Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:35/15.9BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL. FUNDAMENTOS.
A LEGITIMIDADE ENQUANTO PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE LEGITIMIDADE DA PARTE.
LEI APLICÁVEL.
HERDEIRO DO RESPONSÁVEL ORIGINÁRIO.
TRANSMISSÃO DA RESPONSABILIDADE NOS TERMOS DO ARTº.29, Nº.2, DA L.G.T.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr. artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça.
6. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correcta ligação entre as partes e o objecto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade directa), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr.artº.30, nº.3, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; artº.9, do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia. Da análise do artº.30, nº.3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura. No que directamente diz respeito ao processo de execução tributária, regem as normas constantes dos artºs.152 e seg., do C.P.P.Tributário.
7. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr.artºs.278, nº.1, al.d), 576, nº.2, e 577, al.e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário), sendo tal excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr.artº.578, do C.P.Civil).
8. A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.
9. O herdeiro do responsável originário, falecido já depois de citado para a execução fiscal, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil). Sendo certo que as obrigações tributárias se transmitem em caso de morte (cfr.citado artº.29, nº.2, da L.G.T.). Antes de efectuada a partilha, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do “de cuius” é exclusivamente da herança (cfr.artº.2097, do C.Civil), que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros. Pelo que, a citação a que aludem os artºs.153 e 155, do C.P.P.T., se destina apenas a chamar à execução fiscal a herança (assegurando a legitimidade passiva após a morte do devedor originário), podendo ser efectuada na pessoa do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr, ou não, inventário. Concretizando, se a partilha ainda não se tiver efectuado e estiver a correr processo de inventário, será citado o cabeça-de-casal para pagar toda a dívida exequenda, sob a cominação de penhora em quaisquer bens da herança (cfr.artº.155, nº.4, do C.P.P.T.). Já se não estiver a correr inventário, esta citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
M... (E OUTROS), com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.70 a 72-verso do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição, intentada pelos recorrentes, na qualidade de executados, visando a execução fiscal nº...., a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ..., propondo-se a cobrança coerciva de dívida de I.R.S., relativa ao ano de 2012 e no montante total de € 87.624,35.
X
Os recorrentes terminam as alegações (cfr.fls.106 a 112 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos termos do artigo 640 nº1 alínea b) do CPC, o Tribunal do Funchal não considerou como provado, quando o devia, os seguintes factos:
a)No Cartório da Notária C... o Inventário n.º 4728/14 por óbito de M..., requerida pelos seus descendentes, ora apelantes;
b)Os recorrentes aceitaram a herança a benefício de inventário;
2-Esses factos resultam de documentos oficiais que foram apresentados pelos Recorrentes no processo que não podiam ser ignorados pelo Tribunal;
3-A admissão desses factos como provados, leva a que a responsabilidade dos recorrentes, herdeiros a benefício de inventário, se cinja ao que determina o artigo 2071 do Código Civil que refere “só respondem pelos encargos respectivos, os bens inventariados”;
4-Acresce que o artigo 29.° da Lei Geral Tributária refere que as obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício do inventário;
5-Essa condição estabelecida no citado artigo, impede que prossiga nesta data a execução fiscal contra os recorrentes, porque ainda corre o inventário;
6-É jurisprudência assente que a citaçäo nestes casos “não constitui meio de efectivar a responsabilidade dos herdeiros pela dívida exequenda, a qual só poderá resultar da partilha, e, por isso, não serve para exigir a qualquer deles a totalidade ou sequer uma parte da dívida exequenda, ainda que proporcional à sua quota hereditária” (cfr.ac.STA-2ªSecção, 12/2/2014, rec.196/13);
7-O artigo 639° do CPC permite que se recorra das decisões judiciais quando sejam violadas as normas aplicáveis, como foi o caso;
8-A sentença do Tribunal a quo não levou aos factos provados elementos essenciais à boa decisão da causa para os quais tinha prova suficiente quer às normas que se aplicam ao caso, violando-as;
9-Termos em que se requer a anulação da sentença proferida e a sua substituição pelo deferimento do que foi pedido ao Tribunal do Funchal pelos recorrentes.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.118 a 124 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.71 e verso dos autos):
1-Em 12/12/2013, o Serviço de Finanças de ... instaurou o processo de execução fiscal nº.... contra M... visando o pagamento de dívida de I.R.S., relativa ao ano de 2012 e no montante total de € 87.624,35 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 da certidão do processo de execução apensa);
2-Em 13 de Julho de 2014, M... faleceu (cfr.cópia de assento de óbito junta a fls.20 do processo de execução apenso);
3-Em 14 de Novembro de 2014, o Serviço de Finanças de ... proferiu a seguinte informação no processo de execução:
“(…)
No decurso do processo, faleceu a 13.07.2014 a executada - M..., NIF …, tendo sido participado o óbito a 21.08.2014, participação n. 1531011.
No âmbito do processo de execução fiscal, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária e/ou contributiva é o devedor originário do tributo liquidado pelos Serviços da Administração Tributária.
(…)
Na participação de Imposto de Selo atrás referenciada foram identificados os seguintes herdeiros:
-M…, NIF …
-P…, NIF ….
Apenso ao PIS encontra-se o procedimento simplificado de herdeiros e registos - Habilitação de Herdeiros n.º 11334/2014, onde constam os herdeiros anteriormente referidos.
Não consta do referido processo informação acerca da existência de partilha e/ou pendência de inventário.
(…)
(cfr.documento junto a fls.25 e verso do processo de execução apenso);
4-Em 20 de Novembro de 2014, M... e P... foram cada um citados na qualidade de cabeça de casal/herdeiro de M... de que contra ela foi instaurado neste Serviço de Finanças o processo de execução fiscal nº...., conforme documento em anexo, devendo proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido no prazo de 30 dias a contar da concretização da citação, nos termos do nº.1 do artº.153 e nº.4 do artº.155, ambos do CPPT. No mesmo prazo poderá requerer dação em pagamento nos termos do artº.201 do CPPT ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no artº.204 do CPPT.
(…)
Decorrido aquele prazo sem que o pagamento da dívida exequenda e acrescido se mostre efectuado e caso não exista, nos termos do CPPT, motivo para suspender a execução, a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para penhora de bens (…).
(cfr.documentos juntos a fls.26 e 27 do processo de execução apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos alegados relevantes para a decisão da causa a dar como não provados …”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, os quais não foram impugnados…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
5-Em 30/12/2013, a falecida M... foi pessoalmente citada no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.1 supra (cfr.documentos juntos a fls.4 e verso do processo de execução apenso);
6-No âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros nº.11334/2014, o qual correu termos na Conservatória de Registo Civil de ..., foram reconhecidos como herdeiros da falecida a M... e o P..., sendo à primeira atribuído o cargo de cabeça-de-casal da herança, mais tendo esta declarado que o “de cuios” não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade (cfr.documento junto a fls.55 e 56 dos presentes autos);
7-Corre termos no Cartório Notarial de ... o Inventário nº.4728/14, aberto por óbito de M..., no mesmo se tendo designado o pretérito dia 6/1/2015 para que a cabeça-de-casal, M..., prestasse o compromisso de bom desempenho da sua função e consequentes declarações enquanto tal (cfr.documento junto a fls.6 dos presentes autos).
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A factualidade aditada ao probatório baseou-se no teor dos documentos identificados em cada um dos números.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente oposição, mais concluindo pela legitimidade dos opoentes e ora recorrentes para a presente execução.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Os recorrentes defendem, em primeiro lugar, que o Tribunal “a quo” não considerou como provado, quando o devia, os seguintes factos:
a)No Cartório da Notária C... o Inventário n.º 4728/14 por óbito de M..., requerida pelos seus descendentes, ora apelantes;
b)Os recorrentes aceitaram a herança a benefício de inventário.
Que esses factos resultam de documentos oficiais que foram apresentados pelos apelantes no processo e que não podiam ser ignorados pelo Tribunal (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham a decisão de alteração da factualidade provada defendida pelos recorrentes.
Arrematando, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso.
Apesar de tudo o referido, sempre se remete os recorrentes para a matéria de facto aditada ao probatório e supra identificada.
Os apelantes aduzem, igualmente e em sinopse, que a sua responsabilidade, enquanto herdeiros a benefício de inventário, se cinge ao que determina o artº.2071, do Código Civil. Que o artº.29, da Lei Geral Tributária refere que as obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício do inventário. Que a condição estabelecida no citado artigo impede que prossiga, nesta data, a execução fiscal contra os recorrentes, porque ainda corre o inventário (cfr.conclusões 3 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7256/13; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é, simultaneamente, um dos temas mais versados e controvertidos da moderna disciplina processualista. Para isso contribuirá, não só, o facto de o recorte teórico de tal figura ser consequência de algumas opções fundamentais quanto à essência e função do direito processual, como também, o notável grau de interdependência da mesma face a outros conceitos e institutos processuais (v.g. direito de acção judicial; objecto do processo).
Na nossa ordem jurídica, a legitimidade é o pressuposto processual que, traduzindo uma correcta ligação entre as partes e o objecto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade directa), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr.artº.30, nº.3, do C.P.Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; artº.9, do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia. Da análise do artº.30, nº.3, do C.P.Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura (cfr.ac.S.T.J., 30/10/84, B.M.J. 340, pág. 334).
Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr.artºs.278, nº.1, al.d), 576, nº.2, e 577, al.e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.106; Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.83 a 86; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª.edição, Coimbra Editora, 1985, pág.128 e seg.), sendo tal excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr.artº.578, do C.P.Civil).
No que directamente diz respeito ao processo de execução tributária, regem as normas constantes dos artºs.152 e seg., do C.P.P.Tributário (cfr.artº.238 e seg., do anterior C.P. Tributário).
Por último, refira-se que a legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma (cfr.ac.S.T.J., 14/11/94, C.J.-S.T.J., 1994, tomo III, pág.137 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.5948/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.6995/13).
Revertendo ao caso dos autos, o Tribunal “a quo” decidiu pela legitimidade dos opoentes e ora recorrentes para a presente execução.
Contrariamente, os apelantes, defendem que não, que carecem, por enquanto, de legitimidade para intervirem na execução fiscal nº.... contra M... visando o pagamento de dívida de I.R.S., relativa ao ano de 2012 e no montante total de € 87.624,35, enquanto herdeiros da falecida executada originária.
Vejamos quem tem razão.
O herdeiro do responsável originário, falecido já depois de citado para a execução fiscal, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil). Sendo certo que as obrigações tributárias se transmitem em caso de morte (cfr.citado artº.29, nº.2, da L.G.T.).
Antes de efectuada a partilha a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do “de cuius” é exclusivamente da herança (cfr.artº.2097, do C.Civil), que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros. Pelo que, a citação a que aludem os artºs.153 e 155, do C.P.P.T., se destina apenas a chamar à execução fiscal a herança (assegurando a legitimidade passiva após a morte do devedor originário), podendo ser efectuada na pessoa do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr, ou não, inventário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.19644; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/5/2013, rec.485/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/2/2014, rec.196/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.264; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.266 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.84 e seg.).
Concretizando, se a partilha ainda não se tiver efectuado e estiver a correr processo de inventário, será citado o cabeça-de-casal para pagar toda a dívida exequenda, sob a cominação de penhora em quaisquer bens da herança (cfr.artº.155, nº.4, do C.P.P.T.). Já se não estiver a correr inventário, esta citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.85; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.172 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.3 e 4 do probatório) a citação dos opoentes e ora recorrentes no âmbito do processo de execução fiscal nº.... foi efectuada com o pressuposto de serem herdeiros do devedor originário, entretanto falecido, mais desconhecendo a A. Fiscal que já tinha sido instaurado processo de inventário (informação exarada nos termos do artº.168, do C.P.P.T. - cfr.nº.3 do probatório), pelo que se revela legal a citação dos recorrentes na forma como ocorreu, enquanto cabeça-de-casal/herdeiro do devedor originário, cujo decesso sucedeu entretanto. Sempre se ressalvando que a citação efectuada não constitui meio de efectivar a responsabilidade dos herdeiros pela dívida exequenda, a qual só poderá resultar da partilha, e, por isso, não serve para exigir, a qualquer deles, a totalidade, ou sequer uma parte, da dívida exequenda, ainda que proporcional à sua quota hereditária.
Em conclusão, têm legitimidade para os termos da execução os recorrentes, tudo conforme já decidira o Tribunal “a quo”.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 9 de Março de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)