Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:240/11.7 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
LOCAÇÃO FINANCEIRA.
DEDUÇÃO.
PRO RATA.
Sumário:Não são tributáveis em IVA as indemnizações pagas pela seguradora à locadora como compensação pela perda do veículo e consequente extinção do contrato de locação financeira. No cálculo do pro rata de dedução do imposto suportado por entidade que exerce a actividade de locação financeira de veículos não deve ser incluída a parte da renda paga pelo locatário correspondente à amortização financeira do bem locado, na medida em que a disponibilização do veículo assume um valor residual no âmbito de tal actividade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
M………….B………….. F…………….Portugal – Instituição ……………….., S.A., deduziu impugnação judicial na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativo ao ano de 2004, e respetivos juros compensatórios (JC), identificados com os nºs ………..535 e nº ……………..545, respetivamente, no valor global de €38.757,21. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Secção Tributária), por sentença proferida a fls. 723 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), datada de 26/10/2021, julgou a impugnação parcialmente procedente anulando as “liquidações de IVA do exercício de 2004 e respectivos juros compensatórios na parte relativa às compensações devidas pelas perdas de veículos, mantendo as liquidações, no mais”. Desta sentença foi interposto recurso pela Fazenda Pública e pela sociedade M………….B………….. F…………….Portugal – Instituição ……………….., S.A., na parte, em que a mesma lhes foi desfavorável, conforme respetivas alegações de fls. 767 e ss. e de fls. 809 e ss. (numerações no processo, em formato digital-sitaf).
No que respeita ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a mesma expendeu as conclusões seguintes:
«(…). // II – No fundo, considerou a Sentença recorrida que, apesar de resultar provado que a Impugnante celebrou diversos contratos com os seus clientes nos quais constavam expressamente compensações devidas pela perda total de veículos, sendo as mesmas sujeitas a IVA, a verdade é que a AT não logrou provar que tais quantias foram efectivamente recebidas pela Impugnante, não existindo qualquer facto para tributar.
III – Com efeito, o presente recurso tem como escopo demonstrar a incorrecção do decidido pelo Douto Tribunal a quo, considerando-se existir erro de julgamento, dado que da prova produzida e carreada para os presentes autos, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a Sentença recorrida.
IV – Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA e centrando já as nossas atenções para o caso vertente, sempre são tributáveis em sede de IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços,
visto configurarem uma contraprestação a obter do adquirente em virtude da realização de
uma operação tributável.
V – Apenas ficando excluídas do âmbito de incidência deste imposto as indemnizações que sancionam a lesão de qualquer operação, sem carácter remuneratório e que se limitam à reparação de danos, sem que tenham subjacente qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA.
VI – O que se apurou nos presentes autos, cfr. relatório de inspecção tributária, que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, é que a Impugnante exige dos seus clientes o valor do capital não recuperado à data e das despesas incorridas ainda não debitadas, no caso da locação financeira, sendo que, na hipótese de estarmos perante um contrato de ALD, o cliente obriga-se a pagar valor igual à diferença entre o valor comercial da viatura e o seu valor contabilístico.
VII – Desta forma, tais verbas exigidas pela Impugnante aos seus clientes na sequência da perda total dos veículos, em harmonia com o disposto na cláusula 8.ª, n.º 3, alínea a) dos competentes contratos de locação financeira, ainda que formalmente designada por indemnização, é muito mais do que isso.
VIII – Independentemente de qualquer valor que haja de ser recebido pela seguradora a título de indemnização, a Impugnante faz depender os montantes a que, contratualmente, tem direito, por um lado, das eventuais dívidas existentes reportadas a períodos anteriores à resolução do contrato (as quais já haviam sido tributadas em sede de IVA), e por outro, dos montantes ainda não recuperados através das rendas vencidas até à resolução do contrato, o que se traduz no capital total em dívida naquele momento, valor residual incluído.
IX – O enquadramento deste último elemento no conceito de prestação de serviços é tão mais evidente quanto o facto de a Impugnante não se limitar a receber uma eventual indemnização paga pela seguradora, mas antes assegurar o recebimento de todas as importâncias que estavam contratualmente previstas durante a execução do contrato de locação financeira.
X – De facto, este diferencial ou acerto de contas entre a Impugnante e o locatário consubstancia, como é bom de ver, o cumprimento de duas obrigações distintas e que não se confundem: em primeiro lugar, o pagamento à Impugnante, por parte do locatário, do capital em dívida (constituído pelo somatório das rendas vincendas e o valor residual actualizado), ou, no caso de ALD, uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial da viatura e o seu valor contabilístico; em segundo lugar, há lugar à restituição ao locatário do valor da indemnização recebida da seguradora.
XI – Sendo este diferencial ou acerto de contas que é sujeito a tributação, por via do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, pois não se lhe aproveita o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do mesmo diploma legal, dado que não estão em causa quantias recebidas a título de indemnização pelo incumprimento total ou parcial do contrato.
XII – Trata-se, de facto e em termos materiais, uma compensação pelos proveitos que a Impugnante deixou de obter no decurso do prazo do contrato de locação financeira, em virtude da perda total da viatura antes do terminus do prazo e, nessa conformidade, os valores recebidos pela Impugnante consubstanciam uma contraprestação previamente definida pela resolução do contrato, a qual integra, muito cristalinamente, o conceito de prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta.
XIII – Esta é uma disciplina inequívoca e que, em nosso modesto entendimento, deve encontrar-se perfeitamente assente para todos os efeitos legais. Aliás, nem tampouco o Douto Tribunal a quo a contesta. O que vem decidido na Sentença recorrida é que a administração tributária nunca provou que a Impugnante recebeu estes valores por parte dos seus clientes e, por isso, inexiste operação tributável, não sendo devido o correspectivo imposto.
XIV – Contudo, não podemos aquiescer deste entendimento vertido na Sentença recorrida e a realidade factual impõe conclusão diversa.
XV – Em primeiro lugar, porque a administração tributária demonstrou, de forma clara e inequívoca, os pressupostos que legitimaram a sua actuação quanto às correcções operadas em sede de procedimento de inspecção tributária, é importante deixarmos claro que, nos termos do n.º1 do artigo 76.º da LGT e do n.º2 do artigo 115.º do CPPT, as informações oficiais, nas quais se integra o relatório de inspecção tributária e respectivos anexos, fazem fé pública.
XVI – Possuindo tal relatório força probatória plena quanto aos factos afirmados como praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos e apenas podendo ser ilidido nos termos previstos nos artigos 363.º e seguintes do Código Civil e 546.º e seguintes do CPC.
XVII – Sendo sempre certo, por outro lado, que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo
74.º da LGT, ó ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem o invocar e, nos termos do disposto no nº1 do artigo 75.º do mesmo diploma legal, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal…”.
XVIII – Contudo, tal presunção deixa de vigorar se tais declarações ou os respectivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.
XIX – Serve isto para dizer que, de facto, a liquidação adicional de IVA ora em crise surgiu na sequência de um contexto inspectivo em que foram detectadas várias irregularidades quanto à liquidação do imposto, competindo à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legitimadores da sua actuação. Note-se que foram explanadas as razões pelas quais se considerou existir falta de liquidação do IVA devido, cfr. pág. 11 e 12 do relatório de inspecção anexo, e também foram perfeitamente exibidos os contratos que titulavam tais operações económicas, cfr. anexo n.º 4 do relatório de inspecção tributária, aí se qualificando e quantificando devidamente o facto tributário em apreço.
XX – De facto, contrariamente ao que alega o Douto Tribunal a quo, a administração tributária fez a prova que lhe competia acerca da falta de liquidação do tributo, cumprindo, in totum, com o ónus que sobre si impendia por força do disposto no n.º1 do artigo 74.º da LGT. Note-se, aqui, que não é necessária que tal demonstração seja feita de forma absolutamente directa, absolutamente inequívoca e contundente, antes se basta pela
existência de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”, cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, p. 154).
XXI – O que faz cessar a presunção da veracidade declarativa constante do n.º 1 do artigo
75.º da LGT, competindo à Impugnante, nesta consequência, provar que os factos tributários foram qualificados e quantificados em harmonia com o que se encontra disposto no Código do IVA, o que a mesma nunca logrou fazer. Sibi imputet.
XXII – Ou seja, uma vez feita essa demonstração pela administração tributária, como efectivamente sucedeu no caso em apreço, era sobre a Impugnante que impendia o ónus de provar que as operações que praticou em sede de IVA se encontravam conformes o disposto na lei fiscal. Ora, no caso em apreço, a Impugnante nunca veio demonstrar que não percepcionou as quantias devidas pela aplicação da cláusula 8.ª, n.º 3, alínea a) dos competentes contratos de locação financeira, o que deve ser inteiramente valorado contra si em juízo.
XXIII – Acresce que nunca se vislumbrou, em qualquer momento processual, que a Impugnante tenha renunciado aos direitos que lhe assistem por força do clausulado no artigo 8.ª, n.º 3, alínea a) dos contratos de locação financeira a que alude o anexo 4 do relatório de inspecção tributária, o que a suceder, em nosso modesto entendimento, sempre teria que revestir a forma escrita, dado que o contrato original assim também foi elaborado, pelo que tal renúncia não poderia revestir forma menos solene, cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
XXIV – Em suma, e citando aqui o entendimento vertido no Acórdão do TCA Norte de 26-02-215, proc. n.º 00118/2002.TFPRT.32, “as informações oficiais, em que se integra o relatório de inspecção e respectivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas (artigos 76º, nº 1 da LGT e 115º, nº 2 do CPPT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força das normas do artigo 76º, nº 1 da LGT e do artigo 115º, nº 2 do CPPT, a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal”.
XXV – Portanto, deve ter-se por devidamente assente, para todos os efeitos legais, que foram recebidos pela Impugnante os montantes titulados através dos contratos constantes do anexo 4 do relatório de inspecção, contrariamente ao que foi postulado na Sentença recorrida.
XXVI – E, nessa conformidade, consistindo os juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT e no n.º1 do artigo 96.º do Código do IVA, uma reparação, visando indemnizar o Estado pela perda de disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ser e, como tal, dependem do retardamento da liquidação, mostram-se também os mesmos devidos em face da improcedência do presente segmento da impugnação judicial.
XXVII – Com o devido e muito respeito, atenta a prova documental produzida, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
X
A Impugnante, M………….B………….. F…………….Portugal – Instituição ……………….., S.A., na qualidade de recorrida, contra-alegou conforme seguidamente expendido:
«i) (…) // ii) Analisadas as alegações de recurso da Recorrente verifica-se, em síntese, que a mesma vem sustentar que o diferencial ou acerto de contas entre a Recorrida e o locatário está sujeito a tributação em sede de IVA, por via do disposto no n.º 1, do artigo 4.º do CIVA, pois, não se lhe aproveita o disposto na alínea a), do n.º 6, do artigo 16.º do mesmo diploma legal, dado que não estão em causa quantias recebidas a título de indemnização pelo incumprimento total ou parcial do contrato.
iii) No entanto, confrontada com a absoluta falta de prova de que a Recorrida havia percecionado, no ano de 2004, o deferencial dos locatários, a Recorrente limita-se a invocar que não competia à Administração Tributária fazer essa prova, mas antes à Recorrente demonstrar que não havia recebido qualquer valor.
iv) Na cláusula 8º, n.º 3, al. a) das condições gerais do contrato de locação financeira prevê-se “em caso de perda total, o presente contrato ter-se-á por caducado, tendo o locador direito de exigir do locatário o montante correspondente à soma de todas as rendas vencidas e não pagas e respetivos juros, do valor do capital ainda não recuperado e de todas as quantias em dívida pelo locatário.” (facto não controvertido)” (cfr. pág. 5 da sentença).
v) Sendo que na matéria de facto dada como não provada pela sentença recorrida e que se revela imprescindível para a boa decisão da causa resulta que: “a) Não ficou provado que que no exercício de 2004 a impugnante tenha recebido compensações dos locatários decorrentes da perda total dos veículos.” (cfr. pág.18 da sentença).
vi) Ficou, pois, demonstrado, em primeira instância, que a ora Recorrida, no exercício da sua atividade, celebra contratos de locação financeira (leasing) e de ALD tendo por objeto os veículos automóveis de que é proprietária. Nestes dois contratos prevê-se a cessação na hipótese de perda total do veículo e permitem à locadora (Recorrida) exigir aos locatários o capital vencido que se encontre em dívida à data da cessação do contrato, bem como os respetivos juros no caso da locação financeira.
vii) Ou seja, conforme demonstrado em primeira instância, a ora Recorrida (locadora) tem um mero direito ou faculdade – e não um dever – de exigir ao locatário, em caso de perda total do bem, uma quantia a título de compensação. Também nos contratos de ALD está prevista a resolução e a possibilidade de ser exigida ao locatário uma compensação correspondente à diferença entre o valor comercial e o valor contabilístico do bem.
viii) Acontece, porém, que, na prática, e como resulta da cláusula 8º, n.º 3, al. a) das condições gerais do contrato de locação financeira, a Recorrida não exige simplesmente o pagamento dessas compensações aos clientes na sequência da perda dos veículos, uma vez que os veículos entregues aos locatários são todos segurados, pelo que na hipótese de ocorrer perda total é entregue à Recorrida, na qualidade de beneficiária do seguro, uma quantia a título de compensação pelos prejuízos decorrentes do desaparecimento da esfera patrimonial da Recorrida de um bem do qual é legítima proprietária.
ix) Assim sendo, e como ficou demonstrado em primeira instância, o procedimento normal da Recorrida é confrontar o montante recebido da seguradora com o designado “valor de finalização” dos contratos, i.e., com as quantias contratualmente previstas como forma de compensar o proprietário dos veículos (a Recorrida) pelo dano sofrido na sua esfera jurídica em consequência da sua perda. Poderá, pois, dizer-se que estamos perante um encontro de contas entre locador e locatário.
x) Ficou demonstrado em primeira instância que quando o dano provocado à proprietária dos veículos (locadora) é integralmente reparado pela quantia recebida da seguradora, nenhuma razão há para exigir o pagamento de uma compensação ao locatário e foi isso mesmo que aconteceu em 2004.
xi) Ou seja, naquele ano, a Recorrida não recebeu - conforme reconhece a sentença recorrida ao integrar nos factos dados como não provados e não foi em momento algum colocado em causa pela Administração Tributária no Relatório de Inspeção Tributária contrariamente ao que alega a Recorrente - dos locatários qualquer quantia em decorrência da cessação dos contratos de leasing ou ALD por perda total dos veículos porque os valores pagos pela companhia seguradora permitiram sempre cobrir todos os danos.
xii) Aliás, esta mesma informação foi transmitida pela Recorrida à Administração Tributária ainda em sede de audição prévia ao projeto de relatório final da inspeção.
xiii) Quer isto dizer que, não tendo a Recorrida recebido dos seus clientes qualquer montante a título de indemnização durante o ano de 2004, a discussão acerca da eventual incidência de IVA sobre esses valores carece em absoluto de sentido.
xiv) Mais: no Relatório de Inspeção não resulta qualquer evidência por parte da Administração Tributária de que a ora Recorrida tivesse recebido quaisquer valores por parte dos locatários.
xv) Aliás, a Recorrente limita-se, agora, a fazer um exercício abstrato ao invocar que se a Recorrida tivesse recebido esses valores dos locatários, os mesmos estariam sujeitos a IVA. Acontece, porém, que nenhuma evidência desse facto foi traduzido para o Relatório de Inspeção Tributária, o qual naturalmente cristaliza os fundamentos e prova para que a Administração Tributária possa promover correções.
xvi) Assim sendo, não tendo sido trazido qualquer evidência desse facto, como bem fez notar a sentença recorrida, é evidente a total improcedência da argumentação da Recorrente. Aliás, como esclarece a jurisprudência dos tribunais superiores, recai sobre a Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos da sua atuação (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 23 de novembro de 2017, no processo n.º 00911/07.2 BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
xvii) Bem concluiu, pois, a sentença recorrida ao concluir que a Administração Tributária não logrou produzir qualquer prova de que a ora Recorrida tivesse recebido quaisquer valores dos locatários, razão pela qual improcedem, em absoluto, as alegações da Recorrente.
xviii) Conclui-se, pois, que ao tributar uma operação inexistente, a Administração Tributária, aqui Recorrida, violou as mais elementares regras de direito e a lógica do IVA, pois se não há ato oneroso, não há lugar à tributação (cfr., entre outros, os artigos 1.º, n.º 1, 3.º, 4.º e 5.º do CIVA, o artigo 2.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, e o artigo 2.º da Diretiva 77/388/CE do Conselho). Essa circunstância é por si só suficiente para demonstrar, e de forma inequívoca, que as liquidações efetuadas padecem de uma gritante ilegalidade, pelo que bem andou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ao concluir que, nesta parte, deveria ser dado provimento à impugnação judicial.
xix) Acresce referir que é unânime que o IVA é um imposto indireto, plurifásico, neutro e que incide, em regra, sobre todas as operações económicas efetuadas a título oneroso tais como as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.
xx) No que concerne às prestações de serviços, é consabido que constitui um conceito residual para efeitos de IVA de forma a abranger qualquer transação realizada a título oneroso que não se enquadre em nenhuma das outras operações tributáveis (cfr. o artigo 24.º, n.º 1 da Diretiva 2006/112/CE e o artigo 4.º, n.º 1 do CIVA).
xxi) O que não significa, porém, que o conceito assume uma latitude tal que enquadra toda e qualquer operação.
xxii) Certamente em razão dessa natureza específica – ser um tributo sobre o consumo – não há menção expressa às indemnizações na legislação comunitária que está na génese do IVA.
xxiii) A indemnização, em traços gerais, não constitui um acto de consumo com carácter oneroso mas antes uma sanção destinada à reparação de um dano, razão pela qual esclarece a doutrina que as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA.
xxiv) É, aliás, este também o entendimento da Administração Tributária veiculada através da Informação Vinculativa emitida no processo n.º1090 2002007 e publicada em www.portaldasfinancas.gov.pt, cfr. ainda o Acórdão do STA de 18.06.2008, proc. n.º 01144/06, em www.dgsi.pt).
xxv) Em síntese, a regra é a de que as puras indemnizações – aquelas que se destinam à reparação de um dano, tais como as recebidas pela ora Recorrida das seguradoras – não constituem atos onerosos ou de consumo e, por conseguinte, não são tributáveis em IVA.
xxvi) O facto de o legislador nacional, contrariamente ao comunitário, ter previsto expressamente que são excluídas da base tributável as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente por incumprimento total ou parcial de obrigações (cfr. al. a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA) não significa que todas as outras indemnizações sejam tributáveis em IVA.
xxvii) No caso concreto, porém, os montantes devidos pelos locatários dos veículos a título de compensação pela perda total dos mesmos não podem considerar-se tributáveis em IVA e muito menos uma tentativa de dissimulação de operações sujeitas a imposto. As penalizações contratualmente previstas têm em vista sancionar uma conduta e reparar um dano provocado na esfera do seu credor (a Recorrida), não constituindo contrapartida dos contratos de locação financeira ou ALD - estas sim operações tributáveis.
xxviii) Com efeito, o que motiva a exigência aos locatários das penalizações – sendo que esta exigência é facultativa - é um facto exterior e independente – a perda do veículo – que em nada tange com a operação tributável (a locação financeira ou o ALD).
xxix) Todavia, a Administração Tributária entende que as quantias que a Recorrida pode exigir aos locatários - e que in casu não exigiu, não fazendo a Recorrente prova do contrário, como lhe competia - a título de indemnização pela perda total dos bens consubstanciam contraprestações previamente definidas pela resolução dos contratos de leasing e ALD e estão assim sujeitas a IVA.
xxx) Mas não se pode concordar com esse entendimento porque este entendimento sempre ignorou um dado de facto absolutamente essencial e diversas vezes repetido pela ora Recorrida, que é não ter cobrado aos seus clientes locatários essas quantias.
xxxi) Essa é, aliás, a questão essencial e que foi colocada em evidência na sentença recorrida que integrou nos factos não provados que: “Não ficou provado que no exercício de 2004 a impugnante tenha recebido compensações dos locatários decorrentes da perda total dos veículos.” (cfr. pág. 18 da sentença recorrida).
xxxii) Por outro lado, a exigibilidade dessa indemnização é posterior ao contrato – que se considera resolvido com a perda do seu objeto como já foi referido – e não está por isso ligada à prestação tributável – o pagamento das rendas como contrapartida da cedência do gozo do bem pelo proprietário.
xxxiii) Por outras palavras, o possível recebimento dessa quantia pelo locador não constitui contrapartida do que quer que seja, nem um acto de consumo para efeitos de incidência do IVA, sendo antes uma autêntica compensação.
xxxiv) A verdade é que, conforme referimos, esse montante não constitui contrapartida de nada porque o contrato cessa com a perda total do bem por inexistência do objeto, do que se conclui que já não existe operação sujeita a IVA.
xxxv) Em bom rigor, a Recorrida poderia ter calculado esse valor de finalização com recurso a uma outra qualquer fórmula – v.g. uma quantia fixa a pagar pelo locatário na sequência da perda do bem – em detrimento daquela que consta da cláusula 8.ª dos contratos. Mas não foi isso que fez, tendo preferido fixar previamente o valor do dano sofrido fazendo este corresponder aos valores em dívida à data da cessação do contrato.
xxxvi) Isso não é, porém, o mesmo que dizer – como faz a Administração Fiscal – que a Recorrida vem exigir aos clientes quantias tributáveis em IVA sob a capa de indemnizações.
xxxvii) Não existe qualquer operação tributável subjacente ao pagamento da indemnização porque o objeto do contrato de locação financeira / ALD deixa de existir e este se extingue, sendo que a exigência da indemnização resulta de um facto exógeno ao contrato.
xxxviii) E a verdade é que esses montantes não foram, em 2004, e conforme demonstrado, exigidos aos clientes porque o valor pago pela seguradora permitiu cobrir integralmente os danos sofridos pela Recorrida.
xxxix) Concluindo, os montantes que podem ser debitados aos locatários visam apenas compensar a Recorrida pelo prejuízo em que se traduz a perda dos veículos de que é proprietária e o facto de poderem incluir rendas em dívida e o capital não recuperado – pelas rendas – não altera, de per si, a sua natureza ressarcitória.
xl) Conclui-se, pois, acompanhando a douta sentença recorrida, que as liquidações adicionais impugnadas são manifestamente ilegais, porquanto incidem sobre operações que, para além de não se enquadrarem em nenhuma das disposições legais que prevêem a incidência objetiva do IVA, nunca se realizaram.
xli) Aliás, o entendimento da Recorrida tem, como bem sublinha a douta sentença recorrida, respaldo na recente jurisprudência do STA (cfr. acórdão proferido, em 22 de maio de 2021, pelo STA no processo n.º02433/11.8 BELRS, disponível em www.dgsi.pt).
xlii) Não restam, pois, quaisquer dúvidas quanto à improcedência do recurso interposto pela Fazenda Pública relativamente à sentença na parte em que julgou a sentença proferida, na medida em que a Recorrente não logrou produzir qualquer prova que colocasse em causa a correta apreciação e julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação judicial.
X
No que concerne ao recurso interposto pela impugnante, ora recorrente, a sociedade M………….B………….. F…………….Portugal – Instituição ……………….., S.A., formulou as conclusões seguintes:
«i) A Recorrente interpôs o presente Recurso contra a sentença proferida, em 26 de outubro de 2021, no âmbito do processo de Impugnação Judicial que correu os seus termos, sob o n.º 240/11.7 BESNT, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que a douta sentença julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, contra as liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2004 e respetivas liquidações de Juros Compensatórios;
ii) No caso vertente, e no que respeita ao método pro rata o Tribunal concluiu, acompanhando o entendimento da Administração Tributária, e suportada em jurisprudência do TJUE e do STA que a fração das rendas respeitante ao capital não poderia ser levada em conta no cálculo da percentagem de dedução do IVA por se tratar de uma operação abrangida pelo método de dedução da afetação real. É esse entendimento que justifica, pelo menos para o Fisco, uma redução do pro rata apurado pela Recorrente em 2004 de 99% para 82%;
iii) Acontece, porém, que este entendimento da Administração Tributária, e que encontrou acolhimento na sentença recorrida, resulta de um erro e não encontra apoio em qualquer norma, sendo por isso flagrantemente ilegal;
iv) Conforme já mencionado na petição inicial e não colocado em causa na sentença recorrida, a ora Recorrente é um sujeito passivo misto para efeitos de dedução do IVA, i.e., realiza simultaneamente operações tributáveis que conferem direito à dedução e operações isentas ou não sujeitas que não conferem esse direito;
v) O que significa que o sujeito passivo misto dispõe assim de dois métodos distintos para apurar o montante do imposto dedutível, o método da afetação real e o método da percentagem ou pro rata, não se encontrando, por força da lei, obrigado a aplicar qualquer um deles (cfr. artigo 23.º, n.º2 e 3 do CIVA);
vi) Com efeito, e “porque no caso das empresas mistas poderão surgir situações em que os bens e serviços adquiridos podem ser utilizados para efectuar, indistintamente, operações tributadas com direito à dedução e operações isentas que não conferem o direito à dedução, a utilização do método da afectação real decorre de uma opção que é conferida aos sujeitos passivos não tendo portanto carácter obrigatório (art.º23.º, n.º2)” (“IVA Manual de Apoio”, p. 78, publicado pelo Instituto de Formação Tributária/Administração Geral Tributária, 2001);
vii) A Recorrente optou pelo método da percentagem de dedução face à diferente natureza das atividades e calculou, para o ano de 2004, uma percentagem de dedução (pro rata definitivo) de 99%;
viii) A lei em vigor à data dos factos - o n.º4 do artigo 23.º do CIVA antes das alterações introduzidas pela Lei n.º67-A/2007, de 31 de Dezembro - determinava que o pro rata era obtido pelo quociente entre o montante anual das transmissões de bens e prestações de serviços que conferissem direito à dedução, IVA excluído, e o montante anual de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, imposto excluído, mesmo que não se encontrassem ligadas ao exercício de uma atividade económica;
ix) Contudo, a Administração Tributária, secundada agora pela sentença recorrida, vem defender que, no que respeita aos custos comuns – i.e. os custos utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas – a aplicação do método da percentagem originou “distorções no direito à dedução, uma vez que a percentagem obtida não traduz em termos operacionais a substância económica das actividades”;
x) Essas supostas distorções decorreriam do facto de, no que ao leasing e ALD respeita, apenas os juros representarem valor acrescentado para a locadora, sendo a parcela de capital das rendas um custo diretamente relacionado à aquisição dos bens e por isso integralmente dedutível pelo método da afetação real;
xi) Acontece que a Administração Tributária não demonstra, como lhe competia, que a atuação da Recorrente viola a lei e causa uma distorção significativa na tributação;
xii) Com efeito, a sentença recorrida limita-se a referir após transcrever o acórdão do TJUE que a jurisprudência do STA pode determinar uma alteração do pro rata determinado pelos contribuintes, o que naturalmente em nada coloca em causa a correta determinação do pro rata por parte da Recorrente. A questão colocava-se evidentemente em saber se, em concreto, e não em abstrato, haveria fundamento para aquela correção, prova essa que não foi produzida pela Administração Tributária, nem resulta da matéria de facto dada como provada;
xiii) No caso concreto, a renda da locação financeira e também no ALD é composta por uma parcela de capital, calculada com base na divisão do valor do bem pelo período de duração do contrato, e por outra de juros e outros proveitos que constituem a remuneração do locador;
xiv) O método da afetação real foi utilizado pela Recorrente para deduzir o IVA suportado na aquisição dos veículos, uma vez que a aquisição, evidentemente, tem uma ligação direta com operações tributáveis que conferem direito à dedução (locação financeira ou ALD);
xv) No que toca à restante atividade, o método que se afigura mais adequado é o da percentagem (pro rata) e era este o utilizado pela Recorrente à data dos factos, até mesmo porque nada a obrigava a adotar um método diverso;
xvi) Se o valor tributável para efeitos de IVA é a renda no seu todo, sendo por isso desnecessária a sua discriminação em capital e juros, o mesmo deve valer para o cálculo da percentagem de dedução;
xvii) A dinâmica do IVA impõe, como demonstrado, que o imposto incida sobre o valor acrescentado para o sujeito passivo resultante da operação tributável, sendo este valor, no que concerne à locação, constituído pela renda na sua totalidade, pelo que carece em absoluto de sentido alegar que só os juros constituem valor acrescentado;
xviii) Também não se vislumbra qualquer norma que obrigue o sujeito passivo a excluir a componente de capital da fórmula do pro rata, nem a aplicar o método da afetação real a essa parte da renda;
xix) Mas mais: o Ofício-Circulado 30108 da Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-Geral, de 30.01.2009, vincula exclusivamente a Administração Tributária e, em todo o caso, não tem aplicação a factos ocorridos anteriormente, como acontece no caso vertente;
xx) Certo é que só em casos excecionais como as atividades de locação e/ou venda de imóveis ou se verificassem distorções significativas na tributação como resultado da aplicação do método pro rata a lei obrigava à dedução pelo método da afetação real;
xxi) No presente caso, nunca se demonstrou – porque não existiram – distorções na tributação, limitando-se a Administração Tributária a aludir a tais distorções como se fossem um dado adquirido (o que fez também a sentença que não concretizou em momento algum essa distorção), mesmo sem o amparo da lei ou de factos concretos:
xxii) Com efeito, a utilização do método da percentagem (pro rata) pela Recorrida no exercício de 2004, incluindo na respetiva fórmula a totalidade das rendas auferidas como contrapartidas de locações financeiras e ALD, não contrariou qualquer disposição legal e foi, por isso, lícita. Daí não resultou qualquer vantagem ilícita para a Recorrida, nem um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA, aliás nunca provado pela Administração Tributária;
xxiii) Deverá, pois, concluir-se ser infundado o afastamento do método pro rata nos termos apurados pela Administração Tributária, sendo que a sentença efetuou uma errada interpretação dos factos dados como provados e aplicação do direito, pelo que deverá ser revogada e substituída por acórdão que aplique o direito aos factos dados como provados à luz das normas e princípios aplicáveis;
xxiv) De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 35.º da LGT, os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto;
xxv) A doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que os juros compensatórios “têm a natureza de uma reparação civil e por isso e, por isso, dependem do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)” (Acórdão do STA de 16.12.2010, proc. n.º0587/10, in www.dgsi.pt). “Nesse contexto, e em face do preceituado nos artigos 35º da LGT e 89º do CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte”;
xxvi) No presente caso, não se demonstra que qualquer atraso na liquidação do imposto se tenha devido a uma atuação culposa – leia-se dolosa ou negligente – por parte da Recorrente;
xxvii) Com efeito, a sua atuação encontra, conforme demonstrado, respaldo nas regras do CIVA, o que afasta qualquer responsabilidade, mesmo a título de negligência que determine a liquidação de juros compensatórios, mesmo por referência às liquidações de IVA referentes ao pro rata;
xxviii) Como ficou demonstrado supra, a posição da Administração Tributária assenta em erróneos pressupostos de facto e de direito, do que se extrai que não há juízo de censura possível à sua conduta. Em síntese, também a liquidação dos juros compensatórios é ilegal por não respeitar os pressupostos contidos no artigo 35.º, n.º 1 da LGT, devendo ser anulada.»
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Não há registo de contra-alegações.
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A Digna Magistrada do MP junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no qual apreciando o recurso interposto pela Fazenda Pública, defende que o mesmo não merece ser provido.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: «
1) A Impugnante tem como actividade principal qualquer actividade permitida aos bancos, com excepção da recepção de depósitos (cfr. doc. de fls. 39 do doc. de fls. 484 do SITAF e admitido);
2) Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo misto (facto que resulta do doc. de fls. 33 a 57 do doc. de fls. 484 do SITAF e não controvertido);
3) Na cláusula 8º, nº 3, al. a) das condições gerais do contrato de locação financeira prevê-se “em caso de perda total, o presente contrato ter-se-á por caducado, tendo o locador direito de exigir do locatário o montante correspondente à soma de todas as rendas vencidas e não pagas e respectivos juros, do valor do capital ainda não recuperado e de todas as quantias em dívida pelo locatário” (facto não controvertido);
4) A impugnante foi sujeita a uma acçao inspectiva (facto que se retira do doc. de fls. 33 a 57 do doc. de fls. 484 do SITAF);
5) No âmbito da acção inspectiva foi elaborado em 27/02/2007 um relatório inspectivo do qual consta, com interesse para os presentes autos, o seguinte:
«Texto no original»
(…)
«Texto no original»
(…)
« Texto no original»
(…)
«Texto no original»
(…)” (cfr. doc. de fls. 33 a 57 do doc. de fls. 484 do SITAF);
6) Por despacho de 27/02/2007, da Chefe de Divisão M ……………………….., por delegação de competências, foi sancionado o relatório inspectivo identificado no ponto antecedente (cfr. doc. de fls. 33 do doc. de fls. 484 do SITAF);
7) Em data que não se consegue concretizar, mas durante o mês de Maio de 2007 e com data limite de pagamento de 31/07/2007, foram efectuadas as liquidações de IVA referentes aos períodos 07/2004, 08/2004, 09/2004, 10/2004, 11/2004 e 12/2004 assinadas pelo Subdirector Geral F ……………………… em 24/05/2008 (cfr. doc. de fls. 20, 22, 24, 26, 28 e 30 do doc. de fls. 484 do SITAF);
8) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foram efectuadas as liquidações de juros compensatório referentes aos períodos 07/2004, 08/2004, 09/2004, 10/2004, 11/2004 e 12/2004 assinadas pelo Subdirector Geral F ………………… em 13/05/2008, (cfr. doc. de fls. 21, 23, 25, 27, 29 e 31 do doc. de fls. 484 do SITAF);
9) Em 28/11/2007 a impugnante reclamou graciosamente das liquidações identificadas nos pontos anteriores (cfr. doc. de fls. 2 a 19 do doc. de fls. 484 do SITAF);
10) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 06/01/2010 (cfr. doc. de fls. 104 do doc. de fls. 484 do SITAF);
11) A impugnante recorreu hierarquicamente do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. de fls.31 a 40 do doc. de fls. 596 do SITAF);
12) O recurso hierárquico melhor identificado no ponto anterior foi indeferido por despacho do SubDirector-Geral de 11/11/2010 (cfr. doc. de fls. 4 do doc. de fls. 596 do SITAF).»
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«III.B – Factos Não Provados // a) Não ficou provado que no exercício de 2004 a impugnante tenha recebido compensações dos locatários decorrentes da perda total dos veículos.//Não existem outros factos provados com relevância para a decisão da causa.»
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«MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO // Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.// Quanto à matéria de facto não provada, em nenhum momento, a AT provou que a impugnante no exercício de 2004 tenha recebido dos locatários quantias referentes a compensações por perda total de veículos.//De facto, não obstante no relatório inspectivo a AT teça comentários à cerca dos alegados valores que a impugnante receberia no caso de existir perda total de veículos e de, em face da indemnização do seguros não ser suficiente para cobrir as rendas e o valor residual em causa, nunca provou ou alegou concretamente em que situações isso ocorreu no exercício de 2004.»
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A fim de garantir a inteligibilidade dos pontos “11.3. Outras Situações”, “III.2.1. (Falta de liquidação do imposto em contratos)” e “III.2.2. (Dedução indevida por diferente cálculo do pro rata)”, do relatório inspectivo, constantes do ponto 5. do probatório, reproduzem-se os mesmos, correspondendo, respectivamente, às alíneas a), b) e c), imediatamente infra:
a) «11.3. Outras Situações
Caracterização da Empresa
A empresa foi constituída em 2004, com início de actividade a 24 de Maio desse ano, sob a forma de instituição financeira de crédito, abreviadamente designada por ÍFIC, consagrada no Decreto-Lei n.º 186/2002, de 21 de Agosto. Em Julho do mesmo ano, houve uma entrada de activos, por parte da M………….B………….. C….. - E………………….., SA - Sucursal em Portugal, contribuinte n.º ……….
Caracterização da Actividade
O objecto social da empresa centra-se no exercício de qualquer actividade permitida aos bancos (designadamente leasing e crédito ao consumo, sendo também permitida o desenvolvimento das actividades inerentes às sociedades de locação financeira, sociedades de factoring e sociedades financeiras para aquisições a crédito), com excepção da recepção de depósitos. O regime jurídico aplicável a este tipo de sociedade encontra-se regulamentado no Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, alterado e republicado peto Decreto - Lei n.º 201/2002, de 26 de Setembro.
Enquadramento fiscal
Nos termos da lei fiscal, a empresa encontra-se sujeita ao regime geral do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) de harmonia com os artigos 1.º, 2.º e 3.º do código do IRC (CIRC), tendo apresentado no exercício de 2004 um lucro contabilístico de € 261.240,21 e um lucro tributável de € 309.967,90.
Encontra-se sujeita a imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em conformidade com os artigos 1.º, 2.º e 4.º do Código do IVA (CIVA). O tipo de operações realizadas pela empresa é misto, encontrando-se enquadrada no regime normal mensal, com direito de dedução parcial do IVA suportado (pro rata) em conformidade com os art.os 40.º e 23.º do CIVA, respectivamente, com um pro rata definitivo de 99%. Existe a aplicação do método da afectação real para a actividade de locação financeira (leasing).
É também sujeito passivo de Imposto do Selo, pelo artigo 2.º do respectivo código, como entidade concedente do crédito».
b) «111.2.1. Falta de liquidação de IVA em contratos
€ 18.245,69 (n.º 1 do art.º 4º, alínea h) do n.º 2 e alínea a) do n.º 6 do art.º 16º, ambos do CIVA)
No âmbito do exercício normal da actividade da empresa, existiram veículos sobre os quais se deu a perda total de bens, designadamente veículos em locação financeira.
Nos veículos objecto de locação financeira está previsto contratualmente que, em caso de ocorrência de perda total do bem, o contrato é resolvido, sendo o locatário obrigado a pagar, para além de outros montantes, o capital em dívida nessa data; em ALD também está prevista contratualmente a resolução do contrato, em que o cliente se obriga a pagar uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico.
Em ambos os casos, o objecto do contrato é segurado a favor do locatário, mas autorizando à locadora a receber a indemnização atribuída pela seguradora, ou então como credora hipotecária a locadora exige que lhe seja enviado o respectivo meio de pagamento, em caso de perda total do bem. Após o recebimento da indemnização paga pela companhia de seguros, a locadora faz o encontro de contas com o locatário, restituindo ou exigindo a diferença, caso o valor da indemnização recebida seja respectivamente superior ou inferior ao valor obtido conforme acima mencionado. O IVA somente é liquidado neste último caso, consistindo essa diferença a sua base tributável. Fica, desse modo, diminuída a base tributável, exactamente no montante correspondente ao valor da indemnização paga pela seguradora.
O valor da indemnização pago pela seguradora não é o que a locadora exige ao locatário. Assim sendo, o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia, em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, sendo uma o pagamento à locadora, por parte do locatário, do capital em dívida nessa data (o somatório das rendas vincendas e o valor residual actualizados) ou de uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico, e a outra a restituição pela locadora ao locatário do valor da indemnização recebida da seguradora.
Na locação financeira, o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativo ao capital em dívida nessa data, actualizado ao momento da perda total do bem, é sujeito a IVA, uma vez que configura uma prestação de serviços, de acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do CIVA; no aluguer de longa duração, a indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico, devido à perda total do bem, configura a compensação de proveitos que deixaram de ser obtidos, pelo que o seu pagamento deverá entender-se como contraprestação de operação sujeita a imposto.
De acordo com a alínea a) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA são excluídas do valor tributável "...as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”, permitindo concluir “a contrário sensu" que as indemnizações desta natureza, quando não declaradas judicialmente, se encontram sujeitas a IVA.
Quanto ao valor relativo à indemnização recebida da seguradora, por parte da locadora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA.
O imposto em falta, de harmonia com o n.º 1 do art.º 4.º do CIVA e a alínea h) do n.º 2 e alínea a) do n.º 6, ambas do art.º 16.º do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade, é de € 18.245,69, conforme se discrimina por valor e período de imposto no anexo n.º 4».
c) «Ill.2.2. Dedução indevida por diferente cálculo do pro rata
€ 17.241,95 (n.º 1 e n.º 4 do art.º 23º do CIVA)
A empresa é uma sociedade comercial, cujo objecto social tem como actividade principal a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, nos termos da legislação aplicável, cujas operações estão sujeitas a IVA, e dela não isentas, nos termos da alínea a) do número 1 do art.º 1.º do CIVA.
Nos termos dos art.os 19.º e 20.º do Cl VA, a realização destas operações confere à empresa a possibilidade de deduzir o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos.
Como já referido, a empresa encontra-se sujeita a imposto sobre o valor acrescentado, em conformidade com os art.os 1.º, 2.º e 4.º do respectivo código, e está para o efeito enquadrada no regime normal mensal, desenvolvendo no âmbito da actividade financeira determinadas operações tributadas em sede de IVA e, bem assim, operações isentas e operações não sujeitas que conferem direito â dedução do imposto incorrido para a realização das mesmas, utilizando para efeitos do exercício do direito à dedução, a percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.
O método de percentagem de dedução ou prorata, é assim utilizado, complementarmente, nas denominadas despesas gerais ou comuns, tendo a empresa, numa fase inicial, calculado para o exercício de 2004 um prorata provisório de 98% e um pro rata definitivo de 99%.
O número 1 do art.º 19.º do CIVA define o âmbito do imposto que pode ser objecto de dedução e que, regra geral, corresponde a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo, em bens e serviços por si adquiridos.
Por sua vez, o número 1 do art.º 20.º do CIVA, limita a dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo aos bens e serviços adquiridos, desde que tenham como finalidade a realização das operações referidas nas alíneas a) e b) do referido número 1.
Refere o número 1 do art.º 23.º do CIVA que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte dos quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução”.
Esta regra geral, conhecida por método da percentagem de dedução ou pro rata, poderá ser afastada por aplicação, nos termos dos números 2 e 3 do mesmo art.º 23.º, do chamado método de afectação real, que consiste na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens destinados a actividades que dêem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.
A razão de escolha do método de percentagem de dedução ou pro rata, como regra geral na limitação do direito à dedução, prende-se com o facto de ser muitas vezes impraticável efectuar uma separação real dos inputs comuns.
Assim, sendo impraticável exercer o direito à dedução do IVA incorrido nos custos comuns com o recurso ao método da afectação real, a empresa utilizou o método da percentagem de dedução ou pro rata.
O número 4 do art.º 23.º do CIVA refere que “A percentagem de dedução referida no nº 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19º e n.º 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento. ”
No conceito de operações cabem todas as que são efectuadas pelo sujeito passivo, independentemente de resultarem duma acção normal ou ocasional, encontrando-se excluídas apenas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizados na actividade da empresa e as operações imobiliárias e financeiras que tenham carácter acessório, nos termos do n.º 5 do artº 23.º.
Uma vez conseguida a perfeita separação de cada um dos tipos de operações praticadas pela empresa, as que conferem e as que não conferem direito à dedução, a utilização do método de afectação real não levanta problemas.
De qualquer modo, tem de se admitir que existem sempre despesas comuns e que haja impossibilidade prática de determinar a que actividades dizem respeito. Nestes casos, o imposto suportado deverá ser deduzido segundo o método da percentagem de dedução ou prorata.
A questão que entretanto se coloca, relaciona-se com o modo de obter o valor da percentagem a utilizar com o método entretanto adoptado, ou seja, mais concretamente com os valores a utilizar no numerador e no denominador da fracção, conforme os números 4 e 5 do art.º 23.º do CIVA.
As operações resultantes de um contrato de locação financeira representam um tipo de operação, de entre vários, praticados pela empresa, sendo aquela em que se coloca a questão de saber se se deve considerar na respectiva fracção os juros e respectivo capital, ou somente os juros.
Para este tipo de operação, determina a alínea h) do n.º 2 do art.º 16.º do CIVA que o valor tributável é o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
A renda, no âmbito dos contratos de locação financeira, decompõe-se em amortização financeira e juros ou outros proveitos. Esta componente amortização financeira corresponde à divisão do valor do bem (capital) pelo período do contrato, sendo que o imposto na aquisição é totalmente dedutível, segundo a regra de dedução da afectação real.
A componentes juros e outros proveitos, que também compõem a renda, corresponde ao valor acrescentado pela entidade financeira e é registado nas respectivas contas de proveitos.
Há ainda que admitir que a referida actividade, sendo tributada, utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns).
A questão coloca-se, pois, ao nível da dedução do imposto contido nesses custos comuns e de qual o critério a utilizar para a sua dedução.
Na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo poderia ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.
No entanto, no cálculo da referida proporção apenas deverá entrar o valor que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, já que através da aplicação do método de afectação real os custos específicos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível.
Com efeito, será apenas aquele valor que se encontra em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas. A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito a dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
Pelo que antecede, no cálculo da percentagem de dedução ou prorata, apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros proveitos relativos às actividades desenvolvidas, independentemente de a actividade ser ou não leasing.
A prática da empresa foi, de facto, diferente e no cálculo da referida proporção considerou no numerador e no denominador da fracção a amortização financeira, componente da renda, no âmbito dos contratos de locação financeira.
Tal prática conduziu a uma percentagem de dedução muito superior aquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns. Com efeito, o resultado da fracção, depois de expurgada a componente amortização financeira, é de 82% (cfr. anexo n.º 5).
Face ao exposto, resulta imposto em falta no valor de € 17.241,95, nos termos do n.os 1 e 4 do art.º 23º do CIVA».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
13) A cláusula 4.ª do contrato de locação financeira tipo (“Obrigações do locador”) tem a redacção seguinte: «O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respectivo gozo ao locatário e a vender-lhe o mesmo nos termos do presente contrato» - contrato de locação mobiliária, junto com requerimento de 29/08/2022.
14) A cláusula 11.ª do contrato de locação financeira tipo (“Aquisição do veículo”) tem a redacção seguinte: «No final do prazo do presente contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador dívidas vencidas, o locatário poderá proceder à aquisição do veículo mediante o pagamento de valor residual, acrescido das despesas e encargos conexos» - contrato de locação mobiliária, junto com requerimento de 29/08/2022.
15) A cláusula 16.ª, n.º 1, do contrato de locação financeira tipo (“Serviço de Assistência e Reparação M……………-B……….”) tem a redacção seguinte: «O locador obriga-se a contratar com a M………..-B………..Portugal, SA, a prestação por esta entidade a favor do locatário dos serviços que integram o SRA-MB, proporcionado por aquela entidade às viaturas da marca, em conformidade com as respectivas condições gerais e especiais, que o locatário declara conhecer».
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2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, estão em causa dois recursos jurisdicionais. A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença em crise, na parte em que decidiu de forma desfavorável à sua pretensão. Por seu turno, a impugnante interpõe recurso contra a sentença, na parte em que decidiu, de forma desfavorável à sua pretensão.
A sentença julgou procedente a impugnação, na parte relativa à correcção por falta de liquidação do imposto devido por ocasião do pagamento à impugnante por parte dos locatários das compensações devidas pela perda do veículo locado. Por outro lado, julgou improcedente a impugnação na parte relativa ao cálculo da percentagem do pro rata de dedução no que respeita às despesas relativas aos recursos de uso promíscuo (despesas comuns).
2.2.2. No que respeita ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a mesma assevera que a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e no correcto enquadramento jurídico da causa. Invoca, em síntese, que «as verbas recebidas pela Impugnante aos seus clientes na sequência da perda total dos veículos, em harmonia com o disposto na cláusula 8.ª, n.º 3, alínea a) dos competentes contratos de locação financeira, [são passíveis de tributação em IVA}».
Apreciação. De acordo com o artigo 16.º, n.º 1, do CIVA (“Valor tributável nas operações internas”), o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Deste valor são excluídas «as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações» (artigo 16.º/6/a), do CIVA).
A este propósito constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «As indemnizações pagas no âmbito de um contrato celebrado entre o locatário e a seguradora e que tem a locadora como beneficiária, destinadas a compensar os danos causados pela perda total dos bens locados, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço [cf. arts. 1.º, n.º 1, 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 6, alínea a), do CIVA], nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA. // No caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário».(1)
ii) «No âmbito do contrato de locação financeira, a resolução do mesmo, por perda do bem, implica a constituição das partes em obrigações distintas, a saber: o pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e do valor residual actualizados, ao momento da perda total do bem; a restituição, pela locadora ao locatário, do valor da indemnização recebida pela Seguradora. // O valor a pagar à locadora, pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA. O valor a restituir pela locadora ao locatário, relativo à indemnização recebida da seguradora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto, como tal não deve ser tributado em IVA» (2).
A tese da recorrente assenta na ideia de que, nas situações de resolução do contrato de locação financeira, por perda do veículo, a cláusula 8.ª, n.º 3, al. a), das condições contratuais gerais do contrato de locação financeira, para além do pagamento das rendas vencidas e não pagas e respectivos juros, prevê o pagamento do capital ainda não recuperado, ou seja, o pagamento integral do valor do veículo e das rendas e juros em dívida por fruição do mesmo, pelo que haveria lugar a pagamento da contrapartida pela prestação de serviços, havendo, por conseguinte, IVA a liquidar, sustenta. Sucede, porém, que a interpretação veiculada pela recorrente não tem respaldo nos dados de facto coligidos no probatório.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) No ano de 2004, a Impugnante não recebeu dos locatários qualquer quantia em decorrência da cessação dos contratos de leasing ou ALD por perda total dos veículos (3).
ii) No ano de 2004, a impugnante recebeu as indemnizações atribuídas pela seguradora pela perda do veículo (4).

Não tendo resultado provado que a impugnante recebeu quantias dos locatários resultantes do acerto de contas apurado em face da perda total do veículo, não se pode afirmar estamos perante operações sujeitas a IVA nos termos do disposto no artigo 16.º/6/a), do CIVA.
A este propósito, este TCAS teve ocasião de referir o seguinte (5):
«Nos termos do artigo 1022.º do CC, «[a] locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, aluguer quando incide sobre coisa móvel». «O contrato de locação financeira é um “mais” perante o contrato de locação. Ou seja: a lei (…) acrescenta algumas características distintivas à “base” constituída pelo contrato de locação. // Assim: // Tal como na locação: a) Existe a obrigação de ceder o gozo de uma coisa; b) O locador é e continua a ser proprietário da coisa; c) A outra parte tem o direito de exigir aquela cedência; d) O gozo é temporário; e) O gozo é retribuído. // A mais quanto à locação: f) O objecto do contrato é adquirido ou construído por indicação do locatário; g) O locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; h) Esse preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados». «A estrutura de locação mantém-se na locação financeira em tudo o que se refere à cedência do uso». Existem, contudo, diferenças entre ambas as figuras: «(…) na locação, o risco de perecimento da coisa corre por conta do locador; enquanto que na locação financeira é o locatário que o suporta (…) // Também o dever de conservar e reparar a coisa incumbe, na locação financeira, ao locatário (…). Enquanto que na locação assiste ao locador. // Normalmente, na locação financeira, o locador-proprietário não tem a intenção de usar o bem, de correr os riscos próprios do proprietário, nomeadamente, o risco económico de não rentabilidade da coisa e do seu perecimento. O locador-proprietário quer que o bem seja usado, com a assunção integral do risco, pelo utente. // O locatário-utente, não pretende obter o (simples) uso de um bem disponível no mercado de locação. Realiza verdadeiramente um investimento, traduzido em parte ou na totalidade do valor do bem, correndo o risco equivalente do seu perecimento ou da sua não rentabilidade. // (…) [O] locador desinteressa-se da coisa sob o ponto de vista económico-financeiro que não sob o ponto de vista jurídico. Enquanto que, sob o ponto de vista económico-financeiro, o locatário tem uma “verdadeira” “propriedade útil” do bem. // O locador (financeiro) não escolhe o bem, não determina as suas características, não se preocupa com a sua rentabilidade. São tudo assuntos que dizem respeito ao utente. (…) // O utente escolhe o bem de acordo com as suas necessidades e assume o risco económico da sua utilização. Se esta não for rentável ou o bem não se adequar às suas necessidades, não pode cedê-lo ao fim de um período mais ou menos curto, como acontece na locação (…). // (…) [N]a locação, as rendas são prestações periódicas, correspondentes a períodos sucessivos, dependentes da duração do contrato, em termos de, desaparecido o bem, desaparecer a obrigação. Pelo contrário, na locação financeira há (“economicamente”) uma obrigação única do devedor, correspondente, “grosso modo”, ao custo do bem, com prestações fraccionadas no tempo». // No que respeita à tributação em sede de IVA, estão sujeitas ao imposto «as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal» - artigo 1.º/1/a), CIVA. São sujeitos passivos de IVA, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços» - artigo 2.º/1/a), CIVA. «São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens» - artigo 4.º/1, CIVA. (…). // Mais se refere que: «o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia, em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, conforme resulta do próprio contrato, nomeadamente: // - O pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e valor residual actualizados, ao momento da perda total do bem; // - Restituição, pela locadora ao locatário, do valor da indemnização recebida pela Seguradora. // O valor a pagar à locadora, pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA (cf. alínea c), do n.º1 do artigo 18.º do CIVA), uma vez que configura uma prestação de serviços, face ao n.º1 do artigo 4.º do CIVA; // - O valor a restituir pela locadora ao locatário, relativo à indemnização recebida da seguradora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto, como tal não deve ser tributado em IVA».
No caso em exame, a recorrente pretende tributar as indemnizações pagas pela seguradora à impugnante como compensação pela perda do veículo e consequente extinção do contrato de locação financeira. O locatário não líquida qualquer valor junto da locadora, ora impugnante. A perda do veículo determina a extinção do contrato e o pagamento da indemnização correspondente pela seguradora à impugnante (6). Não há contrapartida paga à impugnante pela prestação de serviços, pelo que não existe transacção passível de tributação em IVA. A correcção em exame ao seguir entendimento discrepante, incorreu em erro quanto aos pressupostos de facto e de direito. Como foi decidido pela sentença recorrida. A mesma não enferma do erro de julgamento que lhe é assacado, pelo que deve ser confirmada nesta parte. O mesmo é válido em relação à liquidação de juros compensatórios que lhe corresponde.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.3. No que respeita ao recurso interposto pela impugnante, a mesma sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, no que respeita à correcção relativa ao cálculo do pro rata. Alega, em síntese, que na aplicação do pro rata não está demonstrada a existência de distorções na tributação.
A sentença julgou improcedente a presente imputação. Considerou que «[c]omo tem vindo a ser jurisprudência uniforme do STA, designadamente nos Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 04/03/2020 e 30/09/2020, nos processos 095/19.3BALSB e 052/19.0BALSB, respectivamente, a AT pode efectuar correcções ao pro rata determinado pelos contribuintes, desconsiderando certos bens e prestações de serviços, como aconteceu no caso dos autos».
Apreciação. Nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, «[a] administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder [à] aplicação do métodos da imputação directa ou ao método da afectação real]: // a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; // b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» (artigo 23.º/3, do CIVA).
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se a Administração Fiscal pode afastar, no quadro do exercício do direito à dedução do imposto suportado por um sujeito passivo misto, o método do pro rata geral, em relação às despesas comuns (recursos de utilização mista), quando tais despesas não são em grande medida determinadas pela gestão dos contratos de locação financeira, afastando do cômputo do pro rata (seja no numerador, seja no denominador), a componente da renda paga pelos locatários, relativa à amortização financeira do veículo e mantendo apenas a componente relativa ao juro, equiparando, desta feita, a locação financeira das demais operações de crédito, realizadas pela empresa.
A este propósito, constitui jurisprudência assente a seguinte:
i) «(…) é igualmente confirmado pela finalidade do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), da Sexta Directiva, que tem nomeadamente por objectivo, como alegou a Comissão, tendo em conta as características específicas próprias das actividades do sujeito passivo, permitir que os Estados-Membros atinjam resultados mais precisos. Consequentemente, estes Estados devem poder aplicar regras de arredondamento mais precisas do que a prevista pelo artigo 19.º, n.º1, segundo travessão, da Sexta Directiva» (7).
ii) «(…) na falta de indicações na Sexta Diretiva, cabe aos Estados-Membros instituir, dentro dos limites do direito da União e dos princípios em que assenta o sistema comum do IVA, métodos e normas para o cálculo do pro rata de dedução do IVA pago a montante. No exercício desse poder, esses Estados são obrigados a ter em conta a finalidade e a sistemática dessa diretiva (…)» (8).
iii) «o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução (…). // Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (…). // A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal. // Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel. // Face a todas as considerações que antecedem, há que responder à questão submetida que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar» (9).
iv) «Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação». (10)
v) «No âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do artigo 342º do Código Civil e nº 1 do artigo 74º da LGT), pelo que, não tendo o Impugnante logrado demonstrar que os custos suportados com bens e serviços de utilização comum respeitassem, em parte, à disponibilização dos bens que constituem o objecto das operações de locação financeira e de aluguer de longa duração, há que julgar improcedendo a sua pretensão de anulação das correcções realizadas». (11)
No caso em exame, resultam do probatório os elementos seguintes (12):
i) Está em causa um sujeito passivo misto, o qual, enquanto instituição financeira, realiza operações isentas e operações tributadas em IVA (13).
ii) «As operações resultantes de um contrato de locação financeira representam um tipo de operação, de entre vários, praticados pela empresa, sendo aquela em que se coloca a questão de saber se se deve considerar na respectiva fracção os juros e respectivo capital, ou somente os juros. // Para este tipo de operação, determina a alínea h) do n.º 2 do art.º 16.º do CIVA que o valor tributável é o valor da renda recebida ou a receber do locatário. // A renda, no âmbito dos contratos de locação financeira, decompõe-se em amortização financeira e juros ou outros proveitos. Esta componente amortização financeira corresponde à divisão do valor do bem (capital) pelo período do contrato, sendo que o imposto na aquisição é totalmente dedutível, segundo a regra de dedução da afectação real. // A componente juros e outros proveitos, que também compõem a renda, corresponde ao valor acrescentado pela entidade financeira e é registado nas respectivas contas de proveitos. // Há ainda que admitir que a referida actividade, sendo tributada, utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns). // A questão coloca-se, pois, ao nível da dedução do imposto contido nesses custos comuns e de qual o critério a utilizar para a sua dedução» (14).
iii) «Na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo poderia ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações. // No entanto, no cálculo da referida proporção apenas deverá entrar o valor que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, já que através da aplicação do método de afectação real os custos específicos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível. (…) // Pelo que antecede, no cálculo da percentagem de dedução ou prorata, apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros proveitos relativos às actividades desenvolvidas, independentemente de a actividade ser ou não leasing. // A prática da empresa foi, de facto, diferente e no cálculo da referida proporção considerou no numerador e no denominador da fracção a amortização financeira, componente da renda, no âmbito dos contratos de locação financeira. // Tal prática conduziu a uma percentagem de dedução muito superior aquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns. Com efeito, o resultado da fracção, depois de expurgada a componente amortização financeira, é de 82% (cfr. anexo n.º 5)» (15).
Dos elementos coligidos nos autos, resulta que o método de cálculo do pro rata de dedução adoptado pela recorrente conduz a distorções significativas da tributação, porquanto a inclusão em tal método de cálculo, entre os proveitos, para além dos juros, da amortização financeira relativa à disponibilização dos veículos, no âmbito dos contratos de locação financeira, não corresponde ao peso nas despesas comuns que a actividade económica da recorrente - instituição financeira, que se dedica à concessão de crédito, através (designadamente) da celebração de contratos de locação financeira, cujo modelo de negócio assenta na gestão de tais contratos – postula (16). Ou seja, a componente da renda relativa à contrapartida paga pelo locatário pela disponibilização do veículo, que acresce aos juros pelo mesmo liquidados, sendo residual na actividade económica da recorrente, vem a assumir um peso desproporcionado no cálculo do pro rata de dedução. Tendo sido feita a prova da ocorrência de distorções na tributação decorrentes de tal forma de cálculo, cabia à recorrente aduzir elementos que comprovassem o contrário. O que não sucedeu no caso em exame. A presente conclusão não é infirmada pela invocação das cláusulas 4.ª, 11.ª e 16ª do contrato de locação financeira tipo, juntas pela recorrente, já em fase de recurso (v.º n.os 13, 14 e 15, do probatório). É que a prova da utilização das despesas comuns como contrapartida pela amortização financeira do veículo posto à disposição do locatário não logra ser feita, para além do relevamento das mesmas enquanto despesas residuais no quadro do modelo de negócio da recorrente; este assenta na obtenção de fundos com vista à disponibilização da viatura e na cobrança do juro correspondente ao empréstimo assim realizado. Pelo que cumpre reiterar a afirmação do TJUE, segundo a qual, «o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel».
Pelo que a correcção em apreço deve ser confirmada, dado que não enferma de nenhum erro. A sentença recorrida que assim decidiu deve ser também confirmada na ordem jurídica.

2.2.4. No que respeita à liquidação de juros compensatórios, a recorrente invoca que a mesma não é devida, não se apurando qualquer comportamento censurável na sua actuação, a qual seguiu os ditames legais, sustenta.
Apreciação. «S]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária» (artigo 35.º/1, da LGT). Os requisitos de cuja verificação depende a constituição da obrigação de pagamento de juros compensatórios são haver retardamento na liquidação do imposto, ser o imposto devido e haver culpa do contribuinte pelo retardamento. Os juros compensatórios são devidos em situações de retardamento da liquidação do imposto por facto imputável ao contribuinte. Estas situações podem ser consequência de o contribuinte: «- não ter apresentado, ou ter apresentado tardiamente, declarações ou documentos que deveria apresentar, necessários para a efectivação da liquidação pela Administração Tributária, ou // - não ter efectuado a autoliquidação, ou a ter feito em montante inferior ao devido, ou // - não ter comunicado tempestivamente à Administração Tributária qualquer facto que deveria comunicar (por exemplo, a cessação dos pressupostos de uma isenção)» (17).
«A exigência de juros compensatórios depende de o retardamento da liquidação ou o reembolso excessivo serem imputáveis ao contribuinte» (18). É que «[a] responsabilidade só abrange os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563.º, n.º 1, do Código Civil). Por isso, a actuação do contribuinte terá de ser condição do retardamento, do não recebimento ou do reembolso indevido (sem a actuação não se verifica este resultado) e não ser indiferente para a sua ocorrência (ele não ter ocorrido só devido a circunstâncias excepcionais ou anómalas)» (19).
«A culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”» (20).
A aplicação de um método do pro rata de dedução do imposto, em relação a instituições de crédito como a recorrente, em desconformidade com o que é determinado pelo regime legal aplicável gerou atraso na liquidação do imposto devido. À recorrente, enquanto operadora do sector de actividade em referência e perante um quadro fáctico-normativo definido, como o presente, era exigível um comportamento declarativo conforme ao regime legal aplicável. Os custos associados à componente de amortização financeira do veículo são deduzidos através da imputação directa, pelo que não podem contribuir para o cálculo do pro rata de dedução. No caso, verificou-se que a impugnante deduz o imposto suportado em relação às operações sujeitas a imposto (21), pelo que em relação às despesas comuns (associadas a operações tributadas e a operações não tributadas), não pode incluir a verba relativa à amortização financeira do veículo locado, sob pena de duplicação do imposto dedutível. Pelo que a declaração emitida pela contribuinte em desconformidade com o teor da correcção em apreço consubstancia comportamento censurável da impugnante, que podia, segundo o padrão do bonus pater familias, apresentar declaração de dedução do imposto em conformidade com o parâmetro de legalidade aplicável. Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida não enferma de erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos e confirmar a sentença recorrida.
Custas por cada recorrente, em relação ao recurso por si interposto.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)


(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)
(1) Acórdão do STA de 12.05.2021, P. nº 02433/11.8BELRS.
(2) Acórdão do TCAS, de 25.06.2020, P. 1552/11.5BELRS.
(3) facto não provado.
(4) Ponto “111.2.1. Falta de liquidação de IVA em contratos” do relatório inspectivo.
(5) Acórdão do TCAS, de 25.06.2020, P. 1552/11.5BELRS.
(6) V. ponto 111.2.1 do relatório inspectivo.
(7) Acórdão do TJUE, de 18.12.2008, P. C-488/07, §24.
(8) Acórdão do TJUE, de 08.12.2021, P. C-511/10.
(9) Acórdão do TJUE, de 10.07.2014, P. C-183/13. A análise da jurisprudência do TJUE do Acórdão “Banco Mais” consta de Rui Laires, O Iva português no Tribunal de Justiça da União Europeia, Cadernos IDEFF, n.º 22, Almedina, 2016, pp. 345/379.
(10) Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 24.03.2021, P. 087/20.0BALSB,
(11) Acórdão do STA, de 09.06.2021 P. 01955/13.0BEPRT. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, 17.02.2021, P. 01077/14.7BEPRT.
(12) Relatório Inspectivo, ponto “Ill.2.2. Dedução indevida por diferente cálculo do pro rata”
(13) V. Relatório Inspectivo, ponto “11.3. Outras Situações”
(14) V. Relatório Inspectivo, ponto “Ill.2.2. Dedução indevida por diferente cálculo do pro rata”
(15) V. Relatório Inspectivo, ponto “Ill.2.2. Dedução indevida por diferente cálculo do pro rata”.
(16) V. Relatório Inspectivo, ponto 11.3.
(17) J. Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, in Problemas fundamentais de direito tributário, Vislis, 1999, pp. 139/183, maxime, p. 144.
(18) J. Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, cit., p. 146.
(19) J. Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, cit., p. 146.
(20) Acórdão do STA, de 02.02.2022, P. 0671/18.1BELLE.
(21) Ponto Ill.2.2. do Relatório Inspectivo.