Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12923/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/21/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA POR NATURALIZAÇÃO
Sumário:I – O que releva no âmbito da previsão normativa contida na alínea d) do nº 1 artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de acordo com o qual só pode ser concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos cidadãos estrangeiros que, para além da verificação dos demais requisitos, cumulativos, não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) é a moldura abstrata da pena e não aquela em que concretamente o requerente da nacionalidade tenha sido condenado.

II - Quando o crime em causa seja punível, em alternativa, com pena de prisão ou com pena em multa, não releva, para efeitos do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, qual a opção que tenha sido feita pelo juiz criminal (e que lhe incube fazer), pela aplicação de uma das penas alternativas (pena de multa ou pena de prisão); o que releva, para tal efeito, é a moldura abstrata da pena, de modo que só possa ser concedida a nacionalidade portuguesa a estrangeiro que não tenha sido punido pela prática de crime passível de ser punido com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos de acordo com a lei portuguesa como resulta do inciso contido naquela referida alínea d) «crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos».

III – O requisito (negativo) previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de que o estrangeiro, requerente da nacionalidade portuguesa, não tenha sido condenado, com trânsito, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito, em termos que perante a comprovação, feita no processo administrativo, de que à data já não constava do novo certificado de registo criminal, contemporaneamente emitido, qualquer condenação, se deve ter o mesmo por preenchido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


Vem o presente recurso interposto pelo INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO, réu na ação administrativa especial que contra si foi instaurada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa por Georgiy ………………. (devidamente identificado nos autos) (Proc. nº 384/14.3BELSB) na qual impugnou o ato administrativo pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização, peticionando a sua declaração de nulidade ou subsidiariamente a sua anulação e bem assim a condenação do réu na prática do ato que deferindo o pedido lhe conceda a nacionalidade portuguesa, inconformado com o acórdão de 27/04/2015 proferido pelo coletivo de juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (fls. 89 ss.) (para o qual os autos haviam sido remetidos na sequência da decisão de incompetência em razão do território proferida em 20/02/2014 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - fls. 29 ss.), em sede de reclamação para a conferência a que alude o artigo 27º nº 2 do CPTA deduzida da sentença de 12/11/2014 (fls. 52 ss.), pelo qual foi a ação foi julgada procedente e condenada a entidade demandada a apreciar o pedido de naturalização formulado pelo autor, deferindo-o, por verificação dos requisitos constantes do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.
Pugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida com manutenção do ato de indeferimento impugnado na ação, formulando nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

I – O facto de Georgiy …………. ter sido condenado por sentença, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível, em abstrato, com pena de prisão de máximo igual três anos, obsta à aquisição da nacionalidade portuguesa, independentemente de o processo sancionatório admitir alternativamente a punibilidade em multa e de ter sido efetivamente punido com multa, pelo que não reúne o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da LN.

II – O requisito, legalmente exigido para efeitos de naturalização, da não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos é de verificação objetiva, sendo a conduta da Administração vinculada nesta sede.

III – Da interpretação do texto legal em questão, conclui-se que o legislador pretendeu estabelecer como requisito a não condenação por crime “punível” (pena abstrata) com pena de prisão, cujo limite máximo” da moldura (abstrata) seja igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.

IV – O douto acórdão recorrido, ao fazer depender a verificação do requisito da alínea d) do nº 1 do art. 6º da LN, da opção punitiva do juiz, defende uma interpretação que não tem correspondência na letra da lei, nos termos do nº 2 do art. 9º do Código Civil, preconizando uma função de “interpretação corretiva” que não é legalmente inadmissível.

V – Alem do que pode sancionar uma flagrante violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, ínsitos nos artigos 2º e 13º da CRP, visto que os mesmos factos podem ser legitimamente valorados de forma diferente, por terem sido julgados por julgadores diferentes.

VI – A Conservatória dos Registos Centrais, ao indeferir o pedido de naturalização do ora recorrido, interpretou corretamente a alínea d) do nº 1 do art. 6º da LN, não se verificando qualquer vício de violação d elei que afete a validade da decisão impugnada.

VII – Deve ser revogado o douto Acórdão recorrido,

E

VIII – Integralmente mantida a decisão que indeferiu a naturalização requerida.

O recorrido não contra-alegou.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer (fls. 137 ss.) no sentido de merecer provimento o recurso, devendo ser revogado o acórdão recorrido. Sendo que dele notificadas as partes nenhuma respondeu (cfr. fls. 142-143).

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, importa a este Tribunal decidir se a decisão de improcedência da ação proferida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com errada interpretação e aplicação do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, e se assim, ao invés de ter anulado o ato impugnado e condenada a entidade demandada a conceder a pretendida nacionalidade por naturalização, a ação deveria ter sido julgada improcedente, com manutenção do ato impugnado.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos, expressis verbis:

A) O Autor tem nacionalidade ucraniana – cfr. processo administrativo;

B) Em 12.02.2010, o ora Autor solicitou ao Ministro da Justiça, a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, a que correspondeu o Processo de nacionalidade nº 8358/2010 - Acordo e fls. 1 do processo administrativo (p.a.);

C) À data do requerimento precedente o Autor residia em Portugal há mais de 6 anos e conhece suficientemente a língua portuguesa, é maior face à lei portuguesa - acordo e fls. 48 do processo administrativo apenso;

D) Pela Conservatória dos Registos Centrais foi emitida Informação, em 27.03.2012 (proc. nº 8358/2010), constante de fls. 48 a 74 a 76 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no sentido de dever ser indeferido o pedido indicado em B., com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da LN, onde se refere, designadamente:

“ (…)

6. Do certificado do registo criminal português, obtido oficiosamente – fls. 37 e 38 -., consta menção do processo nº ……………. – 1 Juízo – 3ª Secção, pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Solicitada a certidão do referido processo constatou-se que o requerente foi condenado, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3,00 euros, num total de 450 euros, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291º, al. a) do Código Penal, e que corresponde uma moldura penal abstracta de prisão até 3 anos ou pena de multa (fls. 43 e 45).

Assim, verifica-se, não estar preenchido o requisito da não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível, com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa. Sublinhe-se que a lei exige a não condenação por crime a que corresponde a moldura penal referida, sendo irrelevante a pena efectivamente aplicada.”

E) O Autor foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia (fls. 51-52 do p.a.), tendo-se pronunciado nos termos constantes de fls. 53 a 72 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) Com data de 31 de Outubro de 2010, foi elaborado PARECER, constante de fls. 73 a 75 do processo administrativo apenso, mantendo o indeferimento, conforme Informação indicada em D., tendo em conta que não se alteraram os pressupostos aí explanados, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

G) Tendo por base o Parecer precedente e Informação precedentes, em 8 de Novembro de 2013, a Conservadora, por subdelegação, indeferiu o pedido de naturalização formulado pelo ora A. – cfr. fls. 76 do p.a.a.;

H) Foi enviado ao ora autor ofício de notificação do despacho antecedente, através de carta registada – cfr. fls. 77 e 78 do p.a.a.

I) Por decisão datada de 12.06.2007, transitado em julgado em 12.06.2007, proferida no âmbito do processo nº 114/06.3SQLSB, pelo 1º Juízo, 3ª Secção do Tribunal de Pequena Instância do Tribunal Criminal de Lisboa, o ora Autor foi condenado como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p., pelos artigos 291º al. a) e 69º nº 1 al. a) do C. Penal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 3 euros, o que perfaz o total de 450 euros – cfr. fls. 47 do p.a.a.

J) Conforme Informação do SEF prestada nos termos do nº 5 do artº 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, não constam dados desabonatórios sobre o ora Autor – cfr. fls. 38 do p.a.a.;

K) Do Certificado do Registo Criminal emitido pela Direção-Geral da Administração da Justiça, em 23.04.2012, nada consta acerca do ora Autor – cfr. fls. 61 do p.a.a..

O Tribunal a quo consignou na decisão recorrida nada mais se ter provado com interesse para a decisão.


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B – De direito

1. Pelo acórdão recorrido, de 27/04/2015 o Tribunal a quo julgou procedente a ação administrativa especial que o aqui recorrente havia instaurado visando a impugnação do ato administrativo pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização que requereu ao abrigo do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, e a condenação do réu na prática do ato que deferindo o pedido lhe conceda a nacionalidade portuguesa ato administrativo.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que aqui não vem impugnada, assentou na seguinte fundamentação que se passa a transcrever:
«Estabelece o artº 6º da Lei da Nacionalidade, sob epígrafe “Requisitos”, o seguinte:
“1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
(…)
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.” (s/n).

Da norma supra transcrita ressalta que importa aferir se o cidadão estrangeiro foi (1) condenado pela prática de crime punível com pena de prisão máximo igual ou superior a 3 anos, e (2) se a sentença transitou em julgado.

Este Tribunal tem entendido que, para efeitos da citada norma se basta com a previsão legal do tipo de crime punível com pena de prisão máximo igual ou superior a 3 anos, independentemente da pena em concreto aplicada. Entendimento que se mantém.

Todavia um recente Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 5 de Fevereiro de 2013, rec. 76/12, disponível in www.dgsi.pt., introduziu uma nova perspectiva na interpretação da norma em causa.

Aí foi decidido que:
Portanto, a lei prevê para este crime, logo no tipo legal, a possibilidade de o mesmo ser punível com uma pena de prisão até três anos ou, em alternativa, com uma pena de multa, cabendo ao juiz optar, por uma ou por outra, nos termos previstos no artº 70º do C.Penal, que dispõe que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Ora, esta tarefa prévia de escolha da pena, a que se alude no artº70º do C. Penal, nos casos em que o tipo legal do crime a permite, como vimos acontece com o referido crime de ofensas à integridade física simples, não se confunde com a posterior tarefa de determinação da medida concreta da pena, a que se alude no artº71º do mesmo diploma legal, situando-se a montante desta ( Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, p. 234 a 237 e ainda artº15º, nº2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem ).
Com efeito, a prévia escolha, pelo julgador, entre penas alternativas previstas no tipo legal, é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, já que visa exclusivamente as «finalidades da punição» (cf. citado artº70º), enquanto que a determinação da medida concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (cf. no caso da pena de prisão o artº 41º, nos casos da pena de multa, o artº47º do C. Penal e citado artº 71º).
Portanto, no primeiro caso, estamos ainda no âmbito da pena aplicável ao crime, enquanto no segundo caso, já estamos no âmbito da pena efectivamente aplicada.

Ora, nos casos em que a lei prevê a possibilidade de escolha, pelo juiz, entre dois tipos de pena aplicáveis, em alternativa, a um determinado tipo de crime, sendo uma, a pena de prisão até três anos e a outra, a pena de multa, como vimos acontece no crime de ofensas à integridade física simples, a verificação do requisito previsto no citado artº6º, nº1 d) da LN dependerá da escolha que o juiz que proferiu a condenação crime fez ao abrigo do artº70º do C. Penal, ou seja, depende de o juiz ter considerado o crime cometido punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos. Com efeito, nem a letra, nem a ratio do preceito consente, a nosso ver, outra interpretação, sendo certo que a intenção do legislador subjacente às alterações introduzidas na LN, pela Lei Orgânica nº2/2006, designadamente no citado artº6º, foi claramente a de facilitar e não de restringir a integração de estrangeiros imigra dos no nosso país, bem como acentuar o carácter de direito fundamental do direito à nacionalidade, reduzindo o poder do Estado na sua modelação ( Cf. Rui Moura Ramos, obra citada, p.225 e segs. ).
E, assim sendo, uma vez que o crime cometido pela Recorrida era, nos termos do artº143º do CP, punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa e cabendo a opção por uma ou por outra dessas penas ao julgador, haverá que verificar, na respectiva sentença condenatória, por qual delas o juiz optou, pois, como referimos, só se tivesse considerado o crime punível com pena de prisão até três anos não se verificaria o requisito exigido pelo citado artº6º, nº1 d) da LN”.

Acolhendo a citada jurisprudência e tendo em conta o caso em apreço, verifica-se que o tribunal que julgou o crime pelo qual o Autor foi condenado optou pela pena punível de multa admitida pelo legislador em vez da pena de prisão - cf. alínea I. do probatório.

Assim, tendo o ora Autor sido condenado pela prática de crime punível com pena de multa, então a sua situação é objectivamente, enquadrável no citado artº 6º, nº1 d) da LN.

Acresce ainda que na esteira de também recente jurisprudência, v.g. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.01.2013, proferido no rec. 8678/12, disponível in www.dgsi.pt ,
(…) Interpretar a norma de uma forma cujo resultado é que a mera verificação de uma condenação em crime punível abstratamente com pena de 3 anos de prisão impede automaticamente a aquisição da nacionalidade Portuguesa, sem que um Tribunal tenha sequer considerado essa possibilidade como uma consequência da condenação, sem que o juízo de indesejabilidade seja valorado sequer em fase administrativa, será uma violação do direito a mudar de nacionalidade, vazado na 2ª parte do nº 2 do artº 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artº 8 da CRP: “ Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade ”. Assim sendo, a disposição legal em causa tem de ser entendida como um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta e não um verdadeiro impedimento da aquisição da nacionalidade.”.

Ora no caso em apreço, o crime pelo qual o Autor foi condenado era punível com pena de multa ou de prisão até 3 anos (vide art. 291º, nº 1 do Código Penal) e não com pena igual ou superior a três anos, tendo em todo o caso sido considerada a punição pela pena de multa e não de prisão.
Por outro lado, como resulta do probatório pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteira nada consta em desabono do ora Autor, conforme solicitada nos termos do nº 5 do art. 27º do RN; assim como não consta no registo criminal. Não existindo no processo administrativo qualquer circunstância ou facto que possam de algum modo comprometer a idoneidade do ora Autor, nem foi invocada pela Autoridade Demandada.

Logo a Autoridade Demandada não devia ter indeferido a pretensão do autor de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava aquele requisito.

Assim decidido, fica prejudicada a apreciação da alegada inconstitucionalidade da citada norma, invocada pelo Autor, em sede de petição inicial, por o Tribunal não ter acolhido a interpretação realizada por parte da Autoridade Demandada, quanto ao requisito da não condenação em processo crime por crime previsto e punível por pena igual ou superior a 3 anos de prisão.

Quanto ao pedido de condenação à prática de acto devido, de que seja proferida decisão que conceda ao Autor a nacionalidade portuguesa, vejamos se se encontram cumpridos os requisitos cumulativos constantes do citado artº6º da LN, o qual dispõe que:
«1- O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da Lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos 6 anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa .».


O artº19º, nº1 do citado DL 237-A/2006, sob a epígrafe «naturalização de estrangeiros residentes em território português» tem idêntica redacção.

Tendo o Tribunal concluído que a Autoridade Demandada deveria ter considerado preenchida a condição prescrita na alínea d) do citado art. 6º, nº 1, da LN.

Considerando igualmente que, quer do probatório, quer do Parecer subjacente ao acto impugnado, se constata que o ora Autor cumpre as demais condições: ser maior à face da lei portuguesa, residir em Portugal há mais de 6 anos e conhecer suficientemente a língua portuguesa – cf. alíneas C) e D) do probatório - , então estão verificados os requisitos legais para o deferimento do pedido de naturalização portuguesa.

Termos em que a presente acção deve proceder.»

2. Propugna o recorrente em sede do presente recurso pela revogação da decisão recorrida com manutenção do ato de indeferimento impugnado na ação, defendendo, pelas razões que expôs nas alegações de recurso e reconduziu às respetivas conclusões que o facto de o recorrido ter sido condenado por sentença, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível, em abstrato, com pena de prisão de máximo igual a três anos, obsta à aquisição da nacionalidade portuguesa, independentemente de o processo sancionatório admitir alternativamente a punibilidade em multa e de ter sido efetivamente punido com multa; que assim ele não reúne o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da LN; que o requisito legalmente exigido para efeitos de naturalização, da não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, é de verificação objetiva, sendo a conduta da Administração vinculada nesta sede; que da interpretação do texto legal em questão conclui-se que o legislador pretendeu estabelecer como requisito a não condenação por crime “punível” (pena abstrata) com pena de prisão, cujo limite “máximo” da moldura (abstrata) seja igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa; que o acórdão recorrido, ao fazer depender a verificação do requisito da alínea d) do nº 1 do art. 6º da LN, da opção punitiva do juiz, defende uma interpretação que não tem correspondência na letra da lei, nos termos do nº 2 do art. 9º do Código Civil, preconizando uma função de “interpretação corretiva” que não é legalmente inadmissível, além do que pode sancionar uma flagrante violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, ínsitos nos artigos 2º e 13º da CRP, visto que os mesmos factos podem ser legitimamente valorados de forma diferente, por terem sido julgados por julgadores diferentes; que a Conservatória dos Registos Centrais ao indeferir o pedido de naturalização do ora recorrido, interpretou corretamente a alínea d) do nº 1 do art. 6º da LN, não se verificando qualquer vício de violação de lei que afete a validade da decisão impugnada, pelo que assim deve ser revogado, mantendo-se integralmente a decisão administrativa que indeferiu a naturalização requerida.
3. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, (temporalmente aplicável à situação dos autos) são portugueses de origem: a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos; f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
Trata-se aqui de aquisição originária (atribuição) da nacionalidade portuguesa.
Já no que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa esta pode resultar, nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, temporalmente aplicável), de uma de três circunstâncias, i) de uma declaração de vontade, ii) da adoção plena e iii) da naturalização (cfr. artigos 3º a 7º), sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.
No que se refere à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização dispõe o artigo 6º da Lei da Nacionalidade (na redação aplicável) o seguinte:
Artigo 6.º
Requisitos
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
2 - O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.
3 - O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
4 - O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.
5 - O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.
6 - O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.” (sublinhado nosso)

Dispondo de modo correspondente o artigo 19º do Regulamento da Nacionalidade (aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro) o seguinte:
Artigo 19.º
Naturalização de estrangeiros residentes no território português
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros quando satisfaçam os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residam legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conheçam suficientemente a língua portuguesa, nos termos do disposto no artigo 25.º;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa”.


4. Na situação presente resulta provado que o requerente da nacionalidade, aqui recorrido, foi condenado como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291º al. a) e 69º nº 1 al. a) do C. Penal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 3 euros, perfazendo o total de 450 euros, por sentença de 12/06/2007, transitado em julgado, proferida no âmbito do processo nº 114/06.3SQLSB, pelo 1º Juízo, 3ª Secção do Tribunal de Pequena Instância do Tribunal Criminal de Lisboa.
Dispõe o artigo 291º do Código Penal (temporalmente aplicável), a respeito do tipo legal de crime pelo qual o requerente na nacionalidade portuguesa foi condenado em 12/06/2007 pelo Tribunal de Pequena Instância do Tribunal Criminal de Lisboa – condução perigosa de veículo rodoviário – o seguinte:
Artigo 291.º
Condução perigosa de veículo rodoviário
1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou
b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em autoestradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”
(negrito e sublinhado nossos)

5. Em causa nos autos está desde logo a interpretação que deve ser dada à alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade de acordo com o qual só pode ser concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos cidadãos estrangeiros que, para além da verificação dos demais requisitos (cumulativos), não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. Colocando-se então face à possibilidade da pena poder ser, naquele ilícito criminal, em alternativa, de prisão ou de multa, a questão de saber se releva para tal efeito a pena que foi efetivamente aplicada ou a moldura penal abstrata, em termos que bastará, para se ter como não verificada o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, que o crime por cuja prática o estrangeiro seja punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos.
6. Seguindo de perto o entendimento que foi o sufragado pelo Acórdão de 05/02/2013, Proc. 076/12, do Supremo Tribunal Administrativo, que citou e acolheu, (acórdão disponível, in, www.dgsi.pt/jsta, e assim sumariado: «I - Nos termos do artº6º, n1, d) da Lei de Nacionalidade, constitui requisito da aquisição da nacionalidade por naturalização, que o requerente não tenha sido condenado com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. II - O crime por ofensa à integridade física simples é punível, nos termos do artº143º, nº1 do C.Penal, em alternativa, «… com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.» III - Tendo o requerente sido condenado, com trânsito em julgado, por um crime de ofensas corporais simples punível com pena de multa nos termos do citado artº143, nº1 do C.Penal, tendo a medida concreta dessa pena sido fixada em 120 dias de multa, não podia a Recorrente ter indeferido a pretensão da Recorrida, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido pelo artº6º, 1 d) da LN.») o Tribunal a quo considerou que sendo o crime em causa punível em alternativa, por pena de prisão ou em multa, e verificando-se que no caso o tribunal criminal, que condenou o estrangeiro requerente da nacionalidade, optou pela aplicação da pena de multa (que fixou em 150 dias) e não pela pena de prisão (até 3 anos), se verificava o requisito contido na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade: não ter sido condenado pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
7. Mas o entendimento feito naquele acórdão de 05/02/2013, Proc. 076/12 do Supremo Tribunal Administrativo não teve eco na sua subsequente jurisprudência. Tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a entender, a respeito do requisito previsto no artigo 6º nº 1 alínea d) da Lei da Nacionalidade para a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização (não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa), que releva, para tal efeito, a moldura penal abstrata fixada no tipo de crime, e não a pena que tenha sido efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
Nesse sentido se decidiu nos Acórdãos daquele Supremo Tribunal de 20/03/2014, Proc. 01282/13; de 20/11/2014, Proc. 0662/14 e de 17/12/2014, Proc. 0490/14, in, www.dgsi.pt/jsta assim sumariados, respetivamente «Nos termos do art. 6º. al. d) da Lei da Nacionalidade (Lei 2/2006, de 17 de Abril) é, além de outros, requisito estritamente vinculado da aquisição da nacionalidade portuguesa não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.»; «I - Nos termos do artigo 6º, nº1, alínea d), da Lei da Nacionalidade [redacção dada pela Lei Orgânica nº2/2006 de 17.04], é requisito da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, que o requerente «não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa»; II - Para efeitos de aplicação desta alínea d) releva a «moldura penal abstracta» fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efectivamente «escolhida» e aplicada no caso concreto; III - O crime de «emissão de cheque sem provisão» é punível, nos termos do artigo 11º, nº1, alínea a), do DL nº454/91, de 28.12 [redacção do DL nº316/97, de 19.11], com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa; IV - Tendo o requerente da nacionalidade portuguesa, por naturalização, sido condenado em pena de multa, por sentença transitada em julgado, pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, não se verifica, quanto a ele, o requisito vinculativo da alínea d) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.» e por último «I – Nos termos do artigo 6º, nº1, alínea d), da Lei da Nacionalidade [redacção dada pela Lei Orgânica nº2/2006 de 17.04], é requisito da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, que o requerente «não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa»; II – Para efeitos de aplicação desta alínea d) releva a «moldura penal abstracta» fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efectivamente «escolhida» e aplicada no caso concreto; III – O crime de ofensas à integridade física simples, previsto no art. 143º, nº1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa; IV – Tendo o requerente da nacionalidade portuguesa, por naturalização, sido condenado em penas de multa, por sentenças transitadas em julgado, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, não se verifica, quanto a ele, o requisito vinculativo da alínea d) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade
À luz do assim entendido, quando o crime em causa seja punível, em alternativa, com pena de prisão ou com pena em multa, não releva, para efeitos do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, qual a opção que tenha sido feita pelo juiz criminal (e que lhe incube fazer), pela aplicação de uma das penas alternativas (pena de multa ou pena de prisão). O que releva, para tal efeito, é a moldura abstrata da pena, de modo que só possa ser concedida a nacionalidade portuguesa a estrangeiro que não tenha sido punido pela prática de crime passível de ser punido com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos de a cordo com a lei portuguesa como resulta do inciso contido naquela referida alínea d) «crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos».
Assim se tem também entendido a respeito da interpretação do disposto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (de identidade dispositiva com o segmento constante do artigo 6º nº 1 alínea b) da Lei da Nacionalidade aqui em causa), de acordo com a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por declaração “a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
Assim se entendeu, entre outros, nos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 20/11/2014, Proc. 11498/14; de 18/12/2014, Proc. 11405/14 e de 26/11/2015, Proc. 12.589/15, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtacs, e nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21/05/2015, Proc. 032/15; de 10/09/2015, Proc. 030/15 e de 25/02/2016, Proc. 01262/15, disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta, todos no sentido de que para efeitos de aplicação da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade releva a moldura penal abstrata fixada no tipo de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, sendo irrelevante a pena efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
Importando reter o que a tal respeito foi referido no aresto do Supremo Tribunal Administrativo, sustentado nos seus outros acórdãos de 20/11/2014, Proc. nº 0662/14, e de 17/12/2014, Proc. nº 0490/14, que se passa a transcrever:
«(…)«Punível» é adjetivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstrato, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efetivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstrata, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efetuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, nº3, do Código Civil].
Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objetivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, nº1, do Código Civil].”

9. Sendo que essa foi uma opção feita pelo legislador e que deve ser acatada, não podendo o Tribunal substituir os juízos legislativamente formulados por outros, que por ventura considere mais justos ou adequados. Com efeito, e como foi de modo clarividente evidenciado no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 13/11/2007, Procº nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta, num Estado de Direito assente no primado da Lei (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2 da CRP) na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral “não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.
10. Assim, e descendo à situação dos autos, é irrelevante para efeito de aferição do requisito contido na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade que o juiz criminal tenha optado pela aplicação da pena de multa (que fixou em 150 dias) e não pela pena de prisão (até 3 anos) prevista no artigo 291º nº 1 alínea a) do Código Penal para a prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário pela qual foi condenado. O que releva é que o crime por cuja prática o requerente da nacionalidade portuguesa foi condenado seja punível, em termos de moldura abstrata, em pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 (três). O que é o caso.
Assiste, pois, neste aspeto razão ao recorrente, tendo o Tribunal a quo feito incorreta interpretação do artigo 6º nº 1 alínea d) da Lei da Nacionalidade, nos termos apontados.
11. Mas será que, como propugna o recorrente, ao invés de ter sido julgada procedente a ação, por se encontrar verificado o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, deveria a mesma ter sido julgada improcedente?
Lembre-se que no âmbito da presente ação administrativa especial, estando em causa, como está, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização a que se refere o artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade, que foi expressamente indeferido por decisão administrativa de 08/11/2013 (cfr. probatório), para além da apreciação da invocada ilegalidade do identificado ato administrativo de indeferimento (que consubstancia a recusa da prática do ato administrativo devido pretendido pelo interessado, aqui autor, a que alude o artigo 67º nº 1 alínea b) do CPTA) importará sempre apreciar e decidir se se verificam os requisitos legais para a procedência da respetiva pretensão material – a prolação da pretendida decisão de deferimento – apreciando-se concomitantemente o pedido de condenação à prática de ato administrativo devido, como decorre do disposto nos artigos 66º nº 2, 67º nº 1 alínea b), 71º nº1 e 51º nº4, todos do CPTA, já que “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória” (cfr. artigo 66º nº 2 do CPTA).
Tudo com ressalva do disposto no artigo 71º nº 2 do CPTA nos termos do qual “…quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”
12. Como se viu de harmonia com o disposto no artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade a nacionalidade portuguesa por naturalização é concedida aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residam legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conheçam suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

Conforme resulta do probatório e está patenteado no Processo Administrativo apenso, a entidade administrativa competente aferiu da verificação dos requisitos ínsitos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (ser maior ou emancipado à face da lei portuguesa; residir legalmente no território português há pelo menos seis anos e conhecer suficientemente a língua portuguesa), que considerou verificados, o que fez nos termos externados na Informação de 27/03/2012 (fls. 48 ss. do Processo Administrativo apenso).
Mostra-se pois já ultrapassada, porque resolvida, a aferição de tais requisitos (os previstos nas alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade), que devem ser tidos por preenchidos, em face da apreciação positiva já feita pela entidade administrativa, que não foi contestada. Os quais, ademais, se mostram verificados face à factualidade dada como provada em C) do probatório.
13. E quanto ao requisito (negativo) a que se refere a alínea d) do nº 1 daquele mesmo artigo 6º da Lei da Nacionalidade (não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa)?
Quanto a este a entidade administrativa considerou tal requisito como não verificado. E foi por tal razão, e por conseguinte com tal fundamento, que veio a indeferir o pedido do autor, como claramente decorre do teor das Informações de 27/03/2012 e 31/10/2013, em que se suportou o despacho de indeferimento de 08/11/2013 (vide E), F) e G) do probatório - fls. 48 ss., fls. 73 ss. e fls. 76 do Processo Administrativo apenso).
Já se viu que o que releva para efeito de aferição do requisito (negativo) contido naquela alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade é que o crime por cuja prática o requerente da nacionalidade portuguesa tenha sido condenado seja punível, em termos de moldura abstrata, em pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 (três) segundo a lei portuguesa, sendo irrelevante a pena efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
No caso, como se viu, o crime pelo qual o requerente da nacionalidade foi condenado – o crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto e punido no artigo 291º nº 1 alínea a) do Código Penal – é punido “…com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Pelo que se deveria concluir estarmos perante situação subsumível à previsão contida na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade por o crime em causa, pelo qual o requerente da nacionalidade foi condenado, ser punível com pena de prisão de máximo igual a 3 (três) anos (…«até 3 anos»).
O que significaria dever ter-se por não verificado o requisito ali previsto, de cariz negativo: não ter sido condenado por crime punível com pena de prisão de máximo igual (ou superior) a 3 anos.
O que justificaria o indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade.
14. Sucede porém que o requisito (negativo) previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de que o estrangeiro, requerente da nacionalidade portuguesa, não tenha sido condenado, com trânsito, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito, em termos que perante a comprovação, feita no processo administrativo, de que à data já não constava do novo certificado de registo criminal, contemporaneamente emitido, qualquer condenação, se deve ter o mesmo por preenchido.
O que no caso é relevante, pelo que se verá.
15. É certo que do Certificado de Registo Criminal emitido em 30/09/2010 (constante de fls. 39 ss. do Processo Administrativo apenso) obtido oficiosamente pela entidade administrativa, constava a condenação pelo identificado crime (cuja decisão condenatória integral – certidão da sentença criminal - foi igualmente obtida por iniciativa oficiosa da entidade administrativa – vide fls. 41-47 do Processo Administrativo apenso), o que conduziu a que na Informação de 27/03/2012 (fls. 48 ss. do Processo Administrativo apenso - vide D) do probatório) se propusesse o indeferimento do pedido de nacionalidade portuguesa, por falta do preenchimento do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.
Sentido de decisão relativamente ao qual o requerente da nacionalidade portuguesa foi notificado, para se pronunciar em sede de audiência prévia, direito que exerceu (fls. 50 ss. do Processo Administrativo apenso - vide E) do probatório).
Ora na pronúncia que emitiu em sede de audiência prévia (fls. 53 ss. do Processo Administrativo apenso - vide E) do probatório), o requerente da nacionalidade portuguesa muito embora reconhecendo aquela sua condenação criminal defendeu que a mesma não deveria objetar à aquisição da nacionalidade portuguesa, atendendo designadamente ao tempo decorrido (à data há mais de 5 anos) e à circunstância de já nada constar do registo criminal, tendo então juntado, entre outros documentos, um novo Certificado de Registo Criminal, emitido em 23/04/2012 (constante de fls. 61 do Processo Administrativo apenso), do qual já nada consta.
Não obstante a invocação feita pelo requerente da nacionalidade em sede de audiência prévia e a apresentação do novo Certificado de Registo Criminal do qual já nada consta a entidade administrativa manteve a proposta da decisão de indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade, já contida na anterior Informação, com fundamento na falta de preenchimento do requisito da alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, o que fez nos termos expressos na Informação de 31/10/2013 em que se veio a suportar o despacho (final) de indeferimento de 08/11/2013 (fls. 73 ss. e fls. 76 do Processo Administrativo apenso - vide F) e G) do probatório).
16. Temos para nós que esta realidade, isto é, a circunstância de já nada constar, à data, do Certificado de Registo Criminal, da qual lhe foi dado conhecimento pelo interessado em sede de audiência prévia, não podia ter sido desconsiderada pela entidade administrativa para efeito de aferição do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.
Em termos que, perante tal constatação, deveria tal requisito (negativo) dever ter sido dado como preenchido, e por conseguinte, deveria ter sido concedida pela entidade administrativa competente a nacionalidade portuguesa ao requerente, e não indeferida, como sucedeu.
17. E porque a tal respeito já se debruçou o Supremo Tribunal Administrativo, que no seu acórdão de 21/05/2015, Proc. 0129/15, veio a tomar posição diferente, revendo-a, da que havia sido a seguida no seu anterior acórdão de 20/03/2014, Proc. n.º 01282/13, de cuja fundamentação não vemos razões para divergir, e sendo equiparável o contexto factual das situações e o mesmo o quadro jurídico-normativo aplicável, para o mesmo se remete, transcrevendo-se o respetivo discurso fundamentador, na parte que para aqui releva, e que é a seguinte:
«A exigência contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LO n.º 2/2006 (cujo conteúdo foi integralmente mantido pela Lei n.º 43/2013, de 03.07), mais concretamente, a verificação do seu cumprimento ou não, na medida em que se reporta aos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade, deverá ser atestada com recurso ao registo criminal do mesmo, pois, “Na sua expressão mais simples, o registo criminal integra o reportório das decisões de natureza penal proferidas pelas instâncias judiciárias do Estado” (vide J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 641). Coloca-se, então, aqui uma questão de acesso ao conteúdo do registo criminal, que é uma questão particularmente sensível, na medida em que envolve a ponderação de uma série de valores e direitos muitas vezes contraditórios ou concorrentes entre si. Seja como for, e por conta da importância e sensibilidade da questão em apreço, o legislador regulou este instituto, colocando particular ênfase, precisamente, na questão do acesso ao registo criminal. A Lei de Identificação Criminal (LIC), Lei n.º 37/2015, de 05.05, que muito recentemente revogou a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (que já tinha sofrido algumas alterações, as mais significativas tendo sido as introduzidas pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), não obstante ter trazido algumas alterações à legislação até agora vigente, reiterou os principais traços característicos do instituto do registo criminal, quais sejam, a autonomia e centralização da informação, o acesso restrito ao registo criminal, quer no que se refere às entidades que a ele podem aceder, quer quanto aos fins (o tipo de informações a que se pode aceder depende da entidade que solicita o acesso), e, finalmente (e ligado ao último aspecto mencionado), a funcionalização do acesso à informação. A realçar ainda a circunstância de, sob outras vestes, a nova lei de identificação criminal ter mantido o instituto da reabilitação legal ou de direito.

No que se refere à autonomia e centralização dos serviços, a Lei n.º 37/2015 manteve a solução anterior, atribuindo ao diretor-geral da Administração da Justiça a responsabilidade “pelas bases de dados de identificação criminal, nos termos e para os efeitos definidos na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro”, cabendo-lhe ainda “assegurar o direito de informação e de acesso aos dados pelos respetivos titulares, a correção de inexatidões, o completamento de omissões, a supressão de dados indevidamente registados, bem como velar pela legalidade da consulta ou da comunicação da informação” (art. 38.º, que corresponde ao art. 3.º da lei revogada).

Quanto à forma de acesso à informação constante do regime criminal, dispõe o artigo 9.º que “O conhecimento da informação constante do registo criminal, ou da sua ausência, concretiza-se com a emissão de um certificado do registo criminal” (n.º 1), e que “O certificado do registo criminal é emitido eletronicamente pelos serviços de identificação criminal”. Ou seja, tal como no regime anterior, o certificado do registo criminal continua a ser o instrumento através do qual se podem conhecer os antecedentes criminais de uma pessoa. De notar que o artigo 14.º da lei anteriormente vigente, que regulava o acesso directo ao ficheiro central informatizado, estabelecia, no seu n.º 5, que “A informação obtida por acesso directo não pode ter conteúdo mais lato do que o obtido através do certificado do registo criminal, providenciando os serviços de identificação criminal pela salvaguarda dos limites de acesso”.


No respeitante às entidades com acesso ao registo criminal, a nova lei não se afastou muito da anterior (do seu art. 7.º), enumerando taxativamente essas entidades:
Artigo 8.º (Acesso à informação)
1 – Tem acesso à informação do registo criminal o titular da informação ou quem prove efetuar o pedido em nome ou no interesse daquele.
2 – Podem ainda aceder à informação do registo criminal, exclusivamente para as finalidades previstas para cada uma delas, as seguintes entidades:
a) Os magistrados judiciais e do Ministério Público para fins de investigação criminal, de instrução de processos criminais e de execução de penas, de decisão sobre adoção, tutela curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de crianças ou regulação do exercício das responsabilidades parentais e de decisão do incidente de exoneração do passivo restante do devedor no processo de insolvência de pessoas singulares;
b) As entidades que, nos termos da lei processual penal, recebam delegação para a prática de atos de inquérito ou a quem incumba cooperar internacionalmente na prevenção da repressão da criminalidade, no âmbito dessas competências;
c) As entidades com competência legal para a instrução dos processos individuais dos reclusos, para este fim;
d) Os serviços de reinserção social, no âmbito da prossecução dos seus fins;
e) As entidades com competência legal para garantir a segurança interna e prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, exclusivamente no âmbito da prossecução dos seus fins;
f) As entidades oficiais não abrangidas pelas alíneas anteriores, para a prossecução de fins públicos a seu cargo quando os certificados não possam ser obtidos dos titulares, mediante a autorização do membro do Governo responsável pela área da justiça, e, tratando-se de informação relativa a pessoa colectiva ou equiparada, entidades públicas encarregadas da supervisão da atividade económica por aquela desenvolvida, na medida do estritamente necessário para o exercício dessa supervisão e mediante autorização do membro do Governo responsável pela área da justiça;
g) (…);
h) (…);
i) (…)
j) (…).
3 – As entidades públicas competentes para a instrução de procedimentos administrativos dos quais dependa a concessão de emprego ou a obtenção de licença, autorização ou registo de carácter público (…) podem aceder à informação necessária ao cumprimento de exigência legal de apresentação de certificado do registo criminal aplicável ao procedimento administrativo em causa desde que o titular da informação, no caso de pessoas singulares, ou um representante legal, no caso de pessoas coletivas ou entidades comparadas, autorize previamente esse acesso no âmbito do procedimento administrativo.

Da leitura deste preceito imediatamente ressalta a ideia, já aflorada, da funcionalização da informação, isto é, da estrita vinculação das entidades que têm acesso ao registo criminal, que apenas poderão obter informação que seja relevante para os próprios fins que prosseguem.


Por último, é fundamental fazer referência ao cancelamento das informações contidas nos cadastros, aspecto crucial para determinar o que pode ser transcrito para os certificados do registo criminal. O legislador de 2015 manteve, e porventura clarificou, esta figura do cancelamento das decisões judiciais, associada ao instituto da reabilitação legal ou de direito. No artigo 11º (Cancelamento definitivo), que corresponde ao anterior artigo 15.º (Cancelamento definitivo), pode ler-se o seguinte:
“1 – As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da penas ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
6 – As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.


Ainda com interesse para o caso dos autos, veja-se o disposto no artigo 10.º (Conteúdo dos certificados):

“1 – O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada.
2 – Não pode constar do certificado do registo criminal qualquer indicação ou referência donde se possa depreender a existência no registo de outros elementos para além dos que devam ser expressamente certificados nos termos da lei, nem qualquer outra menção não contida nos ficheiros centrais do registo criminal e de contumazes.
3 – Os certificados do registo criminal requisitados pelas entidades referidas nas alíneas a) a f) e i) do n.º 2 do artigo 8.º para as finalidades aí previstas contêm a transcrição integral do registo criminal vigente.
4 – (…)
5 – (…)
6 – Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
7 – (…)
8 – Aos certificados do registo criminal pedidos por entidades públicas nos termos do n.º 3 do artigo 8.º é aplicável o disposto nos n.os 5 a 7.
9 – (…)”.


Em síntese, o que se poderá retirar da leitura de todos estes preceitos, é que, entre outros aspectos, a organização do registo criminal, o modo de veicular a informação através dos certificados do registo criminal, o acesso restrito e funcionalizado à informação, e a previsão do cancelamento ou cessação de vigência das decisões judiciais reabilitadas, tudo isto está disciplinado na Lei de Identificação Criminal (LIC) de forma estrita e rigorosa, devendo a obtenção de informações contidas no registo criminal ser feita através da forma prevista na lei (v.g., pelas entidades que a elas possam aceder). Para o que agora mais nos interessa, é importante reter que existe uma proibição legal expressa de transcrição das decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou nos certificados do registo criminal. Assim sendo, e tendo em conta que o conhecimento dos antecedentes criminais de uma pessoa se efectiva através do acesso ao seu registo criminal, nomeadamente através do respectivo certificado, há necessariamente que conjugar a LN, e designadamente o seu artigo 6.º, n.º 1, al. d), com a LIC e o regime jurídico nela contido. Mais ainda, e ao contrário do que sustenta a recorrente, a verdadeira excepção, que teria que estar expressamente contida, quer na LN, quer na LIC, seria a de permitir o acesso dos serviços competentes para a apreciação dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa (e para a sua concessão), no caso, por naturalização, a um ficheiro contendo o registo integral de todas as decisões judiciais condenatórias do requerente da nacionalidade. Pense-se, por exemplo, no facto de que os certificados de registo criminal pedidos para concorrer a certos empregos públicos ou privados que exijam especiais garantias de idoneidade poderão conter informações que são excluídas dos certificados emitidos para outros fins – possibilidade expressamente consagrada na LIC.


Mas atentemos no caso concreto dos autos. Sustenta a recorrente que a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN não excepciona nenhum caso, sendo este um dos argumentos a favor da irrelevância da reabilitação legal ou de direito do requerente da nacionalidade portuguesa. Sucede que ter em consideração a reabilitação não equivale a uma excepção. O conhecimento dos antecedentes criminais, necessário para verificar se a exigência contida em tal preceito foi cumprida, será atestado mediante a apresentação pelo interessado (ou mediante o pedido oficioso) do certificado do registo criminal do requerente da nacionalidade. Ora, se este tiver sido reabilitado, as decisões judiciais canceladas ou que cessaram vigência não poderão ser transcritas para o certificado. E, ainda que as decisões canceladas ou cuja vigência cessou não sejam imediatamente apagadas ou destruídas, elas não poderão ser livremente utilizadas (vejam-se os actuais artigos 10.º e 11.º, n.º 6, da LIC).

O argumento de que, a ser assim, não se justifica a referência feita ao SEF e à PJ no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade, ainda em vigor, também não colhe. A referência ao SEF é óbvia tendo em conta o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º da LN (“Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos”). Com efeito, é o SEF que emite o documento que comprova a residência legal em Portugal há pelo menos seis anos. A referência à PJ não poderá significar o acesso a registo com a transcrição integral dos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade. E isto, basicamente, por dois motivos. Em primeiro lugar, se a ideia era tomar conhecimento de todas as decisões judiciais de condenação, mesmo aquelas que já foram canceladas ou que cessaram vigência, então o lógico é que essa informação fosse pedida directamente à DGAJ. Em segundo lugar, a PJ tem acesso ao registo criminal das pessoas para prosseguir os seus próprios fins de investigação criminal, não podendo desviar a informação para outros fins, como seja, para efeitos do procedimento de aquisição da nacionalidade.

2.3.2. Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que actualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal” (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 653).


A reabilitação legal ou de direito, contrariamente à reabilitação judicial e à administrativa (em que há uma indagação prévia sobre a reintegração social), opera de forma automática, impõe-se, bastando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655). Ela assenta na presunção de que o indivíduo se encontra reintegrado socialmente (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 218, nota 393).

A reabilitação é um direito, um verdadeiro direito do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655). Com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 213-4).
No tocante especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos cadastros ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, normalmente podem aceder a essas inscrições (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 204).
Como decorre do que atrás foi exposto relativamente aos preceitos da LIC, pode determinar-se o cancelamento para certos fins ou pessoas. Pode, por exemplo, vedar-se o acesso ao registo para fins não judiciais.
Por último, diga-se que as decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou devem ser consideradas extintas, não se lhes devendo ligar quaisquer efeitos (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 378 – embora reportando-se especificamente à sua utilização como meios de prova para efeitos processuais). Isso mesmo é assinalado no parecer da Provedoria de Justiça, onde é sugerido que nada justifica um tratamento distinto em termos de utilização da informação cancelada para fins processuais e para fins de aquisição da nacionalidade (Processo R-5580/08 (A5), in www.provedor-jus.pt).

2.3.3. De forma igualmente breve, deve referir-se que a partir de 2006 a LN aligeirou as exigências ou requisitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. Para o que agora releva, desapareceram os requisitos da idoneidade moral e civil e da suficiência dos meios de subsistência. Porventura, o legislador terá percebido que, se por um lado, o Estado tem o poder de determinar quem são os seus nacionais, por outro, as políticas da nacionalidade não devem ser discriminatórias.


2.3.4. Em síntese, tudo tem que ver com o modo como deve ser interpretada a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN. Ora, uma adequada interpretação deste preceito deverá ter em conta não apenas o elemento textual, como de igual forma o racional e o sistemático. O resultado interpretativo obtido – vale por dizer, a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade –, por sua vez, é o que corresponde à solução mais rights friendly, na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efectividade.
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18. Atendendo à interpretação que deve merecer a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, nos termos explanados no supra citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/05/2015, Proc. 0129/15, a cuja respetiva fundamentação aderimos, e que também já motivou idêntica posição seguida por este Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente no acórdão de 12/11/2015, Proc. 12527/15, in, www.dgsi.pt/jtacs, tem que concluir-se que deve dar-se por preenchido, no caso, o requisito (negativo) previsto naquele dispositivo.
19. O que significa que ao invés de indeferir, pelo despacho de 08/11/2013, o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização a entidade administrativa competente o deveria ter deferido, por se encontrarem à data preenchidos, nos termos vistos, todos os pressupostos enunciados no artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade.
E se assim é, e por tal razão, a ação administrativa especial devia ser julgada procedente, como foi, com condenação da entidade administrativa competente a praticar o ato administrativo devido, ou seja, a conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao autor.
Razão pela qual tem que improceder o recurso, mantendo-se a decisão de procedência da ação, embora com distintos fundamentos.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se, embora com distinta fundamentação, a recorrida decisão de procedência da ação administrativa especial, com condenação da entidade demandada a conceder ao autor a nacionalidade portuguesa por naturalização.

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Custas pelo Recorrente, em ambas as instâncias - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro).
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Notifique.
D.N.


Lisboa, 21 de Abril de 2016

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela