estatuto de Chefe de Serviços, criando uma situação insuportável de discriminação de tratamento, pelo violou o princípio da igualdade de tratamento, discricionariamente, e sem qualquer fundamentação, tornando essa "orientação/ordem” ilegítima e ilegal, por discricionária – Cfr. artigo 13º, bem como a ideia de "igualdade de tratamento" aflorada nos artigos 58º, nº 3, alínea b) e 59º, nº 1, alínea a), todos da CRP.
4ª – O recorrente não cometeu, pois, qualquer infracção susceptível de procedimento disciplinar.
5ª – Mesmo a admitir-se a aplicação de qualquer pena, como corolário do processo disciplinar agora e aqui impugnado, nos termos do artigo 33º, nº 1 do Estatuto Disciplinar – DL nº 24/84, de 16 de Janeiro –, a pena que foi aplicada ao recorrente bem deveria ter sido suspensa, pelas razões que os próprios Senhores Inspectores invocam para a diminuição da moldura penal ajustável ao caso concreto – Cfr. artigo 33º, nº 1, do ED, conjugado com o artigo 50º e seguintes do Código Penal, “ex vi” artigo 9º do ED.
6ª – E assim sendo, como cremos que é, este processo deverá ser arquivado, sem mais, face a tudo quanto se disse acima, e que corresponde à verdade dos factos”.
Das conclusões acima referidas é possível vislumbrar que na petição de recurso o recorrente assaca ao acto recorrido, que manteve a decisão de o punir com uma pena de suspensão graduada em 30 dias, o vício de violação de lei, por erro sobre os respectivos pressupostos de direito, uma vez que, não negando a factualidade emergente do processo instrutor, apenas defende que as consequências jurídicas da mesma têm necessariamente de ser distintas das que a Administração tirou [conclusões 1ª a 4ª da petição de recurso], além de que, em seu entender, a Administração não avaliou correctamente as circunstâncias, posto que a pena aplicada podia e devia ter visto a sua execução suspensa [conclusão 5ª da petição de recurso].
Por outro lado, na alegação final de fls. 55/57 dos autos, que delimita, a final, os poderes de cognição do Tribunal, o recorrente sintetizou da seguinte forma os vícios de que, em seu entender, padecia o acto recorrido:
1ª – Não se deu cumprimento às diligências solicitadas pelo arguido;
2ª – Não se fundamentou, nem se lhe comunicou o motivo pelo qual tais diligências não foram levadas a efeito;
3ª – Está, pois, violado o artigo 42º do ED – o que constitui nulidade insuprível;
4ª – A "confissão" do arguido, extraída da alínea c) da sua 2ª conclusão nunca teve a dimensão que lhe foi atribuída, tanto mais que o que se "disse" e "escreveu", nem foi em público, nem foi de carácter ofensivo – tais qualificações são da responsabilidade da Administração e só a ela caberia tê-lo provado, o que não conseguiu;
5ª – O recorrente não cometeu qualquer infracção de natureza disciplinar – onde estão as provas? E a contraprova?;
6ª – A haver qualquer falta mínima, estão reunidos os requisitos legais não só para a diminuição da pena a aplicar, mas, e sobretudo, para a sua suspensão – Cfr. artigos 33º e 9º do ED, conjugados com o artigo 50º do Código Penal”.
Das três primeiras conclusões acima referidas resulta patente que o recorrente introduziu na alegação final um novo vício – nulidade insuprível do processo disciplinar, por violação do disposto no artigo 42º do ED –, que não havia identificado na petição de recurso, sendo que quanto aos demais, correspondem no essencial aos que havia identificado na petição de recurso.
Além do mais, sucede que os factos que no entender do recorrente suportam a alegação deste novo vício já eram do seu conhecimento antes da interposição do presente recurso contencioso, não ocorrendo assim superveniência no seu conhecimento que pudesse justificar a sua invocação apenas na alegação final.
A este propósito, constitui Jurisprudência do STA, firmada desde há muito, a de que não é possível invocar na alegação de recurso novos vícios, se os factos que os suportam já eram conhecidos do recorrente e, como tal, já podiam ter sido invocados na petição de recurso, sendo expressão disso os seguintes acórdãos:
Acórdão de 5-6-91, proferido no âmbito do recurso nº 30.004: "Como regra, devem ser invocados na petição inicial todos os vícios que se entende inquinarem o acto contenciosamente impugnado; Todavia, na alegação pode invocar-se um novo vício, desde que o conhecimento dos factos que o suportam só tenha advindo ao conhecimento do recorrente após a interposição do recurso; Apurando-se não ser essa a situação, do novo vício não se pode tomar conhecimento";
Acórdão de 22-9-92, proferido no âmbito do recurso nº 30.602: "Os factos integradores dos vícios imputados ao acto contenciosamente impugnado constituem a causa de pedir no recurso contencioso e, como tal, têm, em princípio, de ser invocados na petição inicial; A sua posterior invocação nas alegações só é de admitir quando apenas nesse momento, designadamente pela consulta do processo instrutor, tenham vindo ao conhecimento do recorrente";
Acórdão de 18-6-2003, proferido no âmbito do recurso nº 1840/02: "Não pode conhecer-se de vícios que não sejam de conhecimento oficioso que não tenham sido arguidos na petição de recurso contencioso, mas apenas na respectiva alegação, fora dos casos em que exista conhecimento superveniente dos factos em que lhes servem de suporte".
Porém, no caso em apreço, estando em causa a invocação de vício que, a proceder, fere a decisão recorrida de nulidade e não de mera anulabilidade, face à corrente jurisprudencial citada, afigura-se-nos ser legalmente admissível a arguição de tal vício novo, com a consequente possibilidade de dele se conhecer, pelo que dele se irá conhecer.
* * * * * *
Aqui chegados, vejamos pois se procedem as críticas apontadas pelo recorrente ao despacho recorrido, começando pelo conhecimento do vício gerador de nulidade – violação do artigo 42º do ED.
A este propósito, defende o recorrente que não se deu cumprimento às diligências por si solicitadas, nem se fundamentou, ou sequer se lhe comunicou o motivo pelo qual tais diligências não foram levadas a efeito, concluindo pois pela violação do artigo 42º do ED, o que constitui nulidade insuprível que afecta irremediavelmente todo o processo disciplinar.
Entendemos, porém, não assistir razão ao recorrente, pelas razões seguintes:
Percorrendo a matéria de facto dada como assente, constata-se que o recorrente respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 204/211vº do processo instrutor apenso, arrolando várias testemunhas, que foram inquiridas nos dias 3-7-2000 [cfr. fls. 289/292 e 297 do processo instrutor apenso], e 4-7-2000 [cfr. fls. 298/301 do processo instrutor apenso].
Assim, da leitura integral do processo instrutor, não se vislumbram quaisquer diligências de prova que tivessem sido requeridas pelo recorrente com a resposta à nota de culpa, à excepção da inquirição das testemunhas que indicou, que não tivessem sido deferidas e levadas a cabo pelos instrutores encarregues de tramitar o processo disciplinar.
Donde, e em conclusão, inexistindo no processo instrutor qualquer facto susceptível de suportar a preterição de diligências de instrução por si requeridas, não pode dar-se por verificada a nulidade insuprível invocada pelo recorrente, com o que improcedem as conclusões 1ª a 3ª da sua alegação.
* * * * * *
Nas conclusões 4ª e 5ª sustenta o recorrente que a sua "confissão", extraída da alínea c) da sua 2ª conclusão nunca teve a dimensão que lhe foi atribuída, tanto mais que o que se "disse" e "escreveu", nem foi em público, nem foi de carácter ofensivo –, sendo tais qualificações da responsabilidade da Administração, só a ela cabendo prová-lo, o que não conseguiu, concluindo pois não ter cometido qualquer infracção de natureza disciplinar.
Mas também aqui não lhe assiste razão.
Com efeito, está suficientemente comprovado pelas declarações prestadas no decurso do processo disciplinar pelo utente do Hospital Infante D. Pedro, Francisco ..., que no decorrer duma consulta em que o citado utente era visto pelo recorrente, este, referindo-se aos médicos do Hospital Distrital de Aveiro que lhe haviam efectuado laserterapias, proferiu a seguinte expressão: "São como crianças, quando têm um aparelho novo gostam de brincar com ele", e que depois, reportando-se à forma como aqueles médicos efectuaram os disparos laser disse ao utente: "É como um caçador mandar dois disparos para uma árvore coberta de folhas sem ver os pássaros".
Por outro lado, resultou igualmente demonstrado no decorrer do processo disciplinar que em 14-1-99 o Conselho de Administração do HIDP decidiu alterar a modalidade da prestação do serviço de urgência a efectuar pelo recorrente, alteração esta com efeitos a partir de Fevereiro de 1999, devendo este, segundo a aludida decisão, efectuar o serviço de urgência não no regime de prevenção, mas no regime de presença física, do que foi formalmente notificado em 20-5-99.
Contudo, o recorrente não cumpriu esta determinação, continuando, após o dia 20-5-99, a efectuar os serviços de urgência para que foi escalado, não no regime de presença física, mas no regime de prevenção, nomeadamente nos dias 26-5-99, 2-6-99, 9-6-99, 16-6-99, 23-6-99 e 30-6-99; das 14 horas às 20 horas, nos dias 21-7-99, 28-7-99, 4-8-99, 11-8-99, 18-8-99 e 25-8-99; e por fim, das 8 horas às 20 horas, nos dias 1-9-99, 8-9-99, 15-9-99, 13-10-99, 27-10-99, 3-11-99, 10-11-99, 17-11-99, 24-11-99 e 1-12-99, não tendo estado em presença física no Serviço de Urgência do Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro, durante nenhum desses períodos e tendo indicado nas folhas de ponto do Serviço de Urgência referentes àqueles dias que cumpria o horário não no regime de presença física, conforme constava das referidas folhas, mas no regime de prevenção, só não fazendo tal indicação nas folhas de ponto respeitantes aos dias 24-11-99 e 1-12-99.
Ora, existindo elementos de prova suficientes no processo disciplinar, e não restando dúvidas que quer a primeira das condutas quer a segunda consubstanciam violação dos deveres funcionais indicados na acusação, não se antevê como possa o recorrente afirmar não ter a Administração demonstrado a existência das infracções disciplinares que lhe imputou.
Donde, e em consequência, improcederem também as conclusões 4ª e 5ª da alegação do recorrente.
* * * * * *
Por último, sustenta o recorrente na conclusão 6ª da sua alegação que, a haver qualquer falta mínima, estão reunidos os requisitos legais não só para a diminuição da pena a aplicar, mas, e sobretudo, para a sua suspensão.
A este propósito, dir-se-á o seguinte:
No âmbito disciplinar está vedado ao Tribunal, ainda que apurada a existência de erro nos pressupostos de facto do acto punitivo, apreciar os restantes factos incluídos no libelo acusatório, com vista ao apuramento da medida concreta da pena.
Com efeito, sendo o recurso contencioso de mera anulação, o tribunal apenas aprecia a legalidade do acto, anulando-o se estiver em desconformidade com a lei ou os princípios jurídicos, não podendo ele próprio, lançando mão do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual, o que consistiria em fazer administração activa, o que lhe está vedado, posto que essa actividade só pela Administração pode ser levada a cabo [Neste sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 14-10-2003, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 0586/03].
De resto, e no caso concreto, envolvendo a determinação, quer da medida da pena quer da sua eventual suspensão, o exercício de um poder discricionário por parte da Administração, o mesmo é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, o que não prefigura a hipótese dos autos [Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 1-7-97, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 41.177, e de 16-2-2006, da 1ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 0412/05].
Improcede também, por conseguinte, a conclusão 6ª da alegação do recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência no 1º Juízo Liquidatário do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso contencioso, confirmando o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em € 180,00 e a procuradoria em € 60,00.
Lisboa, 10 de Maio de 2007

[Rui Belfo Pereira]
[Carlos Araújo]
[João Beato de Sousa]