Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1681/09.5BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
NOTIFICAÇÃO;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:I. O artigo 45.º, n.º1 da LGT, estabelece que o direito a liquidar caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, considerando a falta de notificação uma preterição de formalidade integrada no complexo procedimento administrativo da liquidação que afecta a validade do acto notificado e não apenas a sua eficácia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou procedente a impugnação judicial que Maria .........., ali havia deduzido contra os actos de liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos anos de 2003 a 2006, no valor total de € 77.425,59.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. A decisão recorrida que julgou procedente a presente impugnação judicial considerou que não tendo sido efectuada a notificação das liquidações (ou não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada), estará afectada a eficácia das liquidações (artigos 77.º n.º 6 da LGT e 36.º n.º 1 do CPPT), devendo o Tribunal concluir que a impugnante não tomou conhecimento das liquidações em causa até ao termo do prazo de caducidade, pelo que, o acto de liquidação não pode produzir efeitos relativamente ao destinatário sendo, por essa razão, um acto ineficaz.
II. E assim decidiu pela anulação das liquidações adicionais de IRS emitidas, tudo em virtude do provimento do fundamento de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação das mesmas.
IV. Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida, pelas razões que sustentam o presente recurso, sob o prisma do que consideramos ter sido erro de julgamento, assim, contraditando a sentença proferida em 1ª instância.
V. A questão essencial no presente recurso é saber, se em sede de impugnação judicial o Tribunal a quo deveria ter emitido pronúncia acerca da eficácia do acto tributário, fundamento que é de oposição à execução fiscal. (art. 204.º n.º 1 al.c do CPPT).
VI. Todavia, a possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade.
VII. Tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, e é na oposição à execução fiscal que devem ser invocadas.
VIII. Acresce que, apesar de manifesto, a questão da caducidade não é o único fundamento da presente impugnação, porquanto, a recorrida defende, por outro lado, que o acto de inspecção foi determinado por órgão incompetente.
IX. Contudo, analisada a impugnação, não se infere que a matéria na mesma exposta se dirija às liquidações em si, mas antes, à preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento que levou à sua produção, ou seja, a recorrida cinge os seus argumentos a supostas ilegalidades relativas aos actos interlocutórios prévios as liquidações.
X. Assim, salvo melhor entendimento, existirá erro na forma do processo, uma vez que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para apreciar a questão da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, suscitada pela impugnante na petição inicial.
XI. Por outro lado, mesmo na eventualidade, de se considerar existir na petição inicial de impugnação outros vícios assacáveis às liquidações, ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, sempre deveria ter a decisão recorrida desconsiderado o fundamento de oposição, indagando apenas o putativo fundamento de impugnação.
XII. Contudo, foi exclusivamente apreciado o fundamento de oposição, com base no qual foi proferida sentença em acção de impugnação ferida, a nosso ver, por erro de julgamento.
XIII. Por último, sem conceder no que acima fica alegado, uma vez que na sentença foi dado como não provado que a recorrida tivesse sido validamente notificada da liquidação adicional emitida, também não deverá colher tal conclusão.
XIV. A impugnante alega que a AT não procedeu à notificação das liquidações de IRS dos anos de 2003 a 2006, porém sem razão, porquanto em consulta à aplicação Gestão de Fluxos Financeiros do sistema informático da AT, verifica-se que as notificações foram efectuadas por via postal sob registo, tendo-se concretizado na data constante da referida aplicação, como se depreende da documentação junta dos autos.
XV. Cumpre ainda referir que no que concerne à forma da notificação das liquidações de que se fala, foi cumprida pela AT a determinação legal que obriga a que a notificação seja efectuada via postal, registada simples/sem AR (art. 38.º n.º 3 do CPPT), embora de forma automática, feita centralmente pelo próprio sistema informático.
XVI. Acresce que, a regra geral para as notificações em matéria de IRS, vem prevista a norma do art.149. ° do CIRS, que dispõe que as notificações postais devem ser feitas no domicílio do notificando por simples carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil.
XVII. Ora, nos termos do n.º 2 do art. 39.º do CPPT, para que a presunção de notificação seja elidida competia á notificada, ora recorrida, demonstrar que o facto de a notificação não ter ocorrido na data presumida não lhe é imputável, sendo que a Recorrida, não justifica a não recepção da referida notificação com qualquer alteração do domicilio fiscal.
XVIII. Assim, tendo sido cumpridas todas as formalidades da notificação que a lei impunha no caso concreto e enviada que foi para o domicílio fiscal da recorrida, terá de se reconhecer como válida e eficazmente efectuadas as notificações, não bastando á impugnante, para afastar presunção do art. 39.º n.º 1 do CPPT, arguir a falta de notificação das liquidações quando estas foram remetidas para o seu domicilio fiscal. (cfr. arts 19.º LGT, 39.º e 43.º do CPPT e 149.º n.º 1 e 3 do CIRS).
XIX. Não perdendo de vista a prudência que deve nortear o Tribunal Superior no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, reputa-se ter sido ela mal julgada na instância de origem, impondo-se por isso rematar de imediato pela absoluta e total legalidade da liquidação emitida, refutando-se o afirmado na sentença recorrida, porquanto as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2003 a 2006, nos termos efectuados, se mostrou válida e tempestivamente emitida e notificada dentro do prazo de caducidade.
Nestes termos e nos demais de facto e de Direito, que certamente o mui douto
entendimento do Insigne Colectivo não deixará de convocar, defende a Representação da Fazenda Publica o provimento do presente recurso jurisdicional, determinando a revogação da decisão provinda do Tribunal a quo, substituindo-a por decisão que determine o decaimento do pedido anulatório formulado na impugnação judicial pleiteada, fazendo-se assim, Justiça!»

**
Não foram apresentadas contra-alegações.

**

Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

**

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

**

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Neste quadro, as questões a decidir são as seguintes:

(i) Saber se a falta de notificação do acto de liquidação antes de decorrido o prazo de caducidade pode ser invocada como fundamento de impugnação (e não de oposição à execução fiscal);

(ii) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de facto e direito ao ter considerado verificada a falta de notificação das liquidações do tributo no prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artigo 45.º da LGT.


**

III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A. Em 21.11.2005, foi emitida a ordem de serviço n.º OI2005.........., relativamente à realização de uma ação de inspeção à Impugnante, em sede do IRS, quanto aos exercícios de 2002 e 2003, a qual se encontra assinada por Jaime .........., na qualidade de inspetor tributário principal, ao abrigo de subdelegação de poderes – cf. fls. 17 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

B. Em 25.01.2006, ao abrigo da ordem de serviço referida no ponto A. que antecede, foi iniciada uma ação de inspeção à Impugnante, em sede do IRS, quanto aos exercícios de 2002 e 2003, a qual foi concluída em 31.03.2006 – cf. RIT, que consta de fls. 20 a 24 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

C. Em 04.05.2006, foi concluído o RIT relativo à ação de inspeção referida nos pontos A. e B. que antecedem, o qual foi sancionado por despacho de Jaime .........., na qualidade de inspetor tributário principal, ao abrigo de delegação de poderes – cf. RIT, que consta de fls. 20 a 24 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

D. Em 29.06.2007, foi emitida a ordem de serviço n.º OI2007.........., relativamente à realização de uma ação de inspeção à Impugnante, em sede do IRS, quanto ao exercício de 2004, a qual se encontra assinada por Jaime .........., na qualidade de inspetor tributário principal, ao abrigo de subdelegação de poderes – cf. fls. 28 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

E. Em 14.08.2007, ao abrigo da ordem de serviço referida no ponto D. que antecede, foi realizada uma ação de inspeção à Impugnante, em sede do IRS, quanto ao exercício de 2004 – cf. RIT, que consta de fls. 30 a 35 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

F. Em 11.09.2007, foi concluído o RIT relativo à ação de inspeção referida nos pontos D. e E. que antecedem, o qual foi sancionado por despacho de Jaime .........., na qualidade de inspetor tributário principal, ao abrigo de delegação de poderes – cf. RIT, que consta de fls. 30 a 35 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

G. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição quanto ao projeto de RIT elaborado quanto às ações de inspeção realizadas pela AT, em sede do IRS, com referência aos anos de 2002, 2003 e 2004, referidas nos pontos A. a F. que antecedem – cf. informação que se extrai dos RIT que constam de fls. 20 a 24 e de 30 a 35 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

H. A Impugnante procedeu à entrega de declarações modelo 3 do IRS relativamente aos anos de 2005 e 2005 – cf. fls. 56 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida; cf. informação que se extrai de fls. 65 a 69 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

I. Em 07.09.2006, foi emitida a nota de cobrança/compensação n.º 2006.........., relativa ao IRS liquidado adicionalmente pela AT com referência ao ano de 2003, com data limite de pagamento em 31.10.2006 – cf. fls. 41 a 43 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

J. Em 19.07.2006, foi emitida a nota de cobrança/compensação n.º 2006.........., relativa ao IRS liquidado adicionalmente pela AT com referência ao ano de 2004, com data limite de pagamento em 31.10.2006 – cf. fls. 44 a 46 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

K. Em 04.08.2006, foi emitida a nota de cobrança/compensação n.º 2006.........., relativa ao IRS liquidado adicionalmente pela AT com referência ao ano de 2005, com data limite de pagamento em 31.10.2006 – cf. fls. 50 a 52 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

L. Em 03.10.2007, foi emitida a nota de cobrança/compensação n.º 2007.........., relativa ao IRS liquidado adicionalmente pela AT com referência ao ano de 2004, com data limite de pagamento em 12.11.2007 – cf. fls. 47 a 49 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

M. Em 03.10.2007, foi emitida a nota de cobrança/compensação n.º 2007.........., relativa ao IRS liquidado adicionalmente pela AT com referência ao ano de 2006, com data limite de pagamento em 12.11.2007 – cf. fls. 53 a 55 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

N. Em 26.10.2009, a petição inicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

Factos não provados

Não ficou dado como provado nos presentes autos que:

1.A AT remeteu, por correio postal registado, e que a Impugnante recebeu as liquidações adicionais de IRS referidas nos pontos I., J., K., L. e M. dos factos provados.»


**

B. DO DIREITO

A recorrida instaurou impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos anos de 2003 a 2006, que lhe foram efectuadas na sequência de uma inspecção externa levada a efeito pela Administração Tributária, invocando como fundamentos do pedido de anulação:(i) incompetência do órgão que determina a prática do procedimento de inspecção, despacho para audição prévia e despacho de ratificação do relatório final de inspecção (RIT) ; (ii) Caducidade do direito à liquidação; (iii) Inexistência de operações tributáveis nos exercícios em causa; e, (iv) Não notificação para exercer o direito de audição prévia.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou procedente a impugnação, com fundamento na verificação da caducidade do direito à liquidação, uma vez que a Fazenda Pública não fez prova da notificação válida das liquidações do imposto à recorrida.

Começa a recorrente afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que o Tribunal de 1ª Instância deveria ter considerado existir erro na forma do processo, « (…) uma vez que, a impugnação não é o meio processual adequado para apreciar a questão suscitada pela impugnante na petição inicial».

Mas adiantamos que sem razão.

Como se sabemos, o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado à pretensão formulada em juízo (cf. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigos 98.º, n.º 4, do CPPT). Recordamos aqui que a recorrida em sede de petição inicial invocou a caducidade do direito à liquidação (artigos 54.º a 64.do mencionado articulado) com fundamento da falta de notificações das liquidações sindicadas.

O artigo 45.º, n.º1 da LGT, estabelece que o direito a liquidar caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, considerando a falta de notificação uma preterição de formalidade integrada no complexo procedimento administrativo da liquidação que afecta a validade do acto notificado e não apenas a sua eficácia. (neste sentido, vide, entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.10.2017, proferido no processo n.º 660/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, em jurisprudência constante « (…) o facto da intempestividade da notificação da liquidação em qualquer caso, incluindo a falta da sua notificação ao contribuinte no prazo da caducidade poder ser fundamento de oposição não significa nem implica que por tal razão que quando essa falta for determinante da caducidade do direito de liquidação não possa ex. vi do preceituado no artigo 45/1 da LGT ser ilegalidade invalidante desse acto e como tal fundamento de impugnação judicial» ( entre outros; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.10.2017, proferido no processo n.º 660/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Desde modo, estando em causa o exame da eventual caducidade do direito à liquidação deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal. (neste sentido, vide entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2005, processo n.º 633/05; Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo de 16.10.2012, 28.11.2013 e 10.04.2014, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 5594/12, 7031/13 e 7443/14, todos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt)

Nesta perspectiva, improcede nesta parte o recurso.

O Tribunal de 1.ª Instância deu como não provado que: « A AT remeteu, por correio postal registado, e que a Impugnante recebeu as liquidações adicionais de IRS referidas nos pontos I., J., K., L. e M. dos factos provados.», suportado no entendimento de que não foram apresentados os talões de registo das cartas que a Administração Tributária alega que foram expedidas para notificação à recorrida das liquidações impugnadas, nem qualquer, documento extraído do site dos CTT. Não deixando, no entanto, de sublinhar: « O que consta dos autos é unicamente um conjunto de informações internas da AT, das quais não podemos extrair, com o necessário rigor, que as notificações em causa foram expedidas pela AT e recebidas pela Impugnante.».

Neste ponto, veio a recorrente defender a existência de erro de julgamento quanto à factualidade dada como não provada, «por se verificar que as liquidações de imposto impugnadas foram, efectivamente realizadas a coberto do registo postal, cuja recepção não foi afastada pela prova apresentada, pela recorrida».

Antes de mais importa referir, que não se encontra em discussão no presente recurso que as notificações dos actos de liquidação questionados nos autos tinham que ser efectuadas por carta registada, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 38.º do CPPT. Deste modo, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a recorrida foi notificada das liquidações sindicadas nestes autos.

Posto isto, vejamos:

Em primeiro lugar, importa dizer que, para aferir da caducidade do direito de impugnar judicialmente é necessário que a notificação assegure o efectivo conhecimento do acto pelo notificando, sendo que está em causa um facto constitutivo do direito da Administração Tributária e, por isso, é sobre ela que recai o ónus da prova da prova da remessa da correspondência que notifica o contribuinte da liquidação - artigo 74.º da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil-. (Entre muitos outros, vide, acórdão do STA de 27.05.2015, proferido no processo n.º 078/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt e João António Valente Torrão, In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 2005, Almedina, pág. 202, nota 3, ao referir que “No caso de o notificando negar ter recebido a carta, cabe à administração tributária provar a remessa da mesma”).

Em segundo lugar, como já deixamos dito, estão em causa liquidações de IRS dos anos de 2003 a 2006, e não se discute que tendo a recorrida sido notificada do teor dos RIT, para efeitos do exercício de audição prévia, referente às correcções realizadas com referência aos anos de 2003 e 2004 [cfr. Ponto G.], e que as liquidações de 2005 e 2006 decorrem da entrega de declarações de IRS modelo 3 [cfr. Ponto H.] a notificação das liquidações em causa nos autos teriam de ser efectuada por carta registada, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, como de resto o foram.

No que aqui importa considerar, dispõe-se o artigo 39.º do CPPT (Perfeição das notificações) o seguinte:
«1 - As notificações efectuadas nos termos do nº 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.».
Começa-se por considerar que o juízo de prova (aqui sindicado) vertido na sentença recorrida, não merece censura.
Com efeito, analisando os “prints informáticos”, juntos aos autos verifica-se que por si só, nada provam. Desde logo, os ditos “prints” extraídos do «Sistema Electrónico de Citações e Notificações» e «Gestão de Fluxos Financeiros» são complemente omissos quanto à identificação da morada de destino da correspondência, o que não permite saber se as notificações foram remetida para o correcto domicílio fiscal da recorrida que consta do cadastro da Administração Tributária. Na realidade, estamos perante um documento que é manifestamente insuficiente para demonstrar de forma cabal e com segurança a notificação da liquidação à recorrida, pois que, nem sequer é possível demonstrar a respectiva expedição.
Na verdade o “print” junto pela recorrente somente indica a data em que foi emitida a notificação relativa às liquidações, o número do registo postal, data de envio e repare-se que nem sequer foi extraído no sítio da internet dos CTT, e por isso, como já afirmamos, não pode deixar de ser considerado como documento interno elaborado pela própria Administração, para efeitos internos, não provando nem a remessa da liquidação em causa para o domicílio dos recorridos, nem o seu recebimento [inexiste presunção de que os prints estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório, que alias nem foram apresentados]. (Neste sentido, entre muitos outros vide: Acórdão do STA de 11.03.2015, proferido no processo n.º 1181/13 e Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 27.5.2010, proferido no processo n.º 463/11, ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).
Não surpreende, pois, o decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, já que a recorrente, não juntou aos autos os recibos da expedição das cartas sob registo e os ditos “prints” não provam a remessa das liquidações em causa para o domicílio da recorrida, nem o seu recebimento.
Pela sua relevância directa e pertinência, passamos a transcrever alguns excertos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.2012, proferido no processo n.º 01181/11: «Não se duvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios. O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28.º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do n.º 2 do artigo 364.º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.» - disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Nesta concreta situação, não estão verificadas as condições de facto/pressuposto de operatividade da presunção consagrada no artigo 39.º n.º 1, do CPPT, por isso, não podem deixar de improceder as alegações e respectivas conclusões da recorrente.
IV.CONCLUSÕES
I. O artigo 45.º, n.º1 da LGT, estabelece que o direito a liquidar caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, considerando a falta de notificação uma preterição de formalidade integrada no complexo procedimento administrativo da liquidação que afecta a validade do acto notificado e não apenas a sua eficácia.
V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019

Ana Pinhol

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano