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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04657/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/24/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO. REQUISITOS DE DEDUÇÃO NO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
REGRAS DO REGISTO PREDIAL.
REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS EM PROCESSO TRIBUTÁRIO.
QUESTÕES NOVAS.
CONCEITO DE POSSE.
Sumário:1. Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
2. Sendo o contrato em que se fundamentam os embargos de terceiro celebrado em data posterior ao registo da penhora levada a efeito no âmbito do processo de execução fiscal, não se revela necessária a produção de prova testemunhal incidente sobre o cariz da posse sustentada pelo embargante e o termo inicial da mesma, tudo levando em consideração as regras do registo predial (cfr.artºs.2, nº.1, als.a) e n), e 5, nº.1, do C.R.Predial), tal como o disposto no artº.819, do C.Civil, normas que consagram a ineficácia face ao exequente dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados registados depois da mesma penhora. É que o registo, tendo em regra valor meramente declarativo, será indispensável quando as partes quiserem tornar eficaz o seu direito contra terceiros.
3. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”.
4. A nossa jurisprudência, repetidamente, vem afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
5. Apesar disso, o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário).
6. A posse pode ser definida como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (cfr.artº.1251, do C.Civil), tendo como elementos constitutivos uma componente objectiva ou material (“corpus”) e outra subjectiva ou intencional (“animus”), de acordo com a melhor doutrina, assim se consagrando a concepção subjectivista do referido instituto (cfr.artº.1253, al.a), do C.Civil). Só esta, a posse efectiva e causal, que se traduz pelos mencionados elementos objectivo e subjectivo, pode fundamentar, regra geral, os embargos de terceiro.
7. No actual Código de Processo Civil, aprovado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, os embargos de terceiro deixaram de ter a natureza de processo especial, passando a ser configurados como modalidade do incidente de oposição, ampliando-se os pressupostos da sua admissibilidade, assim deixando de estar ligados, necessariamente, à defesa da posse do embargante. Isto é, face a este novo regime, o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial (cfr.artºs.351 e seg., do C.P.Civil; relatório constante do dec.lei 329-A/95, de 12/12).
8. Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.237, do C.P.P.Tributário):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“A...- COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES TURÍSTICOS, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.48 a 52 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente opondo-se a penhora de imóvel levada a efeito no âmbito da execução fiscal nº.3549-2007/119818.1, a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Sintra.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.79 e 80 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o recurso da douta decisão que indeferiu preliminarmente os embargos, alegando que o contrato promessa, teria sido celebrado após o registo da penhora;
2-Acontece, porém, que este contrato é o complemento do contrato de arrendamento, com opção de compra, o qual regula as condições em que se assume a promessa e nele se considera pago o preço e a tradição;
3-Como se vê desse contrato de arrendamento, com opção de compra, a formalização efectuada mais tarde não foi mais do que um complemento da posse já existente e do pagamento antes efectuado;
4-Segundo aquele primeiro contrato a compradora declara que assume a dívida da hipoteca ao banco, a fim de se considerar a venda e a tradição, como aconteceu;
5-A formalização do contrato promessa era desnecessário, pois já ocorrera antes;
6-Desta forma, a tradição e a chave, foi na data da opção de compra, muito antes da penhora e contrato complementar um mês depois;
7-Desta forma, impõe-se discutir em sede de inquirição de testemunhas o esclarecimento da data efectiva da posse e da tradição, bem como do pagamento total, através da assunção das dívidas, o que ocorreu antes da penhora, pelo que se violou o artº.351 e seg., do C.P.C., não ordenando a inquirição.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser anulada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1ª. Instância em virtude de défice instrutório, tudo ao abrigo dos artºs.13, do C.P.P.T., e 99, da L.G.T., tal como do artº.712, nº.4, do C.P.C., mais se devendo inquirir as testemunhas arroladas pela embargante (cfr.fls.99 e 100 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.102 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.49 e 50 dos autos):
1-A Fazenda Publica instaurou execução fiscal contra B...e Outra, por dívidas de I.R.S. de 2006, com o nº.3549-2007/119818.1, para cobrança coerciva das quantias em dívida, no valor de € 90.448,64 (cfr.processo de execução fiscal apenso);
2-No processo de execução referido supra, foi penhorado, em 30/9/2008, a fracção do prédio urbano descrito na 2º. C.R.P. de Sintra, sendo a fracção inscrita na matriz predial sob o nº.8809 - AP e registado naquela Conservatória sob a descrição nº.1700 - AP, em 9/10/2008 (cfr.pedido de registo de penhora constante de fls.10, “Auto de Penhora” de fls. 48 e descrição do prédio urbano na 2ª. C.R.P. de Sintra, de fls.75 a 81, do processo de execução apenso);
3-Em 7/2/2009, foi celebrado um contrato - promessa de compra e venda da fracção referida em 2, entre os executados e o embargante, nos termos constantes de fls.11, cujo conteúdo se dá por reproduzido, no qual se convencionou o pagamento de sinal e a utilização da fracção prometida vender (cfr.documento junto a fls.11 dos presentes autos);
4-A partir da data referida supra o promitente-comprador, que obteve a tradição, passou a exercer os seus poderes de facto sobre a coisa e com a intenção de agir como beneficiário do direito (cfr.factualidade constante do artº.2 da p.i. que originou os presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos constantes da petição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedentes os embargos objecto dos presentes autos, tudo em virtude dos actos de disposição ou oneração do bem penhorado serem ineficazes em relação ao exequente, porquanto a penhora foi registada antes da aquisição do direito invocado pelo embargante.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado alegando em primeiro lugar, como supra se alude, que se impunha discutir em sede de inquirição de testemunhas o esclarecimento da data efectiva da posse e da tradição do bem, bem como do pagamento total, através da assunção das dívidas, o que ocorreu antes da penhora, assim se violando o artº.351 e seg., do C.P.C., ao não ordenar-se a inquirição de testemunhas (cfr.conclusões 6 e 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
No mesmo sentido vai o douto parecer do M. P. junto deste Tribunal.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Por outro lado, dir-se-á que incumbe às partes, à luz da base instrutória e das demais circunstâncias do caso, fazer a prognose da prova que será necessário produzir e, sendo caso disso, arrolar as testemunhas cujo depoimento possa ter interesse, sob essa perspectiva, tudo levando em consideração o ónus da prova que sobre cada uma recai (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Por último, refira-se que, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
No caso “sub judice”, atenta a causa de pedir alegada pela sociedade embargante na p.i. que originou os presentes autos, a qual se reconduz à existência do contrato-promessa identificado no nº.3 do probatório, era manifesta a desnecessidade de inquirir as testemunhas arroladas pela recorrente, dado que a data de celebração do mesmo contrato é posterior ao registo da penhora levada a efeito no âmbito do processo de execução fiscal nº.3549-2007/119818.1 (cfr.nºs.1 e 2 da matéria de facto provada), assim não sendo necessária a produção de prova testemunhal incidente sobre o cariz da posse sustentada pela embargante e o termo inicial da mesma, tudo levando em consideração as regras do registo predial (cfr.artºs.2, nº.1, als.a) e n), e 5, nº.1, do C.R.Predial), tal como o disposto no artº.819, do C.Civil, normas que consagram a ineficácia face ao exequente dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados registados depois da mesma penhora. É que o registo, tendo em regra valor meramente declarativo, será indispensável quando as partes quiserem tornar eficaz o seu direito contra terceiros (cfr.J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1993, pág.64).
No entanto, segundo percebemos, a recorrente fundamenta a alegada necessidade de inquirição de testemunhas na celebração de um contrato de arrendamento, com opção de compra, em data anterior à penhora, do qual junta cópia a fls.81 dos presentes autos, na fase das alegações do presente recurso.
Ora, tal matéria somente sendo carreada para o processo no estádio de recurso para esta Tribunal, deve configurar-se como uma questão nova e não passível de conhecimento por esta instância judicial de controlo. É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 28/6/2011, proc.2477/08). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.272, do C.P.Civil), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Voltando ao caso “sub judice”, deve concluir-se que o fundamento de recurso ora sob apreciação (a eventual celebração de um contrato de arrendamento, com opção de compra, em data anterior à penhora, do qual junta cópia a fls.81 dos presentes autos), constitui questão que não foi invocada na petição inicial pelo que não pode ser agora apreciada, já que também não é de conhecimento oficioso. Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada.
Concluindo, a recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece. Neste sentido, igualmente se deve concluir pela falta de fundamento para o alegado défice instrutório chamado à colação pelo Digno P.G.A. no seu douto parecer.
O recorrente discorda do julgado alegando, igualmente, que o contrato promessa de compra e venda é o complemento de prévio contrato de arrendamento, com opção de compra, o qual regula as condições em que se assume a promessa e nele se considera pago o preço e a tradição. Que como se vê desse contrato de arrendamento, com opção de compra, a formalização efectuada mais tarde não foi mais do que um complemento da posse já existente e do pagamento antes efectuado. Que desta forma, a tradição e a entrega da chave se verificou na data da opção de compra, muito antes da penhora e contrato complementar. Pelo que se mostra violado o regime do artº.351 e seg., do C.P.C. (cfr.conclusões 2 a 5 e 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
A essência dos direitos relacionados com as coisas - dos direitos reais de gozo e de alguns direitos reais de garantia e direitos pessoais - consiste na faculdade de sobre elas exercer poderes de retenção, de uso, de fruição e de transformação. Todos estes direitos têm por finalidade a utilização económica das coisas, das vantagens que das coisas se podem obter, sendo pelo exercício daqueles poderes que a utilização se realiza (cfr.Manuel Rodrigues, A Posse, Estudo de Direito Civil Português, 4ª.edição prefaciada por Fernando Luso Soares, Almedina, 1996, pág.7).
Nos termos da lei civil substantiva o possuidor que veja a sua posse sobre determinada coisa ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a mesma mediante a proposição de embargos de terceiro (cfr.artº.1285, do C.Civil).
A posse pode ser definida como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (cfr.artº.1251, do C.Civil), tendo como elementos constitutivos uma componente objectiva ou material (“corpus”) e outra subjectiva ou intencional (“animus”), de acordo com a melhor doutrina, assim se consagrando a concepção subjectivista do referido instituto (cfr.artº.1253, al.a), do C.Civil; Manuel Rodrigues, A Posse, Estudo de Direito Civil Português, 4ª.edição prefaciada por Fernando Luso Soares, Almedina, 1996, pág.88 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1987, III, pág.5). Portanto, para que exista posse é necessário alguma coisa mais do que o simples poder de facto exercido sobre a coisa; tem que haver, por parte do detentor, a intenção (“animus”) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa. E só esta, a posse efectiva e causal, que se traduz pelos mencionados elementos objectivo e subjectivo, pode fundamentar, regra geral, os embargos de terceiro (cfr.Alberto dos Reis, Processos Especiais, I, Coimbra Editora, 1982, pág.406; Jorge Duarte Pinheiro, Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, Almedina, 1992, pág.39; ac.S.T.J., 28/11/75, B.M.J.251, pág.135; ac.R.Lisboa, 18/4/91, C.J., 1991, II, pág.180).
No actual Código de Processo Civil, aprovado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, os embargos de terceiro deixaram de ter a natureza de processo especial, passando a ser configurados como modalidade do incidente de oposição, ampliando-se os pressupostos da sua admissibilidade, assim deixando de estar ligados, necessariamente, à defesa da posse do embargante. Isto é, face a este novo regime, o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial (cfr.artºs.351 e seg., do C.P.Civil; relatório constante do dec.lei 329-A/95, de 12/12).
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.237, do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/1/95, rec.18307, ap.D.R., 31/7/97, pág.175 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.670 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.123 e seg.):
1-A tempestividade da petição de embargos;
2-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
3-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
No processo vertente é o exame do terceiro requisito que está em causa.
Deve o embargante fazer prova de que a diligência judicial em causa ofendeu a sua posse. Remetendo para as considerações acima expendidas, só a posse efectiva e causal, que se traduz pelos mencionados elementos objectivo e subjectivo (“corpus” e “animus”), pode fundamentar, regra geral, os embargos de terceiro. Por outro lado, a posse há-de ser anterior à diligência contra a qual se reage, mais se devendo chamar à colação as regras do registo já supra mencionadas.
“In casu”, mesmo dando de barato que o contrato-promessa identificado no nº.3 da matéria de facto provada beneficiaria de eficácia real, a qual determina que o direito de natureza obrigacional, patente neste contrato, de exigir a celebração do contrato prometido, se transmute na atribuição para o promitente-comprador de um direito real de aquisição “erga omnes” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/10/2010, rec.453/10; ac.T.C.A.Norte-2ª. Secção, 12/6/2008, proc.651/06.0BEPNF), devem os presentes embargos considerar-se improcedentes devido às regras do registo predial, desde logo porque a alegada data de celebração do mesmo contrato é manifestamente posterior à data do registo da penhora visada pelos presentes embargos (cfr.nºs.2 e 3 da matéria de facto provada).
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2012



(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)