Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06242/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:OPOSIÇÃO
Sumário:(i) O art.º 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, consagra uma presunção legal de culpa do administrador ou gerente quanto à falta de pagamento dos tributos em dívida, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.

(ii) É sobre o administrador ou gerente revertido que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.

(iii) Não alegando factos concretos que afastem essa presunção, a oposição não pode ser julgada procedente.

(iv) A expressão “insuficiência de bens penhoráveis” tem, no contexto do despacho de reversão, o significado de inexistência ou falta de bens que possam responder pela dívida exequenda.

(v) Não há dever de liquidação, por parte da AT, de IVA e de IRS retido na fonte.

(vi) A fundamentação pode consistir em concordância com anteriores parece­res, informações ou propostas. Considera-se fundamentado o acto quando este revela, para um destinatário imbuído de capacidade e sagacidade normais, as razões de facto e de direito que deter­minaram a decisão, de modo que esse destinatário possa reagir contra o acto, impugnando-o. É de considerar juridicamente fundamentado o acto de reversão que refere expressamente os preceitos legais aplicáveis ou os princípios jurídicos pertinentes.

(vii) A apresentação de novos elementos em sede de audiência prévia só impõe a audição dos interessados se tais elementos levarem a Administração a alterar a posição anteriormente notificada, invertendo-a ou modificando-a.

(viii) A alegada violação de princípios jurídicos deve ser substanciada em factos concretos sob pena de não proceder.

(ix) O despacho de reversão constitui um acto administrativo em matéria tributária, que além de não estar abrangido pelos efeitos do caso julgado, pode ser revogado e substituído por outro acto posterior.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TAF de Leiria que julgou totalmente procedente a oposição deduzida por M…………………………., J……………………………… e A………………………………………….., na qualidade de responsáveis subsidiários, contra a execução fiscal n.° ................ e Apensos instaurada no SERVIÇO DE FINANÇAS DE PORTO DE MÓS, originariamente contra a sociedade L.............., Unipessoal, Lda., veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações conclui como segue:
1.ª Contra os responsáveis subsidiários da sociedade "L.............. Unipessoal, Lda" ­"M………………………….", "J..............................." e "A..............................." - foi operada a reversão, pelo montante de € 51.445,76, da execução fiscal n° ...................e apensos, instaurada para cobrança de dívida respeitante a IVA (pagamentos em falta) e IRS (retenção na fonte) dos anos de 2008 e 2009, com datas limites de pagamento situadas em 2009/02/20, 2009/03/20, 2009/05/20 e 2009/12/06, fundada na inexistência de bens da devedora originária susceptíveis de penhora para garantia da dívida exequenda e assente na verificação dos pressupostos da responsabilidade fiscal subsidiária, nos precisos termos dos artigos 24°/1­b) da LGT e 153° n.° 2 e 160° do C.P.P.T.
2.ª Entendeu a sentença sob recurso que dos documentos e factos carreados para os autos pela Fazenda Pública não se extraía que os Oponentes tivessem exercido uma gestão efectiva, até porque da prova testemunhal resultava que apenas o Oponente J............................... era conhecido como representante da empresa.
3.ª Acrescentando que a Fazenda Pública não havia invocado qualquer facto que fundasse a culpa dos Oponentes, concluindo-se pela impossibilidade de determinação da existência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação daqueles e a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária e, por conseguinte, pela falta dos pressupostos legais de que dependia a reversão, decidindo a Mma Juiz a quo julgar procedente o pedido dos Oponentes, determinando a extinção da execução na parte que corre contra si.
4.ª Ora, atentando na composição da dívida exequenda objecto de reversão e nos períodos temporais a que esta respeita e em que esteve a pagamento, importa trazer à colação é aquele acolhido na alínea b) do n° 1 do artigo 24° da LGT, o qual impõe a verificação de uma gerência efectiva, ainda que somente de facto, da devedora originária por parte do gerente no período do pagamento/entrega do imposto e faz impender sobre o oponente/gerente a demonstração da ausência de culpa sua na falta daquele pagamento.
5.ª A Fazenda Pública amplamente carreou para os autos prova documental que coloca os oponentes J............................... e A..............................., quer numa gerência de direito e de facto, quer numa gerência somente de facto, respectivamente, da devedora originária, mas ambos actuando no sentido da prática dos actos necessários e convenientes para a realização do objecto social.
6.ª Neste ponto, a prova testemunhal produzida foi parca, embora a segunda testemunha reconhecesse o oponente J............................... como aquele gerente que a instruía na sua actividade.
7.ª Mas a prova documental vai mais além, logrando colocar na gerência de facto da devedora originária no período crítico do ano de 2009 os oponentes J............................... e A..............................., mediante a prática de toda uma panóplia de actos dirigidos à gestão dos interesses socais, maxime: assinatura de declarações modelo 22 de IRC, apresentação de proposta base de fornecimento de serviços na área das "Actividades de Enriquecimento Curricular, assinatura de declaração de prestação de serviços a cliente, outorga de contratos de prestação de serviços, assinatura de requerimento de pedido de pagamento em prestações dirigido à execução fiscal e outorga de procuração forense em nome da sociedade.
8.ª E, neste ponto, atendendo que as datas de entrega/pagamento do IVA (pagamentos em falta) e IRS (retenção na fonte) exequendos se situam no período da gerência dos oponentes, recai sobre estes o ónus de provar em sede da oposição deduzida que não foi por culpa sua que a entrega/pagamento de tais impostos se deixou de efectuar - alínea b) do art. 24°/1 da LGT.
9.ª Discordando, com todo o respeito, quanto às considerações deixadas na mui douta sentença recorrida quanto à falta de demonstração da culpa dos oponentes, pois que os oponentes enquanto gerentes da devedora originária sabiam e não podiam desconhecer, dos valores por retidos ou autoliquidados e da obrigatoriedade da sua entrega, tendo optado intencionalmente pelo incumprimento da obrigação legal fiscal de entrega/pagamento.
10.ª Mesmo admitindo dificuldades financeiras sociais, mas sem conceder, porque tal prova não foi obtida pelos oponentes e as modelo 22 de IRC negam-na, não estava na disponibilidade da gerência decidir pela preferência de um qualquer outro crédito face ao crédito tributário, uma vez que tal decisão não pode nunca configurar-se como justificada ou isenta de culpa, tanto mais que se tratam de valores retidos ou liquidados a outrem (empregados, clientes...).
11.ª Acresce que o avolumar das dívidas, maxime fiscais, não constitui realidade compatível com uma gerência zelosa e diligente e que sempre age com culpa aquele que não observa o essencial dever de cuidado e de diligência a que está obrigado (pelo contrato social, na realização do seu objecto) e de que é capaz, mas também aquele que se conforma, aceitando os resultados decorrentes da sua acção ou omissão, verificando-se uma inobservância negligente ou dolosa das disposições contratuais destinadas à protecção dos credores sociais, mas sempre culposa.
12.ª Os oponentes não conseguiram afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos retidos e autoliquidados cujo prazo de pagamento terminou durante o período da sua gestão, pois não demonstraram que a devedora originária não tivesse fundos para pagar os impostos e que uma eventual falta de meios financeiros não lhes fosse censuravelmente imputável.
13.ª Verificam-se assim os pressupostos legais para afirmar da responsabilidade subsidiária dos oponentes J............................... e A............................... pelas dívidas da devedora originária contra si revertidas.
14.ª A douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, por ter considerado, avaliado e fixado de modo insuficiente a prova documental produzida pela Fazenda Pública, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, do art. 24°/1-b) da LGT, pelo que não deve manter-se nesta parte.

Não foram apresentadas contra-alegações

Neste TCAS o EMMP emitiu parecer no sentido do recurso ser provido.

Colhidos os vistos vem o processo à conferência.


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b) As questões a decidir:
- Apurar se ocorreu erro de julgamento por errada interpretação dos factos provados e sua subsunção ao direito

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2 – Fundamentação

a) - De facto

A sentença consignou o seguinte probatório:
(1) Em 24/03/2009 foi instaurado, no Serviço de Finanças de Porto de Mós o processo executivo n.° .................., para cobrança para coerciva de dívidas de IVA de 2008-10 da sociedade L.............. Unipessoal Lda., no montante de € 32.383,75 — cfr consta da cópia dos respectivos autos aqui em anexo.
(2) A estes autos foram apensos em 13/08/2012 os processos executivos que a seguir se discriminam, ficando a divida a valer por € 51.445,76:


Processo
Providencia
Tipo (i)
Quantia Exequenda
.......................
IRS
Ret. na fonte
32,20 €
...........................
IRS
174,11 €
.............................
IRS
416,50 €
.................................
. _
IVA
27.658,80 €

(3) No âmbito do processo executivo supra, foram proferidos, em 24/01/2011, despachos de reversão das divida exequenda contra: A...............................; M…………………………. e J……………………………… — tudo conforme consta de fls. 65 e seguintes da cópia dos respectivos autos de execução aqui em anexo
(4) Dos referidos despachos de reversão consta o teor e a fundamentação que a seguir se transcreve (parcialmente, já que foram três despachos de igual teor -e fundamentação divergindo apenas no nome e morada dos revertidos):
a) "DESPACHO
Face às diligências de fls. 142-144 e 151-153 e estando concretizada a audiência do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra (...), morador em (...) na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada . Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à Citação do(s) executado(s) por reversão (...)"
b) FUNDAMENTAÇÃO DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24.°, n.° 1, al. b) LGT. (...).
Inexistência de bens penhoráveis em nome da devedora originária. informações a fls. 142 a 144 e 151 a 153 dos autos."
Tudo conforme fls. 18 dos autos.
(5) Da informação de fls. 142-144 e 151-153 consta, relativamente aos revertidos, a informação que a seguir parcialmente se transcreve:
Da quantia exequenda e períodos a que a divida respeita: A quantia exequenda exigida nos presentes autos é assim discriminada:
IMPOSTOPERIODOMONTANTE
Imposto sobre o valor Acrescentado4.° TRIM/200832.383,75 €
Imposto sobre o valor Acrescentado1.° TRI 200927.658,80 €
IRS - Retido na FonteJAN/200932,20 E
IRS - Retido na FonteFEV/2009174,11 E
IRS - Retido na FonteABR/2009416,50 E
Dos responsáveis subsidiários
Nos períodos a que as dívidas respeitam a gerência de direito pertence à Sra. M…………………………., (..), nomeada por deliberação de 2007-07-29.
A Sra. A..............................., (..), foi gerente de direito no período de 2005-07-20 a 2007-07-29, e gerente de facto a partir desta data, uma vez que continuou a agir em representação da executada, nomeadamente ao subscrever em 2008-09-15 um contrato de prestação de serviços celebrado com Rute A…………………., (..), (tis. 7 9-2U aos autos).
O Sr. J………………………………, foi gerente de facto da executada no período a que as dívidas respeitam. conforme se verifica dos documentos juntos aos autos, nomeadamente:
- Em 2008-06.22 subscreveu na qualidade de gerente da "L.............." a proposta base apresentada à Câmara Municipal de Porto de Mós, para fornecimento de serviços na área das Actividades de Enriquecimento Curricular (fls. 21 dos autos);
- Em 2008-06-23 assinou na qualidade de representante legal da executada, uma declaração de prestação de serviços emitida a favor de António J…………, (:.) (fls. 22 dos autos);
Em 2009-04-02! dá uma entrevista ao Jornal " O Portomosense "na qualidade de responsável pela L.............. (fls. 23-24 dos autos);
Em 2009-06-26 assina e apresenta neste Serviço de Finanças, na qualidade de representante da " L……….." um pedido de pagamento em prestações do processo de execução fiscal n.° .......................... (fls. 25 dos autos);
Em 2009-06-30, através do endereço eletrónico “L..............................gmail.com” envia para o Chefe do Serviço de Finanças de Porto de Mós o mail a fls. 26 dos autos.
CONCLUINDO
Nestes termos e salvo melhor opinião, sou de parecer que os autos deverão prosseguir a tramitação com à efectivação da reversão contra os responsáveis subsidiários, Srs.:
- M…………………………., Nif: 183……, gerente de direito.
- A..............................., Nif: 226……, gerente de facto;
- J………………………………, Nif: 163……, gerente de facto.
(6) A sociedade encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, no registo correspondente à anterior matricula n.° ................ na Conservatória do Registo Comercial de Leiria onde constam designados gerentes em:
M…………………………s (Insc. 4 - Ap.6/20100612), com data de deliberação em 29/07/2007;
A……………………………………….e (Insc. 1- Ap.45/20030115), com, data de deliberação ,20/07/2005 e renúncia em 29/07/2007 (Av. - Ap.5/20100612)
Tudo conforme fls. 6 e seguintes da cópia do PEF aqui em anexo

(7) Por despacho de 15-01-2010 a sociedade devedora originária “L..............” foi objecto de inspecção externa (fls. 83 do PEF) (ii)

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Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte importe registar COMO não provados.

Motivação

No tocante aos factos provados e não provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental constante dos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra e na prova testemunhal produzida em audiência:

As testemunhas inquiridas, não se revelaram muito conhecedoras da atividade da sociedade devedora originária.

Na verdade a primeira testemunha revelou total desconhecimento relativamente aos Oponentes.

A segunda, TOC da devedora originária, identificou o Sr. Joaquim como sócio da empresa e como sendo a pessoa que a representava.

Disse que a empresa inicialmente tinha um gabinete mas depois tinha apenas um armazém onde vendia material didáctico para as escolas e mais tarde passou a dar formação extra curricular e quanto a esta atividade era sub-Contratada pelas Câmaras para dar formação (lembra-se de Porto de Mós, mas de mais nenhuma) e que as Câmaras não efectuavam os pagamentos a tempo.


*

b) - De Direito

A sentença considerou a oposição procedente por considerar que a Fazenda Pública não logrou demonstrar que “os Oponentes tenham […] exercido uma gestão efetiva” [no prazo legal para pagamento dos tributos em dívida].

A argumentação jurídica para decidir como decidiu é essencialmente esta:

"In casu", conforme decorre do título constitutivo da sociedade devedora, constatamos que a Oponente A............................... renunciou à gerência em 29/07/2007 e que se encontrava nomeada para o efeito, à data dos factos. M………………………….7, não obstante, ambas vêm arguir que, efetivamente, não exercia quaisquer funções de gestão na respetiva sociedade.

Por seu lado a Fazenda Publica reúne elementos que reveladores de que A…………………. praticou atos de gestão, concretizados na subscrição, em 2008-09-15, em representação da sociedade, de um contrato de prestação de serviços.

E ainda que J……………………………… subscreveu, na qualidade de gerente da "L.............." uma proposta base apresentada à Câmara Municipal de Porto de Mós, para fornecimento de serviços; assinou na mesma qualidade uma declaração de prestação de serviços; deu uma entrevista ao jornal " O Portornosense"; assinou e apresentou um pedido de pagamento em prestações em processo de execução fiscal, e utilizou o endereço eletrónico “L...............joaquim@gmail.com” em correio dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Porto de Mós.

Ora dos factos apurados não se extraí que os Oponentes tenham sido exercido uma gestão efetiva, até porque da prova testemunhal resulta que apenas o Oponente J……………… era conhecido como representante da empresa.

A sentença padece de manifesta contraditoriedade, subsume mal os factos provados ao direito aplicável e, por isso, não se pode manter.

É contraditória a argumentação porque não se percebe que se afirme que “a Fazenda Publica reúne elementos […] reveladores de que A…………………. praticou actos de gestão, concretizados na subscrição, em 2008-09-15, em representação da sociedade, de um contrato de prestação de serviços” e a final conclua que a oponente não exerceu a gerência, o mesmo é dizer, que não praticou actos de gerência.

É também contraditória porque afirma que “dos factos apurados não se extrai que os Oponentes tenham sido exercido uma gestão efetiva, até porque da prova testemunhal resulta que apenas o Oponente J……………… era conhecido como representante da empresa.” Ou bem que não exerceu a gerência (de facto) e por isso não podia ser tido como “representante”, ou sendo-o, necessariamente teria de ser considerado que exerceu a gerência.

Está em causa uma reversão com base na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, isto é, em que o termo do prazo de pagamento das dívidas tributárias ocorreu no período de exercício da gerência.

Significa isto que ao contrário do que prescreve a al. a) do mesmo artigo, presume-se que a falta de pagamento é imputável ao administrador/gerente/gestor. Mas embora a lei utilize o conceito de “imputação” e não o conceito de culpa, deve entender-se que é este aquele a que se quer referir, tanto mais que é esse conceito que consta da lei de autorização legislativa que está na base do preceito. Assim, como é pacificamente aceite, é ao gerente/administrador que compete elidir a presunção legal que resulta desta norma, o que acarreta acrescidas dificuldades de prova para o revertido, pois trata-se de fazer a prova de um facto negativo que no limite se pode traduzir numa verdadeira probatio diabolica(iii)

À Administração Tributária apenas cumpre alegar os pressupostos fácticos de que deriva a presunção: os períodos do imposto e a gerência do responsável subsidiário nesses períodos.

Ora, os “factos” que os Oponente trouxeram a juízo são, manifestamente, irrelevantes para o afastamento das respectivas culpas, já que se limitam a dizer na p.i. que não tiveram culpa, que nunca dirigiram a sociedade, que esta nunca teve bens, tudo matéria conclusiva sem nenhum elemento factual que suporte as conclusões.

Aliás, o probatório consignado na sentença é reflexo dessa falta de alegação e prova.

E pelo contrário a AT até carreou para os autos factos que demonstram que, pelo menos, o oponente J……………………………… exerceu a gerência de facto nos períodos em causa e que a oponente M…………………………. exerceu a gerência de direito nos mesmos períodos. Contudo, pese embora a AT também tenha demonstrado que a oponente A............................... praticou um acto de gerência já depois de ter renunciado a esta, atendendo a que a jurisprudência reluta em admitir a demonstração da gerência de facto apoiada num só acto de gerência, atendendo a essa dúvida deve considerar-se que nesta parte a sentença recorrida andou bem. Por sua vez, como a recorrente restringe o âmbito do recurso aos recorridos J............................... e A............................... pelas dívidas da devedora originária contra si revertidas (conclusão 13.ª), e tendo em consideração que as conclusões delimitam o âmbito do recurso e circunscrevem o poder de cognição do tribunal ad quem, não nos compete debruçar sobre a responsabilidade subsidiária da recorrida M…………………………., porque nesse aspecto, mantendo-se válida a decisão da primeira instância, nenhuma pronúncia pode ser emitida a seu respeito.

Assim, com este enfoque concluiu-se que ao recorrido J……………………………… competia afastar a presunção de culpa que sobre si próprio se abateu e não à AT demonstrá-la, como parece ter entendido a sentença.

Destarte, impondo-se a revogação parcial da sentença recorrida, cabe conhecer das restantes questões colocadas na petição da oposição.

São elas:
- Nulidade do despacho de reversão.
- Falta de notificação da liquidação dos impostos à sociedade;
- Inexistência de prática de actos fiscais e os “tributos lançados (…) não são impostso” (sic).
- Falta de fundamentação, de facto e de direito, do despacho de reversão e sua inconstitucionalidade;
- Violação do direito de audição prévia;
- Violação dos princípios do inquisitório, colaboração, participação, legalidade, igualdade, pro­porcionalidade, justiça, imparcialidade e celeridade;
- Nulidade do despacho de reversão por não ser admissível a sua prática depois de revogado;

Quanto à primeira questão (Nulidade do despacho de reversão):

Ao contrário do que sustentam os oponentes a insuficiência do património da devedora originária não impõe uma descrição das diligências que conduzem a essa conclusão, como parece pressupor a tese que defendem. Basta que esse pressuposto seja indicado no despacho de reversão para se ter este por fundamentado em tal segmento. Aliás, como a fundamentação tem por finalidade dar a perceber o raciocínio cognitivo do decisor em ordem a habilitar o administrado a decidir se deve ou não atacar a decisão, defendendo os oponentes que a devedora originária nunca teve bens (art.º 10.º da p.i.) a mera referência à insuficiência de bens penhoráveis é suficiente para perceber o raciocínio que subjaz ao despacho de reversão. E é óbvio que o vocábulo insuficiente tem, neste contexto, o significado de inexistência. Carece, por isso, de qualquer suporte o alegado no art.º 21.º da p.i..

Estas considerações permitem desde já repudiar a alegada nulidade do despacho de reversão, com fundamento em que não havendo bens não se poder afirmar a insuficiência destes.

Quanto à segunda questão (falta de notificação da liquidação dos impostos à sociedade):

As dívidas exequendas dizem respeito a IVA e a IRS retido na fonte. Em relação ao IVA não existe qualquer dever de liquidação por parte da AT (cfr. art.os 27.º e 40.º do CIVA).

Quanto ao IRS:

Nos termos do art.º 75.º do CIRS a competência para a liquidação pertence à AT. Se for apresentada declaração a liquidação tem por objecto o rendimento colectável nela expresso, sem prejuízo das correcções a que haja lugar e deve ser feita até 31 de Julho [art.os 76.º, n.º 1, al. a) e 77.º, al. a), do CIRS]; se não for apresentada declaração a liquidação é feita com bases nos elementos em posse da AT, e feita até 30 de Novembro [art.os 76.º, n.º 1, al. a) e 77.º, al. a), do CIRS]. Se, por qualquer razão não se proceder à liquidação nos prazos previsto no art.º 77.º, o sujeito passivo é notificado para satisfazer o imposto devidos no prazo de 30 dias a contar da notificação (art.º 104.º), findo o qual se procede à cobrança coerciva (art.º 108.º, n.º 1, do CIRS). Nos casos de substituição tributária, bem como nos casos em que o imposto deva ser autonomamente liquidado e entregue nos cofres do Estado, a Direcção-Geral dos Impostos, independentemente do procedimento contra-ordenacional ou criminal que no caso couber, notifica as entidades devedoras para efectuarem o pagamento do imposto e juros compensatórios devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação, com as consequências previstas no número anterior para a falta de pagamento (art.º 108.º, n.º 2, do CIRS).

Não existe, portanto, a figura da liquidação às entidades que se apresentam como substitutos tributários e procedem à retenção na fonte de IRS em relação a rendimentos de terceiros (cfr. art. 20.º da LGT). Concluiu-se, portanto, que a AT não tinha de proceder à liquidação do IRS retido na fonte pela executada e devedora originária mas apenas notificá-la para efectuar o pagamento. Ora, a questão que na petição inicial se suscita é apenas a de que não foi notificada a liquidação à sociedade devedora originária, não que esta não recebeu a notificação para efectuar o pagamento, alegação que de resto seria contraditória com as declarações da mesma em 26-06-2009, a fls. 3 e 20 do PEF, que demonstram ter perfeito conhecimento a dívida.

A questão relativa à “inexistência de prática de actos fiscais e os “tributos lançados (…) não são impostos” (sic)”. Parece que os oponentes entendem que os tributos concretamente lançados não são impostos por não terem sido praticados “actos fiscais”, não que as normas legais em que se apoia a cobrança não permitam estabelecer uma relação tributária. Ou seja, não pretendem discutir a ilegalidade abstracta da dívida mas sim a sua legalidade concreta. Nesta perspectiva tal alegação não é fundamento de oposição (cfr. art.º 204.º, n.º 1, al. a) do CPPT).

Quanto à falta de fundamentação:

A falta de fundamentação dos actos administrativos em matéria tributária nunca é geradora de nulidade.

A fundamentação pode consistir em concordância com anteriores parece­res, informações ou propostas.

Considera-se fundamentado o acto quando se revela, para um destinatário imbuído de capacidade e sagacidade (inteligência) normais, as razões de facto e de direito que deter­minaram a decisão, de modo que esse destinatário possa reagir contra o acto, impugnando-o.

Donde, comunicado ao potencial revertido o projecto do acto de reversão, contendo a factualidade e os pressupostos legais da reversão, tem-se como fundamentado o posterior acto de reversão. Precisamente o que se passa no caso em apreço, pois que os oponentes demonstram na p.i. que apreenderam todo o circunstancialismo de facto e de direito que justificou a reversão. O que de resto também ressalta das posições assumidas em sede de audiência prévia.

Por outro lado a fundamentação de direito dos actos administrativos basta-se com a refe­rência expressa a preceitos legais, aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, situação que se verifica in casu.

Doutro passo a pretensa inconstitucionalidade alegada não está apoiada em qualquer factualidade, não passando por isso de mero flactus vocis processual.

Quanto à violação do direito de audiência prévia:

A apresentação de novos elementos em sede de audiência prévia só impõe a audição dos interessados se tais elementos levarem a Administração a alterar a posição anteriormente assumida, invertendo-a ou modificando-a. O que também não é o caso.

De resto os “elementos novos” que os recorridos dizem ter invocado não passam de uma diferente visão sobre a mesma realidade.

Quanto à violação dos princípios do inquisitório, colaboração, participação, legalidade, igualdade, pro­porcionalidade, justiça, imparcialidade e celeridade:

Nada é alegado, de um ponto de vista factual, que suporte as alegadas violações, as quais, por absoluta carência de causa de pedir neste conspecto, devem ser remetidas para o lote das improcedências manifestas. Os recorridos limitam-se a invocar generalidades e conclusões, que como é consabido entre os juristas (mas não só), não correspondem a factos. E só estes podiam traduzir os vícios invocados em realidades jurídicas. Por isso as invocadas violações não passam de um exercício forense de conversão de uma alegação em prosa articulada num acto de pura abstracção.

Por fim, quanto à questão da nulidade do despacho de reversão por não ser admissível a sua prática depois de revogado:

O despacho de reversão constitui um acto administrativo em matéria tributária, susceptível por isso de ser revogado e substituído por outro acto posterior (para mais desenvolvimentos quanto à natureza do acto de reversão remete-se para o ac. do STA de 06-06-2012, rec. n.º 0233/12).

Não está abrangido, por isso, pelos efeitos do caso julgado, que só abrange os actos jurisdicionais.

Sumariando, para concluir:

(i) O art.º 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, consagra uma presunção legal de culpa do administrador ou gerente quanto à falta de pagamento dos tributos em dívida, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.

(ii) É sobre o administrador ou gerente revertido que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.

(iii) Não alegando factos concretos que afastem essa presunção, a oposição não pode ser julgada procedente.

(iv) A expressão insuficiência de bens penhoráveis tem, no contexto do despacho de reversão, o significado de inexistência ou falta de bens que possam responder pela dívida exequenda.

(v) Não há dever de liquidação, por parte da AT, de IVA e de IRS retido na fonte.

(vi) A fundamentação pode consistir em concordância de anteriores parece­res, informações ou propostas. Considera-se fundamentado o acto quando este revela, para um destinatário imbuído de capacidade e sagacidade normais, as razões de facto e de direito que deter­minaram a decisão, de modo que esse destinatário possa reagir contra o acto, impugnando-o. É de considerar juridicamente fundamentado o acto de reversão que refere expressamente os preceitos legais aplicáveis ou os princípios jurídicos pertinentes.

(vii) A apresentação de novos elementos em sede de audiência prévia só impõe a audição dos interessados se tais elementos levarem a Administração a alterar a posição anteriormente notificada, invertendo-a ou modificando-a.

(viii) A alegada violação de princípios jurídicos deve ser substanciada em factos concretos sob pena de não proceder.

(ix) O despacho de reversão constitui um acto administrativo em matéria tributária, que além de não estar abrangido pelos efeitos do caso julgado, pode ser revogado e substituído por outro acto posterior.

Concluindo: o recurso merece parcial provimento, o que tem como consequência a revogação da sentença recorrida (na parte em que julgou procedente a oposição relativa a Joaquim Jorge Ferreira de Albuquerque), e a sua confirmação quanto ao mais.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou a oposição procedente quanto ao recorrido/oponente J……………., julgando em consequência improcedente a oposição deste oponente, e confirmando a sentença quanto ao mais.

Custas do recurso pela Fazenda Publica, por metade. Na primeira instância, custas pelo oponente J………………. e pela Fazenda Pública, na proporção de 2/3 para esta.

D.n.

Lisboa, 2014-07-10

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(Benjamim Barbosa)

_______________________________________ (Pedro Marchão)

_______________________________________ (Pereira Gameiro)


(i.) Aditado (art.º 662.º, n.º 1, do CPC)
(ii.) Aditado (art.º 662.º, n.º 1, do CPC)
(iii.) Sobre esta dificuldade veja-se J. A. SEABRA DE FIGUEIREDO, A responsabilidade dos Gerentes ou Administradores na Lei Fiscal, Vida Económica, Lisboa, 1996/97, pp. 59 e ss.