Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:584/07.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:TAXA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE,
TAXA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS COSMÉTICOS E DE HIGIENE CORPORAL,
OMISSÃO DE PRONÚNCIA,
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO,
APROVEITAMENTO DO ACTO.
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.
II - As questões que as partes submetem à apreciação do Tribunal não se confundem com factos, pelo que a falta de consideração destes nunca encerra uma omissão de pronúncia geradora da nulidade da sentença.
III - No caso da "taxa sobre a comercialização de produtos de saúde", estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações avulsas que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso.
IV - O prazo de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos, nos termos previstos no artigo 45º, nº 1 da LGT
V - As únicas causas passíveis de suspenderem o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, nos termos da LGT, são as que se encontram elencadas no seu artigo 46.º
VI – Apesar de a aplicação do princípio do aproveitamento do acto implicar necessariamente um juízo a posteriori, este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

Infarmed- Autoridade nacional do Medicamento e Produtos de Saúde IP, veio recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela W... – Sociedade Unipessoal Lda., actualmente designada P..., Produtos de Consumo, Higiene e Consumo SA., anulou as liquidações impugnadas, a saber: liquidações oficiosas da taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, relativa aos anos de 2000 e 2001, e liquidações da taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, relativa aos anos de 2002, 2003 e 2004, a que acrescem os juros compensatórios correspondentes.

O recurso jurisdicional apresenta as seguintes conclusões:

1. A Douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado, como devia, sobre a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, violando, assim, o nº1 do artigo 125° do Código de Procedimento e Processo Tributário, bem como o nº2 do Artigo 608º do Código de Processo Civil, aplicável por força do Artigo 2º daquele Código.

2. A Douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão de causa, violando, deste modo, a alínea a) do nº 2 do Artigo 46º da Lei Geral Tributária, os artigos 412º e o nº 4 do artigo 607ºdo Código de Processo Civil, o nº 2 do Artigo 123° do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve, por isso, tal decisão ser alterada, nos termos do nº1 do Artigo 662° do Código de Processo Civil.

3. A Douta sentença recorrida fez errada aplicação do direito, no que se refere à questão da caducidade do direito de liquidação, porque não só não considerou as causas de suspensão do prazo legal de caducidade, como entendeu que se estava perante um imposto de obrigação única, quando efectivamente se trata de um imposto periódico.

4. A Douta sentença recorrida não considerou as causas de suspensão que já lhe haviam sido propostas em sede de Contestação, quando devia ter considerado ter ocorrido essa suspensão e julgasse totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação efectuada, violando, assim, o preceituado nas alíneas a) e d) do nº2 do Artigo 46º da Lei Geral Tributária.

5. A Douta sentença recorrida considerou que o tributo dos autos é um imposto de obrigação única e que, por este facto, o prazo de caducidade do direito de liquidação se contraria desde o momento em que o facto tributário ocorreu, quando no caso, a obrigação tributária se inicia desde que o sujeito passivo inicia a sua responsabilidade pela colocação no mercado de produtos cosméticos e de higiene corporal e renova-se mensalmente enquanto durar essa responsabilidade, não sendo, por isso, possível afirmar-se que se está perante um imposto de obrigação única.

6. Assim, o prazo de caducidade do direito de liquidação sempre teria de contar-se «a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário» e não a partir do momento em que ocorreu o facto tributário, como erradamente se entendeu na douta sentença recorrida, pelo que decidindo diferentemente e considerando que o prazo de caducidade se contava a partir do momento em que ocorreu o facto tributário, a douta sentença recorrida violou o nº2 do Artigo 45º da Lei Geral Tributária.

7. A Douta sentença recorrida considerou que os actos tributários impugnados enfermam de falta de audição prévia quando a mesma, pelo facto de esses actos terem assentado em elementos contabilísticos fornecidos pela Impugnante estava dispensada, nos termos do Artigo 60º da Lei Geral Tributária.

8. Ainda que se entendesse que esta dispensa não ocorre, teria de considerar-se que se está perante uma formalidade que se degrada em não essencial, visto que apenas está em causa a prática de um acto essencialmente vinculado, que consiste a aplicação de uma taxa a certo volume de vendas fornecido pela própria Impugnante, não existindo qualquer indício de que, promovida a audição, o tributo liquidado seria diferente. Além disso, a Impugnante não questiona sequer o valor do tributo liquidado.

9. Ao decidir como decidiu a Douta sentença recorrida violou o Artigo 60º da Lei Geral Tributária.

10. A Douta sentença recorrida considerou ainda que os actos tributários impugnados padeciam de falta de fundamentação, quando é certo que alguns dos aspectos que considerou estarem em falta não são, sequer, exigíveis, como é o caso do preço de venda ao consumidor final e a discriminação dos tipos de produtos.

11. Os actos tributários impugnados contêm a fundamentação exigida pelo Artigo 77° da Lei Geral Tributária e o certo é que a Impugnante demonstrou nos autos ter bem compreendido o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo INFARMED nas liquidações impugnadas, tendo procedido à sua impugnação nos termos que considerou adequados.

Pelo que, Venerandos Desembargadores, julgando procedente o presente recurso nos moldes supra enunciados, e revogando a Douta sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação, V. Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI.


*

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

i. O presente recurso foi interposto pelo INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E DO PRODUTO DE HIGIENE, I.P. da Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n°584/07.2 BELSB do Tribunal Tributário de Lisboa em que a RECORRIDA impugnou a (i)legalidade dos actos tributários de liquidação oficiosa de taxas sobre a comercialização de produtos de saúde, referentes aos anos de 2000 e 2001, e dos actos de liquidação oficiosa das taxas sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, referentes aos anos de 2002 a 2004.

ii. Contrariamente ao sustentado pelo RECORRENTE não se verifica omissão de pronúncia geradora de nulidade da Sentença quando o Tribunal a quo opte por não considerar a mera argumentação, sem aparência mínima de razoabilidade, em face do texto das normas invocadas para sustentá-la, como sucede quando a RECORRENTE invoca as alíneas a) e d) do n°2 do artigo 46° da LGT para afirmar que processos relativos a outros actos de liquidações e, bem assim, diligências promovidas por uma associação representativa de empresas do sector, suspenderiam a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação do tributo em causa;

iii. Com efeito, não se está perante "uma questão que ó juiz deva apreciar” (artigo 125° do CPPT) ou perante uma "questão que tenha sido submetida à sua apreciação" (artigo 608° do CPC), por não ter sido problematizado - questionado - com aparência mínima de razoabilidade, o que, prima facie, resulta, da lei (e, neste caso, da própria lei invocada pelo INFARMED, I.P.);

iv. Não há também qualquer défice instrutório relativamente a factos manifestamente insusceptíveis de alterar a decisão adoptada no que respeita à questão da contagem - incluindo eventuais suspensões - do prazo de caducidade, uma vez que estes factos são irrelevantes para efeitos da decisão, e não têm, por isso, de ser investigados;

v. O facto de haver outros processos em curso contra actos de liquidação do tributo em causa, ou o facto de uma associação (a AIC), representativa de empresas do sector em que se insere a ora RECORRIDA ter promovido diligências, no plano "político", para que a "taxa" em discussão fosse abolida ou, pelo menos reduzida, não constituem, juridicamente, factos suspensivos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo ao abrigo das alíneas a) e d) do n°2 do artigo 46° da LGT, ou ao abrigo de qualquer outra disposição legal;

vi. Não existem dúvidas que o imposto em causa deve ser qualificado como de "obrigação única", pois, o facto tributário corresponde a cada operação individualmente considerada não sendo um facto complexo, pelo que também relativamente a este ponto suscitado nas alegações de recurso do RECORRENTE, o Tribunal a quo foi coerente com as soluções previstas no nosso sistema legal e, nessa medida, decidiu bem;

vii. Por último, bem decidiu a Sentença recorrida ao concluir que foi preterida a formalidade essencial relativa ao direito de audição antes da prática das liquidações impugnadas;

viii. De igual modo, não se está perante situação que se pudesse dispensar o cumprimento desta formalidade essencial, na medida em que as liquidações não foram efectuadas de acordo com a posição, de facto e de direito, que decorra de declaração do contribuinte (a RECORRIDA nada declarou, tendo-se limitado a entregar ao INFARMED, I.P. os elementos contabilísticos que esta, em sede de inspecção, lhe solicitou).

ix. Acresce que, também relativamente à liquidação de juros compensatórios, se impunha a audição da RECORRIDA no procedimento correspondente, na medida em que a liquidação de juros compensatórios (que não é "automática"), funda-se na culpa do contribuinte, por atraso na autoliquidação de imposto e, por isso, deveria o mesmo poder pronunciar-se sobre a existência, ou não, no caso em apreço, dos pressupostos, de facto e de direito, de que depende a respectiva liquidação.

x. Conclui-se, assim, pela preterição de uma formalidade essencial geradora de anulabilidade do acto de liquidação, nos termos do disposto no artigo 60°, n°1, alínea a), da Lei Geral Tributária, do artigo 267°, n°5, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 135° do Código de Procedimento Administrativo, não merecendo a Sentença proferida qualquer reparo.

TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA A DOUTA DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, OBJECTO DO RECURSO“.


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer onde concluiu no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A. A impugnante é uma sociedade comercial que tem como atividade principal a fabricação, comércio e venda de produtos cosméticos, de higiene, perfumes e equipamento para cabeleireiros, bem como o comércio por grosso e a retalho dos referidos produtos e a sua venda através de meios on line (por acordo).

B. Em dezembro de 2004, a impugnante recebeu notificação, através do ofício n°53396, do Infarmed, datado de 10/12/2004, de que, por deliberação de 10 de dezembro de 2004 do Conselho de Administração deste Instituto, foi ordenada a realização, pelos serviços competentes do Infarmed, de uma inspeção externa às instalações da W..., com vista à recolha de elementos tendentes à liquidação oficiosa das taxas sobre a comercialização de produtos de saúde devidas pelo exercício da respetiva atividade, nos termos do artigo 72° da Lei n°3-B/2000, de 4 de abril, mantida em vigor pelo artigo 58° da Lei n°30-C/2000, de 29 de dezembro, e pelo artigo 55° da Lei n°109-B/2001, de 27 de dezembro, e do Decreto-Lei n.° 312/2002, de 20 de dezembro, e do n°1 do artigo 46° da Lei Geral Tributária, que terá lugar a breve trecho, mais sendo notificada para no prazo legal de 10 dias, apresentar no INFARMED os balancetes mensais das contas da Classe 7 do Plano Oficial de Contabilidade, desagregadas ate ao 5° digito, devidamente certificada pelo Técnico Oficial de Contas, referentes aos exercícios de 2000 a 2003 (Doc. 65 da PI e PAT apenso).

C. No dia 23/12/2004, a impugnante solicitou a notificação de elementos que não constavam da comunicação anterior (Doc. 65 da PI).

D. Em resposta, veio o INFARMED informar, através do ofício n°57417, de 29/12/2004, que para além de o INFARMED fazer parte da administração tributária, por força do n°3 do artigo 1° da Lei Geral Tributaria, o citado n°4 do artigo 2° do Decreto-Lei n°312/2002 atribui ao INFARMED a competência para determinar a «realização das inspeções e outras ações que se mostrem necessárias, com o objetivo de verificar e fiscalizar a correção dos elementos, documentos e declarações fornecidos para a determinação da taxa devida" (PAT apenso).

E. Mais informou que "embora o preceito legal refira que o INFARMED pode fazê-lo «em articulação» com a Inspeção-Geral de Finanças, este facto não lhe retira a competência para o fazer isoladamente, visto que a lei não estabelece uma competência conjunta, mas apenas articulada". Indicou ainda o INFARMED que "o Decreto-Lei n°312/2002, de 20 de dezembro, constitui lei especial nos termos e para os efeitos do artigo 1,° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributaria (RCPIT)", e que, "sem prejuízo de se considerar não aplicável ao caso vertente o citado Regime Complementar, (...) nos termos da alínea b) do artigo 13° do RCPIT, designa-se procedimento de inspeção externa aquele em que os atos de inspeção decorram, total ou parcialmente, em instalações ou dependências do sujeito passivo" (PAT apenso).

F. Em anexo ao citado ofício, foram juntos pelo INFARMED os seguintes elementos:

a) carta aviso emitida ao abrigo do disposto nos artigos 59°, n°3, alínea l) da Lei Geral Tributaria e do artigo 49° do RCPIT, que incluía um folheto informativo contendo os direitos, deveres e garantias que assistiam a impugnante; e

b) o parecer e despacho homologado pelo Conselho de Administração do INFARMED, datado de 10/12/2004, nos termos do qual se determinou a realização da ação de inspeção externa (PAT apenso).

G. Através do ofício n°001509, de 11/01/2005, do Infarmed, a impugnante recebeu notificação de que em 24/01/2005 se deslocariam técnicos credenciados do mesmo Instituto às suas instalações, para procederem a recolha de diversos elementos no âmbito da referida inspeção externa (Doc. 66 da PI).

H. No dia 24/01/2005, a impugnante recebeu nas suas instalações a visita dos técnicos credenciados pelo INFARMED, que procederam à recolha dos elementos solicitados pelo mesmo Instituto, a exceção do mapa de faturação detalhado por família de produtos (Doc. 67 da PI).

I. No dia 12/01/2005, a impugnante procedeu ao envio dos balancetes mensais das contas da Classe 7 do Plano Oficial de Contas, referentes ao exercício de 2003 (Doc. 68 da PI).

J. No dia 02/02/2005, a impugnante enviou ao Infarmed fotocópia da certificação legal de contas, referente ao exercício findo em 30 de junho de 2004 (Doc. 69 da PI).

K. No dia 25/02/2005, a impugnante apresentou junto do Infarmed um mapa com o apuramento das vendas líquidas, por categoria de produtos, já com as deduções que não constavam das estatísticas ou da classe 7 (Doc. 70 da PI).

L. No dia 14/07/2005, a impugnante enviou ao Infarmed as estatísticas de vendas referentes aos meses de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2004 (Doc. 71 da PI).

M. No dia 16/09/2005, a impugnante enviou ao Infarmed o mapa de vendas até 31/12/2004, afirmando também já ter "corrigido o efeito das vendas a empresas do Grupo, no primeiro e segundo semestres de 2004" (Doc. 72 da PI).

N. Por atos datados de 27/12/2005, o INFARMED procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal devida pela impugnante, de janeiro de 2000 até novembro de 2002, nos seguintes montantes:
Mês
Tributo
Juros Comp.
TOTAL
Janeiro 2000
20.146,28€
6.588,66€
26.734,94€
Fevereiro 2000
23.201,75€
705,54€
30.647,29€
Março 2000
26.450,59€
8.335,92€
34.786,52€
Abril 2000
18.355,99€
5.675,77€
24.031,77€
Maio 2000
22.837,36€
6.930,05€
29.767,41€
Junho 2000
24.042,25€
7.152,73€
31.194,99€
Julho 2000
18.967,96€
5.530,33€
24.498,29€
Agosto 2000
16.619,68€
4.750,04€
21.369,72€
Setembro 2000
30.022,28 €
8.402,13€
38.424,40€
Outubro 2000
22.506,93€
6.169,37€
28.676,30€
Novembro 2000
24.863,26€
6.667,44€
31.530,70€
Dezembro 2000
10.484,58€
2.749,26€
13.233,84€
Janeiro 2001
22.869,75€
5.874,08€
28.743,83€
Fevereiro 2001
27,562,1 0€
6,915,44 €
34.477,54€
Março 2001
31. 673,1 9€
7.764,70€
39.437,89€
Abril 2001
20.955,20€
5.012,60€
25.967,80€
Maio 2001
28.766,85€
6.715,68€
35.482,53€
Junho 2001
32.621,47€
7.421,61€
40.043,08€
Julho 2001
32.307,05 €
7.158,00€
39.465,05€
Agosto 2001
14.809,17€
3.195,94€
18.005,1 1€
Setembro 2001
38.213,33€
8.019,57€
46.232,90€
Outubro 2001
31.972,72 €
6.525,94€
38.498,66€
Novembro 2001
30.308,60 €
6.006,09€
36.314,69€
Dezembro 2001
18.528,92€
3.561,61€
22.090,54€
Janeiro 2002
15.028,91€
2.808,14€
17.837,05€
Fevereiro 2002
32.801,64 €
5,933,95€
38.735,59€
Março 2002
26.045,21 €
4.561, 84€
30.607,05€
Abril 2002
33.459,93€
5.661,80€
39.121,53€
Maio 2002
23.407,54€
3.826,01€
27.233,55€
Junho 2002
29.384,03€
4628, 19€
34.012,21€
Julho 2002
28.305,74€
4.290,06€
32.595,80€
Agosto 2002
18.896,41€
2.755,25€
21.651,66€
Setembro 2002
31.731,08€
4.438,00€
36.169,09€
Outubro 2002
32.911.85€
4.413,79€
37.325,65€
Novembro 2002
32.000,86€
4.101,37€
36.102,23€
TOTAL
893.060,46
197.986,70
1.091.047,20€

O. Os atos referenciados no ponto antecedente foram recebidos pela impugnante no dia 29/12/2005 (Docs. 3 a 35 da PI).

P. Por atos datados de 03/01/2006, o INFARMED procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal devida pela impugnante, de dezembro de 2002 até dezembro de 2003, nos seguintes montantes:
Mês
Ano
Tributo
Juros Comp.
TOTAL
Dezembro
2002
23.527,52 €
2.875,51€
26.403,03€
Janeiro
2003
22.278,59€
2.603,24€
24.881,83€
Fevereiro
2003
31.412,70€
3.483,80€
34.896,50€
Março
2003
31,168,46€
3.277,39€
34.445,85€
Abril
2003
34.746.43€
3.598,40€
38.344,82€
Maio
2003
24.824,086
2.889,21€
27.31 327€
Junho
2003
34.532,47€
3.345,39€
37.877,86€
Julho
2003
29.46128€
2.754,02€
32.215,31€
Agosto
2003
17.694,35€
1.595,88€
19.290,23€
Setembro
2003
41.534,14€
3.604,94€
45.139,07€
Outubro
2003
38.609,74€
3.224,18€
41,833,92€
Novembro
2003
26.995,76€
2.162,62€
29.158,38€
Dezembro
2003
31.212,32€
2.547,79 €
35.760,12€
TOTAL
389.997,82 €
37.562,37 €
427.560,19
(Docs. 36 a 48 da PI).

Q. Os atos referenciados no ponto antecedente foram recebidos pela impugnante no dia 05/01/2006 (Docs. 36 a 48 da PI).

R. Por atos datados de 03/01/2006, retificados em 18/01/2006, o INFARMED procedeu à liquidação da taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal devida pela impugnante, relativos ao ano de 2004, nos seguintes montantes:
Mês
Tributo
Juros Comp.
TOTAL
Janeiro
21. 550,02 €
1.587,03€
23.137,05€
Fevereiro
31.413,46€
2.203,25€
33616,71€
Março
35.355,67€
2.363,50€
37.719,17€
Abri'
25.391,03€
1.611,11€
27.002,15€
Maio
31.798,72€
1.913,15€
33.711,88€
Junho
60.748,34 €
3.448,51 €
64.196,85 €
Julho
8226,73 €
439,06 €
8.665,79 €
Agosto
11. 480,47 €
574,97€
12.055,44 €
Setembro
29.470,61 €
1.375,83€
30.846,44€
Outubro
20421, 06€
886,22€
21.307,28€
Novembro
21.910,68€
876,43€
22.787,11€
Dezembro
17.275,96€
632,35€
17.908,30€
TOTAL
31 5.042,75 €
17,911,41 €
332.954,17€

S. Os atos referenciados no ponto antecedente foram recebidos pela impugnante no dia 23/01/2006 (Docs. 49 a 60 da PI).

T. Na sequência de pedido da impugnante de envio de elementos adicionais, o Infarmed, através do ofício n°007260, de 02/02/2006, informou que "os atos de liquidação consubstanciam-se nas notificações remetidas a essa empresa e contem toda a sucinta fundamentação de facto e de direito exigida por Lei, sendo certo que, como neles se refere, os volumes de vendas foram fornecidos por essa empresa a esse Instituto (...)" e "o mesmo acontece com a fundamentação dos juros compensatórios" (Docs. 73/74 da PI).

U. No dia 02/05/2006, a impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações supra identificadas (Doc. 2 da PI).

V. No dia 19/02/2007, a impugnante recebeu notificação da decisão de indeferimento desta reclamação, através da deliberação n°044/CA/2007 do Conselho de Administração do Infarmed (Doc. 1 da PI).

W. No dia 05/03/2007, a impugnante apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa a presente impugnação judicial (fls. 2).

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.


*

- De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso são as seguintes:

1 – saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia;

2 – saber se a sentença enferma de insuficiência da matéria de facto;

3 – saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à verificação da caducidade do direito à liquidação;

4 – saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à violação do direito de audição prévia às liquidações;

5 - saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à violação do dever de fundamentação.


*

Tal como deixámos autonomizado, a primeira questão que há que apreciar prende-se com a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Defende o Recorrente que a sentença não se pronunciou – e devia tê-lo feito – “sobre a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, violando, assim, o nº1 do artigo 125° do Código de Procedimento e Processo Tributário, bem como o nº2 do Artigo 608º do Código de Processo Civil, aplicável por força do Artigo 2º daquele Código”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação, a invocada não pronúncia prende-se com factos que a Recorrente reputa relevantes para a apreciação da causa e que alegadamente não terão sido considerados no julgamento da matéria de facto. Em concreto, a Recorrente convoca factualidade que, em seu entender, determinaria uma diferente análise e decisão relativamente à caducidade do direito à liquidação que, com referência a algumas das liquidações contestadas, foi julgada verificada na sentença.

Como está bem de ver, a questão submetida ao Tribunal foi a da caducidade do direito à liquidação e essa – bem ou mal – o Tribunal apreciou (cfr. fls. 21 a 23 da sentença), cumprindo assim o que a lei impõe ao juiz sobre o dever se conhecimento das questões submetidas a julgamento.

Se o Tribunal o fez com acerto ou com erro de julgamento (de facto e/ou de direito) é já uma questão diversa, que seguramente não se confunde com a omissão de pronúncia.

Nestes termos, e sem necessidade de nos alongarmos na presente análise, diremos, concluindo, que as questões que as partes submetem à apreciação do Tribunal, nos termos atrás expostos, não se confundem com factos, pelo que a falta de consideração destes nunca encerra uma omissão de pronúncia geradora da nulidade da sentença.

Tanto basta para julgar improcedente esta primeira questão.


*

Passemos à questão identificada em 2, a saber: se a sentença enferma de insuficiência da matéria de facto.

Com efeito, na conclusão 2, defende a Recorrente que a “sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão de causa, violando, deste modo, a alínea a) do nº 2 do Artigo 46º da Lei Geral Tributária, os artigos 412º e o nº 4 do artigo 607ºdo Código de Processo Civil, o nº 2 do Artigo 123° do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve, por isso, tal decisão ser alterada, nos termos do nº1 do Artigo 662° do Código de Processo Civil”.

E aqui, em linha com o que já se antevia na questão precedente, o que a Recorrente pretende é que o Tribunal adite ao probatório matéria de facto que foi alegada na contestação, com vista à apreciação da caducidade do direito à liquidação, em rigor da suspensão da contagem do prazo.

Concretamente, entende a Recorrente que se mostra provado, por acordo ou com base em prova documental, o correspondente aos artigos 39º a 42º da contestação, com o seguinte teor:


«Imagem no original»

Também aqui, sem hesitações, se dirá que nenhuma razão assiste à Recorrente.

É que, como é bom de ver, e recuperando as palavras da Recorrida, “o facto de haver outros processos em curso contra actos de liquidação do tributo em causa, ou o facto de uma associação (a AIC), representativa de empresas do sector em que se insere a ora Recorrida ter promovido diligências, no plano “político”, para que a “taxa” em discussão fosse abolida ou, pelo menos reduzida, não constituem, juridicamente, factos suspensivos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo ao abrigo das alíneas a) e D9 do nº2 do artigo 46º da LGT ou ao abrigo de qualquer outra disposição legal”.

Na verdade, assim é, devendo evidenciar-se que na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável. O que o juiz não deve, por manifesta inutilidade, é julgar matéria de facto absolutamente irrelevante para a apreciação da questão que lhe vem colocada.

No caso, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, irreleva absolutamente saber se desde 2000 a 2004 estiveram pendentes dezenas de processos nos quais foi discutida a constitucionalidade dos tributos em causa e se tais processos vieram a ser decididos, com trânsito em julgado, em 2004. Da mesma forma que irreleva a questão de saber se foram feitas diligências, junto de vários titulares de órgãos de soberania, por uma associação do sector, com vista à revogação da taxa de comercialização de produtos de saúde.

Trata-se, em qualquer caso, de matéria absolutamente irrelevante para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Tanto basta, pois, para julgar improcedente a conclusão e questão que vimos analisando.


*

Passando agora para a análise dos alegados erros de julgamento de direito, impõe-se, pelas razões que seguidamente se mostrarão claras, que foquemos a nossa atenção inicial na questão autonomizada em 5 supra - saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à violação do dever de fundamentação, a que correspondem as conclusões 10 e 11 das alegações de recurso.

Como resulta claramente da apreciação levada a cabo na sentença recorrida, e contrariamente ao que resulta do recurso interposto, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou não verificado o vício correspondente à alegada falta de fundamentação, seja quando analisado relativamente aos actos de liquidação impugnados, seja relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa que precedeu a presente impugnação judicial.

Com efeito, a este propósito, lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“(…)


«Imagem no original»

É, pois, incontroverso que tal fundamento de impugnação não foi decidido em termos favoráveis à pretensão da impugnante, pelo que nenhum sentido faz o teor das conclusões 10 e 11 da alegação do recurso interposto pela Fazenda Pública.

Nesta medida, são as mesmas julgadas improcedentes.


*

Avancemos nas restantes questões atinentes aos erros de julgamento de direito.

E aqui, sob o número 3, autonomizámos a questão de saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à verificação da caducidade do direito à liquidação, a que correspondem as conclusões 3 a 6.

Vejamos, começando por deixar devida nota daquele que foi o discurso argumentativo adoptado pela sentença recorrida a este propósito. Aí se lê o seguinte:

“(…)


«Imagem no original»

Contra o assim decido, sustenta a Recorrente que erradamente não foram consideradas “as causas de suspensão do prazo legal de caducidade, como entendeu que se estava perante um imposto de obrigação única, quando efectivamente se trata de um imposto periódico”, assim se violando o preceituado nas alíneas a) e d) do nº2 do artigo 46º da LGT. Para a Recorrente, contrariamente ao considerado pelo TT de Lisboa, não estamos perante um imposto de obrigação única, pelo que o “prazo de caducidade do direito de liquidação sempre teria de contar-se «a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário» e não a partir do momento em que ocorreu o facto tributário”.

Vejamos por partes.

Diversa jurisprudência se pode citar sobre a qualificação dos tributos em causa (obrigação única ou periódico). A título de exemplo, e para além do acórdão citado na sentença, veja-se:

- “E que tais taxas, sempre vieram na nossa jurisprudência a serem qualificadas como de verdadeiros impostos sobre o consumo, quer na jurisprudência deste TCAS, como constitui exemplo o acórdão de 28-10-2009, proferido no recurso n.º 2876/09(4), quer na jurisprudência do STA, em cuja contestação, a Exma Representante da Fazenda Pública elenca um número de 16, bem como no mais recente acórdão de 6-10-2010, proferido no recurso n.º 1218/03, em que igual caminho se continuou a trilhar, qualificação com que também se continua a concordar, e também nem as próprias partes dela dissentem nas conclusões do presente recurso. …”.

Assim, e voltando ao citado Ac. deste Tribunal de 07-02-2011, Proc. nº 05081/11, “Estatuindo o art.º 45.º, n.º 4, da LGT, ao que aqui releva, que «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu», e caindo na sujeição da taxa em questão o volume de vendas mensal, temos que a mesma reveste a natureza de imposto de obrigação única já que incide sobre as vendas efectuadas em cada mês, independentemente de se repetirem todos os meses, mas respeitando, nos distintos meses, a vendas distintas e autónomas.

E, sendo assim, então e porque a lei não lhe confere nenhum prazo especial, o prazo de caducidade respectivo é de quatro anos balizados pelo facto gerador do tributo, ou seja, as vendas mensais, e o momento em que se concretiza a notificação do sujeito passivo, desse mesmo acto de liquidação, tudo nos termos do n.º 1, do art.º 45.º, da LGT” – ac. do TCA Sul, de 13/03/12, processo nº 5012/11;

- no mesmo sentido, o ac. do TCA Sul de 05/03/15, processo nº 8253/14;

- “Estamos, pois, perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações avulsas que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, a "taxa sobre a comercialização de produtos de saúde" aqui em análise não se refere a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o modo de apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida "taxa" ser periódico, continuado e duradouro…” – ac. do TC, de 07/03/12, processo nº 135/2012.

Em linha com a jurisprudência citada, temos, pois, que, como a sentença bem concluiu, estamos perante um imposto de obrigação única.

Ora, não é discutido o prazo de caducidade do direito à liquidação, ou seja, de 4 anos, nos termos previstos no artigo 45º, nº 1 da LGT - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. Temos, assim, quatro anos balizados pelo facto gerador do tributo, ou seja, as vendas mensais, e o momento em que se concretiza a notificação do sujeito passivo desse mesmo acto de liquidação, tudo nos termos do nº 1, do artigo 45º, da LGT.

No caso concreto, considerando as liquidações referentes a 2000 e até Novembro de 2001, fácil é concluir que, aquando da notificação, em 29/12/05, já haviam decorrido os referidos 4 anos, tal e qual a sentença considerou.

Assim não seria se, como pretende a Recorrente, o prazo de caducidade tivesse visto a sua contagem suspensa, questão que o TT não deixou de ponderar, a isso respondendo negativamente.

Vejamos, tendo presente o que dispunha o artigo 46º da LGT. Assim:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.

2 - O prazo de caducidade suspende-se ainda:

a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;

b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;

c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;

d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.

3 -Em caso de aplicação de sanções da perda de benefícios fiscais de qualquer natureza, o prazo de caducidade suspende-se desde o início do respectivo procedimento criminal, fiscal ou contra-ordenacional até ao trânsito em julgado da decisão final”.

Ora, e como assinalámos, a Recorrente considera que o prazo esteve suspenso atenta a pendência de diversos processos judiciais, entre 2000 e 2004, nos quais se discutia a constitucionalidade da taxa em questão, processos esses que apenas em 2004 foram objecto de decisão, passada em julgado, por parte do TC e, ainda, face às diligências encetadas pela Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal, a que acima já fizemos referência.

A sentença recorrida, louvando-se em jurisprudência deste TCA, respondeu acertadamente afastando tal circunstancialismo como motivador da suspensão do prazo de caducidade.

Na mesma linha, diremos, seguindo a posição do TCA Sul, que “as únicas causas passíveis de suspenderem o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, nos termos da LGT, são as que se encontram elencadas no seu art.º 46.º (…).

Ora, o estatuído na al. a), do n.º 1, do art.º 46.º da LGT, no sentido de que o prazo de caducidade se suspende «Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão», - única hipótese da lei que se descortina, em tese, possível de compreender a alegação da recorrente neste domínio, e como ela própria, expressamente, o indicia no ponto 24, da sua motivação -, apenas pode ter o alcance de se reportar aos litígios judiciais cuja pendência seja impeditiva do acto tributário de liquidação e não, evidentemente àqueles que, pela aplicação de meros juízos subjectivos de oportunidade, sejam susceptíveis de importar a inutilidade do acto tributário levado à prática.

Ora, esta última situação é a que é passível de configurar justificação na não realização e notificação das liquidações em causa, em momento anterior à decisão do TConstitucional, sendo assertivo que tal pendência não era, de forma nenhuma, impeditiva, que elas tivessem sido efectuadas e notificadas antes da sua prolação e trânsito, até porque não se sabendo o sentido decisório que aquele TC ia tomar, a referida inutilidade apenas podia ocorrer se a decisão final fosse no sentido efectivamente tomado e não noutro que, admissivelmente e antes dela, podia ter sido” – ac. do TCA Sul, já citado, de 13/03/12.

Por seu turno, face ao preceito transcrito, fácil é concluir que aí não cabem, como razões suspensivas do decurso do prazo de caducidade, as diligências genéricas desenvolvidas pela AIC, em representação dos seus associados, no sentido de pôr cobro à existência das taxas de comercialização.

Face ao exposto, conclui-se pela improcedência das conclusões que vimos de analisar e pela manutenção do decidido quanto à caducidade das liquidações respeitantes a 2000 e até Novembro de 2001.


*

Passemos para a última questão que nos ocupa: saber se a sentença errou na apreciação efectuada quanto à violação do direito de audição prévia às liquidações.

Comecemos por transcrever, no essencial o que a este propósito foi entendido pelo TT de Lisboa.

Lê-se na sentença recorrida, após evidenciar o devido enquadramento legal, o seguinte:

“(…)


«Imagem no original»

Em reforço desta posição, o TT de Lisboa convocou jurisprudência deste TCA, em concreto o acórdão de 14/06/11, proferido no processo nº 4567/11.

E prossegue a sentença, deixando claro que:

Vejamos, então, lembrando que a Recorrente vem neste recurso defender que “ainda que se entendesse que esta dispensa não ocorre, teria de considerar-se que se está perante uma formalidade que se degrada em não essencial, visto que apenas está em causa a prática de um acto essencialmente vinculado, que consiste a aplicação de uma taxa a certo volume de vendas fornecido pela própria Impugnante, não existindo qualquer indício de que, promovida a audição, o tributo liquidado seria diferente”. Nesta perspetiva, a sentença recorrida terá violado o artigo 60º da LGT.

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) teve oportunidade de apreciar precisamente esta questão em recurso por oposição de acórdãos, no qual o acórdão-fundamento era precisamente aquele de que o TT de Lisboa de louvou na apreciação da presente questão, isto é, o acórdão deste TCA Sul, de 14/06/11, proferido no processo nº 4567/11.

A posição do STA resulta do acórdão do Pleno da Secção de CT, proferido em 15/10/14, no processo 1374/13, no qual se concluiu no sentido seguido pelo acórdão fundamento, aresto este que o Mmo. Juiz a quo também adoptou na sentença sob recurso.

Sendo a análise feita pelo STA absolutamente transponível para o caso que nos ocupa, face às semelhanças de ambos os casos, passamos a transcrever o seu teor.

Assim:

“(…)

Passemos agora à apreciação do mérito do recurso.

Na situação de facto a que se refere o acórdão recorrido, deve ou não considerar-se que se impunha a audiência da Contribuinte previamente às liquidações?

No acórdão recorrido entendeu-se que não ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 60.º da LGT que, na redacção aplicável à data (À data ainda vigora a redacção inicial do preceito, que veio a ser alterada pela Lei n.º 53-A/2006, de 20 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).), dizia: «É dispensada a audição em caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe ser favorável». Isto porque, no entender do acórdão, as liquidações tinham sido efectuadas com base em declarações da Contribuinte.

Como resulta do que deixámos já dito, as liquidações não podem considerar-se efectuadas «com base na declaração do contribuinte» para os efeitos previstos no n.º 2 do art. art. 60.º da LGT.

Desde logo, porque a Contribuinte não apresentou quaisquer declarações para efeitos de autoliquidação do tributo em causa. Aliás, o próprio INFARMED o reconheceu, afirmando textualmente nos ofícios remetidos à ora Recorrente para notificá-la das liquidações que, «[f]ace à não apresentação das declarações de vendas de produtos cosméticos e de higiene corporal e à não autoliquidação e pagamento a este Instituto da taxa sobre a comercialização dos mesmos produtos, procedeu o INFARMED à liquidação oficiosa da mesma taxa» [cfr. alínea A) dos factos provados que foram aditados pelo Tribunal Central Administrativo Sul].

Aliás, se a ora Recorrente tivesse enviado as declarações e procedido à autoliquidação do tributo (taxa de comercialização de produtos de saúde), mal se compreenderia que o INFARMED a tivesse notificado nos termos em que o fez: dando-lhe conhecimento das liquidações oficiosas da taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, indicando o volume de vendas tido por referência e a taxa aplicável (Nos termos do disposto no art. 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento do Estado para 2000), a taxa sobre a comercialização dos produtos de saúde é de 0,4% para os “produtos farmacêuticos homeopáticos, dispositivos médicos não activos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro” e de 2% para os “cosméticos e produtos de higiene corporal”.) e concedendo-lhe prazo para pagamento [cfr. os factos provados sob os n.ºs 11 a 48].

Por certo, teria o INFARMED optado pela cobrança coerciva das dívidas, extraindo de imediato os pertinentes títulos executivos – certidões de dívida – e com base nos mesmos providenciado por que fosse instaurada execução fiscal para cobrança do montante autoliquidado mas não entregue. Tanto mais que o art. 36.º, n.º 3, da LGT («A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) proíbe a concessão de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, sendo que a concessão de moratória em casos não autorizados por lei pode mesmo gerar a responsabilidade subsidiária da pessoa que a conceder [cfr. art. 85.º, n.º 3 («A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), do CPPT].

Na verdade, se tivesse havido declaração (e autoliquidação), como afirma a Recorrida, a dívida seria já certa e exigível, não se vislumbrando motivo para que ela viesse notificar a Contribuinte nos termos em que o fez, que apenas são compatíveis com a prática de liquidações oficiosas, ou seja, de liquidações efectuadas na sequência da verificação em sede inspectiva da omissão do dever declarativo por parte da Contribuinte e sendo a matéria tributável fixada com base nos elementos colhidos na contabilidade desta.

Por outro lado, não podemos acompanhar a tese que equipara um registo contabilístico à declaração. Na verdade, declarar, é sinónimo de «manifestar de modo claro e terminante; patentear, tornar conhecido dar a saber» (Cfr. “declarar”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,

http://www.priberam.pt/dlpo/declarar [consultado em 06-10-2014].) e as declarações, que constituem uma obrigação acessória dos sujeitos passivos [cfr. art. 39.º, n.º 2, da LGT («São obrigações acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações».)] e que, em regra, estão na origem do procedimento de liquidação [cfr. art. 59.º, n.º 1, do CPPT («O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente».)], só relevam para o apuramento da matéria tributável se efectuadas nos termos legais e desde que permitam à AT verificar a regularidade da situação tributária do sujeito passivo [cfr. art. 59.º, n.º 2, do CPPT («O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária».)].

Não pode, pois, considerar-se como declaração a mera inscrição contabilística (certa ou errada, não releva para este efeito) de determinados montantes a título de volume de vendas. Porque essa inscrição contabilística não foi transcrita para uma declaração e porque a ora Recorrente nunca preencheu e entregou os documentos por que deveria proceder à entrega do tributo ao INFARMED, não pode considerar-se que tenha efectuado a autoliquidação do imposto.

A autoliquidação exigirá sempre uma declaração, que não pode ser dispensada por qualquer registo contabilístico. Se é certo que as declarações devem basear-se nos registos contabilísticos (cfr. art. 59.º, n.º 2, do CPPT), estes não substituem aquelas.

Um conceito de declaração ou de autoliquidação do tributo que se baste com uma mera inscrição contabilística, sem qualquer formalização, exteriorização, declaração, comunicação, divulgação ou transmissão, seja a terceiros seja às próprias autoridades fiscais, não tem, qualquer apoio na letra ou no espírito de qualquer lei fiscal.

O que sucedeu no caso sub judice foi que o INFARMED, tendo verificado a existência de factos tributários não declarados – as vendas de produtos cosméticos e de higiene corporal –, instaurou oficiosamente o procedimento de liquidação, como lhe é imposto pelo n.º 7 do art. 59.º do CPPT («Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos serviços competentes».). No âmbito desse procedimento, serviu-se dos registos contabilísticos do sujeito passivo para avaliar a matéria tributável [cfr. art. 81.º, n.º 1 («A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».), 82.º, n.º 1 («A competência para a avaliação directa é da administração tributária e, nos casos de autoliquidação, do sujeito passivo».), 83.º, n.º 1 («A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação».) e 84.º, n.ºs 1 e 3 («1 - A avaliação dos rendimentos ou valores sujeitos a tributação baseia-se em critérios objectivos.

[…]

3 - A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado».), da LGT] e, a final, procedeu à liquidação oficiosa da taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal que considerou ser devida.

Concluímos, pois, que não estamos perante uma situação de autoliquidação por apresentação da declaração, como sustentou a Recorrida, mas de liquidação oficiosa, o que significa que não pode considerar-se, para efeitos do n.º 2 do art. 60.º da LGT que as liquidações foram efectuadas com base na declaração do contribuinte.

Não será, pois, ao abrigo daquela disposição legal que poderá justificar-se a dispensa da audiência prévia à liquidação.

Mas será que, reconhecendo-se embora a necessidade daquela audiência, se deverá concluir, com o acórdão recorrido, que a omissão dessa formalidade se degradou em não essencial, na medida em que nunca o resultado poderia ser outro? Será que, como afirmou o acórdão recorrido, «a liquidação oficiosa do tributo em exame foi efectuada com base nas declarações e registos contabilísticos do contribuinte, pelo que a audição prévia à nota de liquidação não permitiria modificar a determinação da matéria colectável, assente no volume de vendas, tal como declarada pelo contribuinte; perante o volume de vendas mensal certificado pelo contribuinte, através dos seus registos, aceite pelo Infarmed e não impugnado através da presente impugnação, não resta outra alternativa à AF [leia-se ao INFARMED] que não seja o cômputo do tributo mensal devido de acordo com o referido volume mensal de vendas, através da aplicação da taxa prevista na lei; trata-se, pois, de um acto de liquidação vinculado, quanto aos seus termos, donde resulta o carácter não essencial ou inoperante da imputada preterição da audição prévia, cuja arguição se oferece como claudicante».

Salvo o devido respeito, não podemos concordar.

É certo que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento (in casu a liquidação), que é a sua consequência de acordo com o previsto no art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção».). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, págs. 515 e segs. ).

No entanto, no caso sub judice não pode afirmar-se que a audiência prévia da ora Recorrente não permitiria modificar a decisão final, nem sequer, contrariamente ao afirmado pelo acórdão recorrido, que não permitiria modificar a matéria colectável. Desde logo, porque, contrariamente ao que parece supor-se no acórdão recorrido, o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria colectável, antes podendo essa participação (que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação da decisão final. Mas, ainda que assim não se entenda, a própria fixação da matéria colectável não pode dar-se como estabilizada pelo facto de ter sido efectuada com base em elementos extraídos da contabilidade da Contribuinte (vimos já que o não foi com base em declaração da mesma). Na verdade, só pode falar-se em estabilização da matéria colectável quando esta seja fixada em procedimento autónomo (v.g., os procedimentos de fixação do valor patrimonial tributário de imóveis para efeitos de IMI e de IMT), no qual tenha sido respeitado o direito de audiência, e que fica sujeito a impugnação judicial autónoma [cfr. art. 134.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT («1. O actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

2. Constitui motivo de ilegalidade, para além da preterição de formalidades legais, o erro de facto ou de direito na fixação».) e art. 86.º, n.º 1, da LGT («A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa».)], o que não é o caso.

Por outro lado, salvo o devido respeito, o argumento de que a liquidação não foi impugnada judicialmente com fundamento em erro na quantificação da matéria colectável em nada releva para efeito de averiguar da degradação da omissão do direito de audiência em formalidade não essencial. Não será pelos fundamentos invocados em sede de impugnação contenciosa do acto que se poderá aferir da relevância ou não do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, mas antes pela sua susceptibilidade de influir sobre o conteúdo decisório do acto, motivo por que aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado. Em todo o caso, sempre se dirá que a Recorrente invocou a falta de fundamentação das liquidações no que à quantificação se refere, o que sempre a impediria de impugnar a quantificação da matéria colectável.

Como ficou dito no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1071/06 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008

(https://dre.pt/application/dir/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 386 a 392, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d268a41bfe236798025728f0050532e?OpenDocument.), «[à] luz de tal princípio [do aproveitamento do acto], deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio».

Ora, na situação sub judice, sendo certo que o volume de vendas foi recolhido da contabilidade da ora Recorrente, a verdade é que esta, até à fase da liquidação, poderia pronunciar-se, não só sobre a quantificação da matéria colectável (apurada com referência ao volume de vendas apurado com base na sua contabilidade), como também sobre muitas outras questões de facto e de direito, algumas das quais as suscitadas em sede de impugnação judicial, susceptíveis de influir na decisão do procedimento.

Note-se, finalmente, que apesar da aplicação do princípio do aproveitamento do acto implicar necessariamente um juízo a posteriori, este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito.

Por tudo o que deixámos dito, entendemos que o acórdão recorrido não fez correcto julgamento quanto ao vício de preterição do direito de audiência, pelo que deverá ser revogado no que a esse julgamento respeita”.

Ora, este entendimento do STA, aqui inteiramente aplicável, dispensa-nos de qualquer consideração adicional, limitando-nos a realçar que a sentença recorrida decidiu em total conformidade com a posição que veio a ser acolhida pelo STA em recurso por oposição de julgados.

Há, pois, que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e manter o decidido pelo TT de Lisboa.


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A finalizar, importa que o Tribunal se pronuncie relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo presente que o valor da causa se cifra em € 1.851.561,56.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes, a complexidade do processo e atendendo a que as questões em análise não exigiram do Tribunal especiais conhecimentos técnicos e jurídicos, considera-se ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III – DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 09/07/20


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Benjamim Barbosa